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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.17 n.1 São Paulo abr. 2007

 

PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ORIGINAL

 

As famílias e seus colaboradores na tarefa de educar os filhos*

 

Families and their collaborators in the task of child rearing

 

 

Lúcia V C MoreiraI; Zélia M. M. Biasoli-AlvesII

IProfessora do Mestrado em Família na Sociedade Contemporânea, Universidade Católica do Salvador. Doutora em Psicologia – FFCLRP/USP
IIProfessora da FFCLRP /USP

 

 


RESUMO

Cada vez mais as crianças são inseridas em instituições de educação infantil, o que significa terem as famílias colaborações e orientações na tarefa de educar os filhos. É nessa linha que se insere o presente estudo que tem por objetivo conhecer quais pessoas/instituições colaboram com pais e mães na tarefa de educação de seus filhos. Para cumprir este objetivo, foram construídos dois instrumentos de coleta de dados: a) roteiro de identificação; b) roteiro sobre família e educação de filhos; e a seguir feita a adaptação de um terceiro, o "Roteiro reestruturado de Biasoli-Alves e Graminha", para ser aplicado na forma de questionário. Participantes: 50 homens e 50 mulheres de nível universitário, com união marital estável e filho(s) com idade(s) entre dois e sete anos, sendo 50 de uma cidade do interior paulista (25 pais e 25 mães) e 50 de uma capital do Nordeste (mesma divisão); os participantes foram identificados a partir de cursos de pós-graduação lato sensu de Universidades privadas, sendo submetidos à entrevista gravada feita usando-se os dois roteiros e, posteriormente, para as mães, foi entregue o questionário para ser respondido. Para analisar os dados, as entrevistas foram transcritas e elaboradas categorias de respostas, de acordo com o sistema quantitativo-interpretativo. Os resultados revelam que uma importante colaboradora do processo educacional é a instituição de educação infantil/escola. A presença da babá/empregada doméstica é marcante particularmente nos participantes nordestinos. Há ainda o apoio das avós.

Palavras-chave: Pais e filhos. Educação Infantil. Família.


ABSTRACT

There is a growing tendency for children to be put into pre-elementary education institutions at an early age. This means that families receive assistance and guidance in the task of raising their children. With this in mind, the present study aims to find out what people or institutions collaborate with mothers and fathers in the work of rearing their children. Two instruments of data collection were used to meet this objective: a) identification instrument and b) an instrument about family and child rearing; subsequently, a third instrument was adapted, "The Restructured instrument of Biasoli-Alves and Graminha". The latter was applied in the form of a questionnaire. The participants are 50 men and 50 women (college graduates) with stable marital status and with children aged between 2 7 years. Fifty participants were selected from a city in the state of São Paulo (25 mothers and 25 fathers) and fifty from a capital in the Northeast of Brazil (same division). These participants were selected from post-graduate courses in private universities. They were submitted to a recorded interview using the two approaches, and later, the mothers were given the questionnaire. For data analysis, the interviews were transcribed and categories of answers were elaborated, according to the quantitative-interpretative system. The results show that an important collaborator in the child rearing process is the pre-elementary education institution/school. The presence of a nanny/maid is marked particularly in the participants from the Northeast. There is also the help of grandparents.

Keywords: Parents and children. Pre-elementary Education. Family.


 

 

INTRODUÇÃO

A família é uma realidade complexa de articulação das relações entre as gerações que, segundo Petrini4, acontecem conforme diversas dimensões e incluem diferentes aspectos, o que a torna um tema de investigação de muitas áreas do conhecimento. Carter e McGoldrick2 a analisam segundo seu ciclo de vida e identificam seis momentos, que teriam tarefas diferentes: 1 – Saindo de casa (jovens solteiros), o que requer a aceitação de responsabilidades emocionais e financeiras pelo eu; 2 – A união de famílias no casamento (o casal), quando há o comprometimento com um novo sistema; 3 – Famílias com filhos pequenos, em que o princípio-chave é o de aceitar novos membros no sistema; 4 – Famílias com filhos adolescentes, cujo principal papel é o de aumentar a flexibilidade das fronteiras familiares para incluir a independência dos filhos e a fragilidade dos avós; 5 – Lançando os filhos e seguindo em frente, que implica aceitar várias saídas e entradas no sistema familiar; 6 – Famílias no estágio tardio da vida, caracterizado pela mudança dos papéis geracionais.

No presente estudo, são abordadas famílias com filhos pequenos, ou seja, aquelas que se encontram no estágio três, que se inicia com o nascimento dos filhos, em particular do primeiro, e em que grandes ajustes são necessários visando a inclusão de um novo membro, a continuação da relação do casal e de aspectos profissionais, além de preocupações com a aquisição de bens e de moradia6. Carter e McGoldrick² referem que a mudança para este estágio implica os adultos tornarem-se os cuidadores da geração mais jovem. Para as autoras, no casamento em que há dois salários (e às vezes duas carreiras), o problema central nesta etapa é justamente a disposição das atenções e das responsabilidades pela criança e pelas tarefas domésticas quando os dois trabalham em tempo integral, tendo os avós uma posição secundária.

Bradt4 lembra que o retorno de ambos os pais ao trabalho em período integral só é possível quando providenciam alguém para cuidar dos filhos, que pode ser um parente, mas que a probabilidade é grande de que nenhum esteja disponível ou seja adequado. Neste caso, a alternativa é empregar uma pessoa para cumprir o papel de cuidador, sendo esta uma tarefa difícil porque se precisa encontrar alguém conveniente e competente para tal função. E, quanto mais nova a criança, mais complicado o acerto e maior o sentimento de risco.

Nesse caso, uma alternativa encontrada por diversos pais são as instituições de educação infantil, creches e pré-escolas, sobretudo as primeiras, historicamente vinculadas às mudanças na organização das famílias e nas necessidades das mães, que têm sido muitas e freqüentes.

Arriagada5 cita grandes mudanças nas famílias latino-americanas nas últimas décadas. Como exemplo, aponta para o decréscimo das taxas de natalidade durante os anos 70. Além disso, ela assinala que as funções de cuidado e de socialização inicial dos filhos são compartilhadas cada vez mais com outros agentes sociais como a escola, o jardim de infância, outras pessoas da família e não familiares, o que ocorre segundo as possibilidades econômicas e a presença ou não de famílias extensas.

Mencionando a questão da família, Bronfenbrenner9 afirma que ela é o coração do sistema social. Dessa forma, para manter a saúde da sociedade, devem ser descobertos melhores meios para nutrir o coração. De todos os ambientes que ajudam a construir o humano, a família provê as condições desenvolvimentais mais importantes: o amor e o cuidado que a criança necessita para florescer o seu potencial. Uma criança saudável e adulto futuro é alguém que tem tais pessoas ativamente devotadas e engajadas em sua vida – alguém que a ame, que gaste tempo com ela, que a desafie e que esteja interessada no que ela faz e deseja fazer, alguém que a complemente no dia-a-dia. Outros contextos tais como a escola, e a creche são importantes para o desenvolvimento da criança, mas nenhuma pode substituir essa unidade básica de nosso sistema social: a família é a mais humana, mais poderosa e o sistema mais econômico para fazer e manter seres humanos, humanos. Além disso, conforme o autor, é a família que determina nossa capacidade de funcionar efetivamente e de nos beneficiarmos de experiências em outros contextos em que o ser humano vive e cresce a escola, grupos de pares, educação superior, negócios, comunidade e a nossa sociedade como um todo. Em todos esses locais, o que nós aprendemos, bem como aquilo que nós podemos contribuir depende da nossa família de origem e da nossa família atual. Isto é verdade desde a nossa infância precoce, até o dia da nossa morte.

Para Bronfenbrenner9, os primeiros meios ambientes nos quais, cada vez mais, as crianças entram ao sair de casa são a creche e a pré-escola. De uma perspectiva ecológica, o autor sugere que o impacto da creche e da pré-escola sobre as famílias do país e a sociedade em geral pode ter uma conseqüência muito mais profunda do que quaisquer efeitos diretos para o desenvolvimento dos seres humanos nas sociedades modernas industrializadas.

Uma influência semelhante sobre a efetividade da díade mãe-criança é exercida por outras terceiras pessoas, não apenas o pai, porém nenhuma dessas é tão potente quanto o relacionamento primário envolvendo a mesma. A capacidade da mãe-criança de desempenhar suas funções desenvolvimentais é vista como dependendo não só do comportamento de outros membros da estrutura doméstica, como também do comportamento das pessoas do mundo exterior (como atendente da creche, amiga do trabalho, entre outras). O parente ou a amiga que oferecem apoio para a mãe divorciada, em seu papel de educadora, pode fazê-lo sem que a criança também esteja presente. Este sistema de interação seqüencial constitui a rede social7.

Segundo Portugal8, o efeito do apoio social é particularmente evidente quando as famílias experienciam alguma forma de tensão, como pobreza, nascimento de uma criança deficiente ou de temperamento difícil, divórcio ou mera fadiga. O grau em que as famílias, e particularmente as mães, estão sujeitas a tensões socioeconômicas ou a outras sem apoios sociais adequados parece relacionar-se substancialmente com níveis mais elevados de abuso e maus-tratos de crianças, menor qualidade da ligação da criança à mãe, mais problemas comportamentais.

Bronfenbrenner9 compara o desenvolvimento a um jogo de pingue-pongue onde um jogador é mais velho do que o outro e entre eles há uma adoração mútua e um aprende com o outro. Mas, no processo de desenvolvimento, são necessárias mais do que duas pessoas. É preciso haver certa disponibilidade e envolvimento por parte de um outro adulto, uma terceira parte, que encoraja, dá assistência, que ocupa o lugar do primeiro, possibilitando-lhe ir ao banheiro e que, além disso, também dê importância, exprima sua admiração e se envolva na atividade da criança. Para o autor, esta pessoa é o pai, pois não é fácil encontrarmos pessoas que sejam "doidas pelos nossos filhos", tal como ocorre, por exemplo, com o pai. Porém, esta terceira pessoa pode também ser uma avó, uma colega de trabalho, ou qualquer pessoa que se preocupe com a criança. Então, para entrar na dança do desenvolvimento, para o autor, são necessárias três pessoas.

A presença de um adulto com quem a mãe tem um relacionamento positivo lhe permite funcionar mais efetivamente nas interações com seus filhos. Inversamente, um antagonismo mútuo na díade marido-mulher, culminando na separação, rompe o funcionamento da díade mãe-criança e prejudica sua capacidade de servir como um contexto de socialização efetiva7.

O que parece ser importante, segundo o autor, não é a quantidade objetiva de contato ou de conselhos recebidos, mas a satisfação parental com o nível e qualidade do apoio experienciado.

Objetivo

O estudo tem por objetivo conhecer quais pessoas/instituições colaboram com pais e mães, com nível superior de escolaridade, na tarefa de educar os filhos.

 

MÉTODO

Fizeram parte deste estudo 50 homens e 50 mulheres de nível universitário, com união marital estável, e pelo menos um filho na faixa-etária entre dois e sete anos. Estes participantes foram selecionados inicialmente a partir de cursos de pós-graduação lato sensu, de duas universidades privadas, sendo uma localizada em capital do Nordeste (25 homens e 25 mulheres) e outra em cidade de porte médio do interior de São Paulo (25 homens e 25 mulheres), garantindo-se assim o grau de escolaridade desejado e diversidade de formação. Como o número de pessoas com o perfil desejado não foi encontrado nas referidas universidades, houve necessidade de se buscar fora das instituições outros participantes para o estudo, que foram escolhidos segundo indicações ou de acordo com o conhecimento do pesquisador, sendo que todos residiam nas referidas cidades. No total, homens e mulheres entrevistados não formavam necessariamente casais.

Como material foram utilizados três roteiros: um de identificação, um abordando o tema família e educação dos filhos e o terceiro foi o "Roteiro reestruturado de Biasoli-Alves e Graminha", onde foram introduzidas pequenas modificações. Com o "Roteiro de Entrevista I – Identificação" obtiveram-se dados de identificação dos participantes e respectivas famílias. Com o "Roteiro de Entrevista II – Família e Educação dos Filhos" obteve-se a descrição de alguns aspectos vinculados à prática de cuidado e de educação de filhos, mais especificamente: os próprios conceitos de família e seus componentes, as concepções sobre educação de filhos e como educam o seu, as principais dificuldades encontradas no processo e como as enfrentam. Perguntou-se também quanto à questão de imposição de limites, o que gostariam de mudar na educação do filho e as diferenças da relação educativa do pai e da mãe, além de questionados sobre o significado dos filhos para eles, as preocupações com relação a estes e o que desejam para o futuro deles, e ainda quanto à sua família de origem: as coisas que aprenderam com ela, o que pretendem e o que não pretendem transmitir, verificando o cotidiano, onde e com quem a criança permanece nos diversos períodos do dia, as pessoas/instituições que colaboram com sua educação e cuidado e quais as possíveis influências do seu trabalho, do governo e grupo religioso na educação e cuidado que propiciam. Com o "Roteiro III – Questionário para Mães", baseado no "Roteiro Reestruturado de Biasoli-Alves e Graminha10" (questionário respondido apenas pelas mães), a finalidade foi a de estender e aprofundar a análise de tópicos relativos a julgamentos, crenças e valores que norteiam as práticas de educação das mães de crianças de ambos os sexos, quando ainda na primeira infância10.

Os procedimentos foram os seguintes: pedido de autorização por escrito à direção das universidades privadas; convite aos alunos; sessão de aplicação das entrevistas de identificação e sobre família e educação dos filhos. Somente para as mães houve solicitação do preenchimento e devolução do "Roteiro reestruturado de Biasoli-Alves e Graminha10", aplicado na forma de questionário.

Posteriormente à coleta, as fitas gravadas foram transcritas. A análise das entrevistas e dos questionários foi feita de forma quantitativa-interpretativa, elaborando-se categorias.

 

RESULTADOS

Os dados obtidos foram analisados verificando-se as freqüências e calculando-se as porcentagens das respostas encontradas e, nas questões que receberam respostas múltiplas, foram mencionados os números de respostas obtidas em cada item. O sistema de análise usado foi o quantitativo, para questões que permitiam diretamente contar a freqüência, e o quantitativo-interpretativo10.

Foi verificada qual a atividade profissional dos participantes, seus horários de trabalho e renda mensal. Os resultados encontram-se na Tabela 1.

Pela Tabela 1, pode-se observar que a grande maioria das mães e a totalidade dos pais exercem atividade profissional. Das mães do interior de São Paulo que trabalham, 67% o fazem por um período diário ou menos, e sua renda mensal líquida concentra-se em até cinco salários mínimos (72%). Por outro lado, 96% das da capital que trabalham realizam tal atividade por um ou dois períodos, e sua renda concentra-se entre mais de cinco a 15 salários mínimos (79%). A maioria dos pais, das duas cidades, trabalha dois períodos; sua renda está concentrada entre mais de cinco a 25 salários-mínimos sendo maior, em geral, a renda familiar dos participantes da capital nordestina.

Uma caracterização das crianças focalizadas no estudo é apresentada na Tabela 2.

Pelos dados apresentados, verifica-se uma concentração ligeiramente maior de crianças de três e seis anos. Também se observa que houve predominância do sexo feminino, no interior de São Paulo (66%), e uma distribuição equilibrada nos da capital. Também se constata que a maioria freqüenta instituição educacional, permanecendo lá por um período, sendo que as da capital do Nordeste ingressam nestas instituições ligeiramente mais cedo.

Passando para outro tema, a questão de como o cotidiano é estruturado, incluindo desde com quem os filhos ficam à percepção final dos participantes sobre ajuda. Os primeiros resultados – sobre os locais em que os filhos ficam durante a semana – acham-se na Tabela 3 em que o agrupamento mostrou quatro classes de respostas: a) Própria casa: ocorre quando os participantes observam que, no período referido, o filho permanece na própria casa; b) Instituição de educação infantil/escola: ocorre quando os participantes relatam que, no período referido, o filho está freqüentando a escola ou a instituição de educação infantil em que está matriculado; c) Casa dos avós: ocorre quando os participantes assinalam que, no período referido, o filho permanece na casa dos avós maternos ou paternos; d) Própria casa ou casa de parentes: ocorre quando os participantes expressam que, no período referido, o filho permanece em locais variáveis, ora permanecendo na própria casa, ora ficando na casa de parentes como avós e tios.

Durante a semana, os filhos dos participantes do interior de São Paulo permanecem, em sua maioria, em casa de manhã, enquanto à tarde freqüentam instituição de educação infantil/escola. Por outro lado, os filhos dos participantes da capital do Nordeste, em sua maioria, se distribuem entre vários espaços: aproximadamente metade das crianças permanece em instituição de educação infantil/escola de manhã e a outra metade à tarde. De noite, quase a totalidade dos filhos dos participantes permanece na própria casa.

Quanto aos locais, observa-se, na Tabela 4, os locais em que os filhos dos participantes costumam ficar aos sábados e domingos. Para esta Tabela, foram estabelecidas três classes: a) Ora em casa, ora sai: ocorre quando os participantes dizem que, no período referido, o filho permanece em locais variáveis, ora ficando na própria casa, ora saindo de casa indo à casa de parentes ou em reunião religiosa ou em passeios diversos; b) Sai de casa: ocorre quando os participantes relatam que, no período referido, o filho sai de casa indo à casa de parentes ou a reunião religiosa ou a passeios diversos; c) Própria casa: ocorre quando os participantes afirmam que, no período referido, o filho permanece na própria casa.

Os dados mostram que, aos sábados e domingos – qualquer que seja o período do dia–, a maior parte dos filhos dos participantes, como um todo, permanece em locais variáveis, ora estando em casa, ora saindo de casa, realizando passeios, freqüentando reuniões religiosas ou visitando algum parente.

A Tabela 5 apresenta os resultados referentes às pessoas com quem os filhos dos participantes permanecem durante a semana. Para esta Tabela, foram estabelecidas quatro classes: a) Familiares: ocorre quando os participantes expressam que, no período referido, o filho permanece com uma ou mais pessoas da família nuclear ou extensa; b) Familiares e/ou babá/empregada: ocorre quando os participantes relatam que, no período referido, o filho permanece com uma ou mais pessoas da família nuclear ou extensa e com uma babá – funcionária exclusiva para os cuidados do(s) filho(s) – ou empregada doméstica – funcionária que realiza diversos afazeres domésticos e colabora com os cuidados do(s) filho(s). A presença de familiares e de funcionária pode ser concomitante ou exclusiva, em alguns momentos, com o familiar e em outros apenas com a funcionária; c) Babá/empregada: ocorre quando os participantes afirmam que, no período referido, o filho permanece com uma babá ou empregada doméstica; d) Professora: ocorre quando os participantes exprimem que, no período referido, o filho permanece com a professora da escola ou da instituição de educação infantil.

Durante a semana, os filhos dos participantes do interior de São Paulo permanecem, em sua maioria, de manhã com familiares ou familiares e mais funcionária (babá/empregada). Normalmente, tal familiar é a mãe da criança. À tarde, a maioria está com a professora na instituição de educação infantil/escola que freqüentam. De noite, a quase totalidade dos filhos dos participantes da referida cidade fica com familiares (com ambos os genitores ou pelo menos com um deles). Por outro lado, os filhos dos participantes da capital do Nordeste, em sua maioria, acham-se distribuídos: aproximadamente metade das crianças está em instituição de educação infantil/escola de manhã e a outra metade à tarde. Cerca de metade das crianças fica de manhã com familiares, preferencialmente com a mãe, ou mesmo com funcionária e, à tarde, ocorre a mesma distribuição. De noite, a quase totalidade dos filhos dos participantes da referida cidade permanece com os pais ou com alguma composição que inclua um deles. Portanto se observa que, de um modo geral, há utilização maior de babá/empregada no cuidado/educação dos filhos dos participantes da capital do Nordeste.

A Tabela 6 traz os dados relativos às pessoas com as quais os filhos dos participantes ficam aos sábados e domingos. As classes são as mesmas da Tabela 5.

Aos sábados e domingos, os filhos dos participantes tendem a permanecer, qualquer que seja o período do dia, com familiares (principalmente com ambos os genitores ou com pelo menos um deles); 32% das mães da capital do Nordeste referem receber colaboração de empregada/babá no sábado de manhã. Nos outros grupos, não há referência a este tipo de colaboração no período mencionado ou ela é muito discreta.

Foi perguntado aos participantes se concordavam ou não que os avós, tios/tias, outros parentes, empregada/babá, amigos e vizinhos colaboravam com a educação e os cuidados ao filho. Os resultados obtidos estão na Tabela 7.

Como resultado geral, os avós obtiveram o maior índice de concordância: 81%. Para os tios/tias e a empregada/babá, também se registraram concordâncias acima de 66,7% (dois terços). A porcentagem de concordância sobre a colaboração da babá/empregada é maior nos participantes do Nordeste e os amigos obtiveram concordância em torno de 50%. Outros parentes e vizinhos têm índices menores de concordância.

Os participantes que tinham o filho freqüentando escola/instituição de educação infantil foram indagados ainda se concordavam ou não que esta instituição colabora com a sua educação e cuidados. Como resultado, dos 87 participantes nesta condição (pois 13 crianças não freqüentam escola), 86 dizem que sim; apenas um pai do interior de São Paulo respondeu que não.

As falas seguintes apresentam concordâncias dos participantes quanto à colaboração de pessoas/instituição na educação e cuidado do filho.

Avós: "Instruindo. A minha sogra é uma pessoa ótima, a minha mãe, meu sogro. Eles têm muita paciência, contam estórias. Ajudam em tudo assim, com tudo" (mãe do interior de São Paulo).

Tios: "Eles estão sempre muito presentes, assim, os tios, as minhas irmãs e o irmão mais velho de meu marido está sempre junto da gente, a gente sai muito junto [...] a gente sai sempre muito com os meninos dele, com a família dele. Ajudam sempre que a gente precisa também, eles colaboram" (mãe da capital do Nordeste).

Babá/empregada: "Ela (filha) fica bastante tempo com a moça que trabalha em casa. Tem uns cuidados que a gente tomou desde a contratação dela, como ela fala, como ela conversa, como é que ela se relaciona com a minha filha. Porque a gente percebe que a criança imita muita coisa da pessoa que trabalha junto com você, que cuida dela e, se não for uma pessoa adequada, acaba contaminando alguns valores que você gostaria que fossem importantes. Então, prestar atenção na questão de valores dessa pessoa que vai ficar dentro da sua casa" (pai do interior de São Paulo), "Não da maneira que eu acharia ideal. Mas, de certa forma, estimula o desenvolvimento dele (filho). Talvez não na questão da cognição mesmo, por desconhecimento dela. Mas na questão de estar brincando, ela (babá) é carinhosa, como eu disse, com ele (filho). Atenciosa com a alimentação, com essas coisas" (mãe da capital do Nordeste).

Amigos: "Olha, isso (educação) tem sido uma preocupação nossa, no sentido entre nós e os amigos, cuidamos bem da educação dos filhos de um modo geral [...] minha filha começa a perceber uma relação nossa com outros adultos e esses adultos começam também a se relacionar com ela e ela passa a ter neles também uma referência. Então, já é uma coisa que extrapola o limite do parentesco, digamos" (pai da capital do Nordeste).

Colaboração da instituição de educação infantil/escola: "Nossa! Essa influencia demais. Direta e indiretamente, eu diria que seria responsável aí por uns 40% da educação, os valores também. Afinal de contas, meu filho passa uma tarde inteira, de segunda a sexta, convivendo com os amiguinhos, com a professora, com a psicóloga de lá [...]" (pai do interior de São Paulo).

Quando se considera a diferença de respostas conforme sexo parental e cidade, observa-se que as pessoas/instituições mais referidas como colaboradoras pelos participantes do interior de São Paulo foram: escola/instituição de educação infantil, os avós e os(as) tios(as); enquanto na capital do Nordeste, eles assinalaram principalmente a escola/instituição de educação infantil, os avós e a empregada/babá, sendo que, a quase totalidade das mães diz que os avós colaboram (96%) e a babá, um pouco menos que isto (84%), estando esta ordem invertida no caso da capital do Nordeste.

Embora cerca de metade dos participantes da cidade do interior de São Paulo diga que a empregada/babá colabora com a educação/cuidado do filho, um número bem maior aparece nos da capital, reforçando, uma vez mais, a presença significativa da babá na educação das crianças nordestinas.

 

DISCUSSÃO

No presente estudo, que buscou conhecer quais pessoas/instituições colaboram com pais e mães, com nível superior de escolaridade, na tarefa de educar os filhos, verificou-se que o maior número de horas de trabalho e os melhores salários das mães da capital do Nordeste devem ser decorrentes de um conjunto de circunstâncias sociais e econômicas; como lembra Bradt4, o retorno de ambos os pais ao trabalho em período integral só é possível quando providenciam alguém para cuidar dos filhos e isto parece ser mais fácil de equacionar pelas famílias da capital do Nordeste, pois elas, mais do que as do interior paulista, dispõem de empregadas e babás, ao que se acrescenta que também é diferente o número de horas que as domésticas costumam permanecer no emprego, sendo freqüente que elas morem na casa de seus patrões (neste estudo, constatou-se que 46% desse grupo de participantes fica tempo integral na residência em que trabalham). A este fator, pode-se somar o dos baixos salários das funcionárias domésticas no mercado nordestino, o que permite às famílias em que há crianças disporem inclusive de mais de uma empregada, ficando determinado que uma é para realizar as tarefas de limpeza da casa, lavar e passar roupa, preparar as refeições, e a outra só se dedica às crianças.

Os pais das duas cidades referem mais do que as mães que seus filhos estão com familiares (especialmente com a mãe) no período oposto ao que freqüentam a instituição de educação infantil ou a escola. A questão que se levanta neste caso é com relação ao fato de essas mães trabalharem ou não fora de casa, e, se o fazem, qual o período em que isto acontece, para que elas possam permanecer cuidando das crianças no horário contrário ao da sua escola; e, como esta referência é maior na cidade do interior de São Paulo, em que se verificou que é menor o número de horas que as mães participantes da pesquisa exercem atividades fora de casa, tal interpretação parece válida.

O ingresso do filho em instituição de educação infantil pode também favorecer a permanência da mãe por mais horas no seu trabalho, sendo detectado que as crianças nordestinas estão começando a freqüentar este tipo de instituição mais cedo do que as da cidade do interior paulista. Existe ainda a possibilidade de que haja maior contribuição das avós na capital do Nordeste, uma vez que 96% das mães deste grupo concordam que elas colaboram com a educação e cuidado de seu filho, enquanto só 76% das do interior paulista se referem a tal ajuda.

Um outro ponto que é importante salientar é o da presença de outras pessoas colaborando na educação da criança; Bronfenbrenner9 fala da relevância de terceiros nesse processo e, no presente estudo, pode-se verificar que isto realmente acontece.

Assim, é evidente o papel desempenhado pela empregada doméstica ou pela babá tanto na cidade do interior paulista quanto na capital do Nordeste. O papel da babá parece mais intensificado no Nordeste, quer pelo maior tempo de permanência da funcionária na residência, quer por ela ser considerada, por alguns, membro da família, quer ainda pelos altos índices de concordância dos pais e mães dessa cidade sobre a colaboração que ela presta no cuidado do filho. Contudo, é necessário dizer que esse reconhecimento maior da colaboração da doméstica ou da babá por parte das mães, diz mais respeito ao cuidado e menos à educação, dado o baixo nível de escolaridade por elas apresentado, observando-se referências dos participantes de que precisam transmitir conhecimentos básicos a suas funcionárias a fim de que isto se reflita positivamente no que passam a seus filhos.

Por outro lado, a instituição de educação infantil e a escola parecem ser o "braço direito" das famílias na tarefa educacional; neste caso, as respostas de concordância são imediatas e enfáticas, mais do que as referentes a qualquer pessoa da lista que incluía avós, tios, funcionária, vizinhos, amigos e outros parentes.

É interessante, contudo, observar que, mesmo nas famílias em que pai e mãe trabalham nos períodos matutino e vespertino, a permanência da criança nas referidas instituições é de apenas um período; isto parece indicar que os pais pensam que a criança também deve usufruir do ambiente doméstico, tanto enquanto espaço físico que comporta seus objetos (como o próprio quarto, os brinquedos), quanto das pessoas que nele convivem e não apenas do coletivo que oferece conhecimentos e convivência com os pares e às vezes atividades esportivas. Bronfenbrenner7 menciona que as creches e pré-escolas são cada vez mais freqüentadas pelas crianças e que o impacto disto no desenvolvimento precisaria ser mais investigado; isto se mostra válido mesmo porque seus efeitos tendem a ser diversos do que se esperaria de crianças que permanecessem com os avós ou outros familiares, por períodos longos, sendo que até os pais assinalam que a contribuição maior das gerações mais velhas está ligada ao afeto, às orientações e exemplos, que são importantes para a formação da criança. E há um outro ponto que precisa ser observado ao se buscar mostrar as diferenças na colaboração, que é o fato de que a funcionária e a instituição de educação podem ser mais constantes no cotidiano, permitem que os genitores determinem atividades e tempo de permanência com a criança, enquanto, com os avós ou outros familiares, existe a dependência de eles quererem ou poderem estar disponíveis, mesmo que os avós sejam pessoas com quem costumam contar em momentos críticos.

Complementando este tópico, os amigos dos genitores e os tios também são vistos como colaboradores, mas o aspecto sinalizado é o da convivência, ou seja, parte-se para a amplificação, inclusive social. Enquanto isto, os vizinhos e outros parentes colaboram pouco, o que pode ser visto como reflexo da sociedade atual em que as distâncias físicas entre as casas e apartamentos são menores, mas as divisões mais acentuadas, determinando de quem é cada espaço e definindo pela não invasão do que pertence ao outro (os muros são altos e há menor permanência das crianças na rua).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando o objetivo inicial do presente trabalho – conhecer quais pessoas/instituições colaboram com pais e mães, com nível superior de escolaridade, na tarefa de educar os filhos–, pode-se concluir ter havido um avanço significativo nesta direção, sem, entretanto, ter-se esgotado tal propósito.

Ao educarem os filhos pais e mães contam no cotidiano com a ajuda das instituições de educação infantil/escolas e das empregadas domésticas/babás (principalmente no Nordeste) e ainda com o apoio das avós.

Diante da realidade constatada no presente estudo, identificou-se a necessidade de pesquisas futuras que avaliem o impacto que pode estar ocorrendo na criança devido a diferentes referências durante o dia, visto que permanecem principalmente sob os cuidados e orientações da professora, da empregada ou babá e dos genitores. É evidente que os pais e mães costumam escolher instituições de educação infantil e escolas que tenham concepções educacionais semelhantes às deles e também orientar as funcionárias domésticas sobre como devem proceder com o filho, porém nem sempre tal articulação é bem-sucedida. A importância da proximidade da família com a instituição de educação infantil, visando o melhor compartilhamento da educação da criança é enfatizado por autoras como Oliveira e cols.11. A necessidade destes estudos se justifica pelo fato de a instituição de educação infantil e a escola estarem sendo locais importantes, não apenas de educação, mas também de socialização, inclusive propiciando aos filhos únicos a possibilidade de convívio cotidiano com crianças. Isto pode refletir uma retomada, ora voluntária, ora por falta de alternativa, das relações sociais que antes invadiam toda a vida e que foram, conforme Ariès12, abafadas pelos aspectos profissional e familiar.

 

REFERÊNCIAS

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* O presente trabalho é parte da tese da primeira autora que foi orientada pela segunda: Concepções e práticas de pais sobre educação de filhos. Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2005. Apoio CAPES. E-mail: luciavcm@ucsal.br

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