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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.17 n.2 São Paulo ago. 2007

 

PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ORIGINAL

 

Adolescência, vida sexual e planejamento reprodutivo de escolares de Serra Pelada, Pará

 

Adolescence, sexual life and reproductive planning of adolescents of Serra Pelada, Pará

 

 

Néia SchorI; Carlos Eduardo P CorbettII; Fumika PeresIII; Patrícia M PontilhoIV; Luana F TanakaV; Marilena N FrançaVI; Eduardo B CardosoVII; André Nathan CostaVIII

IProfessora Titular da Faculdade de Saúde Pública- USP- Departamento de Saúde Materno-infantil. Endereço: Avenida Dr.Arnaldo, 715 Cerqueira César. Email: neschor@usp.br
IIProfessor Associado Faculdade de Medicina – USP – Departamento de Patologia
IIIProfessora Dra. da Faculdade de Saúde Pública- USP- Departamento de Saúde Materno-Infantil
IVAluna de graduação em Nutrição, Faculdade de Saúde Pública- USP- Bolsista PIBIC
VAluna de graduação em Nutrição, Faculdade de Saúde Pública- USP- Bolsista PIBIC
VIPsicóloga, coordenadora ONG Terra, Saúde e Ambiente
VIIProfessor Dr. em Ginecologia da Faculdade de Medicina – USP
VIIIMédico, Pneumologista da Faculdade de Medicina – USP

 

 


RESUMO

As condições de vida em que um adolescente se desenvolve determinam suas escolhas e influenciam sua vida sexual. O presente estudo visou caracterizar o cotidiano e vida sexual de 108 adolescentes entre 11 e 15 anos de idade, residentes em Serra Pelada, município de Curionópolis, PA, através de análise quantitativa e qualitativa de dados, diferenciando-os quanto ao gênero. Os resultados mostraram a forte presença das relações de gênero em alguns casos. Foi encontrada alguma relação entre religião e vida sexual somente no sexo feminino, em que se observa que 58,5% delas eram adeptas a alguma religião e 66,7 % não haviam iniciado a vida sexual aos 12 anos ou menos. Quando questionados se mantinham, ou não, relações sexuais enquanto namoravam, 93,6% das meninas afirmaram que não, enquanto 59,6% dos meninos disseram o mesmo, mostrando que as meninas evitam mais a relação sexual. A grande maioria das meninas afirmou ter feito uso de método para evitar filho na primeira relação, enquanto mais de 50% dos meninos afirmaram o contrário. Essa diferença reflete que a responsabilidade da contracepção é julgada como pertencente ao sexo feminino. Cerca de 70% das meninas afirmam ter a intenção de se casar com a pessoa com quem tem relação sexual atualmente, enquanto 60% dos meninos afirmam o contrário, o que mostra que as meninas se mostram mais receosas quanto a ter filho cedo, em relação aos garotos, e mostram-se mais abertas ao compromisso.

Palavras-chave: Adolescente. Vida sexual. Saúde. Gênero.


ABSTRACT

The life conditions in which an adolescent develops determine his choices and influence his sexual life. The present study aimed to characterize the daily activities and sexual life of 108 adolescents aged between 11 and 15 years, living in Serra Pelada, a municipality of Curionópolis, state of Pará, through a quantitative and qualitative data analysis, distinguishing them according to gender. Results showed the strong presence of gender relations in some cases. Some relation was found between religion and sexual life only in the female sex: 58.5% of them followed some religion and 66.7% had not initiated sexual life at the age of 12 or below. When the adolescents were asked whether they had sexual intercourse with their boyfriends or girlfriends, 93.6% of the girls answered they did not, while 59.6% of the boys answered the same, showing that the girls avoid more the sexual intercourse. The great majority of the girls stated they used a contraceptive method in the first intercourse, while more than 50% of the boys said the opposite. This difference reveals that the responsibility for contraception is deemed as belonging to the female sex. Approximately 70% of the girls state they intend to marry the person with whom they are currently having sexual intercourse, while 60% of the boys say the opposite, which shows that the girls are more afraid to have children early, and more open to commitments.

Keywords: Adolescent. Sexual Life. Health. Gender.


 

 

INTRODUÇÃO

Em 1974, a Companhia Vale do Rio Doce ganhou direito de lavra de uma área equivalente a 10.000 ha na região sul do Pará.

Em 1980, a descoberta de ouro em uma fazenda provocou uma invasão em massa na região. Pouco tempo depois, um acampamento deu origem à Vila de Serra Pelada e o distrito de Curionópolis (cerca de 50 km da região) se desenvolveu em auxílio da Vila de Serra Pelada , onde era proibida a entrada de mulheres e bebidas.

Em 2002, a região contava com uma população de 19.486 habitantes, totalizando 2021 famílias, de acordo com o censo do IBGE realizado em 2002.

De acordo com essa fonte, mais de ¼ da população, com idade igual ou superior a quinze anos, não tinha tido acesso à escola; outros 25% eram analfabetos ou somente alfabetizados e quase metade não havia ultrapassado o 1º ciclo do ensino fundamental. Muitos jovens, de 18 a 21 anos de idade, ainda cursavam o ciclo fundamental, de modo que cerca de 90% da população, entre 7 e 21 anos, estavam freqüentando a escola.

Apesar de apenas 5% da população declarar-se desempregada, é baixa a proporção de pessoas com vínculo empregatício. A maior parte dos habitantes da região desenvolve atividades agropecuárias, e menos de 15%, no garimpo. Mais da metade dos trabalhadores obtém até um salário mínimo, por mês, e pouco mais de 5% recebem acima de 3 salários mínimos.

Com relação à condição social, avalia-se que, aproximadamente, 50% da população encontra-se em situação de indigência e 1/3 se situa na faixa de pobreza. Em face disso, a distribuição de cestas básicas pelo Programa de Desenvolvimento Social e Econômico, em Serra Pelada, para 1/3 das famílias da localidade, minimiza a situação de extrema carência.1

Quanto à infra-estrutura urbana, não há vias pavimentadas, nem rede de esgoto. As residências são feitas de madeira e a maioria delas não possui equipamentos mínimos de higiene para os moradores.

Em relação à assistência à saúde, o povoado conta com a "Santa Casa" local, com visita semanal de um médico, mantendo-se em funcionamento com três auxiliares de enfermagem, dois funcionários da FUNASA e onze agentes de saúde.

Tendo como cenário essa realidade, apresentada de forma sucinta, este trabalho se propôs a fazer uma primeira aproximação da vida de adolescentes de Serra Pelada, em particular, no que diz respeito à sexualidade: o que pensam e como vivem a sexualidade.

Tem-se como pressuposto que as condições de vida, ambiente familiar e nível sócio-econômico em que um adolescente se desenvolve determinam suas escolhas e atitudes, assim como influenciam sua vida sexual.

A esse respeito, têm-se observado, ao longo dos anos, várias diferenças marcantes entre os sexos feminino e masculino. Em 2004, Pirotta et al.2 observaram uma associação positiva entre ser do sexo masculino e ter iniciado a vida sexual mais precocemente do que as jovens do sexo feminino, em um estudo realizado com estudantes universitários.

Borges3, em 2004, constatou que a religião evangélica agia como um fator de proteção da vida sexual, mostrando como o ambiente familiar agia como fator que influenciava na vida sexual de jovens de sua população de estudo.

Atualmente, em Serra Pelada, a gravidez na adolescência é um fato freqüentemente observado, assim como a prática sexual sem proteção. A primeira tem sido atribuída como uma das responsáveis pela evasão escolar, pois grande parte das gestantes adolescentes acaba abandonando a escola, por ter que cuidar do filho. Outros grandes problemas são a AIDS e o aborto, fora do sistema médico, primeira causa de morte de mulheres jovens.

O projeto Saúde – Planejamento Familiar: Ações de Planejamento Reprodutivo e Familiar em Serra Pelada, Município de Curionópolis – PA, em um primeiro momento, buscou levantar aspectos do cotidiano, vida sexual e saúde reprodutiva dos adolescentes, com idade entre 11 e 15 anos, analisando as diferenças entre os sexos. Após análise e compreensão desses dados, o projeto pretende implantar ações que terão, como objetivo, assegurar que a população-alvo faça uso de medidas preventivas para ter uma sexualidade segura, responsável e saudável.

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo em pauta faz parte do sub-projeto: Ações de Planejamento Reprodutivo e Familiar em Serra Pelada, Município de Curionópolis, PA, coordenado pelos professores Drs. Néia Schor, Fumika Peres e Carlos Corbett, integrante do Projeto Saúde, coordenado pelo professor Dr. Carlos Corbett, o qual, por sua vez, faz parte do Programa de Desenvolvimento Social e Econômico de Serra Pelada; 2001 2006, financiado pela Companhia Vale do Rio Doce, Ministério da Saúde ( PSF e PACS), BNDES e CNPQ (bolsa PIBIC – 2004 a 2005).

A população de estudo foi constituída de 108 adolescentes, que freqüentam as escolas de Serra Pelada, com idade entre 11 e 15 anos. Foram abordados tanto jovens do sexo masculino, quanto do sexo feminino, a fim de observar a possível influência do gênero nos padrões de comportamento cultural, sexual e reprodutivo desses jovens.

Para a coleta de dados, utilizou-se como instrumento um questionário, que foi preenchido pelos próprios estudantes, durante uma reunião de grupo. Para esta reunião foram convidados todos os adolescentes que freqüentavam as escolas de Serra Pelada e, destes, 108 compareceram (53, do sexo feminino e 55, do sexo masculino), após autorização assinada pelo pai, mãe ou responsável, os quais foram esclarecidos a respeito da pesquisa, quanto a seu objetivo, metodologia e sigilo no que se refere à identificação dos participantes.

O questionário, composto de questões abertas e fechadas, abordou tanto temas de saúde reprodutiva e do cotidiano, como o início da vida sexual e conhecimento e uso de métodos anticoncepcionais. O levantamento realizado foi do tipo ocasional4. O questionário foi respondido pelos jovens, após realização de dinâmicas de grupo, sob coordenação de integrantes do sub-projeto, durante três dias, em dois períodos. Após levantamento dos dados, foi elaborado um manual de variáveis, em seguida, os questionários foram codificados e digitados em microcomputador, utilizando-se o programa EPI-INFO, empregado em estudos de caráter epidemiológico, para armazenamento e análise de dados.

Na primeira fase, foi realizada análise quantitativa, de caráter descritivo, dos dados e na segunda fase, uma análise qualitativa, obtendo-se séries estatísticas. As variáveis foram classificadas em grupos, conforme a categoria que abordavam, e relacionadas ao sexo.

As categorias abordadas foram: vida afetiva, religiosidade, lazer, namoro e vida sexual, educação sexual, acesso à saúde, planejamento familiar e outros aspectos relacionados.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tendo como população de estudo 108 jovens, sendo 53 do sexo feminino e 55 do masculino, a média de idade foi 13,2 anos para as meninas e 13,5 para os meninos, e a do grupo, 13,5 anos (tabela 1).

Vida afetiva

A opinião sobre a infância não se mostrou muito diferente entre os sexos, porém enquanto nenhuma menina achou a infância ruim, um menino a considerou ruim. Levando em conta que as condições sócio-econômicas e familiares entre os adolescentes dos sexos feminino e masculino são bastante semelhantes, a opinião sobre a infância refletiu o fato.

No entanto, quando questionados quanto à pessoa que mais fez falta em suas vidas, a maior parte dos adolescentes do sexo masculino referiu-se ao pai, enquanto que a maior parte do sexo feminino referiu-se a um irmão. Dois estudos mostraram que morar com apenas um dos pais, por motivo de abandono ou divórcio, elevava a chance de iniciação sexual entre adolescentes: um realizado em 2000, por Santelli5, e um segundo, por Wellings6, em 2001. Enquanto Kiernan et al.7, em 1997, em estudo realizado na Inglaterra, não observou o mesmo, no caso de falecimento de um dos pais.

Os dados encontrados no presente estudo mostram que os meninos sentiram falta de uma presença masculina, forte, protetora, que os orientasse e/ou se impusesse e os resultados mostraram alto índice de ínicio da vida sexual entre os meninos antes dos 12 anos. Já as meninas sentiram falta de uma presença companheira, talvez também protetora, porém cúmplice, sendo que a porcentagem de meninas que iniciaram a vida sexual antes dos 12 anos foi menor.

Religiosidade

Ter ou não uma religião não mostrou relação com o sexo: cerca de 60 %, tanto dos meninos quanto das meninas, afirmaram ter uma religião. No entanto, quando questionados quanto a de qual religião eram adeptos, houve grande diferença entre os sexos. A grande maioria das garotas afirmou ser católica, enquanto mais da metade dos garotos afirmou ser adepta de outras religiões. Estes resultados mostram uma religiosidade maior e mais definida nas meninas. Leite et al.8 , em um estudo realizado no Brasil, referiram a religião como um fator associado da vida sexual, relatando que adolescentes adeptos de uma religião possuíam menor chance de início da vida sexual nessa fase. No presente estudo, foi encontrada alguma relação entre religião e vida sexual somente no sexo feminino, em que se observa que 58,5% eram adeptas de alguma religião e 66,7 % não haviam iniciado a vida sexual aos 12 anos ou menos.

Lazer

As atividades de fim de semana mais citadas pelos jovens do sexo masculino foram: assistir TV (35,7%) e passear/andar (28,6%). Por outro lado, a atividade mais popular entre as meninas é conversar com os amigos (55,5%), seguida de assistir TV (22,2%), ver tabela 2.

Entretanto, quando questionados sobre o que realmente gostariam de fazer no fim de semana, quase 26% dos meninos mencionaram viajar/ir à praia e outros 16,7%, jogar bola/praticar esporte. Assim como os meninos, 20% das meninas gostariam de viajar, e mais 20% gostariam de passear/divertir-se/sair com amigos.

Namoro e vida sexual

No momento da aplicação do questionário, 22,9% dos adolescentes (19,2% das meninas e 26,4% dos meninos) referiram estar namorando (tabela 3). Destes, 81,3% tinham idade entre 12 e 14 anos.

Uma grande diferença entre os sexos foi encontrada quando questionados se mantêm, ou não, relações sexuais enquanto namoram, pois 93,6% das meninas afirmaram que não, enquanto 59,6% dos meninos disseram o mesmo (gráfico 1). Este resultado mostra que as meninas evitam a relação sexual mais do que os meninos, o que pode ser um reflexo de como a sociedade impõe o sexo para os diferentes gêneros. A sociedade mostra para o menino o ato sexual como sendo certo e, para a menina, como sendo errado. Isso se evidencia na questão idade para início da vida sexual, ao considerar que mais da metade dos meninos iniciou a vida sexual com 12 anos ou menos, enquanto a maioria das meninas iniciou a vida sexual aos 14 anos. Para Heilborn9, aos homens cabe o papel de não resistir ao impulso sexual, e às mulheres cabe o papel de controlar seus impulsos, ou , ao menos cedê-los somente às pessoas com as quais têm vínculos afetivo-amorosos, o que pode ser claramente visto nos resultados do presente estudo.

 

 

As questões de gênero voltam a evidenciar-se quando adolescentes expressam sua opinião sobre a primeira relação sexual. Mais da metade dos meninos afirmou ter valido muito a pena, enquanto a maior parte das meninas disse ter valido mais ou menos a pena.

A imposição da sociedade também mostrou influências na opinião sobre idade certa para a primeira relação sexual. Quando solicitado a dar sua opinião quanto a ter a primeira relação sexual aos 12 anos, tanto meninos, quanto meninas, consideraram, em sua maioria, ser cedo. Porém, quando a idade foi alterada para 16 anos, a maior parte das garotas continuou afirmando ser cedo, enquanto a maior parte dos garotos afirmou ser a idade certa ou tardia.

Sobre a idade em que gostaria de ter ou ter tido relações sexuais, a moda foi 18 anos, a média 18,6 anos, sendo que 30% das garotas responderam e" 21 anos e 20% dos garotos, 18 anos (tabela 4).

Quando questionados sobre a idade, quando da primeira relação sexual, 74 jovens não responderam (49 meninas e 25 meninos). A média de idade na primeira relação sexual entre as garotas que responderam foi 13,3 anos e a dos garotos, 10,8 anos. É importante destacar que a amplitude de idade foi de 4 a 16 anos.

De acordo com Schor10 e Pirotta11, alguns eventos/fatores fazem parte do discurso da maioria dos adolescentes, quando estes falam sobre o motivo do início de sua vida sexual, tais como: namoro sério (relacionamento com mais de seis meses de duração) e estar apaixonado.

Já para o Ministry of Health – Jamaica12, entre os principais fatores, que influenciam a atividade sexual de adolescentes, destacam-se:

a)estar apaixonado: estar apaixonado pode influenciar adolescentes a dizerem sim para o sexo. Mesmo quando este(a) não sabe como o(a) parceiro(a) em potencial se sente.

b) influência e pressão do grupo de amigos: a maneira como o adolescente é visto pelos amigos influencia seu comportamento. Muitas vezes, o sexo é considerado uma atividade, da qual os adolescentes devem fazer parte, para que possam pertencer a um grupo popular.

c) sexo em troca de bens, serviços ou dinheiro. Alguns adolescentes recorrem à prostituição, para satisfazer suas necessidades básicas. Outros, para realizar sonhos e desejos por coisas não tão essenciais, como roupas de marca, sapatos ....

d) sexo forçado: nem todos os adolescentes optam por fazer sexo. Às vezes, amigos, parentes ou estranhos os forçam a terem atividade sexual.

e)atividade sexual não planejada: é comum que adolescentes digam apenas "aconteceu" porque, nem sempre, adolescentes planejam fazer sexo. Eles, no entanto, não pensam como podem se proteger da gravidez indesejada e doenças do sexo.

f) falta de poder na relação: como adolescentes normalmente tem pouco ou nenhum poder em suas relações, a decisão de fazer sexo pode não envolvê-los. Nessas situações, adolescentes podem ficar incapacitados a dizerem não à relação sexual, ou incapacitados de negociarem ou iniciarem o uso da camisinha.

g) inabilidade para dizer não ao sexo: é importante perceber que alguns adolescentes irão escolher continuar mantendo relações sexuais, mesmo quando seu conselheiro acha que isso deveria ser adiado.

h) atitude em relação ao sexo: adolescentes apresentam diversas atitudes em relação ao sexo. Alguns acham que o sexo é um meio de conseguir coisas, enquanto outros se sentem envergonhados do seu envolvimento sexual.

Além disso, é importante destacar que a situação econômica, social e emocional que os adolescentes enfrentam pode ter grande influência na decisão de se envolverem na atividade sexual.

Quase 72% das garotas que responderam à questão sobre o motivo de ter a primeira relação sexual, iniciaram sua vida sexual por acharem que estava na hora certa. Já 40% dos meninos decidiram ter a primeira relação sexual por curiosidade (tabela 5).

Educação sexual

Quando os adolescentes foram questionados quanto a saber, ou não, evitar filhos e doenças do sexo (DSTs, AIDS), as respostas não foram muito diferentes. A maior parte, tanto dos garotos quanto das garotas, afirmou conhecer como evitar filhos e doenças do sexo( gráfico 2). Em um estudo realizado na região Sul do município de São Paulo, Pirotta et al.13, descreveu que o conhecimento sobre métodos contraceptivos entre meninas, na faixa etária de 10 a 14 anos, era baixo (48,3%).

 

 

E, quando questionados quanto ao método utilizado na primeira relação sexual para evitar filhos e ou doenças do sexo, a grande maioria de ambos os sexos afirmou ter feito o uso da camisinha masculina.

No entanto, pode-se perceber uma diferença quando adolescentes são questionados quanto ao uso, ou não, de método para evitar filho na primeira relação sexual, a grande maioria das meninas afirmou ter feito uso de método para evitar filho na primeira relação, enquanto mais da metade dos meninos afirmou o contrário: não ter feito uso de método para evitar filho na primeira relação sexual.

Outra grande diferença é vista na questão referente ao método utilizado para evitar filhos atualmente, em que 100% das garotas afirmaram usar a camisinha masculina, enquanto uma parcela significativa dos meninos (23%) afirmaram fazer uso da pílula (gráfico 3).

 

 

Essas duas diferenças refletem a idéia predominante na sociedade de que a responsabilidade da contracepção compete à mulher

Acesso à saúde

Na questão de acesso à saúde não foram encontradas diferenças significativas entre os sexos. Cerca de 60 % dos meninos e 58 % das meninas afirmaram já terem procurado a Santa Casa e, quando questionados sobre o motivo, a maior parte das meninas afirmou que procurou o serviço de saúde por estar muito doente e a maior parte dos meninos relatou como motivo estar muito doente e fazer curativo. Nenhuma garota, e apenas 9,1% dos garotos, apontaram, como motivo da ida ao hospital, a busca da camisinha.

Planejamento Familiar

Quando os adolescentes foram questionados sobre a intenção de casar e ter filhos, não houve diferenças significativas nas respostas dos diferentes sexos. Mais de 90%, tanto dos meninos, quanto das meninas, afirmaram ter a intenção de ter filhos. E mais de 80%, tanto dos meninos, quanto das meninas, afirmaram ter a intenção de se casarem.

As grandes diferenças entre os sexos, na questão do planejamento familiar, estão nas questões: idade em que gostaria de ter filhos e a intenção de se casar com a pessoa com quem tem relação sexual, atualmente. Uma parcela significativa das garotas afirma querer ter filhos com 26 anos ou mais de idade, enquanto uma parcela significativa dos garotos afirma querer ter filhos aos 20 anos. E cerca de 70% das meninas afirmam ter a intenção de se casarem com a pessoa com quem tem relação sexual atualmente, enquanto 60% dos meninos afirmam o contrário: não ter a intenção de se casar com a pessoa com quem tem relação sexual atualmente (gráfico 4). Este resultado mostra que as meninas se mostram mais receosas quanto a ter filho cedo, em relação aos garotos, e as meninas mostram-se mais abertas ao compromisso.

 

 

Outros aspectos abordados

A opinião de 71,2% dos entrevistados (86,7% meninas e 55,2% meninos) é que o uso de drogas por adolescentes é muito errado/errado/não é correto . Pergunta semelhante foi feita em relação ao uso de álcool por adolescentes e a resposta obtida foi parecida: 61,2% (61,1% das garotas, 61,6% dos garotos) acham esse comportamento muito errado/erradíssimo/não é correto/errado.

Quando o assunto é a homossexualidade, a diferença de opinião entre os sexos foi evidente, pois quase 50% das meninas consideraram a homossexualidade normal e apenas 25% dos meninos partilham essa mesma opinião. Relataram terem amigo homossexual: 20% das garotas e 5% dos garotos. Isso, provavelmente, deve-se ao fato de pais e a sociedade ensinarem, principalmente, aos filhos homens, que não é normal o sexo com pessoas do mesmo sexo.

A falta de apoio dos adultos/família foi citada por 44,2% das entrevistadas, como o problema mais difícil que o jovem enfrenta. Segundo 42,5% dos garotos, o problema é outro: estudar e encontrar um caminho na vida.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado mostra a importância de pesquisas similares em diferentes realidades, com adolescentes de distintas condições de vida, níveis sócio-econômicos e outros fatores.

No grupo em destaque, adolescentes de Serra Pelada, PA, fica evidente a influência da sociedade para a questão de gênero. A sociedade e suas regras tradicionais fazem as diferenças mais marcantes entre meninos e meninas. Isso pode ser observado pelos resultados encontrados, que mostram que as meninas evitam a relação sexual mais do que os meninos, há uma diferença de opiniões, sendo que os meninos vêem o ato sexual como certo enquanto as meninas mais como errado. Verifica-se que a questão de gênero atravessa a visão apresentada pelas garotas e rapazes, não se reduzindo à diferenciação biológica do sexo.

Os adolescentes deste estudo vivem em uma área totalmente afastada dos centros urbanos e em condições de extrema pobreza, em uma sociedade predominantemente tradicional, em que prevalece o machismo.

Os resultados encontrados vêm reforçar a importância de considerar o contexto em que vivem adolescentes, para compreender como eles constroem seu modo de pensar e de agir em sociedade, diante de questões vitais, como a saúde, educação, trabalho, lazer, para propor qualquer intervenção que se faça necessária para melhorar a qualidade de vida do grupo em foco.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 08/11/2006
Aprovado em 21/03/2007

 

 

Trabalho realizado no Departamento de Saúde Materno-infantil da Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo e apresentado no 2º Encontro de Pesquisa e Pós-graduação 2006, 21-22 set 2006 na Faculdade de Saúde Pública USP. Subvenção: Companhia Vale do Rio Doce, BNDES, CNPq ( Bolsas PIBIC)

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