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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.38 no.117 supl.1 São Paulo 2021
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20210052
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Ensino remoto de habilidades preditoras de alfabetização realizada pela família em tempos de COVID-19
Remote teaching of predictor skills of literacy performed by the family in times of COVID-19
Andréa Carla Machado
Psicopedagoga; Pós-doutoranda em Educação na Universidade Estadual Paulista, UNESP, campus Marília, SP; Pesquisadora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Infantil, CPEDI, São José do Rio Preto, SP, Brasil
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo apresentar os efeitos de um programa de treinamento de habilidades preditoras para alfabetização em língua portuguesa visando a intervenção precoce para crianças de risco de desenvolvimento, realizado por quatro díades de mãe/filho com instruções via remota durante a quarentena do COVID-19. Participaram desse estudo quatro díades mãe-filho. Os filhos tinham média de 6 anos de idade. O programa de intervenção consistiu no processo individualizado de treinamento remoto dirigido às mães, o qual era ensino de habilidades preditoras: memória operacional fonológica e habilidade metafonológica, aliteração. Após a implementação do programa de intervenção em casa pelas mães, os resultados demonstraram que as crianças apresentaram com sucesso os recursos propostos. Os resultados apontaram que as estratégias adotadas via on-line no contexto familiar foram eficazes e proporcionaram aprendizado sobre essas habilidades para a criança. Torna-se importante o desenvolvimento de mais programas por meio remoto, para que a teleprática possa se tornar uma real e efetiva possibilidade no contexto educacional brasileiro.
Unitermos: Alfabetização. Pandemia. Intervenção. Família.
ABSTRACT
The present study aimed to present the effects of a predictor skills training program for Portuguese-language literacy aiming at early intervention for children at risk of development, performed by four mother/child dyads with remote instructions during COVID-19 quarantine. Four mother-child dyads participated in this study. The children were 6 years old. The intervention program consisted of the individualized process of remote training directed at mothers, which was teaching predictors of ability: phonological working memory and metaphonological ability, alliteration, the implementation of the intervention program at home by the mothers, the results showed that the child successfully presented the proposed resources. The results indicate that the strategies adopted online in the family context were effective and provided learning about these skills for the child. It is important to develop more programs remotely, so that telepractice can become the real a possibility in the Brazilian educational context.
Keywords: Literacy. Pandemic. Intervention. Family.
INTRODUÇÃO
A Prática Baseada em Evidência (PBE) foi originalmente definida como "o uso consciente, explícito e criterioso das melhores evidências atuais na tomada de decisões sobre o atendimento de pacientes individuais"1. Essa conceituação inicial foi logo expandida para esclarecer que o uso das melhores evidências foi integrado à experiência clínica e aos valores e escolhas dos pacientes; assim, a PBE tornou-se "a integração das melhores evidências de pesquisa com nossa experiência clínica e com os valores e circunstâncias individuais do paciente"2. Essa conceituação ainda é usada hoje.
Além da maior participação de profissionais e famílias na identificação da PBE, aqueles que a identificam devem se esforçar para aumentar a aplicabilidade e disponibilidade das práticas no ambiente cotidiano.
Atualmente, vivemos uma época em que as informações estão prontamente disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, e as pessoas estão cada vez mais se voltando e confiando na Internet, principalmente na World Wide Web, para obter informações sobre diversos tópicos3.
Embora a grande quantidade de informações disponíveis on-line forneça uma excelente oportunidade para os consumidores aumentarem seu conhecimento e participação no processo de PBE, há preocupações com a qualidade das informações e a capacidade dos cuidadores e profissionais em localizar informações relevantes e de alta qualidade4.
Dado o crescente uso da Internet por profissionais e famílias como fontes de informação, é hora dos defensores da PBE começarem a criar maneiras de aproveitar melhor esse meio para um bom uso.
A pandemia de 2020 surge em decorrência do surto da COVID-19, sendo declarada uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional (ESPII) pela Organização Mundial da Saúde5. Conferiu no Brasil um amplo espaço para disseminação e reconhecimento de uso de tecnologias da informação e comunicação e, para tanto, no contexto educacional o Ministério da Educação, na Portaria 343, de 17 de março de 2020, autorizou "a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor"6.
Sobretudo Reimers & Schleicher7 e o Ministério da Educação brasileiro8 sugeriram medidas para sanar o prejuízo com a pandemia mundial no sistema escolar: aulas gravadas; lista de atividades e exercícios, sequências didáticas, trilhas de aprendizagem por fluxo de complexidade relacionadas às habilidades e aos objetos de aprendizagem; orientações aos pais para realização de atividades relacionadas aos objetivos de aprendizagem e habilidades da proposta curricular; guias de orientação aos pais e estudantes sobre a organização das rotinas diárias; sugestões para que os pais realizem leituras para seus filhos.
Tratando-se dos atendimentos clínicos e suas restruturações, a Associação Brasileira de Psicopedagogia se pronunciou por meio de um comunicado a respeito de novas orientações para psicopedagogos em tempos de COVID-19, em abril de 20209, ressaltando o telemonitoramento como possibilidades a serem utilizadas em casos especiais como a de uma pandemia, o que possibilitou a inclusão de procedimentos do Teleatendimento - meios tecnológicos de comunicação a distância, durante o enfrentamento à pandemia da COVID-19, ampliando as possibilidades de oferecer suporte e intervenção às crianças e suas famílias.
Em detrimento de tais medidas, surgem novos atores com força e poder que remete à família como dirigente atuante desse processo de aprendizagem, aliada a um manejo entrelaçado pela teleprática. A teleprática, ou teleatendimento, envolve a aplicação de tecnologias de comunicação tais como software de videoconferência para permitir que especialistas possam consultar, intervir, prestar serviços em tempo real a uma distância geográfica indeterminada10.
O uso da teleprática, um método de prestação de serviços por meio de tecnologias de telecomunicações que fornece sinais bidirecionais de áudio e vídeo em tempo real, está se tornando cada vez mais comum na educação e intervenção11.
Embora o uso da teleprática tenha sido validado no setor de saúde como uma alternativa viável e eficaz à prestação de serviços pessoalmente, já há evidências12 para apoiar seu uso na prestação de intervenções centradas na família.
Nessa direção, a teleprática, especificamente o uso da Internet de alta velocidade e da tecnologia de videoconferência interativa para fornecer comunicações de áudio e vídeo em tempo real entre a família e o profissional, está ganhando aceitação como um meio alternativo de fornecer intervenção centrada na família.
Um estudo11 examinou se as percepções relatadas pelos cuidadores de autoeficácia e envolvimento diferiam quando a intervenção era realizada pessoalmente e por teleprática. A Escala de Envolvimento dos Pais e Autoeficácia foi utilizada para avaliar as percepções de dois grupos de cuidadores: um que recebeu intervenção precoce pessoalmente (n=100) e um grupo que recebeu serviços por teleprática (n=41). Os resultados indicaram que o modo de prestação de serviços não estava relacionado às percepções dos cuidadores sobre sua autoeficácia ou envolvimento. Uma análise mais aprofundada revelou que, embora certas características do cuidador ou da criança tenham influenciado alguns aspectos das crenças dos cuidadores sobre sua autoeficácia ou envolvimento, o efeito dessas variáveis foi semelhante nos dois modos de entrega.
Outro estudo13 revisou o escopo e descreveu o uso atual da teleprática no fornecimento de intervenções na primeira infância centradas na família para crianças surdas ou com deficiência auditiva e suas famílias, especificamente. A revisão seguiu a estrutura descrita pelo Joanna Briggs Institute, incluindo uma estratégia iterativa de pesquisa em três etapas. Critérios de inclusão específicos e campos de extração de dados foram descritos previamente. Um total de 23 publicações revisadas por pares foram incluídas na revisão. A maioria das publicações (70%) forneceu evidências anedóticas dos desafios e benefícios associados à teleprática. As demais publicações (30%) relataram pesquisas que avaliaram a eficácia de intervenções precoces realizadas por teleprática. Dos 23 artigos incluídos, 18 viram o uso da teleprática de forma positiva, enquanto os 5 restantes relataram conclusões contraditórias e a necessidade de mais dados. Discussão: As evidências atuais na literatura indicam que a teleprática pode ser um modelo eficaz para fornecer intervenção precoce centrada na família para crianças surdas ou com deficiência auditiva. No entanto, são necessárias mais pesquisas para comprovar o uso da teleprática como uma alternativa viável aos serviços pessoais tradicionais, em vez de serem vistas como suplementares a esses serviços13.
A provisão de intervenção oportuna e apropriada para crianças14, em particular resultados positivos, foram associados a intervenções que envolvem o uso de práticas centradas na família que buscam apoiar a família como um todo, fortalecer a capacidade familiar existente e envolver ativamente as famílias no processo de intervenção15.
Diversas experiências já foram relatadas nessa vertente, tais como a conexões entre especialistas para discussão de casos, atendimentos multidisciplinares, avaliação e tratamento individuais16,17.
Nessa perspectiva, as crianças de risco de desenvolvimento necessitam de apoio constante, apresentando em vários estudos o uso do recurso do teleatendimento18 que demostraram o uso de um sistema de videoconferência para avaliação dos distúrbios da linguagem em crianças19 que elaboraram um material com diretrizes para o teleatendimento de crianças em leitura e escrita.
Assim, a intervenção precoce se configura como uma proposta de caráter singular no auxílio do desenvolvimento da aprendizagem. Considerando e respeitando a pluralidade e diversidade da sociedade brasileira e das diversas propostas curriculares de educação infantil existentes, torna-se imperativa a implementação de programas condizentes com sua realidade e singularidade visando favorecer o diálogo com propostas que se constroem no cotidiano20.
Nessa vertente, a atuação da família, temos no contexto brasileiro o estudo de Manzini et al.21, que desenvolveu um programa de intervenção em comunicação alternativa para mães de crianças com paralisia cerebral não verbal, empregando o delineamento experimental com indivíduos como seu próprio controle em um ambiente clínico. A pesquisa identificou uma melhora no repertório de habilidades e de comunicação das crianças. Após a intervenção, as mães puderam usar os recursos de Comunicação Suplementar e/ou Alternativa para crianças (CSA) para se comunicar de maneira mais eficaz com seus filhos. No follow up, verificou-se que as estratégias adotadas pelas mães durante a intervenção foram generalizadas para o ambiente familiar.
No entanto, um estudo22 teve como objetivo indicar a telerreabilitação para intervenção precoce como um serviço útil para o auxílio da família no desenvolvimento da criança.
Assim, o envolvimento dos pais é um elemento essencial para o modelo. Os profissionais frequentemente usam práticas participativas de ajuda para apoiar os cuidadores a se envolverem ativamente no planejamento e na implementação da sessão de intervenção precoce23. Buscando a contribuição do cuidador, concentrando-se nas preocupações identificadas pelo cuidador e facilitando as interações cuidador-criança, os profissionais são capazes de fornecer oportunidades funcionais de aprendizado e promover o envolvimento do cuidador. Sessões de intervenção que incluem uma proporção maior de interações cuidador-criança e maiores níveis de envolvimento do cuidador estão associadas a resultados mais positivos da criança e da família24-26.
Nessa perspectiva, as habilidades preditoras para o aprendizado da leitura e da escrita em língua de princípio alfabético exigem naturalmente uma performance adequada da oralidade, pois essa irá subsidiar processos que exigiam competências planejadas e estruturadas, tais como vocabulário, habilidades metafonológicas, memória operacional e nomeação rápida27.
Visto isso, a importância de um ambiente letrado que motive e traga à criança experiências leitoras favorece o desempenho de habilidades importantes para a aquisição e desenvolvimento da leitura e escrita, tais como o envolvimento com a leitura, ler com as crianças, ler para elas são mecanismos instrucionais que podem ser dinamizados junto às famílias, potencializando as habilidades preditoras de leitura e escrita27.
O objetivo desta pesquisa foi apresentar os efeitos de um programa de treinamento de habilidades preditoras para alfabetização na língua portuguesa, visando a intervenção precoce para crianças de risco de desenvolvimento, realizado por quatro díades de mãe/filho com instruções via remota durante a quarentena do COVID-19.
MÉTODO
Participantes e Cenário
Participaram deste estudo quatro díades mãe-criança nas idades de 5 e 6 anos de idade. As mães eram casadas, moravam em suas próprias residências, tinham idade média de 34 anos, e nível de instrução a partir do Ensino Médio completo. Das mães participantes deste estudo, três eram primíparas e no caso de uma das mães, a criança era a segunda de três filhos. As crianças participantes são de risco para o desenvolvimento, já fazendo parte de banco de dados, tendo sido aplicada e conduzida sua inclusão no trabalho28. A participação de cada díade ocorreu e foi autorizada mediante assinatura do Termo de Consentimento e Livre Esclarecido.
Materiais
Notebooks, smartphones, aplicativo de mensagem instantânea, plataforma virtual, ficha de monitoramento, aplicativo de desenvolvimento de slides, Power Point for Windows. Livro de domínio público com disponibilidade em pdf: "A casa sonolenta".
Variável Dependente
As categorias de resposta de mãe e filho29 foram combinadas para fornecer um conjunto mais abrangente de respostas. No caso dessa pesquisa o ambiente instrucional foi virtual. O mecanismo de marcação foram as fichas de monitoramento enviadas e explicado seu preenchimento, como será mostrado na sessão de procedimento de coleta.
Variável Independente (Intervenção remota - realizada pela mãe)
O treinamento para as mães foi ministrado pela autora e continha dois componentes relacionados às habilidades preditoras para alfabetização: memória operacional fonológica (visual); habilidades metafonológicas: aliteração (som inicial) de uma palavra, cujas atividades foram desenvolvidas no Power Point for Windows.
Delineamento da pesquisa
O desenho da pesquisa apresenta uma descrição e justificativa para o uso da combinação de experimentação de sujeito único (participante) e análise das díades (mãe/filho).
O desenho da pesquisa escolhido para este estudo incluiu método de experimentação único para avaliar os efeitos dos componentes de intervenção em participantes individuais e uma análise de grupo mais tradicional para avaliar a validade externa da intervenção em todas as díades mãe-filho. O elemento chave do estudo quase-experimental de sujeito único é a introdução e manipulação de uma variável independente30. Esse tipo de experimentação tem uma longa tradição na pesquisa comportamental clínica e aplicada e é indicado quando a pergunta de pesquisa aborda o comportamento dos indivíduos em vez do comportamento de grupo, as características individuais dos participantes variam muito e/ou a amostragem representativa dos comportamentos e estratégias individuais é difícil de alcançar31.
Descrição do programa
O programa foi projetado especificamente para o período de distanciamento no qual a ferramenta para teleatendimento vem ao encontro da demanda, dividido em duas etapas: Memória operacional fonológica (figura e letra); Habilidade metafonológica - aliteração (figura e letra).
A Tabela 1 apresenta qual a habilidade e a definição de instrução dada para a mãe realizar com o filho em casa.
Essa abordagem usa a linha de base (pré-intervenção) do participante como seu próprio controle. Assim, em vez de comparar a diferença de um participante com a de outro, como no design do grupo de controle, a comparação principal no design experimental de participante único é entre a linha de base e as medidas de intervenção do participante. Outra vantagem dessa abordagem dentro do sujeito, é que todo participante recebe intervenção (ou seja, não há controles não tratados, apenas as linhas de base dos participantes sobre as quais a intervenção ainda não começou)32.
Esse tipo específico de experimentação individual utilizada no estudo é denominado de delineamento de sujeito único por meio da linha de base com múltiplas sondagens. Esse tipo de desenho experimental permite intervenções controladas e programadas e oferece oportunidades de aprendizagem para os participantes da pesquisa31. Embora esse desenho esteja embutido no contexto da análise comportamental experimental, também tem sido utilizado nos campos da educação e saúde para avaliar os efeitos das intervenções31.
Primeiro, não é necessário reverter ou reter uma intervenção para demonstrar o controle experimental31. Além disso, as habilidades aprendidas são funcionalmente irreversíveis (não podem ser "desaprendidas" e não podem ser retiradas). Também, a linha de base com múltiplas sondagens envolve medidas repetidas antes e após a intervenção, a qual permite estabelecer um nível estável de desempenho, descartando erros de amostragem, efeitos de prática, habituação e outros possíveis conflitos que podem causar uma ou duas medidas suspeitas ou não representativas do fenômeno de interesse. A introdução da intervenção pode ser escalonada (atrasada), fornecendo um argumento convincente contra a influência de variáveis.
Esse delineamento é particularmente útil na avaliação de componentes específicos de programas de intervenção na educação, permitindo que os pesquisadores façam alterações quando for indicado, pois fornecem feedback aos participantes sem comprometer a integridade científica do experimento.
Sequência de treinamento e procedimento de coleta de dados
A sequência de treinamento e coleta de dados está representada na Figura 1 apresentada.
Após o consentimento informado e o consentimento terem sido obtidos e a avaliação clínica inicial ter sido realizada, uma série de sessões de linha de base foram observadas nas casas por cada mãe com seu filho. O número de sessões da linha de base foram duas para garantir que as tendências dos dados fossem estáveis antes do início da intervenção. Como discutido anteriormente, após a linha de base a pesquisa ensinou as habilidades preditoras à mãe por meio remoto e com instruções desenvolvidas por aplicativo do sistema operacional Windows (Microsoft) por meio de plataforma de streaming. As mães estavam sozinhas durante as instruções. Após o treinamento, as mães foram instruídas a desenvolver as estratégias do programa durante a semana com seus filhos. O mesmo método de treinamento e coleta de dados foi usado para o programa todo.
As mães foram treinadas por meio remoto. Além das instruções, o programa seguiu a seguinte sequência29, a saber: (a) familiarização com as categorias de resposta comportamental; (b) prática da codificação das intervenções que retratam claramente o uso correto das habilidades preditoras referente ao treinamento realizada pela mãe. O programa foi realizado durante 4 semanas. Para a explicação do programa para as mães via remota, foi feito um encontro em um dia da semana anterior ao início do programa, durante uma hora, na plataforma de streaming. É importante salientar que o encontro foi realizado individualmente com cada mãe, com média de 65 minutos.
Em cada sessão de sondagem, as pesquisadoras analisaram os registros realizados pelas mães na aplicação das atividades da semana. Após o fornecimento das instruções nos encontros com as mães, as pesquisadoras separam por meio da Análise de Conteúdo33 as anotações das mães dividindo por temática, a saber: relato da mãe sobre a atividade; dificuldade apresentada, e modificação realizada.
Para a análise quantitativa, foi fornecido a mãe um protocolo para a marcação de tipo de ajuda para cada tarefa proposta, o qual consistiu aplicarmos a linha de base (antes e após - intervenção). Esse protocolo era marcado por nível de ajuda, que a criança recebia durante a aplicação das atividades do programa. O treino realizado pela mãe com seu filho foi diário, com média de duração de 52 minutos.
Nível de ajuda: recebia o valor 1 quando a criança precisava de ajuda verbal, ou seja, era necessário dar dicas verbais; o valor 2 quando a criança necessitava de ajuda visual, isto é, o apontamento, direcionamento espacial para cada item da atividade, e o valor 3 se a criança tinha autonomia em realizar a atividade sozinha. Foram somados os valores para cada tarefa da atividade, multiplicado por 100 e dividido pelo número total de tarefas em cada tarefa para chegar em níveis de porcentagem.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 2 e Figura 3 apresentam os escores de desempenho dos filhos em relação às habilidades preditoras analisados por meio das fichas enviadas às mães aplicadoras do programa visando o nível de ajuda que as crianças obtiveram.
Na Figura 2 observamos cada díade comparada a ela mesmo no decorrer dos períodos em todas as atividades das etapas propostas pelo programa, mas não separadas em atividades. Mas também ainda na Figura 2 pudemos verificar e comparar as díades entre si nas habilidades preditoras memória fonológica e habilidade metafonológica - aliteração.
Todas as díades apresentaram um aumento significativo em relação aos períodos analisados na Figura 2, ou seja, separadamente cada díade obteve acréscimo gradativo de LB1(antes) a LB4 (após), podendo ser verificado também o mesmo aumento nos períodos da intervenção.
Em relação à análise de cada díade na Figura 2, verificamos que as díades 1, 2 e 3 obtiveram nos períodos de LB (após) mais de 50% das atividades de ambas as habilidades memória operacional fonológica e metafonológicas (aliteração) realizado com autonomia, operacionalizando um progresso importante quando comparado às Linhas de Base (antes) da inserção do programa. A díade 4 apresentou resultado discrepante das demais díades. No entanto, quando comparado com sua própria evolução, é importante ressaltar que houve um aumento expressivo no desempenho da autonomia da criança na realização das atividades nos períodos de início e final do programa, mesmo que tenha sido menor que as outras díades.
Na Figura 3 observamos o desempenho das díades em relação às etapas nos períodos semanais referentes a cada atividade desenvolvida. Assim, podemos visualizar as díades por tarefa comparando os períodos em relação ao seu próprio desenvolvimento, bem como foram analisadas as díades entre si também utilizando os períodos como marcadores de comparação.
No que tange à análise individual de cada díade, podemos verificar que a díade 2 foi a que mais obteve evolução ascendente em todos os períodos de LB (antes) à LB (após) observando também os quatro momentos do programa apresentando maior progresso nos períodos semanais dois e quatro, quando o estímulo gráfico (letra) foi inserido.
As díades 1 e 3, respectivamente, também obtiveram um desenvolvimento significativo no período do programa. No entanto, apresentaram aumento visível nas atividades que continham figuras nas semanas um e três, cujo desempenho da díade foi pior nas atividades com representação das letras. A díade 4 apresentou um avanço expressivo quando é observado o desempenho nos diferentes momentos de registro. No entanto, quando comparada às demais díades, obteve desempenho abaixo de 40% no período LB (após) medida após o desenvolvimento do programa e considerado como valor importante para generalização da aprendizagem.
A Tabela 2 apresenta as temáticas referentes às anotações das mães perante a realização das atividades na aplicação do programa. O protocolo apresenta o relato da mãe sobre a atividade, se a criança apresentou dificuldade em fazê-la, e por fim se houve modificações nas atividades para que a criança pudesse entender.
Assim, podemos observar no relato da díade 1 a ausência de dificuldade referente à atividade, porém o apontamento foi relacionado às questões comportamentais, falta de concentração na atividade para realizá-la, não precisando de modificações.
O exposto da mãe da díade 2 foi em relação à dificuldade em reconhecer as letras, direcionamento da atividade para apoio suplementar foi realizado por meio de letras móveis.
A mãe da díade 3 descreveu que sua criança apresentou dificuldade nas vogais no início da palavra e utilizou a escrita e a repetição em voz alta para a criança tentar discriminar o som inicial da palavra alvo.
Em relação ao desempenho da criança da díade 4, a mãe relatou que a atividade de identificação de letra também apresentou problema. Contudo, a dificuldade acentuada pela mãe foi a atividade ter sido realizada de forma lenta, e ao mesmo tempo indica que a criança não conseguia permanecer sentada para a realização da atividade. Sob essa perspectiva, podemos hipotetizar que o "devagar" referido pela mãe, muito provavelmente, não seja a lentificação, ou seja, fazer a atividade devagar, mas sim as várias pausas que devem ter ocorrido devido à criança não ter ficado quieta para realizar a atividade, pois ao mesmo tempo relatou a dificuldade comportamental de permanecer sentado para a realização da tarefa.
Sob esses os aspectos ressaltados nos achados do estudo, pode-se implicar que habilidades podem ser trabalhadas no contexto familiar para auxiliar nas intervenções.
Diante disso, as atividades metafonológicas, sendo a atividade trabalhada, a aliteração (início de palavra)27 enfatizam a importância de serem desenvolvidas as habilidades preditoras para a aquisição da alfabetização.
O apoio oferecido às mães que interagirem com seus filhos no período de distanciamento obrigatório devido à pandemia da COVID-19 foi essencial para a aquisição de diferentes habilidades. Os achados de McCarthy et al.13 enfatizam a importância dos apoios oferecidos aos adultos que convivem intimamente com crianças de risco para o desenvolvimento e melhorar seu repertório de habilidades para alfabetização. A parceria estabelecida entre adultos pode fornecer manutenção, reforço, generalização e transferência das novas habilidades da criança em seus diferentes contextos; aqui, nesse estudo, a própria casa como um.
Os resultados também mostraram que, com a formação referente ao treinamento, as atividades de equivalência de uma figura pictográfica à sua letra inicial correspondente foram, muitas vezes, eficazes, o que permitiu às díades marcarem a independência como critério de feitura da atividade. A pesquisa de Dunst & Espe-Sherwindt25 corrobora com esses resultados. O referido estudo relata que a implementação de um dispositivo de ensino associado a um programa de treinamento direcionado a crianças e seus pares melhorou a participação nas atividades escolares remotas aplicadas pelas professoras em sistema síncrono de teleaula.
Os achados da pesquisa vão ao encontro das evidências atuais e contribuem para reafirmar a importância do treinamento das mães no processo de aprendizagem de novas habilidades para alfabetização para crianças de risco para o desenvolvimento.
Dado o aumento no decorrer do programa, foi surpreendente e significativo na resposta da criança diante das condições da linha de base para condição 1 (antes) e 2 (após). Esse resultado requer uma investigação mais aprofundada e pode, pelo menos em parte, refletir os codificadores de dificuldade encontrados na detecção da criança. Também são notáveis aumentos significativos nas taxas de resposta das díades 50%.
Os aumentos nas respostas das crianças foram esperados, porque a intervenção foi projetada para melhorar também o modo de aplicação das atividades para as crianças. O significativo aumento nas porcentagens do desempenho seguindo implementação para as mães também foi importante com os resultados do treinamento materno, como corrobora o estudo de Elder et al.29.
Também foi importante a constatação as diferenças das díades ao comparar linha de base versus condição 1 e linha de base versus condição 2. Porque as intervenções foram desenvolvidas para promover o auxílio da mãe perante às atividades do programa, este achado reflete a expectativa de que a frequência dos cuidadores em programas no contexto familiar via remota seria significativa. Como discutido anteriormente, crianças de risco apresentam condições cognitivas e linguísticas vulneráveis, bem como necessitam de instrução sistemática para automatização e generalização que requerem consideração especial ao planejar e implementar procedimentos de treinamento.
CONCLUSÃO
O programa caracterizou-se por uma intervenção com díades, cujas mães receberam treinamento para implementar o programa de atividades relacionadas às habilidades preditoras de alfabetização em seus filhos durante a pandemia de COVID-19, permitindo, assim, verificar o desempenho individual de cada díade. O estudo mostrou que a força de um programa de intervenção para uma criança de risco para o desenvolvimento aumenta a sistematicidade e é proporcionalmente verificado o seu progresso. Consequentemente, houve um aumento no número de exposições da criança aos estímulos oferecidos e mais chances de generalização das estratégias aprendidas. O desempenho da criança só mudou depois que o programa foi implementado pela mãe.
Apesar dos resultados positivos, algumas limitações foram identificadas ao longo do estudo. Entre elas, destacam-se: conduzir a pesquisa no ambiente doméstico, no qual é preciso um controle maior das variáveis e indicado o desenvolvimento de um outro protocolo para suplementar. Para futuros estudos, sugere-se expandir o número de díades e para o treinamento e implementação do programa.
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Endereço para correspondência:
Andréa Carla Machado
CPEDI
Rua Orsini Dias Aguiar, 510 - Jardim Alvorada
São José do Rio Preto, SP, Brasil - CEP 15020-070
E-mail: decamachado@gmail.com
Artigo recebido: 13/12/2020
Aprovado: 21/1/2021
Trabalho realizado no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Infantil, CPEDI, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
Conflito de interesses: A autora declara não haver.