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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.30 no.91 São Paulo 2013
ARTIGO ORIGINAL
O lugar do sujeito na educação infantil: uma análise na perspectiva da psicologia histórico-cultural
The place of the subject in early childhood education: an analysis from the perspective of cultural-historical psychology
Ederson de FariaI; Vera Lúcia Trevisan de SouzaII
IPsicólogo, Mestre em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil
IIPsicóloga, Mestre e Doutora em Educação, Professora do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil
RESUMO
Esta pesquisa teve por objetivo investigar o lugar que a criança ocupa enquanto sujeito na visão dos agentes de educação infantil em um contexto concreto de atividade de agentes de educação infantil do município de Campinas. São adotados, como aporte teórico e metodológico, os conceitos da Psicologia Histórico-Cultural, sobretudo os de Vigotski e seus leitores. Em decorrência dessa opção teórica, o método utilizado e o tratamento das informações assumem a perspectiva dialética. Foram feitas observações das atividades cotidianas de seis agentes de educação infantil, em uma escola municipal de educação infantil do município de Campinas. Os dados foram registrados em diário de campo. Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com três sujeitos, a fim de aprofundar questões observadas. Os resultados revelam que as práticas desenvolvidas pelos agentes de educação infantil têm como centro a tentativa de controle das crianças, dando ênfase no cuidar em detrimento do educar. No entanto, contraditoriamente, há muitos momentos em que os agentes atuam visando à autonomia das crianças, ainda que sejam menos frequentes. Constatou-se, também, que os próprios agentes não têm espaço de emergência de suas ideias, pensamentos, não sendo consultados sobre as diretrizes do trabalho e, muitas vezes, se sentem insatisfeitos com a atividade que exercem. Essas constatações põem em relevância o papel que o psicólogo pode exercer nesses contextos, no sentido de promover reflexões sobre as condições em que o trabalho no atendimento de crianças pequenas se desenvolve.
Unitermos: Educação infantil. Psicologia educacional.
ABSTRACT
This research aimed at investigating the place that the child takes as a subject in a concrete context of activity of the childhood education agents in Campinas County. As theoretical and methodological contribution, the concepts of the Historical-Cultural Psychology, especially those of Vygotsky and his readers are adopted. Due to this theoretical option, the method used and the processing of information assume the dialectical perspective. Observations were made of the daily activities of six kindergarten agents in a public early childhood education school in Campinas. Data were recorded in the field diary. Semi-structured interviews were also conducted with three individuals in order to deepen questions observed. Results reveal that the practices developed by the early childhood education agents have as central the attempt to control children, with an emphasis on care rather than educate. However, contradictorily, there are many moments where agents act aiming the children´s autonomy, although they are less frequent. It was found, also, that the agents have no emergency room of their ideas, thoughts, not being consulted on the guidelines of the job and, often, feel unsatisfied with the activity they carry out. These findings put into relevance the role that psychologists can play in these contexts, in order to promote reflections on the conditions under which the work in caring for young children develops.
Keywords: Child rearing. Psychology, educational.
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do mestrado, cujo objetivo foi investigar os espaços e meios planejados e/ou dedicados à expressão da criança pequena, em creches que atendem à faixa etária de 0 a 4 anos. Nossa hipótese era de que o fato das crianças serem muito pequenas e das turmas se organizarem com grande número de alunos, impede que se organizem práticas que levem em consideração as características e necessidades das crianças, investindo-se na promoção de seu desenvolvimento. Nossa experiência em espaços semelhantes, como educador infantil, ratificava um modelo de ação com centralidade no cuidado que assumia, na maioria das vezes, um caráter de assistência. A dimensão educativa e formativa da prática com crianças pequenas, tal como proposta pelos RCNs, se mantinha restrita à atuação de docentes e, por vezes, com as turmas maiores.
Outra dimensão que nos instigou a investigar as práticas com crianças pequenas em espaços de creche foi o fato de o município em que se desenvolve a pesquisa utilizar como educador no contraturno das creches, um profissional que denomina de "agente de educação infantil", cuja função, ainda que centrada na assistência, com as práticas de cuidado, também envolve o educar, tendo em vista o longo tempo diário que as crianças ficam aos seus cuidados. Ocorre que a formação exigida para esses profissionais, que ingressam na educação pública via concurso, é nível superior em qualquer área do conhecimento, ou seja, não é necessário que esse profissional tenha formação ou experiência em licenciatura, ou mesmo conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil.
Esse fato, a nosso ver, põe em evidência um grande problema que enfrenta a educação infantil no município investigado, o que pelo que acessamos, não difere da maioria dos municípios no Brasil: quem atende às crianças pequenas, antes da chamada pré-escola, cujo início se dá aos 4 anos, portanto, crianças de 0 a 3 anos, são, em grande maioria, profissionais que não têm formação específica para realizar a educação dessas crianças. Por outro lado, especialmente no município de Campinas onde se realizou esta pesquisa, o fato de encontrar exercendo essa função profissionais formados em Administração de Empresas, Direito, Gestão Ambiental, dentre outras, que não são consideradas áreas afins à educação (como é o caso da Psicologia) nos instigou a investigar os porquês de profissionais de dessas áreas se interessarem e exercerem a atividade de agente de educação infantil.
Percebemos que o que atraia aqueles profissionais com formações tão diversas da docência para aquele trabalho eram dois fatores: primeiro, tratava-se de um trabalho de seis horas, com remuneração razoável e que como primeiro emprego, logo após a graduação, era interessante; segundo, como uma forma de ingressar na carreira pública, que permitiria mais adiante a mudança de cargo e função, contando pontos para tal progressão a experiência exercida anteriormente.
Ainda sobre o cargo de agente de educação infantil é relevante considerar que, a maioria deles o considera como temporário, pois pretendem ingressar em funções ligadas à sua área de formação. O problema é que tal modo de conceber o trabalho exercido produz uma não implicação com a função, impedindo-os de verem-se como educadores; pois a imagem que têm da função era de um trabalho temporário.
O contato concreto com a educação infantil remete-nos a teóricos como Wallon1, para quem a afetividade é dominante no período inicial da vida, e esse domínio, integrado à motricidade e à cognição, é responsável pela constituição da pessoa. Assim sendo, e considerando que as crianças passam a maior parte do tempo com os agentes de educação infantil, a questão que emerge é: como esse profissional concebe a dimensão afetiva presente nas relações com as crianças? De que modo sua concepção do papel dos afetos interfere em sua prática com as crianças?
Mais ainda, considerando que os profissionais que passam a maior parte do tempo com as crianças na educação infantil não se implicam no seu papel de educador, surgiram as seguintes questões: quem é a criança em uma creche? Que lugar ela ocupa na prioridade de ações dessa instituição? Quem é ela na visão dos educadores? Qual é o lugar do sujeito na educação infantil? Parecia-me que a creche, nos fazeres dos educadores, não tem se organizado em função dos sujeitos, que, de acordo com Arroyo2, são os protagonistas da Educação, mas vem seguindo uma prática que tem em vista assistir às crianças e garantir sua integridade física enquanto lá permanecem.
A problemática por nós apontada requer que se assuma uma perspectiva teórica que tenha o social como central no processo de constituição do sujeito. Adotamos, em consonância com o que vimos estudando ao longo de nosso percurso acadêmico, a psicologia histórico-cultural, sobretudo os conceitos de Vigotski sobre o desenvolvimento infantil.
A educação infantil tem se fundamentado em teorias psicológicas do desenvolvimento3, e de fato se faz necessário partir de uma concepção teórica acerca do desenvolvimento na tenra idade, se a pretensão é estudar a prática de educadores com sujeitos dessa faixa de idade.
Valemo-nos dos pressupostos de Vigotski, pois sua teoria realça o papel da educação infantil na medida em que podemos considerá-la como situação social de desenvolvimento. O desenvolvimento, segundo Vigotski4, é marcado por crises. Essas crises implicam mudanças, fazendo com que as funções psicológicas, dentro dos sistemas, rearranjem-se, o que se caracteriza como mudança qualitativa ao longo do processo de desenvolvimento. A noção de crise, aqui, não tem, como se vê, caráter negativo, ao contrário, para o autor a crise tem sua origem no próprio processo de desenvolvimento da criança, quando, ao atuar sobre a realidade, não dispõe de recursos psicológicos ou físicos que lhe permitam acessá-la, o que resulta na crise. Essa, por sua vez, promoverá novas relações entre as funções psicológicas, constituindo um novo modo de funcionamento do psiquismo, que resulta em desenvolvimento. A crise, por sua vez, promove as vivências, sendo essas experiências carregadas de emoções, em que o sujeito se dá conta de sua condição e, tomando consciência da mesma, acede a novos modos de funcionamento psicológico. É nesse sentido que defendemos a possibilidade infinita de desenvolvimento do sistema psicológico4,5.
Baseado na ideia de funções psicológicas e seus nexos relacionais, Vigotski4 explica o desenvolvimento em períodos. Não se trata de períodos estanques, marcados por idades fixas, universais. São momentos pelos quais a criança passa e, numa relação dialética com seu entorno social, assumem relevância uma ou mais funções, num movimento permanente e no qual o desenvolvimento sempre é dependente e produtor do meio4,5.
Estudando essa problemática, Vigotski4 identifica vários desses momentos de crise e postula que o primeiro ocorreria no primeiro ano de vida. O bebê estaria preso ao seu campo de visão e alcance dos objetos. Tal situação já não lhe permite avançar na compreensão do mundo, cada vez mais alargado pelas interações de que participa. A crise que surge nesse momento está na gênese da fala, que começa a se desenvolver ainda como fala pré-intelectual, sem sua dimensão planejadora da ação, colada nos objetos. Entretanto, a criança dá um salto em seu desenvolvimento, pois agora conta com a palavra - instrumento psicológico que serve de base à fala e ao pensamento, para se comunicar com o mundo e consigo mesma. Pelo exercício da fala, o sujeito avança no seu modo de se relacionar com a realidade. Pela fala, a criança, que até então era chamada, passa também a chamar o outro. Contudo, seu desafio é compreender a fala do outro e sua própria fala, o que a faz lançar-se ao mundo e, nesse sentido, a fala assume a primazia no desenvolvimento do psiquismo. Contudo, ainda que seja central, necessita de outras funções que lhe dêem sustentação e atuem, portanto, na promoção do desenvolvimento. Seriam as funções periféricas, tal como as denomina Vigotski4, e, nesse momento do desenvolvimento da criança, são representadas pelo pensamento (ainda pré-verbal), pelos afetos (sobretudo a vontade), pela percepção e pela atenção5.
Entendemos por função periférica aquelas que sustentam e promovem o desenvolvimento, pois estão na base de modo a dar condições para que outra função assuma prevalência. Cabe frisar que as relações entre as funções psicológicas estão em constante movimento e têm variações diversas, a depender da história do sujeito e da situação social de desenvolvimento característica de dado período de sua vida5. É dentro dessa trama constante de relações entre funções psicológicas que Vigotski4 descreve as crises. As crises pontuadas e postuladas por ele são momentos nos quais, para responder a uma demanda social, uma determinada função psicológica superior destaca-se no modo de funcionar do sujeito.
É preciso, aqui, destacar dois pontos. Primeiro, a crise se dá pela vivência de algo que se tomou consciência. Segundo, a vivência é carregada e caracterizada por fortes emoções em suas diferentes formas. Logo, as emoções, se são condições para a vivência, o são, por assim dizer, para o desenvolvimento do psiquismo5.
Dentro desse postulado, teríamos, na crise do primeiro ano, a percepção, a atenção e a vontade como acessórias à fala, sendo essa última, a função psicológica superior a assumir prevalência nesse momento4. Essa vontade no primeiro ano de vida ainda não é função superior, portanto não é autorregulada, mas é ela que dá condições para o desenvolvimento da fala como função psicológica superior, como mediação entre a criança e o mundo que a rodeia. A vontade, crescente com o conhecimento de mundo advindo da percepção e atenção, faz com que o gesto e o balbucio não dêem conta do acesso a esse universo almejado. Instaura-se, nesse ponto, uma situação de crise, e a fala emerge como possibilidade de se relacionar com o mundo, e agir sobre ele, ao mesmo tempo em que significa um grande salto no desenvolvimento do sujeito. A fala se torna uma ferramenta de acesso ao meio, de requerimento de atenção do outro4,5.
Estamos tratando, ainda, de uma fala pré-intelectual, mas que, na medida em que vai sendo usada nas interações, ganha significado. A fala vai se atrelando ao pensamento, valendo-se do pensamento como função acessória, e constituindo assim a fala significada, o que possibilita maior acesso ao mundo significado5.
Vigotski4 exemplifica outro momento de crise, o qual ele denomina crise dos 3 anos, na qual uma função assume a prevalência sobre as outras e contribui para o processo de desenvolvimento do sujeito. Nessa crise, a fala e o pensamento apresentam-se como funções acessórias da vontade. É comum a vontade como função de prevalência apresentar-se na forma de negativismo em relação às imposições do meio.
Essas considerações sobre o desenvolvimento infantil na primeira infância, revelando sua complexidade e importância, nos conduziram a eleger como objetivo da pesquisa que ora apresentamos identificar a visão que os Agentes de Educação de um contexto concreto de atividade têm das crianças pequenas como sujeitos, como eles vêem seu papel na educação de crianças pequenas e analisar de que modo a visão que os educadores têm das crianças influi na forma como organizam suas práticas.
MÉTODO
Esta pesquisa foi realizada em uma escola de educação infantil da rede municipal da cidade de Campinas, interior de São Paulo. Foram acompanhadas, pelo período de um semestre letivo, as atividades de seis agentes de educação infantil, dos quais três trabalhavam numa sala com crianças entre 1 ano e meio e 2 anos e meio, e os demais, numa sala com crianças entre 2 anos e meio e 3 anos e meio. Os dados observados foram registrados em forma de diário de campo. Além do diário de campo, com o fim de elucidar pontos observados, foram entrevistados três desses sujeitos, com gravação em áudio.
De posse das anotações nos diários de campo e das transcrições das entrevistas, várias leituras foram feitas com a intenção de encontrar regularidades ou dissonâncias em relação ao que estávamos investigando: o lugar do sujeito na educação infantil. Ao longo dessas leituras, percebemos que as informações que apareciam traziam aspectos diversos, envolvendo várias instâncias de relações. A partir dessa observação, percebemos que havia necessidade de agrupar os dados em blocos, que denominamos de modalidades de relação, de modo a organizar os sentidos que os educadores atribuíam a cada uma das instâncias que interferem em suas práticas cotidianas, em seu modo de pensar e agir como educador. Assim, elegemos, como forma de organizar a análise dos dados que apresentaremos a seguir, 3 modalidades de relação: relação dos educadores com o sistema de ensino; relação dos educadores com as crianças; e a relação dos educadores com as práticas da educação infantil. Depois de agrupar os dados segundo modalidades de relações, que tratamos como grandes categorias, uma nova leitura aprofundada foi feita de modo a identificar subcategorias, e encontramos regularidades que organizamos em pares de opostos, visto o movimento dialético que aparece nos discursos dos sujeitos e em suas ações no cotidiano da creche.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As relações dos educadores com o sistema: instabilidade x satisfação com a profissão
A partir de pré-indicadores levantados na observação dos dados, notamos que a relação do educador com o sistema é marcada pela instabilidade, que é identificada por eles como oriunda das condições (ruins) de trabalho, contudo, a instabilidade, que comumente seria tratada como fonte de insatisfação com o trabalho, convive paradoxalmente com a satisfação com a profissão.
A fim de dar mais substância a essa argumentação, destacamos, abaixo, trechos da entrevista e do diário de campo que elucidam as condições de trabalho dos agentes de educação infantil e os sentidos de instabilidade expressos pelos sujeitos.
"Pouco antes da hora de acordar as crianças, a diretora da escola foi até a sala e pediu para que um dos monitores acompanhasse as crianças do berçário no horário do lanche da tarde, pois estavam com um funcionário a menos, que seria substituído por outro, até o momento ainda ausente. Hugo prontificou-se a ir, mas disse à diretora que não poderia ficar muito tempo ajudando por lá, pois precisaria voltar logo para ajudar suas colegas a acordar as crianças. A diretora concordou".
"Hugo de fato voltou em tempo e já começaram a atividade de acordar as crianças. Lúcia, assim que se levantou (estava deitada sobre um dos colchonetes das crianças, que estava desocupado), disse à Mariana que não estava bem, cansada com a correria da creche e da faculdade, e que estava disposta a assumir a falta injustificada e ir embora. Mariana pediu à Lúcia que não fizesse isso, pois não havia funcionário para substituí-la e o número de crianças era considerável. Lúcia disse que ficaria por consideração à sua colega de trabalho". (trecho do diário de campo)
Como se observa nas falas dos educadores, há um grande número de crianças sob seus cuidados, o que confere grande exigência de atividades, tornando o trabalho cansativo e repetitivo. As atividades ditas "braçais" acabam tomando tempo demais dos educadores que, segundo suas percepções, ficam sem condições de desenvolver atividades de caráter pedagógico e, assim, implicam-se menos como educadores e mais como cuidadores. A resposta de uma das educadoras, que trabalha com crianças com idade entre 1 ano e meio e 2 anos e meio, que denominaremos ficticiamente Raquel, graduada em pedagogia, quando questionada na entrevista sobre as possibilidades de mudança das práticas com as crianças, de modo a deixá-las mais livres, é reveladora desse quadro:
"Eu acho que se a estrutura da creche mudasse, seria possível mudar as práticas. Se tivessem mais monitores para fazer essa função da higiene, do cuidar da criança, para outros profissionais ficarem cuidando dessa parte de deixar a criança mais solta, fazer o que ela quer. Eu acho que aí funcionaria. (...) eu acho que é muita criança para um adulto só. Que nem no berçário, oito crianças para um adulto, se você parar para pensar é um absurdo. Porque uma pessoa sozinha não consegue tomar conta de oito bebês ao mesmo tempo. Ainda mais assim, uma criança que ainda está... Não consegue controlar a questão de fezes, urina, tem que estar sempre trocando, faz toda hora. Não tem aquela rotina: "-Ah, é uma vez por dia." Não, o bebê faz várias vezes no dia. Então eu acho que teria que ter mais adultos para estar tomando conta dessa parte, para poderem os outros desenvolver a questão pedagógica, das atividades e brincadeiras, etc".
A prefeitura, segundo a fala de Lúcia, abre vagas na escola de acordo com a sua extensão em metros quadrados, tratando assim os sujeitos como apenas ocupantes de espaços. Tudo isso parece corroborar a ideia de que o educador, ele mesmo, não é chamado pelo sistema a ser visto como sujeito. Ora, se ele não se implicar como sujeito e não encontrar no sistema em que trabalha espaço para tanto, é pouco provável que criará para as crianças espaços para elas serem sujeitos, espaço esse que os educadores parecem não encontrar para si.
Por fim, entendendo os processos de significação na escola como complexos e não lineares, cabe dizer que esse educador, insatisfeito com os obstáculos vistos por ele como impostos pelo sistema, torna-se ele então também um obstáculo para os outros educadores. Aqueles que não resistem acabam faltando e tornando os que resistiram mais suscetíveis a ceder.
Além das condições de trabalho, os educadores apontaram também aqueles que não se implicam com o trabalho e não se satisfazem com ele porque estão ali apenas interessados no salário. Por ser um trabalho de exigência de nível médio, o salário é satisfatório, e ainda há a vantagem de a carga horária ser de 30 horas semanais.
"Assim, pelo dia-a-dia que a gente vê o trabalho dos amigos e tal, a gente percebe que alguns educadores e tal, estão aqui não por conta da educação da criança, estão aqui para ganhar o salário no final do mês de boa. E a gente vê através do resultado do trabalho que são feitos durante o ano, aí. (...) tem pessoas que são muito bem intencionadas, que querem o melhor para as crianças, mas como a gente aqui trabalha em um grupo, muitas vezes, esse que está aqui só por interesse financeiro acaba prejudicando o trabalho do grupo com as crianças". (Entrevista - Raquel, educadora)
"Mas, por outro lado, muitas vezes eu vejo que esse espaço [da criança enquanto sujeito] é um pouco restrito por causa da questão da rotina que a gente tem. E por ser um número de crianças muito elevado, às vezes, você acaba tendo que fazer as coisas muito rápido". (Entrevista - Silvana, educadora)
Por outro lado, conforme apontamos no início desta sessão do trabalho, a insatisfação com as condições de trabalho e a instabilidade confrontam-se com a satisfação com a profissão. Parece que, na verdade, a insatisfação, na maioria dos casos, refere-se às condições de trabalho, mas que a profissão de educador infantil e o fato de trabalhar com crianças remetem à satisfação e mesmo ao prazer.
"De fato, a expressão no semblante de Raquel e de Fernanda denotava fadiga. Embora eu não objetivasse entrevistá-las nesse momento, não pude perder a deixa e perguntei à Raquel e Fernanda (Vera estava servindo bolacha às crianças) o que mais elas traziam consigo após um ano de trabalho na creche além do cansaço. Fernanda, já de imediato e sem hesitar, disse que, apesar de tudo, gosta do que faz e não se imagina trabalhando com outra coisa senão com criança, mas que gostaria sim de ver condições mais dignas de trabalho, como maior número de funcionários, menor número de crianças por sala. "Eu reclamo, só que eu chego aqui e vejo essas crianças, só de estar com elas, ver meu papel na educação delas, isso me faz muito bem. Estou montando um DVD com várias fotos dos vários momentos que passamos juntos esse ano, e vendo eu me emociono. Gosto muito mesmo". Enquanto Fernanda falava, Raquel confirmava com a cabeça dizendo "é isso, é isso mesmo". (trecho do diário de campo)
Não podemos deixar de destacar Silvana. Nossa observação relatada no diário de campo, bem como as entrevistas, mostram-na como uma educadora diferenciada, com um nível maior de consciência da realidade das crianças, do papel da educação infantil e de seu papel na educação dessas crianças. A emoção por trabalhar com crianças pequenas e contribuir para seu desenvolvimento, emoção essa totalmente relacionada com a consciência que acabamos de destacar, certamente está associada ao seu desempenho, visto que, de acordo com Vigotski6, na base de toda ação e pensamento está o afetivo-volitivo. Se nos diários de campo ela aparece como uma educadora que nunca falta ao trabalho e que está sempre presente, na entrevista, figura como a educadora cuja emoção transparece no tom de voz e em seu conteúdo.
"Então, eu acho o meu trabalho muito importante na vida dessas crianças, porque é uma coisa que fica marcada no coração deles. E a criança é muito sincera, então você percebe o carinho que ela devolve para você, a atenção que ela devolve para você. Então eu agradeço a Deus todos os dias por esse trabalho e acredito que é um trabalho de muita responsabilidade, porque aqui você está ajudando não apenas a cuidar de crianças, mas você está ajudando a formar pessoas. E tentando, com isso, formar pessoas de bem, pessoas que vão, depois, aí, mais tarde, continuar a nossa trajetória, também". (Entrevista - Silvana, educadora)
"Pelo meu olhar, muitas vezes eu até me questionei quando entrei, porque foi uma luta muito grande para eu conseguir entrar. E eu trouxe todo um ideal comigo, porque eu vim não simplesmente pela questão financeira apenas, mas porque eu tinha um ideal, porque eu acredito na educação. E eu vejo na educação uma possibilidade de desenvolvimento, de crescimento. E quando eu me deparei com o pensamento das pessoas, eu fiquei muito triste, porque as pessoas que estavam aqui, elas não estavam aqui porque elas acreditam, porque elas gostam dessa profissão. Simplesmente porque elas não conseguiram algo melhor, foi o que apareceu. Só que eu, enquanto profissional, eu acredito que todo o serviço que você faça, independente se você goste ou não, você tem que fazê-lo da melhor forma possível. Porque você trabalhando, você está lidando com pessoas. E o que eu via muito aqui eram as pessoas reclamando, falando que é ruim, que não tem esperança, que não tem expectativa, falando só da parte ruim. E, eu, enquanto profissional, em qualquer profissão em que você for, você vai ter sempre o lado bom e o lado ruim. O que faz a diferença é quando você, verdadeiramente, faz aquilo por amor e não por dinheiro". (Entrevista - Silvana, educadora)
Quando trabalhamos com os indicadores de sentido dos educadores em relação à conjuntura empregatícia, é certo que estamos num campo semântico no qual contradições extremas, de amor e ódio, emanam com brilho. Se o educador que escolheu a educação infantil como campo de trabalho esconde por trás da satisfação com a profissão a insatisfação com as condições de trabalho, também é possível dizer que por trás da insatisfação com o emprego daquele que está ali apenas por dinheiro oculta-se também a satisfação por ter um emprego estável. Com base nos sujeitos da nossa pesquisa, contudo, podemos afirmar que na instituição onde realizamos a pesquisa o primeiro grupo é consideravelmente maior que o segundo.
As relações dos educadores com as crianças: autonomia dos sujeitos X controle dos educadores
Em um movimento similar ao anteriormente adotado, quando nos voltamos para a relação dos agentes de educação infantil identificamos fatores que detonam um contínuo conflito diretamente ligado ao exercício da profissão no trato com as crianças. Tratar o sujeito como individual e autônomo e arriscar-se a perder o controle sobre o coletivo, ou controlar pela coerção e perder de vista os sujeitos? Como questiona Maquiavel em O Príncipe, a este (e no nosso caso, ao educador), cabe ser amado ou temido? O trecho abaixo, retirado do diário de campo, aponta para a segunda opção.
"Nesse ínterim, as crianças estavam indo ao banheiro: os meninos aos cuidados de Hugo, as meninas aos cuidados da professora adjunta. Vera ficou na sala para controlar o fluxo, de modo a manter as crianças que aguardavam para ir ao banheiro na parede próxima à porta de saída, e as que já haviam ido, na parede paralela, de modo que ficassem sentadas e encostadas à parede. Gritou algumas vezes, ordenando que fossem ao banheiro as que não haviam ido. As que estavam na roda comigo, não haviam ainda ido ao banheiro, então Vera se aproximou e mandou todo mundo encostar-se à parede, para ela saber se tinham ou não ido ao banheiro. A roda com as crianças me estava sendo agradável, o que fez com que eu não evitasse um olhar de insatisfação ante a destruição da mesma. Vera o percebeu e me disse, sem mesmo eu dizer palavra, que era preciso agir assim senão "perde o controle". "Eu estou sozinha aqui na sala, então tenho que dar um jeito de manter o controle, senão vira bagunça". (trecho do diário de campo)
A relação da educadora Vera com as crianças, nesse caso, foi pautada pela preocupação com o controle da sala, com a coerção, com o não virar bagunça, fato esse que nem a presença do pesquisador inibiu. Nesse caso, parece-nos que a pergunta maquiavélica está respondida, que o melhor é ser temido, vide os gritos, as ordens para se encostarem à parede. Mais que isso, o controle é exercido de forma militar, altamente coercitiva. Pensando com Vigotski4, para quem o social é fonte do desenvolvimento, que situação social de desenvolvimento é esta vivida pelas crianças? Segundo Saviani7, e com Libâneo8, o educador tem o papel de sistematizar o conhecimento humano produzido historicamente, possibilitando que o sujeito se aproprie do mesmo, mas na prática ainda observamos situações que mostram um descompromisso de educadores da educação infantil com seu papel de educar.
Contudo, no mesmo diário de campo, no parágrafo seguinte, vemos a mesma Vera, que desmanchou uma roda de crianças porque a mesma pôs em risco a ordem da sala, formar uma nova roda e dar às crianças a voz para escolherem quais músicas seriam cantadas.
"Fomos ao refeitório para o lanche da tarde: pão de queijo e leite. As crianças comeram bastante. Em seguida, fomos ao parque. Vera chamou um grupo de 9 crianças para acompanhá-la até a sala e me convidou para ir com eles. Aceitei o convite e, na sala, sentados em roda, cantaram várias cantigas infantis, a maioria escolhida pelas próprias crianças". (trecho do diário de campo)
Podemos pensar que Vera o fez para se redimir da atitude anterior. Se isso é verdade, subjaz ao desejo da redenção o conflito, então não podemos dizer que ela apenas quer ter o controle sobre as crianças.
Se essa preocupação em manter o controle da sala aconteceu com Vera no setor Ag2B, observamos uma situação similar a esta no Ag2A, envolvendo os três educadores daquele setor.
"Na ida ao banheiro também adotaram o mesmo procedimento já descrito: as crianças aguardavam recostadas à parede enquanto a agente de educação infantil as chamava para ir ao banheiro. As que já haviam voltado também deveriam sentar-se da mesma forma; o silêncio e a permanência no local eram cobrados pelos agentes; as crianças obedeciam". (trecho do diário de campo)
Assim como na situação de Vera, podemos pensar que aqueles que não quiserem ou não sentirem a necessidade de ir ao banheiro serão ignorados, já que a ordem é que todos devem ir, cada um na sua vez e em silêncio. Aqui mais uma vez o ditado popular brasileiro "manda quem pode e obedece quem tem juízo" empodera os agentes, que parecem ignorar que estão lidando com crianças muito pequenas. Sobre o mesmo tema, destacamos a seguinte passagem:
"Ainda durante a troca, Mariana pediu-me para observar uma dada criança, uma menina. Essa menina tem algum tipo de deficiência motora; anda com dificuldade e sempre se apoiando. Essa criança ainda usa fraldas, pois, segundo me contou a educadora, sua deficiência a prejudica no controle dos esfíncteres. Mariana chamou pela criança e pediu para que esta subisse a escada. A criança subiu sozinha, óbvio que com dificuldade e lentamente, mas o fez sem a ajuda da educadora. "Eu ensinei ela a subir sozinha. No começo eu ia ajudando, depois fui deixando ela ir sozinha. Só no último degrau que ela ainda não pisa sem eu dar a mão; ainda tem medo. Da próxima vez que você vier aqui nem disso [dar a mão no último degrau] ela vai precisar, não é verdade?", conclui, olhando para a criança e sorrindo, e ainda complementou: "eu peço pros outros deixarem ela subir sozinha quando vêm aqui trocar ela, mas eles não fazem e falam que não dá pra fazer, dizem que demora muito e que aqui tudo é muito corrido. Então eu nem espero. Pelo menos a tarde, que eu estou aqui, eu pego ela e já trago". (trecho do diário de campo)
Neste caso fica claro o conflito entre o pragmatismo do cotidiano e o papel do educador no desenvolvimento da autonomia do sujeito. Disse Mariana que os demais educadores não têm paciência para deixar a menina com dificuldades motoras subir a escadinha para ir ao trocador por suas próprias pernas. É mais prático e rápido pegá-la e já colocá-la sobre o trocador, afinal, como vimos na modalidade de relação anterior, as condições de trabalho são difíceis, são muitas crianças. Ainda assim, se Mariana consegue fazer, por que as outras não? Parece, na verdade, que por trás disso está o implicar-se (ou não) com seu papel de educador na relação com as crianças: se eu me vejo como um educador que troca fraldas, faço desse momento um momento educativo intencional (porque a educação numa instituição educacional é intencional); se, por outro lado, me vejo como um trocador de fraldas, tal qual numa linha de produção, procuro, numa lógica de produtivismo, otimizar a velocidade com que realizo meu trabalho. Perde-se de vista, nesse último caso, a criança enquanto sujeito, pois a tratam como um objeto sobre o qual se exerce o trabalho de trocador (ou cuidador, olhador).
Sendo a creche uma instituição educativa (portanto, que intencionalmente educa), todos os que lidam diretamente com as crianças devem ser educadores e se implicar como tal, ainda que passem a maior parte do tempo trocando fraldas.
As relações dos educadores com as práticas na educação infantil: aproximação x afastamento do papel de educador
Ao analisarmos as práticas dos agentes de educação infantil que foram sujeitos dessa pesquisa, e puderam ser observadas e registradas no diário de campo, notamos um conflito entre essas práticas e o que foi dito na primeira parte desse trabalho sobre a educação escolar (intencional) e sobre a educação infantil. Notamos, na verdade, que há momentos em que a díade cuidar e educar, proposta pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI)9, dá lugar ao cuidar, que está intrinsecamente ligado ao educar, mas sim ao cuidar que significa tão somente evitar acidentes (ou reclamações de mães). Pensemos na situação abaixo:
"A chuva parou (foi na verdade uma ligeira garoa) e fomos para um dos parques. As crianças puderam brincar livremente nos brinquedos ali presentes: escorregadores, areia, balanços. Os educadores observavam a brincadeira e só interferiam em caso de alguma criança se distanciar da área delimitada para a brincadeira ou de alguma criança agredir outra. As crianças brincavam nos três brinquedos acima citados, enquanto os educadores, sentados na mureta de cimento que cerca o tanque de areia, observavam. Nesse momento, eu me encontrava no tanque de areia conversando com algumas crianças que haviam sido minhas alunas".
"Mariana repreendeu uma criança que empurrou outra. Chamou a atenção da primeira e a fez dar um abraço na segunda. Como havia encerrado meu horário, despedi-me das crianças e dos educadores". (trecho do diário de campo).
Embora a interação entre as crianças seja produtiva e parte do trabalho da educação infantil, o educador não pode se furtar do seu trabalho de interagir com as crianças em contextos livres como esse. Segundo Vigotski10, o educador é responsável por organizar o ambiente para o aluno ciente de que a educação se dá pela interação. Ou seja, o educador é ativo. Não é aquele que simplesmente leva as crianças num parque com brinquedos prontos e as observa para ver se não brigam.
Mais que isso, esse excerto nos leva a trazer de volta uma discussão posta na modalidade de relação anterior a essa. Quando o educador se vê como assumindo tal papel e vê a criança como um sujeito que aprende, implica-se nesse processo e sua interação com a criança passa a ser principalmente no sentido de criar espaços e atividades para a emergência e desenvolvimento do sujeito. Se, por outro lado, o educador se vê como um olhador de crianças, sua interação com elas se dará no sentido de vigiar e punir: se tudo estiver correndo bem, não há por que intervir; se, contudo, houver contendas, é hora de agir.
Se analisarmos o alto número de educadores adoecendo e o índice de faltas no trabalho, perceberemos que esse trabalho não é simples: ao contrário, cansa, adoece. Se essa conduta de intervir apenas em contendas, como vimos, não traz benefícios para os usuários da educação infantil, tampouco para seus agentes, por que ela é adotada? Falta de formação adequada? Mas a Fernanda é graduada em Pedagogia, é educadora de formação, com curso superior. A formação em Pedagogia, adequada ou não, é uma seara na qual não queremos entrar, pois extrapola o escopo de nosso trabalho, contudo, não podemos deixar de pensar na gênese desse processo. Embora os agentes de educação infantil tenham oficialmente esse nome, na prática são chamados pelo nome antigo do cargo, monitor, e são chamados assim por todos, professores, diretores e pais. Ora, se o papel é monitorar, eles o estão desempenhando muito bem. Como afirma Vigotski11, lidamos com a realidade mediada por signos, operando com significados. Se atribui ao agente de educação infantil o significado de monitor e, se a situação social de desenvolvimento dos monitores aponta para a apropriação desse significado, é de se esperar que sua conduta seja condizente com o significado de seu ofício, qual seja, monitorar.
Não obstante, momentos de aproximação do papel de educador contrastam com a figura do monitor que monitora.
"Na medida do possível, embora sejam muitas crianças, mas a gente procura sempre em um momento ou outro, a gente consegue dar um colo, consegue fazer um carinho, a gente consegue dar um cuidado especial para a criança". (Entrevista - Silvana, educadora)
Apesar da força dos sentidos atribuídos aos agentes o constituírem como monitores, ainda existe o sentido de educador. Em algum momento, seja em formações continuadas, palestras ou mesmo no ato de assinarem o contrato com a prefeitura, o nome agente de educação infantil apareceu e textualmente pôde-se ver que entre o agente e o infante está a educação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por trás de todo pensamento ou ação está o afetivo-volitivo, e parece-nos que a escola produz situações sociais de desenvolvimento que favorece a configuração de afetos contraditórios pelos educadores. Eles amam e odeiam o que fazem. Ora amam ser educadores e odeiam educar, ora amam educar, mas não amam o ofício de educador.
Não podemos ser levianos ou nos trair, propondo um movimento antidialético na tentativa de achar um culpado e suas vítimas. É certo que a distribuição de doze e dezesseis crianças por adulto sobrecarrega e compromete a finalidade pedagógica do trabalho, dificulta que o educador propicie espaços que promovam vivências e desenvolvimento do sujeito. Mas também é fato que o controle arbitrário, visando uniformizar as crianças e fazer com que pouco se movimentem ou falem, não são ações aceitáveis na educação de crianças pequenas. Se há condições insatisfatórias na organização do sistema de ensino, não são as crianças que devem sofrer as consequências. Os educadores poderiam, então, organizar-se enquanto classe trabalhadora e reivindicar melhores condições de trabalho, exigindo que eles próprios sejam tratados pelos seus líderes como sujeitos, reivindicando seu lugar como agente e autor desse processo.
Voltamos ao que dizíamos há pouco: parece-nos que a escola de educação infantil é um espaço que desperta diversas e diferentes emoções nos educadores, sempre lembrando que essas fundamentam suas condutas. A alegria de ver o sorriso de uma criança contrasta com o desprazer de ter de ficar horas sobre um trocador, comprometendo a coluna vertebral e sentindo um odores desagradáveis. O abraço de uma criança e a certeza de saber que pôde contribuir para o desenvolvimento da mesma convive com a sensação de sobrecarga, de estar sendo explorado por um sistema que não o reconhece como sujeito.
Diante de sentimentos tão adversos, a conduta do educador acaba por oscilar: ora se compromete com os sujeitos usuários da educação infantil, ora apela para um pragmatismo que objetiva o menor esforço, o menor compromisso e, consequentemente, ofusca o lugar do sujeito.
Defendemos que o papel do psicólogo escolar, como profissional formado para lidar com a dimensão afetiva, é justamente o de atuar como mediador entre os atores da educação infantil e contribuir para que esses lidem melhor com as contradições despertas na instituição, sempre objetivando garantir que as crianças tenham lugar enquanto sujeitos na educação, sujeito esse que pratica a ação, e não assujeitado ao pragmatismo que visa uniformizar e manter o controle.
REFERÊNCIAS
1. Wallon H. Psicologia e educação da criança. Lisboa: Veja; 1979. [ Links ]
2. Arroyo M. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. 10ª Ed. Petrópolis: Vozes; 2008. [ Links ]
3. Rossetti-Ferreira MC, Amorim KS, Oliveira ZMR. Olhando a criança e seus outros: uma trajetória de pesquisa em educação infantil. Psicologia USP. 2009;20(3):437-64. [ Links ]
4. Vigotski LS. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor; 1996. [ Links ]
5. Souza VLT. Anotações de aulas ministradas no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. (trabalho não publicado; 2012). [ Links ]
6. Vigotski LS. Pensamento e linguagem. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 2000. [ Links ]
7. Saviani D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados; 2005. [ Links ]
8. Libâneo JC. Didática. São Paulo: Cortez; 1994. [ Links ]
9. Brasil. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Brasília: MEC/ SEF/COED; 1998. [ Links ]
10. Vigotski LS. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed; 2003. [ Links ]
11. Vigotski LS. A formação social da mente. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 2007. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Ederson de Faria
Rua Bernardo Guimarães, 534 - Jardim Amanda I
Hortolândia, SP, Brasil - CEP 13188-070
E-mail: edersonfaria@yahoo.com.br
Artigo recebido: 25/1/2013
Aprovado: 27/3/2013
Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Campinas, SP, Brasil.