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Jornal de Psicanálise
versão impressa ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.51 no.95 São Paulo jul./dez. 2018
HISTÓRIA DA PSICANÁLISE
Dezenove semanas em Paris
Nineteen weeks in Paris
Diecinueve semanas en Paris
Dix-neuf semaines à Paris
Orlando Hardt Jr
Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). São Paulo. orlandohardt@yahoo.com
RESUMO
Freud passou 19 semanas em Paris, concluiu suas pesquisas sobre neurologia e aprendeu muito com Charcot. Elaborou um instrumento que usaria para descobrir fatos novos e, munido de uma nova articulação para a teoria desse aprendizado, atirou-se a fazer especulações para além do conhecido.
Palavras-chave: alegoria, fantasmagoria, histeria, Zeitgeist, Walter Benjamin
ABSTRACT
As a young doctor, Freud spent nineteen weeks in Paris, concluded his research in neurology and learned a lot from Charcot. He developed a technique with which he would discover new facts, and along with these concepts he set himself beyond the unknown.
Keywords: allegory, phantasmagoria, hysteria, Zeitgeist, Walter Benjamin
RESUMEN
Freud pasó diecinueve semanas en París, concluyó sus investigaciones sobre la neurología, y aprendió mucho con Charcot. Elaboró un instrumento que usara para descubrir hechos nuevos y, provisto de una nueva articulación para la teoría de este aprendizaje, se arrojó a hacer especulaciones más allá de lo conocido.
Palabras clave: alegoría, fantasmagoría, histeria, Zeitgeist, Walter Benjamin
RÉSUMÉ
Quand jeune, Freud a passé dix-neuf semaines à Paris, où il a terminé ses recherches en neurologie et beaucoup appris avec Charcot. Il adéveloppé une technique qui lui amènerait à des nouvelles découvertes et, avec un regard frais en face de la théorie, il s'est mis à faire des spéculation au-delà de ce qui était connu.
Mots-clés: allégorie, fantasmagorie, hystérie, Zeitgeist, Walter Benjamin
Introdução
Este artigo propõe que a psicanálise tenha sido concebida nos espaços fantasmáticos de Paris do século XIX. Freud identificou Paris, a partir da fantasmagoria, como uma forma de alucinação, ou perda do princípio da realidade: a cidade da histeria.
Os fenômenos mesmerianos foram precursores "científicos" contemporâneos da fantasmagoria da cidade em suas reminiscências - ruínas deixadas como alegorias da memória recalcada pela aceleração do capital. Arrematada, a teoria servirá como padrão para as demais patologias estudadas subsequentemente.
A matriz clínica dessa concepção inicial, prisma para a reflexão teórica, mudará e se organizará de formas diferentes. Em Viena, estrutura-se como psicanálise. Após a concepção sobre histeria, a teoria freudiana transcorrerá por modelos metapsicológicos subsequentes, evolução que abrangerá duas tópicas, duas teorias das pulsões e o advento da pulsão de morte.
Freud chegou a Paris em outubro de 1885. Percorreu a cidade, descreveu para sua noiva a Place de la République, as vitrines das galerias, a Champs-Élysées e relatou que os franceses eram "o povo das epidemias psicológicas, das históricas convulsões em massa" (Jones, 1961, p. 207). Morou no Hôtel du Brésil, Rue de Goff.
Tudo o empolgou - sobretudo as aulas de Charcot -, e foi essa presença que o afastou do microscópio, da neurologia, impelindo-o para a psicologia. O encanto por Charcot determinou-lhe um caminho. Freud registrou: "tenho agora uma impressão completa de Paris, poeticamente comparada com uma gigantesca esfinge enfeitiçada, que devora os estrangeiros que não conseguem resolver seus enigmas..." ( (Freud, 1885, citado por Jones, 1961, p. 201).
Impressões da cidade penetravam os sentidos de todos: Freud, Charcot, Janet ou internas do Salpêtrière. Todos viviam a cidade como uma grande máscara. Paris escondia e ao mesmo tempo revelava. Extremo insatisfatório que consiste em aspectos perturbadores: um aspecto que excita e outro que rejeita, assim como os histéricos. Influenciado, escreveu Freud:
Paris havia sido, por muitos anos, o objetivo das minhas nostalgias, e a felicidade com que pisei pela primeira vez nas suas ruas deu-me garantia de que eu atingiria a realização de meus outros desejos também. (Freud, 1885, citado por Gay, 1989, p. 60)
O ano de 1885 foi importante para Freud: passou 19 semanas em Paris, concluiu suas pesquisas sobre neurologia e aprendeu muito com Charcot. Elaborou um instrumento que usaria para descobrir fatos novos e, munido de uma nova articulação para a teoria desse aprendizado, atirou-se a fazer especulações para além do conhecido.
Freud flâneur
Freud viajante descreveu cidades onde esteve. Percebia-as como aposento e paisagem, flanando por elas. O flâneur é um desenraizado, não se sente em casa nem em sua cidade natal, como Baudelaire, afinado com a melancolia, andava por Paris; contraponto da multidão, desenraizado na cidade, um flâneur não vê as coisas como são, mas como convém a esse olhar.
Flanando em Paris, Freud constata nova etapa para si, pressente reviravoltas, encontra um ponto de partida. Conversando com La Tourette sobre a eclosão da Primeira Guerra, declara-se juif - isto é, nem austríaco, nem alemão. "Que essa distância de qualquer nacionalidade, de qualquer adesão por princípio e em definitivo a qualquer ideologia, acabaria por ser a condição da formação analítica" (Jones, 1961, p. 511).
Passagens (Benjamin, 2009) é uma obra historiográfica sobre Paris no século XIX. Descreve mercadorias, consumo, galerias, exposições universais e paixões fetichistas burguesas. Vitrines parisienses expunham as mercadorias provindas de uma sociedade produtora, assim como se desenvolvia em seus habitantes um sentimento de insegurança.
Freud percebeu outro sintoma da doença até então secreta: o estado de sonolência, tão comum que até dizia respeito ao lado infantil de uma época que encontra o seu espaço-tempo privilegiado nas largas avenidas e galerias, onde era permitido anular o tédio, perdendo-se com segurança nesse mundo em miniatura, sob céus de vidro translúcido, que reproduziam, artificial e fantasmagoricamente, o céu natural. É nesse mundo envidraçado, constituído por transparências e espelhos, que decorre o dia a dia de um flâneur, e nesse mundo ele pousa seu olhar.
Ter trabalhado com Charcot foi decisivo para Freud. Todo o progresso feito na compreensão da histeria proveio desse trabalho, mas cabe supor que Paris tenha contribuído muito mais do que acreditamos para o início de sua teoria, e também para o desenvolvimento da psicanálise: foi a cidade de formação para Freud, onde seu itinerário tomou nova direção.
Em outra carta para a noiva, afirma:
Destruí todas as minhas notas e cartas de quatorze anos para cá: notas científicas e manuscritos de meu trabalho... todos os meus pensamentos sobre o mundo foram declarados indignos de continuar a subsistir. Eles precisam ser pensados outra vez. ( Freud, 1885, citado por Ricci, 2005, p. 66)
Salpêtrière apresentava diferentes formas e sintomas de histeria - mais que contraturas e ataques. Como todo caçador, o flâneur segue vestígios, decifrando o que a paisagem labiríntica tem para lhe oferecer. Por essa razão, Benjamin afirma: "Sabe-se que, na flânerie, os longínquos - quer se tratem de países ou de épocas - irrompem na paisagem e no instante presente" (2009, pp. 528-529).
A dialética apresenta-se também sob esta forma ao flâneur: aproximar-se daquilo que lhe escapa continuamente, perseguindo... Assim se desdobrou a cidade, sua multidão e a enfermaria ante o olhar do flâneur: como caçador que persegue a presa, o flâneur é o que está no centro do mundo, na multidão, e o que está, ao mesmo tempo, protegido, dissimulando-se, ao abrigo de olhares. Essa dialética foi tomada como condição natural.
O olhar do flâneur esconde agitação interior, e é esse fato que leva Benjamin (2009) a afirmar que a maioria dos gênios foi flâneur. O conceito que permite estabelecer a flânerie como atividade propiciadora de experiência e produção é o de meditação melancólica, condição essencial, sem a qual não existiria produção estética - entenda-se alegórica.
Aparecerá então essa lucidez vertiginosa inerente à compreensão da visão dialética e violenta que coube aos radicais modernos. Não se trata, em Freud, do olhar de um pensador ingênuo, iludido, mas gélido, que inflete sobre si mediante o ato da rememoração e que constrói nova teoria. É a inflexão, da ordem de um saber reflexivo, que conduz o homem aos seus limites.
O homem que cisma (Benjamin, 2009) é aquele que possuiu a solução do grande problema, mas a esqueceu em seguida. Medita agora - menos sobre a coisa em si do que sobre a reflexão respectiva que levou a cabo. O pensamento é colocado sob o signo da rememoração. O cismativo e o alegorista são feitos do mesmo material.
Freud, um cismado, reuniu a pregnante massa desordenada e fragmentária do saber humano e armou o quebra-cabeça. Conservou o gesto do alegorista que toma aqui e ali um pedaço no monte confuso que o seu saber põe à disposição, coloca-o ao lado de um outro e os conjuga até obter um resultado.
Flanando por Paris, Freud deve ter aferido as bonecas nas vitrines - forma de expor a moda parisiense - ditas "fadas das vitrines", que giravam sobre um suporte musical segurando algo em seus braços. "[A] mais nova invenção do luxo industrial" (Benjamin, 2009, p. 733), que até figurou em um conto popular da época: uma perigosa passagem devia ser percorrida por uma menininha, por ordem da fada, para salvar seus irmãos. Como a heroína, Freud cruzou confiante a fronteira da histeria, pensou suas teorias - um caminho que o conduziu a uma ampla ala cheia de pacientes - e, quando seu olhar se dirigiu à fada, a mais linda boneca dirigiu-lhe a palavra.
A um certo momento, o tema das bonecas adquiriu um significado social. Por exemplo: Não imagina, meu senhor, o quanto estes autômatos e estas bonecas podem se tornar detestáveis, e quanto ficamos aliviados quando encontramos, nesta sociedade, uma criatura autêntica. (Landau, 1896, p. 17, citado por Benjamin, 2009, p. 733)
Freud fez releitura dessas bonecas quando as renomeou Anna O., Emmy von N., Miss Lucy R. e Katharina, destruídas pelo encantamento traumático que acontece a todas as crianças, já que a sexualidade que a mãe desperta transforma essa relação.
A mãe é objeto sexual para a criança e para o pai. Para o olhar freudiano, aquela percepção traumática se tornou organizada: Freud olhava vitrines com o mesmo interesse com que olhava pacientes do Salpêtrière, e esse olhar ressignificou ideias de Charcot.
Pensando em histéricos, lembramos Charcot: perturbados por demandas do corpo e ideias sexuais recalcadas, indiferentes à conversa, identificados com o outro de maneira teatral, mais devaneando do que vivendo, preferem a ilusão infantil das ditas bonecas parisienses ao mundo adulto.
Ao examinar algo tão complexo quanto os histéricos, Freud foi obrigado a utilizar todos os pontos de vista necessários para condensar, nessa teoria, uma conceptualização do assunto. A histeria também era moda, como bonecas em vitrines:
toda uma série de bustos femininos, sem cabeça e sem pernas, com ganchos de cortinas no lugar de braços e pele de percalina ... alinham-se em fila empaladas em hastes... Olhando esta estiagem de colos, este museu de seios, vislumbramos os porões onde repousam esculturas antigas do Louvre, onde o mesmo torso eternamente repetido faz a alegria ensinada das pessoas que o contemplam. (Huysmans, 1886, pp. 129-132, citado por Benjamin, 2009, p. 630)
O primeiro instrumento para o exame científico da mente humana estava inventado: em Paris, quando Freud deixou de lado a sugestão, passou a confiar nas associações livres de seus pacientes e a dar contornos aos conceitos de resistência, defesa e recalque.
O flâneur usa da atenção flutuante, olha sem olhar, sem esperar, sem memória, sem desejo, disponível a perder-se por labirintos, aguardando, como Charcot, até que um novo padrão surja.
Como recomendará Freud, um analista não deverá privilegiar nada a priori; deixará sua atenção correr o mais livremente possível que sua própria atividade inconsciente suspenda as motivações que habitualmente dirigem a atenção. Será a recomendação técnica que corresponderá à regra da associação livre proposta ao analisando.
De forma análoga, a notação EP=>D condensa interação de elementos sem relação e aparentemente dissociados, juntando-os em um todo. Designaria os mecanismos mais simples que podem mudar da fragmentação à integração e vice-versa. EP<->D seria também a relação da descoberta do "fato selecionado" bioniano, que corresponde ao nome de um elemento que introduz ordem na complexidade de uma realização psicanalítica e produz síntese. Os conceitos de flânerie e de ócio, aproximados, formaram a condição do trabalho científico futuro para Freud.
Os primeiros conceitos freudianos foram valiosas abordagens do conhecimento, só mais tarde seriam totalmente desenvolvidas, argumentação que qualquer indivíduo normal encerraria em si uma polimorfa história sexual e se moveria no âmbito de seus estados infantis.
O povo das epidemias psicológicas, das históricas convulsões em massa
O que poderíamos depreender da frase anterior, presente na carta de Freud para sua noiva? Talvez se referisse a Franz Mesmer, que, cem anos antes, ganhava dinheiro magnetizando os pacientes da alta sociedade na Place Vendôme, fazendo a transição do mágico para a ciência... Os pacientes entravam em crise, relatavam particulares sensações, sentindo-se curados.
Mesmer tornou-se tão importante que o rei nomeou uma comissão de inquérito para verificar a veracidade do "fluido magnético". Por fim, sua prática foi proibida, e ele, desacreditado, ridicularizado, abandonou Paris em 1785. (Ellenberger, 1970)
Em seguida, Freud pode ter-se lembrado de Puységuir (Ellenberger, 1970, p. 61) e do "sono magnetizador", semelhante ao sonambulismo, em que os pacientes falavam e, ao despertar, de nada mais se lembravam, Liebeault, que usou o hipnotismo/magnetismo com sucesso entre 1860 e 1880, só cobrando os medicamentos, também foi considerado charlatão, como outros. (Ellenberger, 1970)
No livro Exposé, de 1939 (Benjamin, 2009), "Paris, capital do século XIX" (p. 979), os conceitos de alegoria e fantasmagoria importam na construção argumentativa. Ambas possuem em Benjamin pleno valor de significados da época e, desse modo, essas ideias, presentes na centralidade da obra, precisam ser visualizadas.
A etimologia de alegoria provém de allos ("outro") e agourein ("falar na ágora ou linguagem pública"). Significa, "pelo uso da linguagem, falar alegoricamente"; literalmente, "falar de forma acessível, remeter a outro nível de significação", ou: "dizer uma coisa para significar outra" (Benjamin, 2009, p. 37).
O conceito de alegoria é, de um lado, um procedimento construtivo - uma técnica metafórica empregada na construção estética - e, de outro, uma forma de interpretação das coisas. Uma alegoria é a tradução de noções abstratas para um quadro linguístico que, em si, não é mais do que uma abstração de objetos sensíveis.
Alegoria seria uma forma de expressão. O uso etimológico de alegoria permite formular, com clareza, que é a figura pela qual, falando de uma coisa, queremos significar outra. Essa definição servirá de ponto de partida para pensarmos a interpretação do conceito de histeria neste texto e implicará pensar que a alegoria levará a proposta de ter sido o modelo de revelação usado por Freud.
Benjamin também tinha colocado em relevo a teoria do conhecimento da época quando usou a seguinte alegoria: "As ideias se relacionam com as coisas assim como as constelações com as estrelas" (2009, p. 1123)
A fantasmagoria era uma forma especificamente parisiense de alucinação, estreitamente vinculada às novas tecnologias visuais, pois no século XIX a França fascinou-se por espetáculos "espíritas" (Milner, 1982, citado por Matos, 2009, p. 1.127).
Benjamin (2009) põe o conceito de fantasmagoria como uma forma de representação da sociedade e da cultura da época, cuja origem ocorreu em meados do século XIX. Tratava-se de um espetáculo constituído por projeções no escuro, com lanternas mágicas, figuras luminosas que, aumentadas, pareciam ir em direção aos espectadores. A palavra possui quatro acepções:
Arte de fazer surgir e ver imagens luminosas (fantasmas), numa sala às escuras, por efeito de ilusões ópticas.
Aparência que produz na mente uma impressão ou ideia falsa.
Ideia, expressão que se opõe ao que é racional.
Fantasma, imagem ou aparência ilusória.
A noção de fantasmagoria é central quando trata de cenas parisienses. A fantasmagoria corresponde a uma função de transfiguração falseadora, desde 1790, quando Etienne G. Robertson fez um espetáculo apresentando fantasmas com artifícios de iluminação -, e, assim, puderam ser vistos os espíritos de Marat, Virgílio e Voltaire.
Benjamin (2009) relata que havia panoramas, dioramas, georamas, fantascópios, cineramas, cicloramas, enfim, fantasmagorias pitorescas ou viagens incríveis. A Paris do século XIX é uma grande sala de espetáculos e exposições perdurando por mais de um século.
Fantasmagoria seria uma atividade psíquica não racional, em afinidade com conteúdos inconscientes, que satisfazia ou reforçava o desejo de olhar, marcante na cultura parisiense da época. O concomitante Museu de Cera prometia "representar os eventos correntes com fidelidade, como um jornal vivo" (Matos, 2009, p. 128).
Com Charcot, Freud aprendeu a reconhecer leis e uniformidades da histeria, sinais que possibilitam tal diagnóstico, e assim, de uma vez, acabou com as dúvidas sobre os fenômenos hipnóticos.
O engenho de Freud teria sido aplicar a concepção de alegoria na histeria. Foi em Paris que, pela primeira vez, isso se tornou real. As primeiras observações freudianas foram sobre alucinações na clínica da histeria, em 1895, e são observações metapsicológicas em estado nascente, pois a histeria estava refugiada em Salpêtrière.
Vinheta clínica
A, um paciente, antecipou-me a primeira ideia para a escrita deste artigo. Há anos tenta capturar toda a beleza do efêmero e do transitório para si. Em seu modo de viver, deambula pela vida, por lugares, viaja profusamente procurando mulheres cada vez mais jovens e pessoas famosas, das quais se aproxima. Sua essência reside nas alegorias de um cotidiano vivido em shoppings, carros caros, velocidade e fragmentações com pessoas sempre de passagem, no Facebook, Twitter, Instagram, em selfies e outros meios eletrônicos que comparo com fantasmagorias pós-modernas.
O paciente A repetia para si o arremedo pós-moderno de um flâneur; encarna erraticidade, voyeurismo e solidão urbana, com um frenesi consumista. Numa sessão, aventei que viver nesses labirintos modernos fazia que se expressasse de forma automática. Por este motivo, estava sempre na eterna convalescença de algum problema e deprimido.
Na sessão seguinte, disse-me que saíra da sala espantado e fizera um selfie na antessala.
A teria fixado na selfie alguma impressão verdadeira, coisa rara para ele?
Emergiu numa experiência que sempre procurava no exterior fugidio? Houve um nexo e construção de dois espaços díspares reunidos, coesão entre o espaço dividido do observador distante, subjetivo, de seu espaço interno. A compreensão que se deu teve o mérito de potencializar uma indelével relação entre imagem, tempo-espaço e a possibilidade de representar o irrepresentável para si.
A moda
Pinto Junior (2009) lembra que a histeria foi por muito tempo uma incógnita para a medicina. A dificuldade decorria da impossibilidade objetiva de obter identificar uma causa. Seria um mal próprio das mulheres?
Charcot é importante na história da medicina. Trabalhou na Salpêtrière a partir de 1862; tornou-se professor de anatomia patológica em 1872; em 1881, criou a primeira cátedra de doenças nervosas (Pinto Junior, 2009).
Ainda segundo esse autor, "Sua atuação fundamentava-se numa clínica do visível, que seria seu paradigma, em consonância... com o olhar clínico... da própria clínica médica emergente no século XIX, que Foucault identifica como a clínica da observação" (Pinto Junior, 2009, p. 8).
Pinto Junior (2009) prossegue afirmando que Charcot criou o conceito nosológico de histeria, ao diferenciá-la da epilepsia, e também lhe conferiu identidade visual, transformando La Salpêtrière em local adequado para clínica e ensino. Criou um arquivo fotográfico, registro médico e, mediante isso, concretizou seu projeto científico.
Charcot fotografava as histéricas com recursos cênicos: uma sala pintada de preto, luzes especiais e gravuras assustadoras que as induzissem a manifestar crises.
Considerando o tempo necessário à exposição fotográfica para que se produzisse uma boa imagem, as imagens das histéricas pertencem, necessariamente, à temporalidade da pose. Estamos diante do sentido dos gestos e da teatralização tanto dos sentimentos quanto da experiência clínica. A veracidade do registro exigia das pacientes uma suspensão temporal, e Huberman vê vários sentidos para a pose: colocar uma personagem em cena, deter-se diante do aparato técnico representado pela máquina fotográfica, estabelecer pausa numa trajetória [e assim obter registro do tratamento]. (Pinto Junior, 2009, p. 820)
Charcot surgiu nesse cenário como artista, capaz de criar eloquente imagem do conceito nosológico.
A fotografia testemunhava "o espetáculo da enfermidade: convulsões, letargias, delírios, espasmos, [sonambulismo], contrações, síncopes e outros..." (Pinto Junior, 2009, p. 820). "O que torna as primeiras fotografias tão incomparáveis talvez seja isso: elas representam a primeira imagem do encontro entre a máquina e o homem" (Benjamin, 2009, p. 720).
As fotografias de Salpêtrière tornam-se incomparáveis mediante a própria emergência histórica de um novo objeto de saber que a representação da histeria obviamente representou. Só depois que um determinado objeto de saber aparece é que se pode produzir a formação de um conceito. Nesse sentido, pensar a história da emergência da imagem da histeria em Charcot significa (re)ver a história de sua definição. [Para Huberman], essa implicação... teria desencadeado uma maneira específica de comunicar e, principalmente, produzir conhecimento, dentro de um método de códigos que foram, ao mesmo tempo, momentos históricos da imagem... a histérica propõe constituir todo o objeto de conhecimento, se oferecendo ao saber mediada pelo registro fotográfico... Para Huberman, o "gênio de Charcot" corresponderia ao mérito não só de descrever e sistematizar essa sintomatologia, relacionando-a a uma iconografia e a uma legenda, mas principalmente de conceituar um tipo geral - o grande ataque histérico -, que se desdobrava em várias fases ou períodos distintos. (Pinto Junior, 2009, pp. 819-820)
O estudo dos histéricos por Charcot "demandou que o corpo do paciente viesse a ocupar o lugar de agente do discurso" (Pinto Junior, 2009, p. 820). De um lado, o conhecimento está com o médico; de outro, a verdade está com a paciente, numa relação de sedução
em que o histérico coloca seu corpo em cena para que o olhar do médico produza conhecimento. ... A histérica, escreve Freud, busca escapar continuamente, sendo sustentada pela fantasia como sintoma neurótico em que o sujeito é o objeto do prazer sexual do outro, num cenário em que ela mesma é excluída do prazer, como podemos identificar nos primórdios da psicanálise em Estudos sobre a histeria (1893-1895) ... [Em seu livro], Huberman procura estudar... o que viabilizou a emergência desse discurso visual... teriam os aparatos visuais de Charcot inventado a histeria, ou teriam as histéricas o induzido a criar todo um arsenal de encenação e registro visual? (Pinto Junior, 2009, p. 820).
Para a filosofia, o aspecto mais interessante da moda é sua extraordinária capacidade de antecipar fatos. Esta, por meio de algumas imagens, antecipa em anos a realidade e está sempre colocando juntos o presente e o futuro, antecipando fatos.
Este é o grande encantamento da moda: quem souber lê-la saberá antecipadamente de novas tendências comerciais, costumes, ideias, guerras, governos e (por que não?) doenças mentais. O tom da moda seria dado sempre pelo novo, em que emerge dentre os fatos antigos, mais habituais.
Freud encontrou em Paris aquilo que dará o tom para a psicanálise, porque estudos sobre a histeria também eram moda. Captou toda a psicopatologia de uma massa de sintomas que existiam num reino silencioso e impenetrável e pôde compreender o sofrimento humano. Segundo ele, este seria o modo de se lembrar da infância: os sintomas recordavam eventos antigos, hábil retratação de uma partilha em que o soma reteve dor pela rejeição com relação à figura da mãe. Freud participou dessa "moda histérica" e, em "Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise" (1912), acentuou que, na mente do histérico, estariam ideias ativas inconscientes.
A verdade é que, em 1885, Freud encontrava-se a meio caminho no processo das explicações fisiológicas dos estados psicopatológicos para as explicações psicológicas. Por um lado, propunha o que era, em linhas gerais, uma explicação química das neuroses "atuais" - neurastenia e neurose de angústia - (em seus dois artigos sobre neurose de angústia, 1895b e 1895f), e por outro lado, propunha uma explicação essencialmente psicológica - em termos de "defesa" e "recalcamento"- para a histeria e as obsessões. (Strachey, 1956, pp. 29-30)
Como as galerias cobertas que abrigavam as lojas de moda onde as mulheres aprendiam a pedalar, muito em voga naquela época, a histeria também estava na moda em 1885, quando houve a conciliação da moda com a feminilidade. Equitação e ciclismo modelaram a cintura da mulher.
Relato sobre meus estudos em Paris
Ao retornar, entusiasmado com o que tinha apreendido em Salpêtrière, Freud apresentou seu relatório ao Colégio de Professores da Faculdade de Medicina e foi recebido com incredulidade e hostilidade, segundo Ellenberger (1970, p. 437).
O que mencionou em seu Relatório? Mencionou a histeria como uma doença psíquica bem definida, de etiologia específica e cujo esclarecimento teria paralelo mais tarde com as principais descobertas freudianas: inconsciente, conflito, fantasia, recalque, transferência etc.
Seu trabalho na Salpêtrière encontra-se delineado em Leçon d'overture (Borgogno, 2004), correspondente a um ciclo de aulas dedicado às doenças do sistema nervoso, em que Freud, de certa forma, seguirá apoiado em uma teoria mais coerente e acabada para dar conta de questões futuras.
Segundo Borgogno (2004, p. 17), Charcot foi um "objeto pleno de valor para Freud. [À moda de Charcot], as notas sobre o método de observação aparecem pouco a pouco em seu trabalho". Seria a partir daí que Freud teria seguido "a maneira de proceder de Charcot. Salpêtrière foi onde Freud amadureceu seu ideal de conhecimento e observação que o acompanharia em suas descobertas" (Borgogno, (2004, p. 18).
Freud apresenta o procedimento utilizado na investigação neuropatológica que ele testemunhou, o denominado método nosológico, cita Claude Bernard, aludindo a ele como aquele que subordinou a fisiologia à patologia (Rubin, 2011). Esse método de investigação, a nosologia, descreve o quadro mórbido determinando características, etiologia, suas correlações e ainda estuda as modificações sob a ação de agentes terapêuticos.
Os histéricos transformavam-se em um tipo de alegoria: "montam um teatro particular para personificar ausências, recrutam transeuntes para representarem papéis de seu drama pessoal, que se desenrola" (Bollas, 2000, p. 176) como uma fantasmagoria, já que fantasmas do passado são trazidos em uma estranha luz e o indivíduo torna-se um médium para a transição dos ausentes a uma materialização em forma teatral polimorfa, uma vez que o self traz para o evento componentes instintuais.
Freud compreendeu o teatro do histérico - ao qual denominou de "ataques histéricos" -- como a atuação de uma fantasia sexual recalcada, que nada mais seria do que fantasias traduzidas na esfera motora (Bollas, 2000, p. 184).
Na introdução do Relatório, Strachey (1956) o saudou como "fato histórico" que representa o "deslocamento do interesse científico de Freud da neurologia à psicologia" (Strachey, 1956, p. 39).
Em Paris, Freud percebera traços primordiais do inconsciente, ideias ocultas latentes que deveriam ser resgatadas pelo olhar dirigido à reflexão e à necessidade de liberar do gigantesco inconsciente de afinidades até então secretas; mesmo esmaecidas, algumas linhas de demarcação entre consciente e inconsciente já estariam demarcadas desde Mesmer e demais personagens que perseveraram de uma forma ou outra nesta investigação.
Freud fez arranjos metodológicos, numa disposição experimental em que cada fato deveria estar em sincronia com determinados estados do paciente, a tal ponto que o acontecido observado se tornasse compreensível; os acontecimentos passados não seriam suprimidos, mas estariam latentes, observados pelo médico, que faria ao paciente "a tentativa de despertar de um sonho" (Benjamin, 2009, p. 19), assim como fez Benjamin: "um método novo dialético de escrever a história: atravessar o ocorrido com a intensidade de um sonho para experimentar o presente como o mundo da vigília ao qual o sonho se refere (Benjamin, 2009, p. 6).
Naquela época, a energia elétrica era novidade, e Freud utilizou-a como metáfora para explicar o cortejo dos sintomas histéricos, ainda não considerados como energia sexual, mas uma energia (Bezetzt) que atua como no filamento da lâmpada elétrica que, ao ser tomado pela eletricidade, é aceso.
Permitir-me-ei mais uma vez recorrer à comparação com um sistema de iluminação elétrica. A tensão na rede de linhas de condução possui também seu ponto ótimo. Se este for ultrapassado, seu funcionamento pode ser prejudicado com facilidade, e os filamentos da lâmpada elétrica podem ser prontamente queimados. Falarei mais adiante sobre o dano causado ao próprio sistema se o isolamento falhar ou se ocorrer um "curto-circuito". (Freud, 1969a/1895, p. 206)
Este artigo pensa o olhar alegórico de Freud iniciando o procedimento metodológico para a psicanálise. Essa ideia possibilita lançar luz sobre a alegoria como procedimento estético peculiar, intrínseco a uma forma de pensar a psicanálise e a uma visão de mundo - do ponto de vista da perda da experiência autêntica e, consequentemente, da emergência da experiência vivida do choque.
Ao mesmo tempo, mostra a alegoria como método por excelência ou procedimento metodológico, tal qual foi proposto por Benjamin (2013), e que se expressará em toda a futura obra freudiana, quer na sua visão da cultura, quer na sua análise histórico-crítica das obras de arte e na invenção do método psicanalítico. Assim, Freud escapou de ser devorado pela esfinge fantasmática de Paris nas dezenove semanas em que lá esteve.
Este artigo corre na contramão, pois em "Moisés e o monoteísmo" Freud (1969b/1937) declarou que a psicanálise não encontrou ainda um lar que lhe fosse mais propício do que a cidade na qual nasceu, mas pareceu-me fecundo propor que a psicanálise tenha tido outro nascedouro: Paris.
Penso na diferença da atmosfera cultural de Paris com a de Viena, sendo a primeira uma metrópole aberta a todas as inovações, onde se abrigaram as correntes revolucionárias da arte e do espírito, considerada "a capital do século XIX" - e a segunda quase um museu, porque na metade do século XIX o neoabsolutismo dominou a Áustria, acomodada em um provincialismo e refugiando-se em uma metrópole europeia do século Barroco. Sem a abertura para o novo, nem sem correr riscos, Viena assemelhava-se a um museu.
Imaginei, apoiado em Benjamim, reconstituir e "viver por procuração" esse período de Freud em Paris e investigar se teria o Zeitgeist1 influenciado na sensibilidade freudiana de captar a descoberta do psiquismo.
Esse fator prévio e sutil poderia também ser influente. Poderá ser um grande equívoco considerar a psicanálise como consequência de uma expressão do "espírito da época", mas vários historiadores culturais que trataram a psicanálise como representante do período em que foi produzida não deixaram de lado o Zeitgeist
A reavaliação da contribuição do Zeitgeist parisiense para a psicanálise não descobre novo continente; nem seria menos rico, pela dimensão ficcional, o tempo em que Freud viveu na capital francesa. Esse período foi importante como um dos fatores elencados anteriormente e percorrerá e permanecerá em sua obra.
A influência que as teorias econômicas da época devem ter exercido sobre o pensamento freudiano foram investigadas por Rapaport (1982), assim como a influência do ambiente geral vienense na obra de Freud - ambiente que pode ter atuado mais como um fator limitante do que como fonte de sua ênfase na sexualidade e suas vicissitudes.
Este artigo é um modelo de ficção, mas, segundo Bion (1994, p. 154), um modelo pode ser qualquer observação que tenha coerência e que seja desencadeada por algum fato selecionado. De uma forma geral, na futura produção freudiana que marcará a instituição da psicanálise pós-Paris, poderemos distinguir a permanência dos estilos de como Charcot lecionava, textos didáticos preparados para expor o conjunto doutrinário ou o alerta para a prática da psicanálise, e uma segunda forma, que constará de escritos decorrentes das novas ideias provindas da experiência clínica e da evolução teórica - textos que trarão um diversificado conjunto teórico que incorporará futuras etapas na psicanálise, até chegar a uma ampla visão da subjetividade.
Ao captar em Paris as primeiras visões da cidade, Freud foi também o operário livre de vertigens, como quem trabalhava na arquitetura do ferro e do vidro. Comparo a psicanálise com essa inovação arquitetônica, que se diferenciará da arquitetura de pedra ou do teto em arco medieval.
Seria uma outra arte, na qual o tom é dado por um outro princípio, mais amplo que os anteriores, um sistema que acarretará mudanças na espacialidade.2 A Paris com que Freud conviveu era decorrente de uma renovação urbanística em grande escala: modernização pública, transportes, o mercado central, criação de parques e o traçado organizado estrategicamente dos grandes bulevares, o que implicou demolição e construção.
Após Paris, Freud fará algo semelhante a uma reurbanização dos fenômenos que hoje tratamos por psicanálise: traçou ruas até o inconsciente. A psicanálise, como fez a arquitetura ao unir o ferro ao vidro, serviu de base a um novo sistema de abordagem do processo mental; uniria o material mais frágil ao mais forte produzido pelo homem.
A teoria arrematada em Paris servirá como padrão para as demais patologias estudadas subsequentemente. Mesmo com o desenvolver posterior, e à medida que muda, a matriz clínica dessa concepção inicial servirá como prisma para a reflexão sobre a teoria, como no caso de A.
Esse padrão mudará e se organizará de formas diferentes. Em Viena, irá estruturar-se como psicanálise. Após essa concepção inicial sobre histeria, a teoria freudiana transcorrerá por quatro modelos metapsicológicos subsequentes, uma evolução que abrangerá as duas tópicas, duas teorias das pulsões e passará pelo advento da pulsão de morte, em 1920.
Inúmeros fatores influenciaram Freud para a formação da teoria psicanalítica: interesses literários, pesquisas em neuroanatomia, com Helmhotlz, Charcot, Bernheim, o trabalho psiquiátrico com Meynert, sua auto-observação e sua tradição judaica.
Conclusão
Ao ler Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim (Freud, 1886/1969d), fui tentado a pensar que este poderia ser o possível germe da obra de Freud, pois penso que determinados períodos e lugares são homogêneos para serem representados dessa forma e demoram anos para serem complementados por seu autor.
A natureza dessa singular proposta estaria de acordo com o vínculo entre ficção e psicanálise, que assim descrito por Herrmann descreveu como: "ficcional não significa falso, nem mesmo cientificamente menor, mas inserido num tipo de verdade peculiar à literatura, que é, em geral, mais apropriada para a compreensão do homem que a própria ciência regular" (Herrmann, 1999, p. 16).
A influência de Charcot sobre Freud perdurará em sua obra: "os ditos de Charcot afloram constantemente nos textos de Freud, e em todos os relatos de seu próprio desenvolvimento, nunca foi esquecido o papel desempenhado por Charcot", (Strachey, 1956, p. 20). Assim, nessa nota do tradutor inglês, Charcot apresenta-se como onipresente em toda a obra freudiana, pois a maioria dos seus trabalhos clínicos subsequentes que Freud escreveu nasceu desse projeto sobre a histeria, e vislumbra-se, nesses estudos iniciais, um futuro modelo de questionamento metodológico, que resume as reflexões sobre a psicanálise a ser desenvolvida.
Poderemos pensar que a influência de Charcot e Paris formaram determinantes em Freud e o tornaram flâneur.
De certa forma, tanto Freud quanto Charcot foram aproximados pela fantasmagoria, com base na qual, partindo de sinais e sintomas, fazem a leitura de origem, profissão e caráter.
Havia em ambos uma categoria fundamental: como flâneurs, "compõem seus devaneios como legendas para as imagens" (Benjamin, 2009, p. 464).
Aqui, trato de uma tese de que o flâneur teria escolhido como objeto de seu estudo a aparência fisionômica das pessoas, a fim de fazer, a partir do andar, da estrutura e das expressões, a leitura do status, do caráter e do destino...
Em Passagens, encontramos Benjamin considera que
Paris criou o tipo do flâneur. É estranho que não tenha sido Roma. Qual é a razão? ... Pois não foram os forasteiros, mas eles, os próprios parisienses, que fizeram de Paris a terra prometida do flâneur, a "paisagem construída de pura vida", como certa vez Hofmannstal a chamou. ... Paisagem - é nisso que a cidade de fato se transforma para o flâneur. Ou mais precisamente: para ele, a cidade cinde-se em seus polos dialéticos. Abre-se para ele como paisagem e fecha-se em torno dele como quarto. (Benjamin, 2009, p. 729)
A atitude de Charcot poderia muito bem ser, como disse Benjamim, "uma abreviatura da atitude política das classes médias durante o Segundo Império" (2009, p. 730), pois as ruas seriam as moradas do coletivo, um ser inquieto, agitado, que vivencia e experimenta, conhece e inventa entre as fachadas por onde anda, tanto quanto um indivíduo entre quatro paredes, o inebriante entrecruzamento da rua e da moradia que se realizou em Paris no final do século XIX e na experiência do olhar, seu valor profético. Paris seria a realização do antigo mito do labirinto, e Freud, um flâneur. Sem saber, perseguiu esta fantasmagoria como atento observador cuja ciência mandara como espião para o labirinto da cidade.
Referências
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Recebido em: 28/9/2018
Aceito em: 5/11/2018
1 Zeitgeist significa espírito da época ou espírito do tempo, clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou características genéricas de um determinado período de tempo.
2 A Gare Saint-Lazare tinha 615 metros de extensão. A arquitetura de ferro, uma nova arte, iniciou-se em Paris: a Ponte de Austerlitz teria sido a primeira construção em ferro da cidade.