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Journal of Human Growth and Development
versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598
Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.17 n.1 São Paulo abr. 2007
PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ORIGINAL
Obesidade e baixa estatura : estado nutricional de indivíduos da mesma família
Obesity and low stature: nutritional status of individuals belonging to the same family
Sheila P MarinhoI; Ignez S MartinsI; Denize C de OliveiraII; Eutália A C de AraújoI
IMestre pelo Departamento de Nutrição. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Departamento de Nutrição. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Av Dr Arnaldo, 715, CEP-01255-904, São Paulo-SP, Brasil; imartins@usp.br
IIFaculdade de Enfermagem.Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
O déficit estatural na infância e a obesidade associada à baixa estatura na fase adulta são, respectivamente, indicativos de desnutrição crônica e de desnutrição pregressa. Podem ter determinantes comuns de natureza biológica e sócio-ambiental. Tendo em vista o fornecimento de subsídios para o entendimento dessa relação, é objetivo deste trabalho verificar a distribuição de estados nutricionais entre filhos e pais pertencentes a famílias pauperizadas e os fatores de natureza social e biológica envolvidos. Foram estudadas 214 crianças de até e 5 anos e 293 de idade igual ou maior de seis anos (6 a 18 anos) e seus respectivos pais. A escolaridade materna, o número de cômodos do domicílio, a idade menor de 24 meses, os problemas ao nascer, baixa estatura da mãe, principalmente quando acompanhada de obesidade, associaram-se ao déficit estatural nas crianças de até cinco anos. As associações com a altura do pai foram fracas. Ao contrário das crianças de até 5 anos, os indivíduos de 6 a 18 anos foram mais sujeitos às condições sócio-ambientais e familiares adversas. O tipo de residência, ausência do pai e presença de alcoolista na família, número de indivíduos no domicílio, trabalho e atraso escolar, mãe obesa com baixa estatura e pai com baixa estatura foram fortemente relacionadas com o déficit estatural.
Palavras-chave: Baixa estatura. Obesidade. Fatores de risco. Criança. Adolescente.
ABSTRACT
Chronic undernourishment in infancy and obesity associated with short stature in the adult phase may have common determining biological and socio-environmental factors. This study with a view to contributing to the understanding of this relationship has as objective the verification of how children and parents distribution of nutritional conditions in pauperized families takes place and what the factors of a social, environmental and biological nature involvedare. It was studied 214 children aged 6 months to 5 years and 293 children and adolescents aged 6 to 18 years, belonging to pauper families earning monthly incomes less than US 70,living in two rural municipalities of the State of São Paulo, Brazil. Maternal schooling, number of rooms in the dwelling, age bellow 24 months, problems at birth and low stature of the mother especially when associated with obesity and, were all associated with the height deficitin children up to five years of age. The association of fathers height was weak. Conversely to the children of less then five years of age, the children of six year or over and adolescents were more clearly subject to the adverse socio-environmental and family conditions. Type of dwelling,number of individuals by dwelling, fathers absence and alcohol abuser in the family, lowstature of the mother associated with obesity were strongly related to the height deficit. Lowstature of the father was associated with the stature deficit, in this group...
Keywords: Low stature. Obesity. Risk factors. Child. Adolescent.
INTRODUÇÃO
Alguns estudos sugerem que a desnutrição pregressa, que se expressa pela baixa estatura nos adultos, é fator de risco para a obesidade 1-6 apontam que crianças com déficit de crescimento podem apresentar maior incidência de fatores de risco cardiovascular na fase adulta. Entre eles o diabetes melito e a obesidade. Segundo Barker e col3, ocorrem adaptações nos fetos submetidos à desnutrição, associadas a mudanças na concentração hormonal, verificadas também na placenta. A persistência dessa situação e a sensibilidade dos tecidos aos hormônios, seriam o vínculo entre desnutrição infantil e patogenias verificadas na fase adulta. Assim, a obesidade no adulto pode ser resultante de longo processo, que se inicia no feto, submetido a situações carenciais, principalmente a nutricional. Esse processo adaptativo decorre, entre outros fatores, de situações crônicas de baixa ingestão de energia e nutrientes, determinadas pela forma de inserção social do indivíduo.
A verificação do estado nutricional da criança e do adolescente e dos respectivos mãe e pai permite avaliar os efeitos acumulativos dos fatores de risco de uma geração para outra.
Este estudo contempla a análise de agrupamentos pauperizados do Vale do Paraíba, de modo a verificar a manifestação de fatores de risco sócio-econômicos, ambientais, familiares e individuais associados a estados nutricionais nas crianças e adolescentes.
Objetivos
São objetivos deste estudo:
1- Verificar a prevalência de déficit estatural em crianças e adolescentes, pertencentes a famílias com renda mensal familiar de até dois salários mínimos
2 - Analisar fatores de natureza social e biológica, proximais e distais, associados ao déficit estatural das crianças de até 5 anos, das crianças igual ou maiores de seis anos e ao estado nutricional dos respectivos pais
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi de natureza transversal, realizado entre 1997 e 1998, no universo composto pela população com renda familiar de até dois salários mínimos, distribuída em dois Municípios pobres do Vale do Paraíba, Estado de São Paulo: Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato.
O universo foi composto pelas famílias (n=390) com renda familiar mensal de até 2 SM, cadastradas no Programa Comunidade Solidária do Governo Federal do município.
Para o presente estudo adotou-se o seguinte critério: 1- foram separadas as fichas referentes às crianças com idade igual ou menor de cinco anos, totalizando 235 indivíduos, pertencentes a 197 famílias ; 2- fez-se a reposição das fichas e, a seguir, foram separados aquelas correspondentes às crianças e jovens de 6 a 18 anos, perfazendo um total 560 indivíduos, pertencentes a 244 famílias.
A média de crianças de até 5 anos foi 1,2 indivíduos por família. Por outro lado, houve grande concentração de escolares e adolescentes entre 6 e 18 anos em algumas famílias. Portanto, para evitar o " efeito conglomerado" sorteou-se nas residências com mais de um adolescente um indivíduo de cada sexo para compor a amostra. Foram sorteados 293 indivíduos, com uma média de 1, 2 por família.
O trabalho adotou modelo metodológico de análise hierarquizada do qual participaram variáveis distais e proximais, proposto por Victora7 e apresentado na figura 1
Do bloco 1 - nível socioeconômico - participaram as seguintes variáveis: escolaridade da mãe, escolaridade do pai, local de moradia ( zona urbana ou rural).
Do bloco 2 - características ambientais- moradia e família : tipo de residência, origem da água, destino do esgoto, número de cômodos da residência, ausência do pai no domicílio, presença de etilista na família e número de indivíduos no domicílio.
Para as crianças de até 5 anos, o bloco 3.1 - características da criança foi composto pelas seguintes variáveis: sexo, idade (maior de 24 meses ou menor ou igual a 24 meses). Para os indivíduos de 6 a 18 anos: sexo, idade (antes do estirão da adolescência ou após o estirão da adolescência).
O bloco 3.2 - características gerais do indivíduo - para as crianças de até 5 anos foi formado pelas variáveis: problemas ao nascer, aleitamento materno e problemas crônicos de saúde. Para os indivíduos de 6 a 18 anos: nível de atividade física, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, trabalho e atraso escolar.
O bloco 4 características dos pais- foi formado pelas variáveis: idade do pai, idade da mãe, estado nutricional do pai e estado nutricional da mãe.
O estado nutricional dos adultos foi definido pela altura e obesidade e o das crianças e adolescentes pela altura.
Os diferentes níveis da hierarquia foram compostos pelas variáveis independentes.
O déficit estatural das crianças e dos adolescentes foi a variável dependente e apresentado como variável dicotômica.
Definição da variáveis
Bloco 1:
Escolaridade: > = 4 anos =0; < 4 anos =1.
Local de moradia: zona urbana=0; zona rural=1.
Bloco 2:
Tipo de residência: Alvenaria=0; outras =1.
Origem da água: rede pública=0; outra =1.
Destino do esgoto: rede pública=0; outro=1.
Número de cômodos da residência: >= 4 =0; <4 =1.
Ausência do pai: não=0; sim=1; não informa=9.
Presença de etilista na família: não=0; sim=1; não informa=9.
Número de indivíduos no domicílio: <=6=0; >6 =1.
Bloco 3.1 (para crianças iguais ou menores de 5 anos)
Sexo: masculino=0; feminino=1.
Idade: > 24 meses= 0; <= 24 meses=1.
Bloco 3.1 (para as idades entre 6 e 18 anos)
Sexo = masculino=1; feminino=0.
Idade: antes do estirão da puberdade; após o estirão da puberdade.
Segundo a OMS (1995) 8, a velocidade de crescimento das meninas brasileiras diminui por volta dos 13 anos e dos meninos, 15 anos. Essas idades foram tomadas como ponto de corte na definição do estrirão da puberdade.
Bloco 3.2
Nível de atividade física: não sedentário=0; sedentário=1.
Consumo de bebidas alcoólicas: não=0; sim=1.
Tabagismo: não=0; sim=1.
Trabalho: não=0; sim=1.
Atraso escolar (estar de dois ou mais anos em defasagem de idade em relação aos colegas de classe): não=0; sim=1.
Bloco 4
Idade do pai: <=30 anos=0; 31-40 anos=1; >40 anos=2.
Idade da mãe: <=30 anos=0; 31-40 anos=1; >40 anos=2.
Altura do pai: normal >=1,63= 0; baixa <1.63 (NCHS, 1997) 9.
Altura da mãe: normal >= 1,56; baixa <1,54 (NCHS, 2000) 10.
Obesidade (pai e mãe): IMC >=30 kg/m2 (WHO, 1997)11.
Para os adultos o etilismo foi avaliado através do questionário CAGE - teste para detecção precoce do alcoolismo (Masur 1987)12. Para as crianças e adolescentes era feita uma pergunta direta: se já havia provado bebida alcoólica e com qual freqüência.
O tabagismo foi definido através de três questões, nas quais se inquiria se o indivíduo já havia provado cigarro, se fumava diariamente e quantos cigarros/dia consumia. A atividade física foi definida utilizando-se o método fatorial, através do qual se estima os gastos energéticos diários para o metabolismo basal e para as atividades físicas 13.
Os pontos de corte, utilizados na definição do déficit estatural foram escolhidos em função do tamanho da amostra e número de casos disponíveis para se obter os graus de liberdade suficientes para a realização do modelo de análise proposto no trabalho. Utilizou-se o percentil 10 do padrão de referência NCHS10 para as crianças de até 5 anos. Para os iguais ou maiores de 6 anos e adolescentes foi usado o percentil 5.
Estatística utilizada
Primeiramente, foram estimados os valores de Odds Ratio brutas (ORb), com intervalo de confiança de 95% (a= 0,05), através de análise univariada, com o uso do programa EPIINFO versão 6.04. Por meio do programa MULTLR, fez-se a análise de regressão logística múltipla hierarquizada, utilizando-se em cada bloco o método de "stepwise forward". Foram testadas as variáveis que, na análise univariada, apresentaram níveis descritivos (p) menores ou iguais a 0.20.
Também foram verificadas as interações entre variáveis e quando necessário criaram-se variáveis compostas (dummy) formadas por aquelas correlacionadas.
RESULTADOS
Dentre as 235 crianças de até 5 anos não foi possível coletar dados referentes à estatura de 21 indivíduos desse contingente por ausência de informações. Assim, as análises apresentadas referem-se a 214 crianças.
A prevalência de déficit estatural nas crianças de até 5 anos foi de 41,7%, sendo 16,3% e 25,4% para os valores entre os percentis 0 e 5 e de 5 a 10, respectivamente. Para os indivíduos entre 6 e 18 anos foi de 37,5 % - 14,3 % para o centil de 0 e 5 e de 23,2 % para o de 5 a 10.
Fatores independentes de risco associados ao déficit estatural nas crianças de até 5 anos
Observa-se, na Tabela 1, que as variáveis que entraram no modelo proposto, porque as demais não mostraram significância estatística, foram "escolaridade da mãe" (bloco 1) e a "característica da moradia" (bloco 2), que representam fatores de risco independentes para o déficit estatural nas crianças. Ou seja, a mãe com escolaridade menor do que quatro anos e a moradia com menos de quatro cômodos - expressão de pobreza apresentaram quase o dobro de risco para o déficit de crescimento da criança. Das variáveis referentes às características da criança ( bloco 3.1), observa-se que a "idade igual ou menor de 24 meses" e "problemas ao nascer" ( bloco 3.2), controlados pelos blocos 1 e 2, aumentaram em mais de duas vezes o risco para o déficit estatural.
Quanto às características dos pais, verifica-se que a baixa estatura do pai, dobra o risco de déficit estatural nas crianças e a baixa estatura da mãe isolada ou acompanhada de obesidade, triplicaram esse mesmo risco, quando controlados pelas variáveis relacionadas ao nível socioeconômico (bloco1), características ambientais (bloco 2), características da criança (blocos 3.1 e 3.2) e pela idade dos pais.
Fatores independentes de risco associados ao déficit estatural nas crianças de seis ou mais anos de idade e nos adolescentes
Na tabela 2, verifica-se que entre as variáveis distais, referências de qualidade do ambiente social, que compõem o bloco 2, permaneceram associadas significativamente com o déficit estatural o " "tipo de residência", o "número de pessoas no domicílio", a " ausência do pai e presença de etilista na família".
No que se refere aos hábitos de vida, bloco 3.2, o sedentarismo e a categoria da variável "trabalho acompanhado de atraso escolar", resultante da interação entre as variáveis "trabalho" e "atraso escolar" associaram-se significativamente com o déficit estatural, controlados pelos blocos 1, 2 e 3.1 da hierarquia apresentada.
Entre as variáveis do bloco 4 ( condições do pai e da mãe), particularmente no que diz respeito à mãe, verifica-se que a categoria "baixa estatura acompanhada de obesidade", desta variável dummy, associou-se ao déficit de estatural, quando controlada pelas variáveis componentes dos demais blocos e pela idade dos pais. A variável " baixa estatura do pai " manteve-se, também, significativa no modelo.
DISCUSSÃO
Em trabalho anterior, realizado nesta mesma população 14, verificou-se alta prevalência da obesidade acompanhada de baixa estatura nas mulheres, principalmente entre as gerações mais velhas e baixa estatura nas crianças e adolescentes. Para os homens adultos não se registraram diferenças de altura entre uma geração e outra. A partir dessas evidências, pôde-se inferir e vincular a influência do meio social na tendência secular de crescimento desse segmento social. Conforme a teoria de Barker e col2, a presença de retardo de crescimento nas crianças e adolescentes dessa população, pode estar relacionada à obesidade manifestada na fase adulta.
Fatores independentes de risco associados ao déficit de crescimento nas crianças até cinco anos
Das variáveis do primeiro nível da hierarquia (município, local de moradia, escolaridade da mãe e escolaridade do pai), apenas a escolaridade materna mostrou-se associada ao déficit estatural em crianças menores de cinco anos. A esse respeito, vale lembrar que a população alvo da pesquisa, famílias com renda mensal de até dois salários mínimos, constitui grupo homogêneo quanto à sua inserção sócio-econômica.
Sobre a importância da educação materna na nutrição dos filhos, considera-se a mulher como a principal provedora de alimentação durante os períodos cruciais do desenvolvimento da criança. Assim, nos primeiros anos de vida, a relação com o meio externo é mediada pela mãe, o que reforça a influência da educação materna no estado nutricional dos filhos.
Nesta pesquisa não foi observado diferença entre urbano e rural, pois o grupo estudado pertence a uma população economicamente desfavorecida, descaracterizando, a dicotomia urbano-rural no que se refere ao aumento da chance para a ocorrência de déficit estatural em crianças.
Quanto às características ambientais, registrou-se que crianças residentes em casas com menos de quatro cômodos apresentaram maior risco de déficit no crescimento. Morar em residência de três ou menos cômodos evidencia a precariedade das condições de vida.
Associação entre déficit estatural das crianças, com variáveis referentes às características da família - "ausência do pai no domicílio", "presença de etilistas" e "número de indivíduos na residência", não apresentou significância estatística. Possivelmente, nessa fase da vida, existe maior dependência da criança em relação à mãe, que como foi observado, é mediadora da relação com o meio sócio-ambiental.
Quanto às características de sexo, não se encontrou diferença na prevalência de déficit estatural de meninos e meninas. E de acordo com a literatura disponível, não há diferença de peso e altura entre meninos e meninas, fato internacionalmente documentado na literatura sobre crianças pré-púberes15.
Quanto à idade, crianças com 24 meses ou menos, apresentaram mais chance de déficit estatural. O pico de prevalência de desaceleração do crescimento ocorre no segundo ano de vida, coincidindo com a introdução dos alimentos complementares e alta incidência de diarréia 16. Manteve-se, também, estatisticamente significativa no modelo a variável "ocorrência de problemas no parto". Este fato pode refletir as adversas condições nas quais a mãe foi submetida durante o período da gestação.
A influência da ocorrência de doenças crônicas ou repetitivas no aumento da prevalência de déficit estatural não foi constatada. Melhorias ocorridas, entre as décadas de 70 e 80, na ampliação da cobertura vacinal, atingindo praticamente a totalidade das crianças, diminuiu a incidência de doenças infecciosas, responsáveis por agravos no quadro nutricional das crianças.
Em relação às condições nutricionais do pai e da mãe, encontrou-se forte associação entre a baixa estatura da mãe, isolada ou acompanhada de obesidade, com o déficit estatural na criança. As associações com a altura do pai foram fracas, estatisticamente não significativas.
A correlação positiva quanto ao estado nutricional de pais e filhos, por compartilharem tanto informações genéticas quanto condições sócio-econômicas e ambientais, é apontada por Sichiere e col.17,18. A forte associação encontrada entre a baixa estatura da mãe com a da criança permite, assim, presumir que os agravos nutricionais na gestação, levando à desnutrição fetal, sejam um dos principais determinantes desta observação. Importante ressaltar que obesidade não acompanhada de baixa estatura na mãe, não se associou ao déficit estatural das crianças.
Fatores independentes de risco associados ao déficit de crescimento nas crianças com seis ou mais anos de idade e nos adolescentes
Crianças com seis ou mais anos de idade e adolescentes foram mais sujeitos aos agravos sócio-ambientais, ao contrário os indivíduos de cinco ou menos anos. Assim, as variáveis do nível 2 da hierarquia - "tipo de residência", "número de pessoas no domicilio", "ausência do pai e/ou presença de etilista na família" - associaram-se ao déficit estatural. É preciso atentar que os "botecos" na região, na prática acabaram se transformando nos únicos espaços disponíveis de sociabilidade e de lazer, sempre em torno do consumo de álcool, principalmente, entre homens. Por sua vez a presença de etilistas e a embriaguez no domicílio tornam o ambiente familiar hostil. Certamente, este aspecto ainda é parte do continuum da cultura da pobreza, onde famílias com grande número de filhos convivem com agregados de diversas gerações de precária inserção social.
No nível 3 da hierarquia, que trata das características individuais, o sexo não se associou ao déficit estatural, que atinge parcela expressiva da população alvo. O estudo realizado por Perestrelo e Martins 14 demonstra que ao longo de 30 anos não se observou tendência secular de crescimento nesta população.
Quanto às condições gerais de vida dos indivíduos com idade maior ou igual a seis anos e dos adolescentes, verificou-se que a interação " trabalho e atraso escolar" está associada ao déficit estatural. Entre os riscos de agravos ao crescimento estatural nessa fase da vida, é de fundamental importância compreender o efeito da inserção precoce no mercado de trabalho. Dentro do segmento da população pobre, os jovens trabalhadores ocupam cargos subalternos, geralmente vinculados a tarefas que demandam esforço físico (lavoura e construção civil) e de baixa remuneração. Em estudo realizado entre escolares, nestas duas cidades, Martins et al19, mostraram que os adolescentes que trabalhavam sem receber salário tinham o dobro de chance de déficit estatural, pois em populações rurais pauperizadas, é comum os filhos ajudarem os pais na lavoura e afazeres domésticos, caracterizando ocupação não remunerada.
Oliveira e col.20, em estudo preliminar realizado nas escolas destes municípios, encontraram grande percentual de crianças/adolescentes com idades acima da esperada para a série que freqüentavam. A gravidade dessa situação torna-se alarmante ao se constatar o fato da não existência de qualquer preocupação por parte das escolas em adequar o ensino às características de desenvolvimento (e faixa etária) dos alunos. Segundo os autores, o que se pôde observar através de estudos qualitativos complementares, é que esses alunos, com inadequação etária, são aqueles que serão excluídos da escola, especialmente entre a 1ª e 4ª série do primeiro grau. Os autores identificaram também que o abandono da escola inicia-se precocemente, por volta dos oito anos. Por sua vez, na zona rural, a evasão é mais abrupta.
Entre as variáveis referentes ao estilo de vida, o sedentarismo aumentou a chance de déficit estatural. Possivelmente os adolescentes com baixa estatura realizavam atividades físicas menos intensas ou estariam ligados a trabalhos eventuais, sem regularidade. Entre as ocupações destinados aos adolescentes com baixa qualificação profissional, aquelas que demandavam maior gasto enérgico eram as que proporcionavam melhor remuneração seja no corte de eucaliptos, ou seja, no trabalho nas olarias possibilitando, em conseqüência, a aquisição de alimentos e bens, reduzindo assim, a ocorrência de déficit estatural.
A relação entre o estado nutricional dos pais e filhos - escolares/ adolescentes - é apresentada no nível quatro da hierarquia. Verifica-se que apenas a "baixa estatura acompanhada de obesidade" nas mães, teve significância estatística com o déficit estatural nos filhos.
Por outro lado, é provável que o processo de freamento do crescimento deva ter se iniciado na fase gestacional, com a formação de fetos de baixo peso. A manutenção de esse estado carencial no correr do tempo levaria à obesidade na fase adulta.
Em resumo, a obesidade constitui grave problema de Saúde Pública no Brasil e, como foi explicitado, pode estar associada também à desnutrição pregressa, nas populações onde a precariedade das condições de vida é perpetuada através das gerações.
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Recebido em 30/10/2006
Modificado em 16/11/2006
Aprovado em 24/11/2006
Financiado pela FAPESP proc. 96/08081-2.