Introdução
Este artigo pretende discutir a importância do desenvolvimento da linguagem oral durante a Educação Infantil, a qual possui, como uma de suas mais importantes funções, preparar a criança para o processo de alfabetização e, portanto, aquisição da leitura e da escrita. Através desta discussão, desejamos participar das atuais reflexões sobre a importância da pré-escola no desenvolvimento do aprendizado da criança bem como quanto a sua função de facilitador de todas as aquisições propostas pelo Ensino Fundamental.
Na Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2017), destacamos os eixos voltados à Educação Infantil que têm, dentre seus objetivos, proporcionar atividades de promoção da socialização, de instigar a curiosidade, estimular o espírito investigativo e de troca de experiências e opiniões entre as crianças. Todas as atividades que dependem fundamentalmente do Desenvolvimento Típico da Linguagem.
As crianças adquirem a linguagem de forma espontânea em um curto período de tempo, o que faz parecer que se trata de um processo muito simples. No entanto, estudiosos mostram que a linguagem se estrutura num sistema complexo no qual o sucesso ou o fracasso em sua aquisição dependem da interação entre fatores constitucionais da criança e fatores externos ambientais, que se influenciam mutuamente durante o desenvolvimento (Conti-Ramsden & Durkin, 2011).
Nos dois primeiros anos de vida, temos um período fundamental para o desenvolvimento das habilidades da comunicação verbal (Määttä et al., 2016). A partir do segundo ano de vida, a velocidade do aprendizado verbal aumenta repentinamente. A criança combina palavras como “neném mimiu”, utiliza estruturas de frases e expande o vocabulário gramatical de sua língua. A produção e a emissão de múltiplas orações indicam uma fase avançada do desenvolvimento da linguagem oferecendo um desempenho social sofisticado (Kirjavainen et al., 2009). Na maioria das crianças o desenvolvimento da linguagem ocorre nos cinco primeiros anos de vida. Assim, no final do período pré-escolar, o desenvolvimento da linguagem oral deve estar concluído (McIntyre et al., 2017). Nesse período, as crianças descobrem como encontrar um contexto comum para sustentar a conversação (Short-Meyerson, 2010), já que as habilidades na produção e compreensão de orações mais longas (narrativas e histórias) estão adquiridas (Griffin et al., 2004). Tal descrição demonstra a complexidade e a importância desse período no desenvolvimento da comunicação verbal.
Contudo, há crianças que na pré-escola sofrem com déficits na compreensão e expressão da linguagem oral, o que pode sinalizar futuras dificuldades no processo de alfabetização, com prejuízo no desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita, no seu desempenho afetivo e social. Estas questões têm levado especialistas a discutirem diferentes aspectos da linguagem, a formularem conceito e terminologia relativa aos seus problemas. Resultado de um estudo multinacional e multidisciplinar sobre a terminologia dos problemas da linguagem, em consenso, estabeleceu-se Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem (TDL) em substituição aos termos Déficit Específico da Linguagem (DEL) e Alteração Específica no Desenvolvimento da Linguagem (AEDL).
Todavia, neste artigo, para manter o link com os estudos publicados anteriormente, será utilizado “DEL” e “AEDL” (quando o autor ainda estiver empregando esta terminologia) (Bishop et al., 2017). Foram estabelecidas como principais características para diagnóstico de TDL as dificuldades na aquisição e uso da linguagem devido a déficits na compreensão ou na produção de vocabulário, na estrutura da sentença e do discurso (American Psychiatric Association, 2013).
A criança na idade pré-escolar, com diagnóstico de Déficit Específico da Linguagem - DEL, (atualmente TDL), usualmente apresenta dificuldade no início do aprendizado da linguagem. A aquisição fonológica e de vocabulário é lenta e mais tardia do que o observado nas crianças com desenvolvimento típico da linguagem (DTL) (Conti-Ramsden & Durkin, 2012). Isso preocupa, pois sabemos que a habilidade para aprender novas palavras é crucial no desenvolvimento da linguagem oral e da escrita, e fundamental na relação social, acadêmica e profissional (Gândara & Befi-Lopes, 2010; Jackson et al., 2019). Sendo assim, as crianças com diagnóstico de DEL (atualmente TDL) poderão apresentar níveis diferentes de problemas fonológicos, léxico/semânticos, morfo/sintáticos, pragmáticos ou de memória verbal.
Os diferentes déficits na linguagem descrevem ainda a heterogeneidade do grupo (Leonard, 2014). Chamamos a atenção para a diferença entre a alteração das habilidades da linguagem na criança com diagnóstico de TDL e a criança com diagnóstico de dislexia. Enquanto a criança com TDL pode apresentar déficit fonológico e em outras habilidades da linguagem como vocabulário, morfologia, sintaxe e pragmática, a criança disléxica apresenta unicamente déficit fonológico.
A dislexia é definida como dificuldade nas habilidades da leitura e da escrita de palavras, causadas por déficit fonológico (Adlof & Hogan, 2018). Muitas evidências apontam que, na média, crianças com dislexia não respondem adequadamente às tarefas que dependem da habilidade fonológica, como consciência fonológica, repetição de palavras e não palavras, e dificuldade na recuperação de palavras para se expressar (Vellutino et al., 2004). A dislexia só pode ser diagnosticada após a conclusão do segundo ano do Ensino Fundamental ou a partir da idade de 8 anos. No entanto, estudos têm demonstrado que os precursores da dislexia estão presentes antes da idade escolar.
Clinicamente, a história de alguns disléxicos contém as seguintes informações: atraso na fala, dificuldades articulatórias, alterações na sequência de sílabas (“aminal” por “animal”), problemas para nomear cores ou letras, para encontrar a palavra adequada para se expressar, para lembrar endereços, números de telefones, e sequência verbal, inclusive ordens complexas (Pennington, 1991).
Publicações científicas têm descrito que, além do déficit fonológico, as crianças com dislexia, antes de serem diagnosticadas e de iniciarem os estudos para a leitura e a escrita, na pré-escola, apresentam déficits em outros aspectos do desenvolvimento da linguagem, como léxico/semântico, morfológico e sintático, que causam dificuldades na compreensão e expressão verbal (Snowling et al., 2016). Recentes estudos têm apontado para a frequente coocorrência de transtornos do desenvolvimento da linguagem em crianças com dislexia, apesar de serem considerados problemas separados (Cain et al., 2015).
Ser um bom leitor necessita de mais habilidades do que ler palavras em uma página. A leitura é o produto da eficiente e precisa decodificação da palavra e da compreensão da linguagem. Assim, podemos considerar que há duas formas distintas de déficits de leitura, a dislexia, que é a dificuldade em aprender a traduzir a escrita em fala, e a deficiência na compreensão da leitura. Ambas as formas parecem ser causadas por déficits decorrentes das habilidades da linguagem oral (Foorman et al., 2018).
Portanto, o desenvolvimento de habilidades da linguagem oral ainda na pré-escola é fundamental para que as crianças aprendam a ler e escrever, são preditivas de seu futuro acadêmico, de sua vida social e, consequentemente, sua inserção no mercado de trabalho.
O objetivo deste artigo é apresentar e discutir os resultados de um projeto que verificou, num estudo longitudinal, a relação entre o desenvolvimento da linguagem e o processo de aprendizado de um grupo de crianças de escolas municipais da cidade do Rio de Janeiro.
Método
Trata-se de um estudo oriundo do projeto “Desenvolvimento da Linguagem em Pré Escolares: Implicações para o Aprendizado”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, Fernandes Figueira (CEPIFF) sob o n° 1.871.298, que teve início em abril de 2017 e foi concluído em novembro de 2018
A aprovação do Comitê de Ética foi entregue à Secretaria de Educação Municipal do Rio de Janeiro junto com o Projeto e a carta solicitando a autorização para o estudo em uma Escola de Educação Infantil e uma Escola de Ensino Fundamental. Após autorização da Secretaria de Educação Municipal, foram realizados os contatos com as escolas que participariam do estudo.
Os responsáveis que autorizaram a criança a participar da pesquisa tiveram um encontro com uma das três fonoaudiólogas pesquisadoras onde era lido o Termo de Consentimento Esclarecido (TCE). Só participaram do estudo as crianças que os responsáveis assinaram o TCE. Foi estabelecido estudo longitudinal, que é um método de pesquisa que visa analisar as variações nas características dos mesmos elementos amostrais ao longo de um período de tempo. Neste estudo foi analisado o desenvolvimento da linguagem e do aprendizado das mesmas crianças no Pré-Escolar e no primeiro ano do Ensino Fundamental.
Participantes
A amostra inicial foi composta de 68 crianças brasileiras de ambos os sexos, 24 meninas e 44 meninos, na faixa etária de 5 a 6 anos e 1 mês, regularmente matriculadas na Educação Infantil - Pré-escolar II em uma escola municipal situada na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Foram incluídas no estudo crianças cujos responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de exclusão foram crianças com diagnóstico de síndromes genéticas ou neuropsiquiátricas.
Instrumentos
A realização do estudo envolveu o uso de dois instrumentos:
1. Escala de Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem ADL 2 (Menezes, 2017)
A ADL 2 (Menezes, 2017), desenvolvida no Brasil respeitando a cultura e o contexto da criança brasileira, tem como objetivo medir o desenvolvimento da linguagem de crianças na faixa etária de 1 a 6 anos e 11 meses, avaliando a linguagem compreensiva e a expressiva separadamente, considerando as habilidades fonológica, léxico/semântico, morfossintática, consciência fonológica, memória e inferência. Os resultados são expressos em idade do desenvolvimento da linguagem (IDL) até a idade de 2 anos e 11 meses, e, a partir dos 3 anos, os resultados poderão ser transformados em Escore Padrão (EP). É considerado como média o EP 100, podendo variar entre 85 e 115, que corresponde a um Desvio Padrão (DP) = 15 abaixo ou acima da média e que indica Desenvolvimento Típico da Linguagem (DTL). Resultados a partir de DP = -1,03 indicam Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem (TDL)
2. Questionário para Professores (Menezes, (2017)
O Questionário para Professores (QP) faz parte do material da ADL 2 (Menezes, 2017), é composto de 15 itens com respostas que pontuam: sim = 2 pontos, às vezes = 1 ponto ou ausência do comportamento = 0 pontos. A pontuação considerada adequada para as crianças da Educação Infantil pode variar entre 36 e 30 pontos e para as crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental poderá variar entre 45 e 36 pontos, pois é esperado que a criança tenha adquirido comportamentos de aprendizado fundamentais para o processo de alfabetização. O objetivo do QP (Menezes, 2017) é obter dados do desenvolvimento do aprendizado através da observação do comportamento da criança na sala de aula e em outros espaços da escola, conforme a visão subjetiva do professor. Os itens estão relacionados com o comportamento da criança como interesse, atenção, compreensão e execução das atividades pedagógicas, expressão verbal, aquisição de vocabulário, coerência nas perguntas e nas respostas verbais, interação com os colegas e compreensão de regras na sala de aula e nos jogos no recreio.
Procedimentos
Este estudo foi constituído de duas etapas. Na primeira etapa, efetuada no período de abril a junho de 2017, foi realizada a avaliação do desenvolvimento da linguagem com a aplicação da ADL 2 (Menezes, 2017), em todas as 68 crianças que frequentavam o Pré-escolar II de uma Escola Municipal de Educação Infantil. A aplicação foi individual, realizada por duas fonoaudiólogas, especialistas em linguagem, em tempo médio de 40 minutos. Foi utilizado o EP e DP da ADL 2 (Menezes, 2017) como parâmetro para inferir TDL, que seria EP = 84 ou abaixo e DP = - 1,03.
De acordo com os resultados da ADL 2 (Menezes, 2017), as crianças foram reunidas em dois grupos: grupo 1 (g1) composto por 64 crianças, de ambos os sexos com desenvolvimento da linguagem típico (DLT), isto é, compatível com sua idade cronológica e com Escore Padrão (EP) na média ou acima. E o g2, composto por quatro meninos com desenvolvimento da linguagem abaixo da sua idade cronológica e EP abaixo da média e DP = - 1,03 ou menor. Para acompanhar o comportamento do aprendizado destas crianças, foi utilizada a pontuação do QP (Menezes, 2017).
A segunda etapa, em novembro de 2018, foi realizada seguindo o mesmo procedimento da primeira etapa. Teve como objetivo acompanhar no primeiro ano do Ensino Fundamental o desenvolvimento da linguagem e do aprendizado de 24 crianças, (20 do g1 e 4 do g2) oriundas do Pré-Escolar II. A perda de sujeitos se deve ao fato de algumas crianças migrarem para outras escolas fora da região da pesquisa.
Pelo número reduzido de sujeitos neste estudo, só foi possível ser realizada análise qualitativa entre os grupos.
Resultados
Os resultados da escala da ADL 2 (Menezes, 2017), instrumento de avaliação da linguagem utilizado no estudo, revelaram que as crianças na Educação Infantil II que fazem parte do grupo 1, consideradas com desenvolvimento típico da linguagem (DTL) na escala da ADL 2 (Menezes, 2017), obtiveram (Média de EP= 107 e DP=0,4) desempenho classificado nesta escala como na faixa da normalidade. No entanto, as crianças com diagnóstico de TDL do grupo 2 obtiveram Média de EP = 69 e DP = -2,06), seu desempenho foi classificado na ADL 2 (Menezes, 2017) como transtorno do desenvolvimento da linguagem grave.
A análise dos resultados da escala da linguagem compreensiva e expressiva da ADL 2 (Menezes, 2017) das crianças que fazem parte do g1 e g2, no Pré-Escolar II, na faixa etária de 5 anos a 5 anos e 11 meses, mostrou que as crianças do g1 desenvolveram a linguagem na média da sua faixa etária. Porém, as crianças diagnosticadas com TDL apresentaram déficit na aquisição semântica, na fonológica, na morfológica e na sintática.
As crianças do g1 adquiriram as habilidades da linguagem adequadamente, não sendo necessária a análise das habilidades da linguagem. Entretanto, as quatro crianças do g2 no Pré-Escolar apresentaram déficits na aquisição, que se agravaram no primeiro ano do Ensino Fundamental. A análise qualitativa das habilidades da linguagem compreensiva (semântica, morfologia, sintaxe) na faixa etária de 5 a 5 anos e 11 meses indicou déficits. Estes se tornaram mais graves na faixa etária de 6 a 6 anos e 11 meses (morfologia, sintaxe, consciência fonológica) (Quadro 1).
Faixa etária | Itens | Componentes da Linguagem | Participantes (P) | |||||||||||
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Semântica/Conteúdo | Estrutura/ Forma | P1 | P2 | P3 | P4 | |||||||||
Conhecimento do objeto | Conceito de Qualidade | Conceito de Quantidade | Conceito Espacial | Conceito de tempo/sequência | Morfologia | Sintaxe | Inferência | Consciência Fonológica | ||||||
5 anos a 5 anos e 5 meses | Compreende conceito de comparativos | X | X | X | X | + | + | - | - | |||||
Compreende oração com 2 adjetivos | X | X | + | + | - | + | ||||||||
Compreende os sufixos de gênero | X | + | + | - | - | |||||||||
Compreende conceito de quantidade | X | X | X | + | - | - | - | |||||||
5 anos e 6 meses a 5 anos e 11 meses | Compreende conceitos de adjetivos | X | X | X | + | - | - | - | ||||||
Compreende palavras que indicam relação espacial | X | X | + | + | - | + | ||||||||
Compreende classificação semântica | X | X | X | + | + | - | - | |||||||
Compreende conceitos de quantidade | X | X | X | + | - | - | - | |||||||
6 anos a 6 anos e 5 meses | Relação temporal/ Sequência | X | X | X | - | - | - | - | ||||||
Relação espacial | X | X | X | - | - | - | - | |||||||
Identifica sons iniciais de palavras | X | X | - | - | - | - | ||||||||
Relação temporal | X | X | X | - | - | - | - | |||||||
6 anos e 6 meses a 6 anos e 11 meses | Relação temporal/sequência | X | X | X | - | - | - | - | ||||||
Compreende conceitos de quantidade | X | X | - | - | - | - | ||||||||
Compreende sentenças na voz passiva | X | - | - | - | - | |||||||||
Rima | X | - | + | - | - | |||||||||
Aliteração | X | - | - | - | - | |||||||||
Combinação de Sons | X | - | - | - | - |
Fonte: Dados da pesquisa. Legenda: + respostas adequadas, - respostas inadequadas, P participantes, quadros com X sinalizam o componente e a habilidade de linguagem avaliados em cada item.
A análise das habilidades da linguagem expressiva na faixa etária de 5 a 5 anos e 11 meses (Pré-Escolar) evidenciou acentuada defasagem na habilidade semântica, fonológica, morfológica e sintática. Porém, na faixa etária de 6 anos e 11 meses (primeiro ano) os déficits ficaram mais graves, demonstrados pela não identificação de grafemas (letras) e orações com falhas na sintaxe observadas na construção de frases para descrever sequência de figuras, contar e recontar uma história diante de gravuras e na repetição de sentenças (Quadro 2).
Itens | Componentes da Linguagem | Participantes (P) | ||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Semântica/ Conteúdo | Estrutura/ Forma | P1 | P2 | P3 | P4 | |||||||||
Faixa etária | Conhecimento do objeto | Conceito de qualidade | Conceito de quantidade | Conceito espacial | Conceito de tempo/sequência | Fonologia | Morfologia | Sintaxe | Inferência | |||||
5 anos a 5 anos e 5 meses | Responde a questões sobre os motivos das ações realizadas em sua rotina diária | X | X | X | - | - | - | - | ||||||
Utiliza adjetivos para descrever pessoas e objetos | X | X | X | - | - | - | - | |||||||
Compreende e descreve similaridade entre objetos | X | X | X | - | + | - | + | |||||||
Memória para repetir sentenças | X | - | - | - | + | |||||||||
Descrever ações em uma sequência de figuras | X | X | X | - | - | - | - | |||||||
Responder a perguntas diante de figuras | X | X | X | X | - | - | - | - | ||||||
5 anos e 6 meses a 5 anos e 11 meses | Expressa quantidade | X | X | - | - | - | - | |||||||
Habilidade para buscar palavras dentro de uma categoria semântica | X | X | X | - | - | + | + | |||||||
Produz uma história diante de figuras | X | X | X | X | X | - | - | - | - | |||||
Relembra sentenças em um contexto | X | - | - | - | - | |||||||||
6 anos a 6 anos e 5 meses | Produz uma história diante de uma sequência de figuras | X | X | X | X | - | - | - | - | |||||
Habilidade para definir palavras | X | X | X | - | - | - | - | |||||||
Relembra sentenças em um contexto | X | - | - | - | - | |||||||||
Produz uma história diante de uma sequência de figuras | X | X | X | X | - | - | - | - | ||||||
Reconta uma história com apoio visual | X | X | X | - | - | - | - | |||||||
6 anos e 6 meses a 6 anos e 11 meses | Relembra e descreve situações da sua rotina diária | X | X | X | - | - | - | - | ||||||
Relembra sentenças em um contexto | X | - | - | - | - | |||||||||
Produz uma história diante de uma sequência de gravuras | X | X | X | X | - | - | - | - | ||||||
Identifica e nomeia letras | X | - | - | - | - |
Fonte: Dados da pesquisa. Legenda: + respostas adequadas, - respostas inadequadas, P participantes, quadros com X sinalizam o componente e a habilidade de linguagem avaliados em cada item.
O aumento da defasagem na aquisição das habilidades da linguagem, observadas no g2 do Pré-Escolar para o primeiro ano, poderá ser compreendido pelo aumento da demanda da linguagem no ambiente escolar e social. Assim, os déficits observados na Pré-Escola, na ausência de atendimento especializado, só tendem a se tornar mais graves, o que nos aponta para a necessidade de Políticas Públicas para dar suporte às crianças que apresentam dificuldade na expressão verbal ainda na Pré-Escola.
A análise das respostas do QP (Menezes, 2017) e os contatos com as professoras revelaram que as crianças apresentavam acentuada dificuldade na comunicação verbal, não faziam perguntas, tinham um comportamento desatento e não acompanhavam as atividades. Ainda indicaram que, apesar de não haver um padrão comportamental, estas crianças mostravam inibição, agressividade ou falhas na participação de atividades em grupo, sendo possível relacionar tais condutas à interferência do TDL em sua autoestima.
Discussão
Este artigo teve como objetivo discutir a importância do desenvolvimento da linguagem oral na Educação Infantil e o poder preditivo do desenvolvimento da linguagem para o aprendizado da criança no Pré-Escolar II e no primeiro ano do Ensino Fundamental, períodos fundamentais para o processo de alfabetização. Assim, foi investigada a relação entre o desenvolvimento da linguagem e o aprendizado no Pré-Escolar II e no primeiro ano do Ensino Fundamental.
Sabe-se que a aprendizagem da leitura é um processo complexo que exige dos escolares o uso de componentes fonológicos, sintáticos e semânticos da linguagem, com uso da habilidade metalinguística de reflexão da linguagem oral sobre a escrita, assim como, para a compreensão do sistema alfabético, deve-se estabelecer uma relação entre letras e os sons da fala (Cunha & Capellini, 2011).
A interação entre o conteúdo (semântica/significado) com a forma linguística (palavras e estrutura/sintaxe) é adquirida em sucessivas fases do desenvolvimento da linguagem (Bloom & Lahey, 1988). As crianças que participaram do estudo e que tiveram diagnóstico de transtornos do desenvolvimento da linguagem (TDL) apresentaram déficit de linguagem desde o Pré-Escolar, que se tornaram mais graves no primeiro ano do Ensino Fundamental.
No Pré-Escolar as crianças participam de muitas atividades que demandam a linguagem verbal oral, preparatórias para a alfabetização, como cantar músicas que rimam, ouvir e reproduzir histórias curtas, responder e fazer perguntas, reconhecer algumas letras (correlacionar o som da fala ao seu representante gráfico). Tais atividades dependem fundamentalmente da linguagem verbal oral, as crianças com TDL não conseguem acompanhar as tarefas. A reação à dificuldade na comunicação verbal varia desde a agressividade como bater no colega, amassar a folha de papel dada pela professora acompanhada de um pedido verbal, até se excluir do grupo por não conseguir se expressar e/ou compreender a linguagem verbal.
Portanto, uma criança com TDL fica à parte das tarefas tão fundamentais para o bem-estar, desenvolvimento social e o aprendizado verbal, apesar do cognitivo não verbal estar na média de crianças da sua faixa etária, podendo apresentar bom desempenho em atividades que não dependem da linguagem verbal, como por exemplo atividades de artes.
As demandas nas habilidades da linguagem aumentam à medida que a criança avança na escolaridade. As crianças com TDL que frequentemente não compreendiam e não realizavam as atividades que dependiam da linguagem verbal oral no Pré-Escolar não estarão aptas para acompanhar o processo de alfabetização no primeiro ano do Ensino Fundamental. Portanto, concluíram o primeiro ano sem iniciar o processo da aquisição da linguagem escrita, não conseguiram ler nem escrever palavras. Ainda que a dislexia só possa ser diagnosticada no segundo ano do Ensino Fundamental, pois é o ano que a criança já deveria estar lendo, pudemos observar sinais de alerta anteriores a este período (McGregor et al., 2020).
É importante que pesquisadores e profissionais estejam cientes de que dislexia e TDL são problemas distintos, mas que, com frequência, podem ocorrer simultaneamente (Catts et al., 2005).
Ficar atento à comunicação verbal das crianças na pré-escola é de fundamental importância, para que, precocemente, antecedendo ao início da alfabetização, dificuldades sejam observadas e atenuadas com o intuito de proteger o aprendizado escolar e a socialização. A identificação precoce, orientações aos pais, ou responsáveis e a oportunidade de início de intervenção das crianças com TDL ainda na pré-escola possibilitam a mudança do curso do desenvolvimento de suas dificuldades de linguagem com benefícios e resultados ao longo do tempo.
Como constatamos no estudo, as crianças com TDL apresentam em seu comportamento e em seu relacionamento social sinais indicativos de sua inadequação e do seu sofrimento, como os exemplos que descrevemos acima. Comorbidades psicológicas e sociais facilmente encontram lugar no seu cotidiano, fragilizando-as, inclusive com o aparecimento de quadros de distúrbios de conduta. Cabe, pois, um olhar e uma escuta criteriosa frente às situações que ultrapassam os limites da linguagem e do aprendizado. Um olhar que não envolve a dificuldade do aprendizado a partir de problemas de conduta, mas sim de problemas de conduta em decorrência do mau desempenho escolar.
Considerações
A restrição ao número pequeno de crianças foi decorrente das dificuldades que o pesquisador enfrenta no Brasil, no que diz respeito aos custos para pesquisas na área do desenvolvimento da linguagem, bem como pela migração destas crianças para outras instituições de ensino. Acreditamos que os resultados, mesmo com pequeno número de sujeitos, permitem a confirmação do que encontramos na literatura. Ao mesmo tempo, nos levam a pensar sobre a importância do cuidado e da atenção para com o desenvolvimento da linguagem, entendendo a sua fundamental importância no desenvolvimento integral da criança.
As habilidades de leitura são de vital importância para todos os indivíduos, e possibilitam a criança a explorar, a interagir com o ambiente e a conhecer a vida e; por outro lado, são fundamentais para conduzir ao êxito no trabalho. O início do processo de aprender a ler é um momento especial para todos, sejam as crianças, seus professores e seus familiares (Çakıroğlu, 2018).
Concluímos este trabalho ressaltando a necessidade de novas pesquisas, que ampliem os estudos do desenvolvimento da linguagem em crianças brasileiras, na pré-escola, para que sejam implementadas políticas públicas para auxiliá-las na comunicação verbal, no aprendizado pré-escolar e, posteriormente, escolar.