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Jornal de Psicanálise
versão impressa ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.49 no.90 São Paulo jun. 2016
DEPOIMENTOS DOS EDITORES
1989: França e Rocha Barros / Bracher
Elizabeth Lima da Rocha BarrosI; Maria Olympia FrançaII
IMembro efetivo da SBPSP. elizabethlrochabarros@gmail.com
IIMembro efetivo da SBPSP. mofranc@terra.com.br
Memórias de nossa gestão (1989-1990)
O Jornal de Psicanálise foi uma iniciativa de Virginia Bicudo, fundadora e uma das organizadoras do ensino de nosso Instituto. Seu amor, quase uma paixão, pela nossa Formação Psicanalítica, era algo contagiante. Foi nesse clima de aprimorar e fortalecer nosso Instituto que ela lutou e conseguiu instituir o Jornal de Psicanálise. Sua finalidade era, sobretudo, a publicação de artigos de candidatos do Instituto, assim como trabalhos relativos à Formação. Essa abertura foi recebida pelos candidatos como muito valiosa para seus desenvolvimentos. Vale lembrar a importância com que Virginia percebia os anos de formação:
A formação psicanalítica que oferecemos precisa ter raízes fortes quanto à sua competência e quanto à sua ética institucional, sendo esta a nossa responsabilidade junto ao que entendemos como psicanálise e junto àqueles que a procuram.1
Ao assumirmos a editoria do Jornal, fizemos uma pesquisa extensa entre membros e candidatos sobre o interesse que a leitura do Jornal de Psicanálise despertava. Nos demos conta então de que, embora continuasse valorizado como desde seu início, o Jornal tinha deixado de ser objeto de leitura assídua por membros e candidatos do Instituto.
O que faltaria?
Lembramos que de certa forma ele tinha se afastado aos poucos de seu propósito inicial e a preferência seria voltar a ele. Nossa primeira função foi tentar revigorá-lo. Sugerimos artigos, encomendamos outros relacionados à Formação e tentamos estimular o interesse dos candidatos em publicar no Jornal.
Nessa época havia também uma grande restrição financeira: deveriam ser publicados dois números por ano, com restrição do número de páginas, resultando em Jornais diminutos. Como estratégia de marketing mudamos sua capa, para sinalizar a relativa mudança editorial ocorrida.
Como a vida não é feita somente de fatos "benéficos", na verdade o que estava presente na ideologia geral da Instituição era, a nosso ver, pouca valorização de publicações, de trabalhos de saber e conhecimento acadêmico. Lembro-me de nossa luta para salvaguardar a manutenção da publicação da revista Ide, bastante ameaçada de extinção; a justificação era de que, como seus artigos não eram stricto senso voltados para a psicanálise, a economia deveria ser feita parando a publicação. Daí também a importância de mantermos a linha editorial do Jornal voltada para o espaço de saber teórico-clínico como um fator de equilíbrio/defesa para o que estava sendo "atacado" como não sendo do interesse da psicanálise.
Depoimento: Elizabeth Rocha Barros
Quando retornamos ao Brasil em maio de 1986 Elias e eu começamos a nos preocupar com a falta de tradução para o português de livros e artigos sobre psicanálise. É curioso pensar nisso nos dias de hoje, quando muito foi feito desde então.
Tínhamos feito nossa Formação Psicanalítica no grupo kleiniano da Sociedade Britânica de Psicanálise. Este grupo tinha constituído o Melanie Klein Trust. Este se dedicava a zelar pelos arquivos de sua obra e de seus seguidores. Fazia parte das atribuições deste Trust cuidar para que a obra de Klein fosse bem traduzida nas diferentes línguas do mundo.
Começamos nosso trabalho com o livro editado pelo Elias Evoluções. Esse livro foi muito importante, pois o Melanie Klein Trust cedeu todo o copyright para financiar as futuras traduções das obras completas de Klein, que foram depois publicadas pela Editora Imago.
Estou me referindo a esta minha trajetória porque foi a partir do nosso compromisso com a retradução de toda a obra de Melanie Klein que acabei por me interessar pelo campo da edição.
Sou muito grata à Maria Olympia pelo convite de ser coeditora com ela do Jornal de Psicanálise no biênio. Creio ter sido esta a minha primeira participação mais formal na política científica e na política de formação de nossa Sociedade. Depois desta, iria participar em inúmeras Comissões e Diretorias.
Mas esta foi a primeira e, embora muito distante no tempo e até mesmo em minha memória, permanece viva em minha lembrança afetiva. Daí minha gratidão e carinho pelo convite que me foi feito por Maria Olympia.
Quando assumimos o Jornal havia um problema grande de restrição financeira. Pelo que me lembro, tínhamos um orçamento para apenas dois números por ano e assim mesmo com restrição de número de páginas. Quando vejo as publicações atuais fico surpresa e muito contente pela facilidade orçamentária que hoje conquistamos. Temos que nos lembrar de que era outra a situação econômica brasileira naquele tempo dominado pela inflação. Eram tempos anteriores ao governo de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso e, portanto, pré-real e pré-estabilidade econômica. Hoje tendemos a nos esquecer de quão difíceis foram aqueles tempos.
O Jornal estava passando por certa crise, embora fosse pouco lido era estimado por nossos membros e candidatos. Tínhamos então que tentar revigorá-lo e reconquistar os leitores. Para tanto, buscamos estimular os candidatos a publicarem suas experiências e passamos a encomendar artigos sobre temas associados à formação psicanalítica. Foi exatamente uma encomenda sobre o tema da Supervisão que fizemos à Sonia Bracher. Sua extensa pesquisa confirma como este tema fez e ainda faz parte das reflexões de muitos dos Institutos de Formação Psicanalítica.
A preocupação com a qualidade da Formação foi sempre um tema de minhas conversas com diversos colegas e também com a Maria Olympia. Pensávamos que deveríamos propiciar um espaço no Jornal para que as diversas Orientações Teóricas pudessem ser mais bem conhecidas por todos. As diversas mesas de debate teórico por nós organizadas tinham em mente este objetivo. Quero ressaltar o clima amistoso e de respeito mútuo existente entre os colegas nesse período, o que tornava possível o diálogo e o esclarecimento de seus referenciais. Nosso objetivo era a publicação de controvérsias, pois, como afirma Guy Hall (2001), somente a partir do mapeamento das diferenças poderemos estabelecer possíveis campos comuns.
Diz ele: "É difícil resistir à tentação de não atenuar as diferenças ou de promover falsas concordâncias. Em vez disso, o que necessitamos é a reformulação dos sistemas irredutíveis que cada um tem".
Outra questão que nos era importante e que está bem descrita em um dos nossos editoriais era nossa preocupação por encorajar os membros filiados a escreverem artigos, mesmo que fossem ainda em uma forma preliminar ou ainda incipiente. Aprender a escrever faz parte também de uma Formação mais ampla. Escrever é uma outra forma de pensar, de expressar nossas ideias, de aprofundarmos a nossa compreensão psicanalítica, seja ela teórica ou clínica.
Uma das grandes preocupações dos analistas em formação em nossa Sociedade é com o relatório final de suas Supervisões. Assim, nos parecia importante esse estímulo como parte de nossa política editorial.
Depoimento: Maria Olympia França
O Jornal de Psicanálise foi o meu primeiro contato vivo com nossa Instituição e em parte responsável por querer fazer minha formação junto a ela.
E por que contato vivo?
Fazia eu análise terapêutica com Breno Ribeiro, cujo consultório era em frente à nossa Sociedade, na Rua Itacolomy. Era aquela análise sisuda dos anos 1960, embora tenha me ajudado muitíssimo. Essa sisudez me dava medo, não sintonizava com meu jeitão de ser. Algo, no entanto, aconteceu que me fez ver um clima diferente, de colaboração e de alegria. Presenciei por vários dias junto ao elevador comum um movimento de vai e vem de trabalho entusiasta, e ao mesmo tempo descontraído. Curiosa, soube então que essas pessoas saíam da porta da sede da tal "Sociedade sisuda". Virginia, Pessanha e Adele, ocupados com a distribuição da edição do primeiro número do Jornal, "passeavam" de um consultório para outro, carregando pessoalmente muitos exemplares e distribuindo-os. Às vezes, até deixando cair... mas tudo ao som de risadas e entusiasmo. Clima bastante diferente da seriedade e silêncio no qual ocorria minha análise. Esse fato temperou o clima psicanalítico de minha experiência até então (se os mais moços soubessem o clima austero das sessões de psicanálise de então...). Criei coragem e pedi um número. Deram-me prontamente, com a condição de devolvê-lo, pois a publicação era exclusiva para os da área. Provavelmente pela interferência transferencial (há um artigo do dr. Breno nesse primeiro número), me senti muito valorizada, pois eu ainda nem cursava a Faculdade.
Imaginem então como me senti prestigiada pelo convite de ser, nessa tarefa, sucessora de Virginia, Pessanha e com Adele sempre apta a nos ajudar! Nessa experiência aprendi o quanto de responsabilidade está presente na liderança de uma publicação institucional, porta-voz do pensamento grupal. Talvez essa minha satisfação tenha sido o start para que, anos depois, eu tenha organizado, conjuntamente com colegas, a coleção Acervo Psicanalítico, que consta de 10 ou 11 livros tratando de publicações de artigos, palestras e mesas redondas referentes à nossa produção científica.
Gostaria também de transmitir algo que considero muito significativo da vitalidade de nossa Sociedade. Quando estive à frente seja do Jornal de Psicanálise, seja da diretoria Científica, seja da preparação de Congressos, nunca recebi recusa de colaboração por parte dos colegas, a não ser por "força maior".
Dirigindo-me aos meus colegas mais moços, desejo transmitir uma experiência pessoal: também individualmente é valioso colaborar com o aprimoramento de nosso grupo institucional, fonte de conhecimentos clínicos e teóricos. A experiência emocional vivida junto à Instituição é parte afetiva de nosso mundo mental psicanalítico.
Valeu!
Nota
A escolha da contribuição bibliográfica de Sonia Bracher sobre "Supervisão" deve-se ao fato de ser voltada para algo de suma importância e sempre atual em nossos Institutos de formação, tema esse objeto de escolha para o período em nossas publicações. A nosso pedido Sonia nos apresentou um seriíssimo trabalho de compilação de vozes experientes no exercício de supervisão, voltadas inclusive para o supervisor, publicado em 1990, no Jornal de Psicanálise, n. 45. Como o artigo é muito extenso, tomamos a liberdade de reeditá-lo, deixando-o em um tamanho compatível para o presente número.
Bracher ofereceu-nos um roteiro chamando a atenção para o quase total consenso que existe entre os autores consultados sobre o lugar da supervisão na formação analítica: 1. Conceito de supervisão; 2. Metas da supervisão; 3. Postura e método da supervisão; 4. Transferência e contratransferência na supervisão; 5. Avaliação; 6. Formação dos supervisores.
Selecionamos os pensamentos que foram por ela destacados.
Revendo alguns autores sobreo tema da supervisão1
Sonia Bracher2, São Paulo
1. Conceito de supervisão
A concepção de Freud quanto ao papel da supervisão na formação analítica, que consistia em ajudar o estudante-analista a desenvolver "o instrumento analítico", está presente em todos os autores reunidos por Bracher. Há um consenso quanto à função essencial da supervisão, ou seja, a sua função didática fazendo parte do tripé da formação analítica. Privilegiamos a formulação feita por Grinberg (1970): "A atenção é focada no ensinar-aprender. O caso clínico é a base para um ensinamento clínico geral incluindo conceitos teóricos e clínicos sem deixar de lado os aspectos específicos do caso...".
Lebovici (1970) atenta para a distinção entre ensino e transmissão: "é necessário considerar a supervisão não somente como um procedimento de ensino, mas sim como uma condição de transmissão da psicanálise de uma geração para outra por meio de informação e confrontação" (Isaakower, citado em Solnit, 1970). Nessa transmissão está inserido o encorajar da atenção flutuante, da capacidade empática, da curiosidade caracterizada como científica e naïve e do exercício da sensibilidade pré-consciente no ouvir ao paciente. Lebovici (1970) também prefere usar o termo "controle" para essa atividade, argumentando que, etimologicamente, supervisão significa "confronto entre alguém que está começando a ver e outro que pela idade e experiência vê melhor", enquanto controle remete à função de tutor ou instrutor. Solnit (1970) discorda, pois, para ele, a palavra "controle" tem uma conotação indesejável, quando o que se pretende é encorajar "o desenvolvimento no candidato de uma mente independente e questionadora". Parece-nos, contudo, que essa discordância de termos não implica uma divergência conceitual.
Sonia nos alerta para o fato de que a formulação de Lebovici (1970), sem invalidar as demais, reforça a responsabilidade do supervisor, qual seja, a de manter a integridade e garantir a evolução da psicanálise, acrescentando que "a ideia que nos vem da supervisão é a do candidato como aprendiz que deve trabalhar por algum tempo com um mestre para dominar os segredos de sua arte e, ao mesmo tempo, encontrar seu modo próprio e original de exercê-la". Completa seu entendimento citando Solnit (1970): "a supervisão é mais que uma educação e menos que uma terapia"... E continua:
podemos afirmar que existe unanimidade sobre o conceito de supervisão como uma atividade didática essencial para a formação analítica, porém o mesmo não se pode dizer sobre a concepção de educação-ensino-aprendizagem, sobretudo quando se trata da natureza da educação psicanalítica, de seu objeto de estudo, de seu modo próprio e original de exercê-la.
2. Metas da supervisão
Kluwer (1980) é, entre os autores consultados, o que mais se alonga sobre as metas da supervisão, a começar por sua visão sobre a tarefa do analista-supervisor. Esta é, segundo ele, assistir o estudante analista nos seus esforços de se tornar ciente de seus possíveis limites, ajudando-o a ultrapassá-los:
É uma tarefa complexa e difícil. O candidato-analista pode ter várias dificuldades que o limitam em sua tarefa analítica. Ele pode não ser muito dotado, pode lhe faltar experiência, aplicar técnica inapropriada ou estar sob domínio de reações transferenciais não resolvidas. Cada um desses fatores pode tornar impossível manter a atitude analítica de atenção flutuante, capacidade de fazer interpretações diagnósticas e avaliar resistência e ansiedade, podendo tornar impossívelo timing e a gradação das interpretações de modo adequado para lidar com a transferência e obter insight do processo analítico e do desenvolvimento psíquico do paciente.
esse trabalho interno de oscilação entre a identificação transitória e a distância reflexiva pode também ser descrito como a capacidade de ocupar duas posições em alternância, a de experimentar e a de observar. ... enquanto empatia pode ser considerada em grande parte um talento, encontrar a distância ótima para a posição de observação pode ser aperfeiçoado pelo aprendizado.
a tarefa do supervisor é prover o estudante-analista com todos os componentes necessários para desenvolver esta atitude interna para ele mesmo. No curso do processo, deste modo, o estudante internalizaria a atitude de observação do professor. (Kluwer, 1980)
Promover e desenvolver a capacidade do candidato para a autoanálise também é citado por outros analistas. Blomfield (1985) destaca o desenvolvimento da função fundamental da negative capability, entendida como a capacidade de ficar nas incertezas, mistérios, dúvidas.
3. Postura e métodos
A) Postura do supervisor
É preciso haver, segundo Maureen Brook (1980), "um enquadramento firme e estável que dê ao candidato a oportunidade de desenvolver uma identidade como analista, através de um processo de aprendizagem no qual pode progredir e regredir". Sustenta ainda a necessidade da busca de equilíbrio entreo extremo da posição hegeliana - mestre e escravo - e uma posição muito liberal que levaria o supervisor a abdicar de sua posição de maior experiência e saber para evitar sentimentos persecutórios do candidato e o risco de ocasionar seu desânimo. Cabe ao supervisor a função de holding e de continente para como candidato, bem como a habilidade de alcançar com ele uma plataforma de construção da qual possam juntos explorar abertamente a interação complexa da estrutura triádica, a saber, paciente-analista, candidato-supervisor.
Outros autores, como Frijling-Schreuder, enfatizam que o trabalho de supervisão "deve ser um contato entre colegas, e não uma relação mestre-aluno". Outros acreditam ser a supervisão "uma experiência mútua que estimula o crescimento em ambos os participantes". No entanto, reconhecem, implicitamente, a existência de um interlocutor que deve ter mais experiência que o outro e as dificuldades que isso pode acarretar.
Grinberg (1970) alerta para o perigo do aprendizado por imitação: "...o supervisor deve se esforçar para que o estudante aprenda através de uma assimilação estimulante dos conceitos que está ensinando, e não por imitação".
Blomfield (1985), por sua vez, fala da importância da supervisão como auxílio para ampliar a empatia do candidato, trazendo para o primeiro plano as feições típicas do caso.
Para Blomfield (1985), o supervisor ajudará o candidato "a não interpretar material inconsciente antes que tenha sido estabelecida sua empatia". E acrescenta que a ampliação do uso da capacidade empática de alguém é uma das metas da supervisão, o que, segundo ele, tende a ser negligenciado.
B) Aprendizado da técnica
Para Grinberg (1970), "primeiro o estudante deve aprender a ouvir seu paciente, a ter a capacidade de observar o que está acontecendo na sessão, compreender, e - contando com seus próprios meios - tirar conclusões e dar interpretações". A importância do início de uma supervisão é sublinhada por Lebovici:
A primeira sessão relatada deve ser objeto de uma especial atenção, na medida em que, como sabemos, ela condensa toda a organização neurótica. ... A discussão técnica nesse período deve estar centrada nas primeiras intervenções e o supervisor expressa o que ele teria dito para capacitar o estudante a aprender sua nova habilidade: a do sujeito analista. (1970)
Voltando-se para o vértice da confrontação existente em uma supervisão, Lebovici afirma:
A confrontação, se ocorre, evita o perigo de o supervisor se tornar um professor de técnica psicanalítica, embora possa citar fatos de sua experiência, usando exemplos em diferentes circunstâncias. ... É a dupla referência ao material do tratamento e a atitude do analista que diferencia a supervisão de um estudo técnico de caso.
Insiste
na necessidade de o supervisor sempre mostrar ao candidato seu próprio método analítico de trabalhar. Ele deve, em primeiro lugar, tentar restabelecer a continuidade transferencial e seu desenvolvimento; e, em segundo lugar, insistir na necessidade de uma compreensão elaborada seguindo as vicissitudes do processo associativo. É necessário preencher os vazios do relato do candidato,
acrescentando:
devemos ajudá-lo a sobrepujar suas inibições, aceitar seus furos de memória e lembrar-lhe que a função de memorizar do analista, aliada à sua atenção flutuante, lhe permite ter uma reserva mnêmica que só é mobilizada pelo processo analítico. ... é importante pedir um relato fiel das intervenções e interpretações e não se satisfazer apenas com comentários explicativos sobre as intenções que determinaram a intervenção do analista. (1970)
Frijling-Schreuder (1970) relata sua experiência de trabalho, apontando que a primeira fase de uma supervisão pode ser marcada por insegurança e dependência. O candidato pode começar com uma atitude levemente opositora, que será, mais tarde, substituída por uma cooperação mais próxima e um aumento de insight, e ele vai então percebendo que a supervisão não é só um requerimento formal, mas uma real ajuda.
Mas, para que essa evolução ocorra, diz Frijling-Schreuder que o supervisor nunca deve insistir em seus próprios conselhos técnicos, mas sempre deixar a última palavra com o material clínico.
[Essa evolução] só acontecerá se nosso respeito pelo material tiver a primazia a cada momento de supervisão, se deixarmos de lado a competição e estivermos livres de cacoetes técnicos e teóricos. ... a primeira fase, pode ser do desenvolvimento do insight do material e timing das interpretações, seguida e acompanhada por insight da transferência e contratransferência. O insight do processo analítico (propriamente dito) é, provavelmente, a última habilidade a ser adquirida. (Frijling-Schreuder, 1970)
Frijling-Schreuder chama a atenção ainda para a frequência com que ele depara-se com candidatos que têm dificuldade de compreender modos de vida diferentes do seu, e diz que a falta de percepção da realidade cotidiana não é fácil de corrigir pela supervisão. "Diferenças muito grandes de nível socioeconômico ou preparo intelectual e criatividade entre candidatos e pacientes são um problema muito real que pede muita ajuda", afirma.
Um tema que ocupa vários autores, e talvez seja o mais específico na supervisão, é o de como ensinar a formular as interpretações. Grinberg (1970) assinala que essa questão "assusta muito os estudantes, que muitas vezes perguntam como deveriam fazê-lo". Para ele, "o supervisor estaria errado se levasse a si mesmo a ser copiado ou imitado no seu estilo pessoal". O correto, afirma, é pedir ao candidato que explique o que realmente ele quer significar.
Solnit (1970) constata que os estudantes ficam em geral muito gratos ao receber conselhos sobre técnica, mas assinala que, "na supervisão, a técnica precisa estar baseada na estrutura teórica". Segundo ele, a tendência a guiar muito de perto o manejo técnico do estudante com seu paciente pode pôr em risco seu desenvolvimento como analista.
Lebovici também se refere aos "pedidos de receitas" feitos pelos candidatos, principalmente sobre o tipo de intervenção e interpretação que poderiam ter dado ou que o supervisor poderia sugerir. Assinala que a atitude dos supervisores varia quanto a esse ponto:
Pode-se propor uma intervenção ou até sugerir sua formulação. Esta última hipótese é mais demonstrativa, mas pode ter consequências negativas enquanto se torna expressão de um pedido passivo do candidato, que, mais tarde, pode fazer um mau uso da satisfação obtida. ... Seria melhor pedir ao candidato que formule suas próprias intervenções e interpretações usando o material como ponto de partida. (1970)
Dirigindo-nos para um olhar conceitual de Blomfield (1985), segundo o qual "as interpretações não são falsas ou verdadeiras, ou mesmo exatas e inexatas, mas sim relevantes ou irrelevantes, efetivas ou não", e é sob esse mesmo prisma que devem ser julgadas as observações críticas ou conselhos dos supervisores aos estudantes. Ele assinala que as interpretações são avaliadas no timing, na brevidade, na propriedade.
De acordo com Frijling-Schreuder, o feeling para o timing das interpretações deve se desenvolver simultaneamente ao insight do material, e é no ritmo das interpretações que se evidenciam particularidades do analista, como "a tendência à atividade de mais ou de menos". Alerta para a recomendação de que "o supervisor deve ficar atento para não confundir estilo do candidato com inibição ou superatividade". Em sua visão, a interpretação "atrasada" pode ter três causas: o estudante não entendeu o material; entendeu, mas ficou inseguro quanto ao momento de intervir; compreendeu, mas adiou a interpretação até que o conteúdo estivesse mais próximo do consciente. Já a intervenção "apressada" pode estar relacionada com inexperiência, ansiedade provocada pelo conteúdo e/ou falta de empatia.
C) Aprendizado de teoria através da supervisão
Ao nos determos sobre os conceitos acima mencionados de metas, posturas e métodos de aprendizagem da técnica da supervisão, ficou evidenciado que, também no caso clínico, o supervisor deve ajudar o aluno a vivenciar e ampliar seus conhecimentos teóricos, ao vê-los se confirmando "ao vivo". Não há referências específicas à forma pela qual isso acontece. Mas nos pareceram de interesse as considerações de Blomfield a respeito de "teorias":
todas as ideias começam como heresias e terminam como dogmas. ... cada uma das aproximações, entre diferentes teorias psicanalíticas, envolve uma ênfase particular na experiência e na captação do que emerge. Para a interpretação, como resultado do método psicanalítico, é importante o exercício da negative capability em consonância com a livre associação e a atenção flutuante. (Blomfield, 1985)
Pode-se argumentar que na atenção flutuante o analista suspende pressupostos teóricos, e isso certamente é o ideal. Mas estas pressuposições (teóricas), segundo ele, ficam como determinantes inconscientes de possíveis percepções. "A interpretação deve brotar de forma emergente do material imanente do paciente", conclui Blomfield (1985).
Solnit (1970) sustenta que devemos estar cientes de que a teoria é usada seletiva e irregularmente durante a escuta do paciente. Na supervisão, diz ele, os constructos teóricos mais acessíveis à investigação são os conceitos de transferência, reconstrução genética, resistência e defesas, incluindo os afetos ou pensamentos e memórias que estavam reprimidos.
Foco: paciente ou candidato?
Para o supervisor, qual o foco considerado mais apropriado? Paciente ou candidato? Eis o que a isso responde Grinberg:
Há supervisores cuja maior preocupação é com o estudante. ... Focam sua atenção principalmente no trabalho do estudante para verificar como e quando ele interpreta seu entendimento do material. Quando esse enfoque é levado muito longe, o processo de formação parece transformar-se num exame. ... ao procurar ver o que ocorre no inconsciente do estudante e lidar com seus pontos cegos e sua contratransferência, a supervisão corre o risco de transformar-se numa terapia. (1970)
Por outro lado, ele considera que o enfoque centrado no paciente também tem seus inconvenientes: "... se o supervisor acredita que deve concentrar-se no paciente à custa do candidato, isto obviamente prejudicará o ensino e estimulará o aprendizado por imitação" (Grinberg, 1970).
Quanto à sua própria filosofia a esse respeito, ele diz:
Eu procuro iniciar a supervisão com um candidato estabelecendo uma espécie de contrato no qual o modo pelo qual levaremos nossa experiência comum é posto de maneira explícita. ... Meu propósito é sempre focar a atenção principalmente na relação ensinar-aprender. Penso que o caso particular sob supervisão deve ser tomado como base para um ensinamento clínico geral, incluindo conceitos teóricos e técnicos, mas sem nunca deixar de lado as características específicas do caso. (Grinberg, 1970)
Lebovici (1970) segue a mesma filosofia. Segundo ele, "é necessário encontrar um adequado meio-termo entre esses dois extremos que dê ao candidato toda a liberdade necessária sem negligenciar os interesses do paciente".
D) Escolha do caso
Existem muitas controvérsias entre os autores sobre quem deve escolher o caso, se a instituição de ensino, o supervisor, ou se o próprio candidato. Os diferentes argumentos apresentados pelos estudiosos são passíveis de reflexões interessantes. Escolhemos o pensamento de Lebovici, que nos pareceu ser o mais abrangente quanto aos elementos significativos na escolha do caso a ser supervisionado:
Por razões teóricas, os candidatos devem ser solicitados a escolher casos claramente neuróticos que sejam acessíveis a tratamento psicanalítico num período de tempo suficiente, o que permitiria uma supervisão razoavelmente longa. ... Acredito que é necessário para o candidato tornar-se primeiramente familiarizado com os casos mais tipicamente neuróticos, casos em que os pacientes sofrem o bastante para continuar o tratamento, mas que, não sendo tão doentes, podem se beneficiar dele, dando ao candidato uma útil experiência inicial de identificar a transferência, deixá-la se desenvolver e interpretá-la corretamente. (Lebovici, 1970)
O autor pondera também que "o candidato não deveria apresentar mais do que um caso e que deveria previamente discutir sua escolha com o supervisor".
Windholz (1970), seguido por vários outros supervisores, declara-se favorável a que haja uma seleção do caso a ser supervisionado, justificando que, para ele, "não há nenhuma dúvida de que a capacidade empática do estudante não pode ser testada em pacientes cuja transferência narcísica interfere com a compreensão empática".
A questão parece formular-se entre os extremos perigosos da superproteção e da ausência total de cuidado para com o candidato que inicia seu trabalho, conclui Bracher (1990).
E) Escolha do supervisor
A escolha do supervisor também recebe tratamentos diferentes por parte das diferentes instituições: em algumas é livre, em outras é feita por indicação.
Grinberg (1970), acompanhado por diferentes analistas, refere-se às dificuldades de uma e de outra modalidade. A maior dessas dificuldades decorre da existência de ideologias diferentes, explícitas ou veladas, que dividem as instituições em "grupos rivais". Em síntese:
Quando a escolha de um candidato vai preferencialmente para um supervisor do mesmo grupo de seu didata, seja instigado por este ou sob influência de uma forte transferência ainda não superada, esse tipo de supervisão, em casos extremos, pode tornar-se viciado. Já se a instituição indica o supervisor, o estudante pode sentir-se desconfortável pela influência ideológica na supervisão se o supervisor pertencer a um grupo diferente do de seu analista, levando-o com isto a um conflito de lealdade. (Grinberg, 1970)
O autor acrescenta ainda que os critérios de escolha podem depender de motivos inconscientes também da parte do supervisor, o que poderá ser bastante deletério para o candidato.
Várias são as contribuições dos autores a esse respeito: Lebovici (1970) recomenda "que se criem condições para que a escolha fique livre de motivos subjacentes relacionados a possíveis transferências", no que é acompanhado por Frijling-Schreuder (1970), que vê como "impossível a eficácia da supervisão, se diferenças de opinião técnicas ou mesmo rivalidades profissionais entre analistas didatas forem disputadas à custa da cabeça do estudante", pois, segundo ele, "isso leva a conflitos de lealdade nos candidatos e é extremamente prejudicial aos processos de identificação, tão importantes na supervisão individual".
Por outro lado, Maureen Brook alerta para a inconveniência de o estudante ser completamente livre para escolher:
Há o perigo de ele escolher supervisores que seriam particularmente confortáveis para suas necessidades, o que pode levar à falta de desafio e estímulo, impedindo a descoberta pelo estudante daqueles problemas no seu trabalho que ele deveria levar para sua análise. (Brook, 1980)
F) Escolha do candidato por parte do supervisor
Para Lebovici (1970), é muito importante que o supervisor esteja seguro da sua capacidade de trabalhar com o candidato que submete a ele um caso para supervisão, antes de aceitar a tarefa. Uma entrevista prévia com o candidato possibilitará ao supervisor perceber as reações deste, assim como avaliar sua capacidade no que se refere à percepção do inconsciente, trabalho do ego e sua própria empatia. Diretriz essa também apontada por Grinberg (1970).
G) Quando iniciar
De maneira geral, nas discussões sobre o momento de iniciar a supervisão, predomina o entendimento de que deve haver concomitância de análise pessoal e supervisão, pois isto favoreceria o afinamento do instrumento analítico (pesquisa feita por Solnit, 1970). Por outro lado, há também divergências cujos argumentos foram bastante relatados na contribuição de Sonia Bracher (1990). Por motivo de espaço, deixamos que essa consulta seja feita em sua leitura original.
Para a maioria dos autores, a frequência de uma vez por semana é vista como o mínimo necessário, nada havendo contra um maior número quando o supervisor julgar necessário. Quanto à duração da supervisão, embora não se estabeleça um limite, ninguém parece discordar em que não é possível executar a tarefa pedagógica em menos de um ou dois anos de supervisão de um caso, e em que o candidato não deve apresentar mais de um caso durante a supervisão clínica regulamentar.
H) Anotação da sessão
Freud, referindo-se a esse componente de nosso trabalho, alertou para o fato de que possíveis procedimentos adotados durante a sessão analítica (emprego de gravador, anotações) prejudicam a livre associação e a atenção flutuante. Todos os autores compartilham dessa opinião. Para Grinberg (1970), o mais frutífero é pedir ao candidato que anote logo após a sessão ou em outro momento, sem se preocupar em ser absolutamente fiel, e que escreva o que se lembra primeiro, para depois preencher os vazios. Isto funcionará como uma espécie de autosupervisão inicial, ajudando a desenvolver a memória e a capacidade de observação.
Lebovici é enfático quanto a essa questão:
Estou firmemente convencido de que devemos persuadir nossos candidatos a não anotar durante a sessão e menos ainda gravar, para evitar o mais possível distorcer a técnica analítica e assegurar que a atenção flutuante do candidato responda ao material de seu paciente. (1970)
Comenta Sonia:
Vários outros autores nem mesmo fazem referências a esse tópico. Isso nos faz supor que hoje se aceita que o importante é obter um relato vivo no qual o candidato esteja "inteiro", mais do que um texto elaborado com muita minúcia, já que isso seria feito em prejuízo de sua atenção flutuante. (1990)
I) Término da supervisão
Alguns autores chamam a atenção para o fato de que raramente o candidato ou o jovem analista têm a oportunidade de acompanhar em supervisão o término de uma análise, o que lhes deixa uma lacuna. Para Lebovici (1970), a interrupção da supervisão de um caso antes do término de seu tratamento ocorre muitas vezes em detrimento da transmissão da psicanálise, "particularmente por ser o período terminal da análise um período difícil em qualquer tratamento".
Sobretudo pelo fato de que muitas vezes as análises se concluem por razões muito pragmáticas, Blomfield (1985) manifesta a mesma preocupação, sugerindo que se realizem sobre esse problema seminários clínicos regulares, nos quais seja possível estudar o término de um caso particular.
J) Dificuldades decorrentes da personalidade do candidato
A inevitabilidade do surgimento de questões transferenciais e contratransferenciais na supervisão pode trazer para o supervisor dificuldades decorrentes de certas características ou problemas de personalidade do candidato. A ansiedade persecutória, por exemplo, seja maníaca ou inibitória, vai impedir de realizar um mínimo que é esperado de um terapeuta. Os candidatos ora trarão material com interpretações raras e ambíguas, ora em excesso.
Grinberg (1970) identifica ainda candidatos com patologia aguda, que impedirá a relação com o supervisor e o desenvolvimento do processo: há os excessivamente vorazes, que desejam, em vez de aprendizado, o "armazenamento de saber"; há também aqueles que são dominados por sentimentos de inveja, que não suportam o maior saber e experiência do supervisor e tentam destruí-lo com ataques hábeis. Ou, pior ainda, aqueles que mentem para agradar o supervisor. Nesses casos, é necessário, segundo Grinberg (1970), compreender a seriedade do sintoma e as motivações envolvidas.
O autor aponta então comportamentos opostos, que chama de "masoquistas": o candidato que, crendo na necessidade de punição pelos sentimentos de rivalidade que experimenta, sempre traz os piores casos, exagera suas faltas, mente para mostrar-se mais ineficiente, para diminuir sua culpa. E há ainda o que teme ser invadido, que se sente diante de um grande perigo para sua identidade.
Frijling-Schreuder pondera que o processo pode ser lento, de modo que o candidato consiga aliviar seus sentimentos persecutórios, de inveja, de rivalidade, seja de grandeza ou de inferioridade em sua própria análise. Mas alerta que "não devemos ter muita esperança na possibilidade de tal candidato poder aproveitar, mesmo com o manejo mais cuidadoso por parte do supervisor". Ele acrescenta: "Podemos até ter de aconselhá-lo a voltar para a análise" (Frijling-Schreuder, 1970).
Quanto às atitudes motivadas por sentimentos paranoicos do candidato, Frijling-Schreuder afirma que, "não sendo fortes, pertencem às dificuldades normais, concomitantes ao treinamento formal". Mas complementa que "facilmente a atitude paranoica pode tornar impossível o estabelecimento da aliança de trabalho, e, sendo assim, nenhum processo verdadeiro de aprendizagem pode acontecer".
Nesses casos, diz Frijling-Schreuder, "nós, supervisores, devemos poder controlar nossos próprios sentimentos de grandeza e não darmos lugar a nossos desejos de que a supervisão possa ajudar ao candidato cuja patologia não foi remediada pela análise pessoal". Termina afirmando sua convicção de que "a aliança de trabalho não está vinculada ao talento do candidato para o trabalho analítico, mas sim à sua integridade e saúde emocional pessoal" (1970).
Dificuldades decorrentes da personalidade do supervisor
Apenas Grinberg (1970) toca explicitamente nesse ponto. Para ele, não se pode esquecer que, embora o supervisor tenha terminado sua análise, isto não significa que tenha superado seus conflitos neuróticos. E sublinha o fato de que a supervisão é uma situação propícia para despertá-lo destes conflitos.
O supervisor com características de personalidade paranoides teme que o candidato tente privá-lo de suas ideias originais, e será muito cauteloso no seu ensinamento, dando o mínimo de si e restringindo seu trabalho a problemas gerais. A tal supervisão faltará o essencial no ensino, a saber, a capacidade de transmitir sua experiência de forma aberta e profunda. (Grinberg, 1970)
Grinberg alerta de que todo supervisor "deve estar plenamente ciente desse problema para poder elaborá-lo".
Há também o caso oposto, observa ele, o do supervisor que tem uma personalidade depressiva e uma tendência masoquista em seu trabalho. Este tenderá, segundo Grinberg "a dar tudo o que sabe e tem de forma compulsiva", e o estudante ficará submerso pela avalanche de conhecimento que recebe (1970).
4. Transferência e contratransferência na supervisão
Como lidar com os problemas da transferência e da contratransferência na supervisão? Grinberg distingue duas categorias de problemas de contratransferência: aqueles relativos à contratransferência em si mesma; e aqueles relativos ao que chama "contraidentificação projetiva".
Esse é um aspecto específico da contratransferência, "mas que é precipitado pelo paciente e determinado pela qualidade e intensidade dos mecanismos de sua identificação projetiva". Para Grinberg, "é fundamental que o supervisor discrimine entre essas duas categorias na supervisão, pois a contratransferência deve ser trabalhada no divã e a contraidentificação projetiva na supervisão" (1970).
Quando o supervisor depara-se com problemas de contratransferência, deve, segundo ele, abster-se de fazer uma observação direta, "mas deve apontar a existência de uma dificuldade e mostrar como se aproximar da dinâmica do que está acontecendo com o paciente".
Há, no entanto, pontos de vista diferentes entre os autores: alguns pensam que é melhor tornar a situação explícita e aconselhar o candidato a verificar em sua análise o que acontece. Mas esse modo de proceder é questionado por outros, visto que tem um efeito perturbador no candidato.
Para Grinberg, os problemas derivados da contraidentificação projetiva constituem a viga mestra da supervisão.
Analistas diferentes, em função de sua contratransferência, reagiriam de modo diferente ao mesmo material de um hipotético paciente que pudessem ter em tratamento; enquanto, devido ao uso específico de seus mecanismos de identificação projetiva, o mesmo paciente estimularia a mesma resposta emocional (contraidentificação projetiva) em diferentes analistas. (1970)
Ele adverte de que o supervisor deve ter cuidado com as dificuldades que derivam dessa situação, pois é justamente nesse ponto que ele deve ajudaro candidato a se tornar ciente do conflito ou da não compreensão do material.
É essencial que o supervisor seja capaz de provar pelo material clínico disponível quando, como, de que modo e por que o terapeuta foi passível dessa contraidentificação projetiva. Para isso o supervisor precisa ter plena compreensão da gênese da sua repercussão afetiva e grande habilidade, objetividade e experiência, principalmente quando a expõe ao candidato ... Por outro lado, o estudante pode despertar no supervisor uma reação emocional da mesma qualidade da que o paciente despertou nele. (Grinberg, 1970)
Lebovici (1970) amplia o campo mostrando-nos quantas relações existem na supervisão aptas a gerar aparecimento de fenômenos de transferência-contratransferência. Além da situação paciente-candidato, temos candidato-supervisor, candidato-analista didata e, last but not least, supervisor-analista didata.
O conceito de contratransferência de que se fala refere-se a duas possibilidades: um conceito mais restrito, a transferência do analista em relação ao paciente através do deslocamento de suas imagens internas; e outro mais amplo, a totalidade das reações provocadas no analista em face do paciente.
Ele afirma que o supervisor "tem o privilégio de estar apto a estudar a ambos, o material apresentado e o analista que os recebe", mas deve ter consciência de seus próprios movimentos contratransferenciais em relação ao candidato e também em relação ao analista didata deste. E observa que o supervisor não pode evitar a percepção de distorções, inibições e várias dificuldades induzidas no trabalho do candidato, as quais podem incluir acting-outs mínimos. Conclui que problemas contratransferenciais devem ser trabalhados apenas na análise pessoal.
Frijling-Schreuder (1970), por sua vez, diz que é muito difícil assumir a responsabilidade pelo manejo da transferência sem perder a objetividade ou a empatia com o paciente, e que é justamente nesse sentido que o candidato pode ser auxiliado.
[Que] a aliança de trabalho um a um é mais necessária para levar o candidato a sentir-se seguro na sua importância temporária, e também muito séria em relação ao paciente estudado ... e que essa importância é muitas vezes independente do analista como pessoa: esse paciente veio com suas dificuldades e não as adquiriu na transferência, mas que ao mesmo tempo por manejo inadequado da transferência o sofrimento neurótico ou acting-outs danosos poderão ser aumentados.
Para Frijling-Schreuder (1970), discutir esses problemas sem afetar o desabrochar da habilidade do analista exige muito tato do supervisor. E, se não houver essa habilidade de sua parte, "a mutualidade da experiência de transferência entre analista e paciente pode ficar completamente perdida fazendo um uso teórico e não realista de interpretações de transferência".
Quanto à questão da contratransferência, Frijling-Schreuder (1970) diz que a ansiedade levantada pela importância do candidato para com seu paciente é uma reação contratransferencial muito normal. E que, se essa ansiedade estivesse completamente ausente, ele duvidaria da capacidade empática do candidato. Por exemplo, "quase todo candidato necessita de ajuda, com os sentimentos hostis levantados pela primeira separação na análise", conclui.
De Folch (1980) alerta para o risco do candidato que
muitas vezes fica assustado por não entender o suficiente e ser visto como um candidato insatisfatório, e tende a se deixar prender em teorias bem provadas que usa como substitutos defensivos em relação a sua própria receptividade, aos seus sentimentos e pensamentos.
Citando um exemplo clínico (supervisor com candidato), a autora lembra o momento em que, ao se dar conta de que as interpretações, em si corretas, do candidato falhavam em atingir a transferência, perguntou-lhe o que ele sentiu nesse momento da sessão. E registrou que o candidato sentiu-se aliviado quando ela lhe mostrou a importância de estar alerta às suas próprias reações emocionais.
Minhas perguntas eram estritamente limitadas a uma melhor compreensão da transferência do paciente; não tinham de modo algum o objetivo de investigaro inconsciente do candidato, ou mesmo sentimentos num nível mais particular. Mas é possível termos uma ideia nítida do que estamos explorando quando começamos a investigar um candidato sobre suas reações emocionais? (De Folch, 1980)
Segundo a autora, cabe ao supervisor ensinar o candidato a observar suas reações emocionais, verbalizá-las para si mesmo e trazer algumas delas para a supervisão. Em alguns casos, afirma, elas são de importância crucial para permitir ao supervisor ter alguma aproximação com a transferência do paciente. "O candidato que se torna gradualmente ciente de suas respostas emocionais não parece correr o risco de usar o ensinamento do supervisor de maneira estereotipada", conclui.
De Folch (1980) refere-se a seguir às reações contratransferenciais não primariamente dependentes dos problemas pessoais do candidato, que Grinberg (1970) chamou de "contraprojeções identificatórias". Como Grinberg (1970), ela aconselha que essa situação seja esclarecida para o candidato, mas adverte que é necessário o supervisor distinguir o delicado equilíbrio entre o acting-out do paciente e a tendência de certos candidatos a acusarem o paciente por seu desconforto, por sua falta de compreensão ou pelas interpretações insatisfatórias.
Quando o supervisor é firme no que toca aos conflitos que o candidato está experimentando, este pode perceber seus limites e pontos cegos e levá-los à sua análise. Se não os perceber, ou, ainda que estando ciente deles, não quiser levá-los ao seu analista, provavelmente estará usando mecanismos de defesa sérios para evitar o teste da realidade.
Segundo De Folch (1980), alguns autores consideram que os processos de transferência e contratransferência entre candidato e supervisor "não pertencem inteiramente ao passado e a outro lugar, mas que algo deles chega ao aqui e agora da supervisão". Para Arlow, por exemplo, quando o candidato relembra a sessão, ele revive algumas experiências, embora com menos intensidade. O mesmo ocorre com o supervisor, identificando-se ora com o candidato, ora como paciente. Dessa forma, conclui De Folch, "o supervisor tem a possibilidade de corrigir distorções que surgem do modo de o candidato experimentar e relatar a sessão".
Rosmarie Berna-Glantz descreve o que considera um momento frutífero na supervisão, utilizando uma metáfora musical:
A supervisão contém ao menos três níveis importantes de relação: a relação entre paciente e seus objetos primários, entre paciente e candidato e finalmente entre paciente e supervisor. Podemos imaginar essas três relações como partes de uma fuga com várias partes... (1981)
A discussão suscitada por essa metáfora de Berna-Glantz (1981) realizada em uma reunião centrou-se na questão de "quão longe o supervisor pode permitir a si mesmo penetrar no mundo interno do candidato". Segundo Sandler, seus participantes expressaram o entendimento de que a supervisão deve ser claramente diferenciada da análise pessoal, e manifestaram a preocupação de que supervisores possam sentir-se encorajados a fazer "interpretações selvagens" ao candidato quando um impasse, confusão ou falta de clareza surgirem pela análise refletida durante a supervisão.
5. Avaliação
Um dos pontos importantes e considerados mais penosos que sobrecarregam a relação supervisor-candidato é o da avaliação. Uns a favor e outros com importantes ressalvas. Nos pareceres consultados há algumas diferenças entre os autores sobre se a avaliação deva ser feita ou não pelo supervisor e se esta deva ser dirigida oficialmente ou não à comissão de ensino. Percebe-se, porém, que há uma noção sempre presente da capacitação e habilidades necessárias requeridas do futuro analista.
Vejamos alguns pareceres. Para Lebovici, a tarefa do supervisor de julgar o candidato só perturba o trabalho entre os dois: para o supervisor porque precisa dirigir parte de sua atenção às qualidades do futuro analista, e para o candidato porque sua sinceridade e espontaneidade correm o risco de ser modificadas pela situação de avaliação. Quase nessa mesma linha de pensamento, Frijling-Schreuder adverte que nossa responsabilidade administrativa (de avaliação) não pode desviar-nos de nossa tarefa principal, que é ajudar o candidato a avaliar a si mesmo.
Em outro ângulo, Maureen Brook (1980) relembra que a supervisão passou a ser considerada ainda de maior responsabilidade pelo fato de a avaliação da aptidão do candidato para exercer a psicanálise estar saindo da órbita do analista-didata - o que, segundo ela, "não somente aumentou o peso para os supervisores como mudou a relação de supervisão, deixando-a mais vulnerável à invasão de ansiedades até então mais associadas à análise didática".
Por fim, Kluwer (1980) sustenta que a avaliação deva ser reconhecida pelo analista supervisor como da mais alta importância não apenas para melhorar o trabalho de supervisão, mas também o das instituições de formação psicanalítica e, de modo particular, o trabalho das comissões de ensino. Sobre essa questão, Kluwer (1980) sustenta que a função de avaliação do supervisor é geralmente subestimada, e que por isso as habilidades necessárias e apropriadas para exercê-la não foram ainda suficientemente desenvolvidas. O mesmo concluiu Maureen Brook (1980), porta-voz de um grande grupo pensante reunido em um fórum sobre avaliação. Segundo ela, a questão dos critérios de seleção e avaliação de candidatos ainda está a exigir muita discussão. Embora seja consensual a necessidade de parâmetros claros pelos quais sejam excluídos aqueles realmente inadequados, discute-se se, de fato, critérios muito rígidos ou exclusivos tolheriam a criatividade nas sociedades que os aplicassem.
6. Relação do supervisor com a instituição
A dupla responsabilidade da avaliação, ou seja, a carreira do candidato que a ela já dedicou grande tempo e esforço e a transmissão da psicanálise na sua teoria e clínica, faz dela uma função tão importante quanto carregada de conflitos, pois a função de avaliação do supervisor supõe relações, às vezes complicadas, com a instituição.
Para Lebovici, para que o supervisor possa preencher sua função,
os interesses do candidato, bem como da responsabilidade da transmissão da Psicanálise. Se essa responsabilidade não for assumida por fraqueza, e isso levar a uma promoção indesejável, ficará desfavorecida tanto a coesão, como o valor científico do grupo psicanalítico. (1970)
Frijling-Schreuder reafirma as dificuldades que essa possível função de "juiz" acarreta, sobretudo com candidatos que apresentem dificuldades e tragam para o supervisor a penosa tarefa de fazer uma avaliação desfavorável. E acrescenta o agravante de que muitas vezes essa decisão deve ser tomada após muitos anos de formação, durante os quais não houve menção à fragilidade do candidato.
Eu só posso me convencer da necessidade de aconselhar a Comissão de Ensino a rejeitar um candidato (para membro associado) se tiver tido um período suficiente de supervisão individual, no qual o candidato e eu pudemos tentar reiteradamente pôr em marcha o processo de aprendizado, e, no final, eu ao menos, se não o candidato, fiquei convencido da impossibilidade de trabalho conjunto. É claro que fica a esperança de que outros supervisores possam obter melhores resultados. O candidato deve ter a certeza de que sua incapacidade para o trabalho é averiguada depois de um período de trabalho intenso com vários membros mais velhos da sociedade. Especialmente para essa avaliação, precisamos de uma situação muito clara, na qual a avaliação das habilidades do candidato não seja misturada com processos grupais. (Frijling-Schreuder, 1970)
Anne Marie Sandler (1981) refere-se à "posição solitária em que fica o supervisor que diverge de seus colegas didatas em relação ao candidato que está supervisionando". A isto se associam problemas relativos à lealdade do supervisor para com a instituição, e que podem ser agravados pelo alto ou baixo conceito que ele tenha do analista didata do candidato, bem como de outros supervisores.
7. Formação dos supervisores
Em 1969, Grinberg já alertava para a falta de interesse dos analistas-didatas em adquirirem a capacidade de ensinar, de supervisionar, problema esse ainda subestimado na maioria das instituições de ensino.
Frequentemente, o neófito professor de seminários ou o jovem supervisor é obrigado a improvisar ou simplesmente espelhar o que foi colhido em sua experiência de estudante. Embora essa assimilação ou identificação com seus professores seja de grande valia, não lhe foi oferecido um programa específico, orgânico e sistematizado, tanto teórico como técnico, que o preparasse para um desempenho satisfatório de sua tarefa de ensino.
Windholz (1970) mostra que, com raras exceções, os métodos para qualificar supervisores têm como pressuposto que a supervisão é uma das funções do analista-didata. Lebovici também se refere à necessidade de organizar a transmissão das técnicas e métodos da supervisão. Para ele, isto não deveria tero caráter de um ensino formal teórico, mas oferecer a possibilidade de supervisionar os analistas com esse encargo. Ele considera também que seria útil para o jovem supervisor assistir a supervisões de analistas mais experientes.
Maureen Brook (1980) relata que há consenso de que a capacidade de ser um bom analista nem sempre implica uma capacidade similar para supervisão. E observou também que há poucas oportunidades para avaliar o trabalho do supervisor.
Após a leitura e as correspondentes reflexões sobre o tema pudemos verificar que já há algum tempo a supervisão vem sendo objeto de estudo pela importância e dificuldades que seu exercício apresenta, uma vez que nele estão contidas as três profissões que Freud considerava impossíveis: governar, ensinar, analisar.
Referências
Berna-Glantz, R. (1981). A Fruitful Moment in a Supervision. The European Psychoanalytical Federation Bulletin.
Blomfield, O. H. D. (1985). Psychoanalytic Supervision - An Overview. Int. J. Pshycho-Anal., 12, 401.
Brook, Maureen (1980). Summary Report of the Discussion on Supervision. The European Psychoanalytical Federation Bulletin.
De Folch, T. E. (1980). Some Notes on Transference and Counter transference Problems in Supervision. The European Psychoanalytical Federation Bulletin.
Frijling-Schreuder, E. C. M. (1970). On Individual Supervision. Int. J. Psycho-Anal., 51, 363.
Grinberg, L. (1970). The Problems of Supervision in Psycho-analytic Education. Int. J. Psycho- Anal., 51, 371.
Kluwer, R. (1980). Some Remarks in Supervision. The European Psychoanalytical Federation Bulletin.
Lebovici, S. (1970). Technical Re-marks on the Supervision of Psychoanalytic Treatment. Int. J. Psycho-Anal., 51, 385.
Riesenberg-Malcolm, Ruth (1981). The Student Who Does not Learn. The European Psychoanalytical Federation Bulletin.
Sandler, A. M. (1981). Introduction to the 13th Standing Conference on Training and Summaryof Discussion. The European Psychoanalytical Federation Bulletin.
Solnit, Albert J. (1970). Learning from Psychoanalytic Supervision. Int. J. Psycho-Anal., 51, 359.
Windholz, E. (1970). The Theory of Supervision in Psychoanalytic Education. Int. J. Psycho-Anal., 51, 393.
Este artigo contou com a colaboração de pesquisa bibliográfica de Cândida Sé Holovko e Célia Fix Korbivcher.
1 Trabalho compilado por Maria Olympia França para publicação nesta edição comemorativa do Jornal.
2 Sonia faleceu em 2015, tendo sido uma colega sempre atenta à qualidade acadêmica e ética de nossa Instituição. Admirada e querida por seus colegas e pacientes, oferecia-nos uma visão humanística atualizada e ativa das limitações pessoais e sociais. Daí talvez a percepção de todos da grandeza de sua generosidade.
1 Virginia Bicudo, comentário pessoal.