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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.21 no.1 São Paulo  2011

 

PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

 

A interferência da asma no cotidiano das crianças

 

The interference of asthma in children's everyday

 

 

Marisa Augusta TrincaI; Isabel M. P. BicudoII; Maria Cecília F. PelicioniIII

IFisioterapeuta. Mestra em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP
IIProfessora Doutora do Departamento de Prática da Faculdade de Saúde Pública da USP
IIIProfessora Associada do Departamento de Prática da Faculdade de Saúde Pública da USP

 

 


RESUMO

A asma é responsável pelo acometimento de grande número de crianças em nosso meio, o que a torna uma das doenças de maior relevância na infância. O objetivo investigar a interferência da asma no cotidiano das crianças e identificar a representação que elas e seus pais fazem da doença. Adotou-se uma metodologia qualitativa capaz de evidenciar, com base na fala dos sujeitos, a Representação Social da doença. Para tanto foram realizadas entrevistas com 45 crianças em idade escolar matriculadas na rede pública da cidade de São Paulo, bem como com seus pais e/ou responsáveis. Na análise foram identificadas as representações sociais dessa população, utilizando-se o Método do Discurso do Sujeito Coletivo. Os resultados desta pesquisa revelaram o conhecimento adequado das interferências da asma no cotidiano da criança, contribuindo para o enfrentamento de suas repercussões negativas e para elaboração de estratégias de promoção da saúde e qualidade de vida dessas crianças. Essas questões quando conhecidas e compreendidas, trazem alertas à equipe médica responsável pela criança asmática, dada a relação intrínseca entre a representação construída da doença pela criança asmática e por seus pais e a maneira como se sente e interage com o mundo e com a sociedade à qual pertence.

Palavras-chave: Asma; promoção da saúde; representação social; criança; escola; qualidade de vida; cotidiano.


ABSTRACT

Asthma afflicts a great number of children in our society which makes it a significant childhood disease. The present study aims at investigating the disruption caused in the children's daily lives by asthma as well as identifying the way the disease is represented by the children and their parents. A qualitative methodology, based on the verbal discourse of the subjects, was chosen to identify the social representation of the pathology. Interviews on the disease were conducted with 45 school children, enrolled in the public schools of São Paulo, together with their parents and/or guardians. Social representations of asthma by this population were identified, using the Collective Subject Discourse Method. The results of the research showed enough knowledge, on the part of the subjects, of the interference of asthma in their children's daily lives, helping them to face the negative effects and elaborate strategies to improve their health and quality of life. Once these issues are known and understood, they provide warnings to the medical team responsible for the asthmatic child, due to the intrinsic nature between the representations of the disease built by the asthmatic child and his parents and the way he feels and interacts with the world around him and the society to which he belongs.

Key words: Asthma; health promotion; social representation; child; school; quality of life; quotidian.


 

 

INTRODUÇÃO

A Asma é uma doença complexa, que provoca alterações no desenvolvimento pessoal da criança e na sua dinâmica familiar e social. A doença é representada de formas distintas nas diferentes sociedades, segundo suas especificidades culturais, sociais e históricas, trazendo uma série de significados, além dos conhecimentos científicos dos profissionais da saúde.

Deve-se pensar o doente e suas relações familiares e sociais, considerando, sob um olhar mais amplo e crítico, o processo saúde-doença, o normal e o patológico, o homem em sua integridade física e mental e a doença como um processo dinâmico entre o ser humano e o seu meio1.

Sendo assim, este trabalho procura investigar a interferência da asma no cotidiano das crianças, identificando e compreendendo a representação que elas fazem sobre a doença, que passa a compor e a definir suas práticas cotidianas como também atua de forma determinada na construção de sua individualidade e representação social.

Identificada há milênios, a asma é uma doença que afeta pessoas de todas as idades, em todas as regiões do mundo, praticamente. Sua denominação deriva do grego - ásthma - que significa sopro curto, ofegante, numa acepção muito próxima desse significado etimológico, originalmente definiu-se a asma como "respiração opressiva e difícil"2.

Segundo o III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma3 "asma é uma doença inflamatória crônica caracterizada por hiper-responsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento (...)". Isso significa que asma é uma inflamação dos brônquios e que o pulmão do asmático precisa de menor quantidade de estímulo para desencadear a inflamação do que o pulmão de um indivíduo normal. A partir daí, começa uma reação em volta dos brônquios, deixando o local de passagem do ar estreito o que leva à limitação do fluxo de ar. É uma doença crônica: não tem cura, porém tem controle, o que permite uma vida normal para os pacientes.

Asma e bronquite são termos popularmente usados para definir a mesma doença. Bronquite é uma inflamação genérica dos pulmões e a asma é a inflamação com características definidas acima, com um quadro que se manifesta com episódios repetidos de tosse, chiado, aperto no peito e falta de ar, principalmente à noite. É resultado da interação entre os fatores genéticos, presentes na família, e exposição ambiental a fatores diversos desencadeantes como poeira, ácaro, mofo, irritantes químicos, mudanças climáticas, infecções e exercício físico, sendo chamados de gatilhos4.

Atualmente, se aceita que a asma tem uma predisposição somática, com fortes indícios de que seja uma alteração geneticamente definida e modulada pelo ambiente; mas a forma pela qual os fatores orgânicos interagem com as influências emocionais, ambientais, familiares e médicas determinando sua gravidade e grau de incapacidade ainda não foi elucidada. Adicionalmente, o senso comum considera a asma como uma doença principalmente "emocional", e isto coincide com conceitos iniciais sobre essa doença.

A precocidade na obtenção do diagnóstico da asma é fundamental e necessária para evitar o aparecimento de complicações no desenvolvimento físico, psicológico e social da criança. Sendo muito complexo e nunca isolado, o diagnóstico da asma deve ser baseado nos achados clínicos, funcionais, alérgicos e diferenciais de outras enfermidades.

O diagnóstico clínico avalia as crises e recorrência de sintomas; o diagnóstico funcional fornece medidas para avaliação da limitação do fluxo aéreo como, a espirometria e pico de fluxo expiratório (PFE); o diagnóstico da alergia identifica a exposição a alérgenos relacionados à asma por meio de testes cutâneos e IgE sérica; e o diagnóstico diferencial avalia algumas condições específicas que podem ser confundidas com asma.

Muitos estudos mostram que 50% a 80% das crianças asmáticas desenvolvem sintomas antes do quinto ano de vida, sendo difícil o diagnóstico clínico nessa faixa etária5. Atualmente, recomenda-se que o manejo dos pacientes seja baseado no grau da gravidade da doença6.

A classificação da gravidade da asma é primordial para seu tratamento e controle. A gravidade não é uma característica fixa do paciente com asma e pode se alterar no decorrer de meses ou anos, recomendando-se avaliação periódica para o estabelecimento do tratamento.

Estima-se que 60% dos casos de asma sejam intermitentes ou persistentes leves, 25% a 30% moderados e 5% a 10% graves, o que apesar de representar a minoria, leva à maior parcela da utilização dos recursos de saúde5.

A variabilidade de sintomas dificulta a realização de estudos sobre a asma devido à falta de uma definição clínica que seja amplamente aceita em estudos epidemiológicos7,8.

De modo geral, as crises são comumente noturnas podendo causar interrupção do sono. As crises diurnas são menos frequentes, contudo algumas vezes podem estar relacionadas com acontecimentos variados, como mudança de temperatura, inalação de odores fortes, choques emocionais, entre outros.

Alguns eventos biofisiológicos já foram identificados para justificar essa característica noturna da doença, entretanto esse fenômeno ainda não está muito esclarecido. Adicionalmente, essa característica noturna pode estar relacionada a fatores de natureza psicológica demonstrando uma relação criança-mãe baseada em forte dependência e superproteção, fazendo com que a criança asmática expresse uma angústia primária relativa ao medo da perda e do abandono ao deitar2.

Por muito tempo, a asma foi considerada uma doença trivial e não fatal, passando, na década de 60, a ser vista como causa de sofrimento humano, de elevados custos financeiros e morte, o que motivou ações conjuntas do governo e de sociedades médicas, visando seu controle9.

Afeta aproximadamente de sete a 10% da população. A estimativa de prevalência média mundial da asma mostrou ser de 11,6% entre escolares (seis e sete anos) e de 13,7% entre adolescentes (treze e catorze anos). No Brasil encontram-se índices elevados, em torno de 20% para as duas faixas etárias, segundo dados do International Study for Asthma and Allergies in Childwood-ISAAC6,10.

Segundo Solé11, o ISAAC foi idealizado para avaliar a prevalência de asma e doenças alérgicas em crianças em diferentes partes do mundo, empregando para tal um método padronizado.

Outro importante estudo, com índices semelhantes aos encontrados no ISAAC, mostra que o Brasil apresenta um dos mais altos índices de ocorrência de uma doença crônica, a asma, que afeta 300 milhões de pessoas no mundo, e a cada ano, mata 250 mil. Esses dados colocam o Brasil em sexto lugar com respeito à proporção de casos confirmados de asma, e em primeiro lugar nos casos suspeitos, possivelmente pela dificuldade de acesso da população a serviços de saúde12.

Muitos gatilhos da asma são fatores completamente independentes da vontade do sujeito. Quando os fatores desencadeantes são identificados e quando é possível afastá-los, melhor o resultado do tratamento. Não se pode subestimar uma crise de asma; independentemente do fator desencadeante, a falta de ar, o chiado e todas as consequências são iguais13.

Pode-se destacar que um dos fatores desencadeantes mais comuns da asma são as infecções virais, as gripes e resfriados; a inflamação pode levar a um aumento na secreção e até mudança da sua cor. Outro fator muito importante é o emocional, pois as situações estressantes podem ocasionar piora da crise tornando difícil o seu controle, além dos alérgenos inaláveis, o exercício físico, as alterações climáticas, a exposição à fumaça e /ou a outros elementos irritantes14.

A adoção de medidas de higiene domiciliar tem a finalidade de criar um ambiente livre de alérgenos que constituem a causa primária de asma, principalmente em crianças.

Utilizar ações educativas e intervenção psicológica associadas às ações médico-farmacológicas da asma constitui uma abordagem pluridisciplinar da doença fundamental para seu tratamento. Assim, Matos e col.15 reforçaram a importância de desenvolver programas de intervenção psicológica que visem à melhora da adaptação da pessoa à realidade da doença, promovendo sua qualidade de vida. Da mesma forma os autores destacaram a necessidade de realizar uma avaliação biopsicossocial, multidimensional considerando capacidades funcionais, aspectos psicológicos/comportamentais e sociais desses doentes, o que permitiria ajustar as intervenções às necessidades de cada paciente.

O tratamento da asma inclui medidas educacionais, fisioterapia respiratória e terapia medicamentosa. Esse protocolo visa diminuir os sintomas, prevenir crises recorrentes e manter a função pulmonar o mais próximo possível do normal6.

Pesquisas recentes mostram que há um desacordo entre as expectativas dos doentes e as ações médicas realizadas, além do inadequado manejo promovido por parte de alguns profissionais de saúde e o impacto que a doença acarreta na vida e nos orçamentos pessoais, institucionais e governamentais16.

Assim, sabe-se que os sintomas e as disfunções causados pela asma interferem no cotidiano de seus portadores, bem como o tratamento adequado quando instituído precocemente, pode controlá-la e permitir ao asmático ter uma vida normal17.

Todos os pacientes com asma e seus familiares devem receber orientações sobre a doença e noções de como eliminar ou controlar os fatores desencadeantes, especialmente os domiciliares e ocupacionais. Devem ser enfatizadas as diferenças entre tratamento sintomático e tratamento de manutenção regular. O paciente deve entender a doença e seu tratamento, e ter um plano de ação escrito para uso em caso de exacerbação dos sintomas. A terapia deve focar de forma especial a redução da inflamação. O tratamento ideal é o que mantém o paciente controlado e estável com a menor dose de medicação possível5.

Segundo Mello-da-Silva18, as condições ambientais são consideradas como importantes fatores determinantes da saúde na infância, e atualmente existe uma preocupação maior com situações desfavoráveis, que podem contribuir para a mortalidade e morbidade infantil. Observar a incidência e prevalência de doenças e utilizar essa informação para desencadear intervenções é uma estratégia bem estabelecida na abordagem geral em Saúde Pública.

Alguns trabalhos mostram que programas educacionais são importantes na repercussão da função respiratória dos pacientes asmáticos, melhora o autocontrole, reduz o absenteísmo escolar, o número de restrição de atividades diárias, o número de visitas em serviços de emergência médica e os distúrbios noturnos. Portanto, devem ser considerados como uma parte importante da rotina de cuidados às crianças com asma19.

A asma implica menor resistência física e em muitas crianças pode-se observar um atraso da maturidade nas relações emocionais, sendo objeto de cuidados exagerados por parte de seus pais, familiares e até dos professores. Essa superproteção tornará a criança mais insegura e ansiosa, facilitando suas crises. Isso geralmente acontece porque os pais não conseguiram resolver o conflito entre dar liberdade para a criança crescer e se desenvolver, ou restringí-la para protegê-la das crises2,20,21.

Segundo Bosi e col.22, é cada vez mais evidente a importância de se conhecer a representação social da família acerca da criança asmática, além de questões referentes ao conhecimento da doença e às repercussões que seu diagnóstico produz nas relações familiares. Aspectos limitadores da asma têm incidência importante também na vida escolar das crianças, e a escola apresenta-se não só como espaço complementar, mas um prolongamento direto ou indireto da família. A preocupação com a saúde da criança é colocada em primeiro plano servindo como desculpa e, dessa forma, a ausência da criança às aulas é aceita sem restrições.

Observa-se que à medida que a escolarização avança, parece haver uma normalização das relações da família com a escola e também há uma remissão do processo asmático, podendo ser decorrente da desdramatização da representação da criança asmática na família22.

Estudar a asma infantil e sua interferência no cotidiano é um desafio decorrente do fato de que a prática profissional de atenção às crianças ainda está respaldada principalmente em aspectos biológicos, ignorando-se as dimensões psicológicas e sociais. Assim, o objetivo é investigar a interferência da asma no cotidiano das crianças e identificar a representação que elas e seus pais fazem da doença.

 

MÉTODO

Foi utilizada a metodologia qualitativa nesta pesquisa, buscando-se identificar as representações sociais, presentes nas falas das crianças.

O método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam23.

Segundo Moscovici24,25, "uma representação social é o senso comum que se tem sobre um determinado tema, onde se incluem também os preconceitos, ideologias e características específicas das atividades cotidianas (sociais e profissionais) das pessoas".

Neste estudo os dados obtidos foram analisados à luz do Discurso do Sujeito Coletivo - DSC, segundo o qual se busca descrever e expressar um determinado posicionamento ou opinião sobre um tema presente numa formação sociocultural26.

O DSC constitui um recurso metodológico que permite a realização de pesquisas de resgate das opiniões coletivas, em que o pensamento, como comportamento discursivo e fato social individualmente internalizado, pode se expressar e é coletado por entrevistas individuais com questões abertas.

Está alicerçado em três figuras metodológicas: as expressões chaves, a idéia central e a ancoragem, sendo necessárias a identificação dessas figuras para que se produzam os DSCs: expressões-chave (E-Ch) são trechos selecionados que melhor descrevem o conteúdo de cada depoimento; ideias centrais (ICs) são fórmulas sintéticas que descrevem o sentido presente nos depoimentos de cada resposta e no conjunto de respostas de diferentes indivíduos com sentido semelhante ou complementar; ancoragens (ACs) são fórmulas sintéticas que descrevem as ideologias, os valores e as crenças presentes na respostas individuais ou agrupadas, sob a forma de afirmações genéricas enquadrando situações específicas. O Discurso do Sujeito Coletivo propriamente dito é a reunião das E-Ch de respostas que têm ICs e/ou ACs de sentido semelhante ou complementar.

A pesquisa típica que usa o DSC é alicerçada em três, quatro ou cinco questões abertas a serem respondidas por uma amostra de população. Na técnica do DSC a qualidade e a quantidade se fundem, gerando o pensamento coletivo como soma qualitativa a ser quantificada.

Inicialmente realizou-se uma visita a todas as classes de 1ª. a 4ª. séries do Ensino Fundamental de uma Escola Estadual da Zona Oeste da cidade de São Paulo, no período matutino e vespertino, com acompanhamento da coordenadora pedagógica quando foram apresentados os objetivos da pesquisa. Foram entrevistadas todas as crianças asmáticas em idade escolar, com autorização prévia dos pais ou responsáveis.

As características das crianças entrevistadas estão apresentadas na tabela 1.

 

 

As entrevistas iniciadas em setembro de 2009 foram realizadas pela pesquisadora em uma Escola de Ensino Fundamental I, da rede pública da cidade de São Paulo, situada na região oeste de São Paulo, após autorização prévia das autoridades competentes. A escolha da região foi decorrente da prevalência da asma em 31% dos escolares com resposta afirmativa à questão sobre sibilância, maior que em outras regiões da cidade, de acordo com o estudo de Casagrande e cols8, sobre a prevalência de asma e fatores de risco da cidade de São Paulo. Hipóteses para a alta prevalência da asma nesta população talvez sejam seu baixo nível socioeconômico e fatores ambientais.

Seguiu-se um roteiro previamente testado com sujeitos que obedeciam aos critérios descritos anteriormente. E todas foram gravadas com a permissão dos entrevistados, mediante preenchimento de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e garantia de sigilo de acordo com as orientações do Comitê de Ética em Pesquisa - COEP/FSP. As gravações foram transcritas literalmente.

Os dados foram analisados com o auxílio do Qualiquantisoft®, o software do DSC (Discurso do Sujeito Coletivo)27, identificando-se as expressões-chave, as ideias centrais e categorizando esses dados, que resultaram no Discurso do Sujeito Coletivo26.

Foram elaboradas questões respondendo aos objetivos de investigar a interferência da asma no cotidiano das crianças e identificar as representações que essas crianças faziam sobre a doença.

No caso das crianças, a pesquisadora optou por utilizar um instrumento facilitador na entrevista. Para isso desenvolveu um flanelógrafo, que é um quadro recoberto com feltro, sobre o qual ilustrações e letreiros podem ser colocados, retirados ou deslocados de sua posição inicial. Foi reproduzido um cenário com paisagem simples, um céu azul com nuvens, chuva, sol e lua removíveis com a presença de uma casa e uma escola, e uma menina ou menino que foram utilizados de acordo com o gênero da criança a ser entrevistada e a pergunta a ser realizada. Foram também disponibilizados outros bonecos, animais, bola, produtos de higiene e sorvete, caso a criança entrevistada quisesse utilizar (Figura 1).

 

 

Utilizando o flanelógrafo a criança conta uma história na terceira pessoa, mas que descreve sua experiência, permite que ela dramatize, exponha ideias difíceis de serem compreendidas e explicadas. Com esse material ela fala livremente sobre outra pessoa, mas mostra os seus sentimentos e representações sobre o que foi perguntado. É uma técnica de projeção, na qual a criança se espelha no personagem e conta a sua história.

O assunto foi apresentado em etapas: a criança identificava o dia a dia em casa, dando conta da primeira questão, depois identificava a escola e falava sobre a segunda questão, obtendo-se respostas satisfatórias. A terceira questão foi feita de maneira direta, e foi observado um desvio nas respostas, apesar do roteiro de entrevistas ter sido pré-testado, as crianças não conseguiram responder a essa questão adequadamente, sendo desconsiderada da pesquisa.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir das falas das crianças obtiveram-se categorias de Ideias centrais apresentadas na tabela 2, em que podem ser vistas as distribuições quantitativas de respostas. Na sequência, são apresentados os Discursos do Sujeito Coletivo obtidos, que representam os resultados qualitativos.

1ª. Pergunta - Estamos vendo uma casa, e esse menino(a) mora nessa casa. Faz de conta que você é esse menino(a). Como é a vida desse menininho(a) que tem asma, de dia e de noite?

Idéia Central A - Vive o cotidiano com e sem crises

DSC

Como eu? De dia eu acordo bem cedo, tomo café da manhã e depois eu arrumo o material rapidinho, leio um livro antes de ir para escola e vou pra escola. Quando eu chego em casa, já faço minha lição e vou jantar, assisto um pouco de TV, escovo os dentes e vou dormir.

À noite, às vezes, quando eu deito é muito ruim, eu não consigo respirar, tem que ficar com a cama assim, com a cabeça prá fora pra poder respirar, aí depois eu viro prá parede e durmo, é muito ruim dormir, eu durmo tarde demais por causa disso, e eu coloco rinossoro no nariz, melhora e eu durmo.

Eu faço artes marciais, e aí às vezes eu peço pro professor se eu posso parar, ele dá um tempo pra gente descansar, eu também faço natação e me ajuda, porque abre os brônquios.

Idéia Central B - Vive o cotidiano, mas...

DSC

Quando é de dia eu tô brincando com meu irmão, jogando futebol, aí se eu tô cansado eu sento, porque ele sempre faz gol em mim, quando eu dou muita risada também eu tusso e canso.

Ele não pode brincar com os colegas porque senão ele pode passar a asma prá alguém. E ele brinca sem ninguém e aí só com os pais dele, e ele não pode falar muito perto das pessoas e nem abraçar ninguém, nem beijar nem nada.

Se tiver febre ele fica em casa triste e se não tiver, fica alegre brincando com os amigos dele, de esconde-esconde, de pega-pega, sobe na árvore para se esconder, e se chove e ele brinca na chuva, aí ele fica doente, fica com falta de ar.

Ele vai brincando e fica cansado, aí uma hora ela tem que parar pra ir lá em casa fazer inalação. Tem uma rampa lá na casa dele que ele começa andar e já fica cansado, aí ele anda, e já fica cansado.

Idéia Central C - Vive o cotidiano até...

DSC

Eu chego, brinco com meus colegas que me chamam, aí depois que eu brinco, eu chego e faço a lição de casa, tomo banho, janto, assisto um pouco de TV e vou dormir. Quando tá frio, aí ataca de noite e aí eu fico com falta de ar, fico cansado rápido, a gente fica dentro de casa assistindo televisão.

Quando eu to com asma eu não saio de casa, fico deitado todo o dia, não dá apetite de comer porque eu fico com falta de ar e não consigo me levantar, no dia que eu não to, eu saio, eu passeio.

À noite, tem que colocar um monte de travesseiro pra dormir bem, porque senão, não consegue.

O dia desse menino, quando sai de casa, que tá com asma, não consegue jogar bola, não consegue correr, não consegue fazer um monte de coisa, nem tomar sorvete, que tem vontade e é muito ruim isso, e quando vai encontrar os amigos dele, não pode porque tá com asma e se ele correr, cansa e fica com a respiração muito ruim, pior do que ela já tava.

Idéia Central D - Controle do meio pelos pais e/ou pela própria criança

DSC

A casa dele é pequenininha demais, e parece que pra mim é um pouco abafado, eu não gosto, então eu tenho que sair, ir na rua, é muito apertado, eu cheguei em casa e tive que respirar com a boca e não com o nariz.

Sabe, na minha casa agora, mudou o sofá de lugar que tava perto da janela e tinha muito pó, trocaram as colchas, lavamos os brinquedos de pelúcia, tudo que é de pêlo lavaram com água morna, tiraram as teias de aranhas que ficavam lá em cima, até em mim colocaram um pano no meu nariz pra eu não sentir nada.

Eu tenho muita alergia a animais que tem pelos, vamos supor, gato, cachorro, ai eu fico com tosse, coçando e espirrando, e a minha mãe fica triste porque eu não posso correr e nem ter bichinho em casa, e eu também às vezes fico triste, sei lá, tá na moda todo mundo ter um gatinho, um cachorrinho, e eu não tenho porque eu tenho asma e é por isso que eu queria sarar.

Às vezes quando eu tomo sorvete, eu fico tossindo muito e chiando porque é gelado, e refrigerante eu posso, mas só se for sem gelo, às vezes minha madrinha compra refrigerante gelado e minha mãe põe no microondas pra mim. E também quando está chovendo, ele não pode ficar na chuva, porque ele pega resfriado, e tem que andar sempre de guarda chuva ou de carro pra não molhar ele, e no sol ele fica bem melhor.

No outro dia, tava reformando a minha casa, e fica muito difícil pra mim, eu tive até que dormir na cada da minha tia. E também, a coisa mais difícil de eu sobreviver em casa é que meu pai fuma e ataca a asma.

Idéia Central E - Providências relativas à doença

DSC

Ele levanta de manhã, ai que dia lindo, cof cof cof, não to me sentindo bem. Aí a mãe vai tirar a febre, aí dá remedinho prá garganta se tá vermelha, dá remédio da febre, e espera baixar, aí fica deitadinho descansando porque não pode ficar saindo muito por causa do vento, que pode ficar mais doente, não pode fazer muito exercício porque o peito pode ficar cheio, não pode correr muito porque o peito pode ficar chiando.

Quando eu fico com asma eu falo pra minha mãe ai ela me leva lá no hospital, a doutor vê o peito, o nariz, a boca, os olhinhos, vê o que ela tem, fala pra mãe, sempre pede inalação, toma o remédio porque tá com febre, aí descansa, deita, depois faz mais inalação, depois vai lá pro doutor pra ver se tá bem, se o doutor falar que não tá bem, aí pode ser que fica internado, ou pode ser que fique de observação, se ele tiver bem, pode ir pra casa, mas tem que ficar cinco dias em casa, caso piore tem que voltar, mas ele vai ta melhor porque obedeceu o médico, tudo o que ele pediu e ficou melhor. Às vezes eu acordo de noite, aí eu começo a tossir muito, aí a minha mãe me leva pro hospital, tem vez que eu fico internado e é ruim.

Quando eu tô com o peito cansado e a minha mãe não tá em casa, eu tenho que ligar pra ela ou pra minha vó prá ela vim.

O discurso mais significativo é o que evidencia, na opinião das crianças entrevistadas, que ela vive o cotidiano até ter crise respiratória (categoria C: 35,56%). Elas descrevem as atividades de vida diária simples e as alterações da rotina quando apresentam os sintomas de asma, as suas limitações, suas dificuldades e angústias principalmente à noite, período de maior frequência das crises.

Outro discurso significativo refere-se às providências relativas à doença (categoria E: 33,33%). Observa-se não só a responsabilidade transferida a essa criança quanto ao reconhecimento de situações nefastas para seu quadro asmático, ao autocuidado e atitudes em situações de perigo, como também se ela costuma pedir ajuda não subestimando seus sintomas e como ela costuma fazer isso. Percebe-se que elas conseguem lidar facilmente com situações de estresse que a doença provoca pelo quadro sufocante, mostrando que a autorização, ou seja, o apoio dado pela família proporciona um desenvolvimento psicoemocional positivo.

De acordo com as crianças entrevistadas, um discurso com porcentagem próxima dos anteriores, diz que esse grupo vive o cotidiano com e sem crises (categoria A: 31,11%), falaram da rotina diária, das interferências nas crises, as limitações nas atividades esportivas, porém não dramatizavam muito, enfatizando mais o período noturno como difícil e ruim.

Ainda com porcentagem próxima (categoria B: 26,67%), pouco mais de um quarto, tem seu cotidiano prejudicado pela interferência de algumas situações, como jogar futebol, subir rampa, rir muito, revelando um sentimento de tristeza por essas limitações. Chama ainda atenção no discurso, a falta de informação em relação à doença, mostrando uma crença ou fantasia de que a asma pode ser contagiosa para as pessoas.

No discurso em que falam do controle do meio pelos pais e/ou pelas próprias crianças (categoria D: 22,22%), relatam sensações físicas e emocionais desagradáveis de um ambiente que não é propício ao alérgico, percebe-se um descontentamento maior com o lar, além de algumas situações mais graves como em relação à piora da asma pelo fumo dos pais em casa e outras limitantes com uma sequência de "não pode isso ou aquilo".

2ª. Pergunta - Agora estamos vendo uma escola, e esse menino(a) estuda nessa escola. Faz de conta que você é esse menino(a). Como é a vida desse menininho(a) que tem asma, na escola?

 

 

Idéia Central A - Rotina escolar alterada com e sem crises

DSC

Às vezes quando eu chego lá, pra subir a rampa da garagem, eu me canso muito, aí vou pra sala de aula, bate o sinal e eu não sinto nada porque eu fiquei sentado, mas fico tossindo na aula toda, e pra ir tomar água e ir ao banheiro, tem que descer a escada bem devagar, porque senão cansa, e fica muito ruim, e pra ir pro pátio também tem que descer muito devagar.

Na educação física ele faz aula, fica fazendo esporte e cansa, quando eu corro muito fico cansado, só mais tarde é que eu consigo melhorar, aí eu tomo água, descanso um pouco, às vezes eu volto prá casa.

Na escola ele estuda e quer ficar na última carteira, bem longe de todo mundo, senão ele passa a doença e é muito ruim prá ele isso.

Tudo isso eu falei do menino e só que tudo isso acontece comigo.

E você pode repetir o ano, se faltar muito. Ele falta quando tem febre e também quando tem uma emergência, quando vai pro hospital, quando ta com crise, e atrapalha muito porque fica com muita falta de ar, daí ele vai estudar, ele fica sempre espirrando e ai a professora diz que tem que falar com o pai dele.

Idéia Central B - Rotina escolar alterada quando tem crise

DSC

Às vezes o dia dele é muito bom, quando não tem asma, porque quando tem asma, aparece de repente, é muito ruim.

Ele não vai pra escola quando tem asma, é ruim porque atrapalha fazer a lição, ficar com as pessoas, brincar com os amigos, não tem lanchinho na escola. Às vezes eu venho pra escola com asma e eu fico com falta de ar, não dá pra prestar atenção na aula, em quase nada, porque eu fico com vontade de ir embora logo, porque dá um mal estar, e quando eu to ruim mesmo eu nem venho, a minha mãe me leva no médico, e eu fico em casa e nem venho pra escola, e é ruim, eu perco bastante matéria.

Quando não tá com asma ele joga bola na escola, faz lição, brinca no recreio, come a comida da escola, brinca de pega-pega, de jogar bola na quadra, fica se escondendo pra ninguém bater nele na brincadeira.

Aí você chega na escola e fica com asma, aí tem que ligar pro seus pais vim te buscar.

E no dia que ta com a crise, não da pra brincar porque fica cansado, tenho que ficar parando, e aí eu fico demorando e aí todo mundo não gosta que eu fico no time. É assim, eu brinco, mas aí quando tem corrida eles não querem que eu fico mais, porque eu demoro muito e é muito ruim.

Idéia Central C - Rotina familiar alterada

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Aí também a minha mãe falou que eu não posso mexer com produto de limpeza, por causa que ataca minha rinite e minha asma, e também se ele ficar perto de animais ou qualquer coisa com pelo.

Idéia Central D - Não interfere na rotina escolar

DSC

Ele vai lá na quadra e espera a professora dele chegar, estuda muito, aí dá a hora do recreio e toma o lanche, vai pra sala na aula de matemática aí ele vai embora.

Aí eu to lá estudando e a professora tá lá falando pros alunos que vai ler uma história e todo mundo tem que ficar quietinho.

Aí tem dia que é a professora de artes e a gente volta a estudar depois do recreio.

No discurso mais expressivo, as crianças entrevistadas relatam que a rotina escolar fica alterada quando elas têm crise (categoria B: 57,78%). Falam sobre as atividades cotidianas simples na escola, seu universo social e que com as crises ele é modificado. Não gostam de faltar à escola, relatam que isso atrapalha no acompanhamento do conteúdo pedagógico, no seu convívio social com os amigos, pois a criança é obrigada a ficar em casa para se submeter aos cuidados necessários em momento de crise.

Outro discurso significativo refere-se à rotina escolar alterada com e sem crises (categoria A: 37,78%). As crianças falam das interferências da asma mesmo sem a crise e que permeiam seu cotidiano escolar trazendo algumas limitações, por exemplo: já na entrada da escola que tem uma rampa, provocando cansaço. Também aparece nesse discurso o medo de transmitir a asma aos colegas, justificando às vezes o seu isolamento. Ela evita situações nas quais pode mostrar mais suas dificuldades, como rir muito, correr demais, entre outras. Também não gosta de faltar na escola por causa das crises, tem medo de ser reprovada e isso é mais um motivo para se sentir derrotada.

O discurso que mostra a rotina familiar alterada na opinião das crianças entrevistadas (categoria C: 13,33%) refere-se aos cuidados orientados pela mãe para evitar fatores desencadeantes.

Uma porcentagem pequena (categoria D: 4,44%), relata no discurso que não existe interferência na rotina escolar apesar do diagnóstico devido às manifestações mais leves da doença, pois a criança apenas fala de rotina simples do dia, sem alterações nessa rotina.

As crianças fizeram referência à asma nos discursos como falta de ar, como "um sufoco". Como causas prováveis para o desencadeamento da doença, citam as gripes mal curadas, friagem ou mudanças do clima, além de condições inadequadas de moradia.

Medidas adequadas de educação e promoção da saúde poderão permitir a redução do número de crises a que as crianças estão sujeitas no seu cotidiano, bem como a superação da asma como doença crônica e limitante.

De acordo com a Carta de Ottawa divulgada em 1984, promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle desse processo. Para atingir um estado de completo bem estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida e não como objeto de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde e vai para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem estar global28.

A crise asmática é chamada geralmente nos discursos das crianças como "ataque", "estou atacado", revelando a sensação de algo muito negativo, sério e grave, colocando-os sempre em estado de alerta.

Os fatores desencadeantes são frequentemente os vilões, e tentar controlá-los dão-lhes a sensação de poder controlar a crise asmática, com atitudes ativas, o que traz conforto para os cuidadores e crianças. Verifica-se nesse momento a fragilidade desse indivíduo, que a qualquer momento poderá ficar doente, e a representação da criança asmática também é vista pela família como frágil. À medida que ela cresce, fica mais velha e resistente, torna-se mais forte e as crises de asma diminuem, esse discurso é bastante presente na fala de algumas crianças.

Elas enfatizam em seus depoimentos os momentos de crise e que o sofrimento é maior à noite. A falta de ar, as dificuldades e as angústias deixam-nas fragilizadas, com medo de novas crises. Mas, também aparece nos discursos, providências que as crianças tomam em relação à doença, e esse fortalecimento, que a torna capaz dessas iniciativas, se deve a uma provável maturidade emocional, que só se tornou possível por ela não ter sido privada de experiências próprias para sua idade. Essa privação é bastante comum, tornando-a comumente objeto de cuidados e de superproteção pela família.

A criança fala com frequência das suas dificuldades de relacionamento social com os amigos, onde há um autoisolamento para se proteger e não expor suas limitações, ou elas são isoladas pelos amigos em determinadas situações em que as interferências da asma estão mais evidentes, principalmente nas atividades físicas e recreativas, bastante frequentes nessa fase da vida, sendo o seu principal meio socializador e quando acontece a criação de vínculos com os amigos e a construção de sua identidade.

Também aparece citado nos discursos, a impossibilidade da criança viver situações agradáveis, realizar coisas de que gosta, pois os pais querem protegê-la. Com isto causam-lhe um sentimento de tristeza, uma vez que não podem rir muito, correr muito, brincar muito, tomar sorvete, chuva, sol, enfim tudo o que uma criança gosta de experimentar. Algumas crianças vivem o cotidiano sem dar importância aos sintomas, ficam cansadas, e parecem querer vencer a doença; ou subestimam a sua gravidade e muitas vezes ainda, não estão devidamente informadas e/ou não possuem um controle adequado da doença. Isso constitui um perigo, pois é necessário dar atenção aos sintomas.

Quanto à ampliação do espaço social da criança, a permanência delas em creches e outras instituições e sua adaptação à convivência com outras crianças, professores e cuidadores ocorre de forma prematura em virtude dos compromissos de trabalho dos pais. As crianças são mais frágeis quando têm pouca idade, estão mais expostas a fatores que podem desencadear enfermidades como a asma, o que pode levar a um descompasso em seu desenvolvimento psicossocial.

O relacionamento social com os amigos está baseado em geral em um sentimento de inferioridade, em que tanto a criança como seus amigos consideram a asma como uma doença limitante, uma vez que apresenta situações do cotidiano, constantes ou não, que revelam fraqueza, em atividades que exigem muito esforço físico como o futebol ou educação física, impedindo com isso que os vínculos sociais sejam fortalecidos.

Os resultados da pesquisa mostraram claramente que a asma interfere no cotidiano das crianças portadoras, seja em casa, na escola ou em outros espaços de convivência. Essas interferências apresentam-se no seu dia a dia de modo mais intenso ou mais leve, física, emocional e socialmente.

Na visão da criança asmática a crise representa grande sofrimento. Elas se sentem fragilizadas, principalmente pela característica noturna dessas crises, as quais geram insegurança e angústia. As crianças também associam o sofrimento às limitações sociais impostas pela doença. Algumas se apropriam da condição de asmática e evidenciam maturidade emocional suficiente para produzir um fortalecimento que lhe permite tomar providências ao menor indício de sintomas e dessa forma impedem o agravamento da crise. Por outro lado, outras crianças mostraram imaturidade em relação à doença e com isso não conseguem determinar a asma dentro das suas potencialidades de risco, o que acaba por gerar uma situação de perigo.

Verificou-se também que crianças na idade escolar estudada, apresentam uma remissão das crises de asma, havendo uma fase de transição entre a ausência das crises com os sentimentos de alívio, felicidade e agradecimento, enquanto permeia ainda, o medo do retorno do sofrimento causado pelas crises e limitações da asma. Porém, aos poucos vão se sentindo mais confiantes, uma vez que adquiriram conhecimentos básicos referentes à doença e aos procedimentos para seu controle.

Nessa fase da vida, inicia-se o aumento das relações sociais e constata-se, na maioria das vezes, uma normalização e incorporação da asma na vida dessas crianças, à medida que eles se sentem seguras e descobrem que é possível conviver bem com a doença, se todas as medidas de prevenção e promoção da saúde forem tomadas.

 

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Recebido em: 08/ago./10
Modificado em: 16/nov./10
Aceito em: 22/dez./10

 

 

* Esse artigo é parte da dissertação de mestrado denominada "A interferência da asma no cotidiano das crianças", defendida em São Paulo na Faculdade de Saúde Pública-FSP da Universidade de São Paulo-USP, em 2010

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