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Mudanças

versão impressa ISSN 0104-3269versão On-line ISSN 2176-1019

Mudanças vol.28 no.2 São Paulo jul./dez. 2020

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

 

Violência contra crianças na atenção primária à saúde: uma proposta de matriciamento

 

Violence against children in primary health care: a matrix support proposal

 

 

Mitlene Kaline Bernardo BatistaI; Túlio Romério Lopes QuirinoII; Maria Vanessa da SilvaIII

IPsicóloga (UFPE). Mestranda em Psicologia (UPE). Especialista em Saúde da Família. Terapeuta Comunitária, Educadora Popular em Saúde e Psicóloga no Município do Paulista, PE
IIDoutor em Psicologia (UFPE). Mestrando em Saúde Coletiva (ISC/UFBA). Chefe da Divisão de Educação na Saúde, Secretaria de Saúde do Recife, PE
IIINutricionista. Especialista em Saúde da Família. Apoiadora institucional da Gerência da Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde do Jaboatão dos Guararapes, PE

 

 


RESUMO

O artigo visa debater uma proposta de matriciamento sobre a temática "Violência contra Crianças" voltada para profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF), como forma de prevenção e construção de estratégias de enfrentamento. Método: trata-se de um relato de experiência. Como eixo norteador da intervenção, foram realizadas oficinas temáticas junto a profissionais de três equipes de ESF, no município de Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco. Resultados: são destacadas duas dimensões para apreciação da experiência: a primeira considera os efeitos da intervenção proposta, destacando suas ressonâncias e possibilidades de transformação nas equipes; a segunda reflete as dificuldades enfrentadas, indicando as limitações e desafios. Conclusão: a maioria dos profissionais se sente despreparada para lidar com a violência presente no território. É necessário que iniciativas educacionais, como a proposta, sejam desenvolvidas sobre o tema, visando a qualificação das equipes. Apontamos o uso das oficinas como ferramenta estratégica para o Apoio Matricial.

Palavras-chave: Maus-tratos infantis; Atenção Primária à Saúde; Educação Profissional em saúde pública.


ABSTRACT

The article aims to debate a proposal for enrollment on the theme "Violence against Children" aimed at professionals of the Family Health Strategy (ESF), as a way of preventing and building coping strategies. Method: this is an experience report. As the northern axis of the intervention, thematic workshops were held with professionals from three ESF teams, in the municipality of Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco. Results: two dimensions are highlighted for the appreciation of the experience: a first consideration of the effects of the proposed intervention, highlighting its resonances and possibilities of transformation in the teams; the second reflection as difficulties faced, specify as limitations and challenges. Conclusion: most professionals feel unprepared to deal with the violence present in the territory. It is necessary that educational initiatives, as a proposal, be developed on the theme, allow the qualification of the teams. We point out the use of workshops as a strategic tool for Matrix Support.

Keywords: Child abuse; Primary Health Care; Professional education in public health.


 

 

Introdução

A violência contra crianças e adolescentes constitui um grave problema social que carece de atenção e preocupação estatal na formulação de estratégias voltadas ao seu enfrentamento (Rolim, Moreira, Gondim, Paz & Vieira, 2014). A publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, já sinalizava a necessidade de dispositivos que subsidiassem a tomada de decisão e o desenvolvimento de ações visando impedir a ocorrência de novos episódios de violência contra estes sujeitos, tendo em vista os efeitos nocivos que tais situações acarretam em sua vida e no seu processo de desenvolvimento (Brasil, 2015).

Apesar da existência do ECA, denotam-se poucos avanços neste sentido no plano nacional, não sendo incomum a observância de casos de violência contra crianças e adolescentes. Destaque especial se deve dar aos locais de ocorrência destes episódios, bem como aos seus principais autores, já que é no seio familiar, no próprio local de residência das vítimas, que os atos de violência são sofridos, perpetrados por pais/mães, irmãos/irmãs, tios/tias e avós (Nunes, Sarti & Ohara, 2009).

A complexidade do problema demanda esforços de diferentes frentes para conceder soluções viáveis. A articulação intersetorial é um caminho necessário, indicando a importância de envolver em rede diferentes atores sociais na abordagem à violência. No âmbito das políticas públicas, é preciso que educação, saúde, justiça e assistência social estejam interarticuladas para que a continuidade e integralidade das intervenções possibilitem o acompanhamento e resolução do problema (Lima, Costa, Brigas, Santana, Alves, Nascimento & Silva, 2011).

No campo da saúde, a Atenção Primária à Saúde (APS) constitui um dos principais componentes desta rede, visto que é a principal porta de entrada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Um dos principais dispositivos da APS, no Brasil, são as Unidades de Saúde da Família (USF), as quais, por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), permitem uma resposta/atuação da saúde pública mais próxima à questão da violência em sua dimensão territorial, tendo em vista a centralidade da família e a abordagem comunitária (Margarido, Próspero & Grillo, 2013).

No contexto da Saúde da Família (SF), os vínculos estabelecidos entre profissionais e usuários facilitam a identificação, intervenção e acompanhamento das situações de violência. Entretanto, alguns estudos têm demonstrado o quanto os profissionais das USF estão despreparados para lidar com esta questão que se apresenta nos territórios (Gebara, Lourenço & Ronzani, 2013; Costa, Reichert, França, Collet & Reichert, 2015; Trabbold, Caleiro, Cunha & Guerra, 2016). Alguns desafios que precisam ser superados referem-se ao medo, à insegurança e às fragilidades da rede assistencial (Lobato, Moraes & Nascimento, 2012).

Considerando estas questões, uma das autoras deste trabalho, inserida no cotidiano da APS, no município de Jaboatão dos Guararapes/PE, como psicóloga residente, pode observar o quanto eram escassas, entre as equipes de SF, as discussões sobre a violência contra crianças. Quando tais equipes se deparavam com algum caso nesta direção, os profissionais enfrentavam desafios e dificuldades para lidar com ele. Durante a vivência naquele território, foi possível identificar também o desconhecimento da rede socioassistencial e de suporte local, e, como consequência, a falta de articulação entre ela.

Com base nisto, apresentamos a proposta deste artigo, o qual resulta de uma experiência de intervenção em saúde no âmbito da APS. O objetivo consiste em debater uma proposta de matriciamento sobre a temática "Violência contra Crianças" voltada para profissionais da ESF, como forma de prevenção e construção de estratégias de enfrentamento a esta problemática, tomando por base os contextos singulares.

 

Método

Este trabalho configura-se como relato de experiência de uma proposta de intervenção em saúde realizada com profissionais da ESF de Jaboatão dos Guararapes/PE, desenvolvida com o propósito de discutir a temática da violência contra crianças no território.

Para propiciar uma reflexão coletiva sobre o assunto, abrindo espaços de diálogo e construção de saberes, optamos pela diretriz da Educação Permanente em Saúde (EPS) como eixo norteador da intervenção. A EPS caracteriza-se por uma estrutura inovadora de ensino-aprendizagem, essencialmente devido ao vértice da educação problematizadora e do uso de metodologias ativas de ensino (Signor, Silva, Gomes, Ribeiro, Kessler, Weiller & Peserico, 2015).

Uma das formas de operar a EPS no cotidiano das equipes de saúde se dá no exercício do Apoio Matricial (AM), ou, nos mais comumente referidos, espaços de matriciamento promovidos entre as equipes de referência. Trata-se de um processo de construção do conhecimento de forma compartilhada, que objetiva oferecer suporte clínico-especializado às equipes apoiadas, dentre elas a ESF (Machado & Camatta, 2013).

O AM constitui-se, então, como uma ferramenta que altera a lógica de funcionamento das equipes de saúde com foco no trabalho colaborativo e participativo (Campos & Domitti, 2007).Possibilita também o fortalecimento do compromisso dos profissionais com a produção de saúde e com a condução dos casos, reduzindo o excesso de encaminhamentos e fortalecendo a corresponsabilização pelos processos de cuidado. Isso contribui para o crescimento da interdisciplinaridade, rompendo com as ações fragmentadas e verticalizadas, oriundas do modelo biomédico de atenção à saúde (Machado & Camatta, 2013).

Como estratégia de EPS, e aposta na operacionalização do AM, escolhemos trabalhar com oficinas temáticas, por estas contribuírem para a formação de espaços de discussão com potencial crítico, permitindo a exposição de argumentos, opiniões e posicionamentos (Spink, Menegon & Medrado, 2014), e facilitando na sensibilização, conscientização e mobilização dos participantes para o enfrentamento de situações problemáticas (Salci, Maceno, Rozza, Silva, Boehs & Heidemann, 2013).

Com base nisto e em observância aos objetivos propostos, realizamos três oficinas junto a profissionais de três equipes de Saúde da Família (eSF) da Regional III do município destacado. Vale salientar que as três eSF foram escolhidas devido à inserção de uma das autoras como profissional residente neste contexto. As equipes participantes compõem duas diferentes USF. O Quadro I expõe, para cada oficina, o quantitativo de participantes e suas respectivas categorias profissionais.

As oficinas foram realizadas em três momentos diferentes, sendo desenvolvidos encontros semanais durante o mês de outubro de 2017. As atividades ocorreram em uma sala de práticas coletivas de uma das USF envolvidas. Cada encontro teve duração aproximada de duas horas. Para (co)facilitar as vivências, contamos com a participação de outra profissional-residente em SF, a qual auxiliou na condução e registro das atividades.

Durante a realização das oficinas foram utilizados diferentes dispositivos (desenhos, fotos, vídeos etc.). Por meio da escrita de Diários de Campo (DC), realizamos o registro dos encontros que foram redigidos pela facilitadora, em diálogo com a (co)facilitadora. Os diários foram se construindo por meio das observações e inquietações que emergiam dos momentos partilhados com os profissionais. Os registros dos DC reverberaram na produção de sentidos do que foi observado durante as atividades que se processavam, constituindo assim, um importante material de análise.

Os temas abordados nas oficinas envolveram elementos tensionadores associados à "Violência contra Crianças", abarcando: tipos de violência, formas de identificação, a notificação dos casos, estratégias de promoção da saúde e prevenção dos agravos, entre outros. Os Quadros II, III e IV, dispostos a seguir, sintetizam as principais informações referentes ao planejamento e desenvolvimento das mesmas, esboçando para cada uma: o tema trabalhado, o objetivo, elemento disparador e os produtos derivados.

Na primeira oficina (Quadro II) o tema trabalhado permeou a aproximação dos profissionais de saúde ao tema da violência no contexto da APS. Com o objetivo de gerar reflexões e instigar os participantes a falarem sobre suas opiniões referentes à temática, foi construído de modo participativo o "varal da violência", mobilizando a produção de desenhos e/ou recortes de jornais/revistas respondendo à seguinte indagação: "O que é para você a violência contra a criança?". A partir dessas produções foi possível conhecer o que o grupo entendia sobre o assunto e os posicionamentos de cada um frente a esta problemática.

A segunda oficina (Quadro III) ocorreu uma semana após a primeira, teve como tema: "Construindo estratégias de prevenção/enfrentamento da violência contra crianças". Inicialmente, foi realizada uma discussão em grupo sobre a ficha de notificação, tomando-a como um dos principais instrumentos para o enfrentamento da violência. Em seguida, os participantes foram divididos em pequenos grupos. Para cada equipe foi distribuído um estudo de caso abordando crianças em situação de violência.

A partir dos casos, os grupos tiveram que responder aos seguintes questionamentos: "Quais são os encaminhamentos necessários para a resolução da situação apresentada? Como a ficha de notificação deve ser preenchida?". Cada equipe, após a discussão, apresentou para todo o grupo os respectivos casos e as resoluções definidas. Como fechamento, foi realizada uma apresentação sobre a ficha de notificação, o fluxo seguido no município, e outras estratégias de prevenção da violência.

A terceira e última oficina (Quadro IV) abordou o tema "Reflexões sobre a rede de atenção à saúde voltada para as crianças em situação de violência - Discutindo a Linha de Cuidados local". Nesta oficina contamos com a participação de um representante da Vara da Infância do município de Jaboatão dos Guararapes.

Inicialmente, foi realizada uma roda de conversa sobre a composição da Rede local de Atenção à Criança em Situação de Violência. Em seguida, foi escolhido, coletivamente, um dentre os casos discutidos na oficina anterior, para debater os equipamentos da rede que precisavam ser acionados para solucionar suas demandas. Concomitantemente, foi desenhada com o auxílio de um quadro branco, os equipamentos listados pelo grupo, compondo assim, ao final, um esboço da referida rede.

À medida que os serviços foram abordados, também se debatiam as relações que a USF estabelecia até aquele momento com estes dispositivos, tencionando as dificuldades, bem como as possibilidades de aproximação. Ao final, foi realizada uma apresentação da composição desta rede, com a participação de um profissional da Vara da infância do município.

Considerando a experiência descrita, e tendo como base o objetivo deste artigo, ao apresentarmos os resultados e discussões, teremos como foco demonstrar os efeitos positivos e as limitações da proposta de matriciamento desenvolvida, fornecendo uma visão ampla e detalhada do processo.

 

Resultados e Discussão

Analisando Ressonâncias: sobre a positividade da intervenção

A intervenção realizada desencadeou vários efeitos positivos, a começar pela própria oportunidade de promover encontros para a discussão e abordagem da temática na APS, tendo em vista seu pouco reconhecimento como questão a ser tratada pela saúde, sendo mais bem identificada como passível de intervenções por outros setores como a Justiça e a Assistência Social (Gebara, Lourenço & Ronzani, 2013).Alguns estudos revelam as dificuldades que os profissionais da ESF têm em identificar os casos de violência infantil e o quanto esse assunto ainda é pouco discutido nas USF (Gebara, Lourenço & Ronzani, 2013; Egry, Apostólico, Morais & Lisboa, 2017).

Observou-se que durante as oficinas boa parte dos profissionais presentes afirmou nunca ter participado de espaços de matriciamento sobre a questão. Referiram, ainda, que no quesito violência, fala-se mais facilmente sobre a violência contra a mulher. Acreditamos que este fato possa ter contribuído para a boa adesão dos profissionais à proposta, tendo em vista que houve um considerável número de participantes nas três oficinas realizadas.

Outro ponto positivo diz respeito à possibilidade de traçar intervenções práticas desde o território, ao trazer à proximidade dos profissionais a realidade da violência como algo que está ali ao redor, mas que é cotidianamente silenciada e negligenciada.

Uma das intervenções mais destacadas durante as oficinas foi o preenchimento da ficha de notificação dos casos suspeitos ou confirmados de violência infantil, como forma de torná-los mais visíveis e desenvolver estratégias em rede para o cuidado dessas crianças. Contudo, a maioria dos profissionais mencionou desconhecer este instrumento de notificação, e chegou associar a ficha como um ato de denúncia, reafirmando o que muitos estudos vêm mostrando na literatura (Rolim, Moreira, Gondim, Paz & Vieira, 2014); Lima et al., 2011; Gonçalves & Ferreira, 2002).

O medo de envolvimento legal nos casos, as fragilidades na formação acadêmica e na rede de apoio do município, assim como a ausência de proteção aos profissionais envolvidos no acompanhamento dos casos são alguns exemplos que envolvem o baixo índice de notificação dos casos de violência contra crianças em todo o país (Moreira, Vieira, Deslandes, Pordeus, Gama & Brilhante, 2014).Com a proposta de matriciamento pudemos discutir com os profissionais sobre estas questões, fazendo-os ressignificar o importante papel da notificação e desconstrução da noção de denúncia.

Os produtos que derivaram de cada oficina, em particular, revelaram-se potentes em promover transformações nas dinâmicas de atuação das equipes envolvidas frente à temática, desde a produção de sentidos sobre ela, às implicações que a violência contra a criança traz para o território de referência e para a dinâmica do trabalho. Além disso, destaca-se a importância e o treinamento da notificação, a partir não apenas da apresentação da ficha como também dos esclarecimentos sobre como preenchê-la e a responsabilidade que cada um/a tem no enfrentamento à violência.

Ademais, também, ressaltamos a produção de estratégias de enfrentamento à questão no território, por meio do levantamento de possibilidades interventivas, ações práticas e articulações intersetoriais, provocando a ativação da rede local de proteção às crianças vítimas de violência e a construção de uma linha de cuidados.

De maneira mais direta, observamos o agendamento de um espaço de reunião entre diferentes atores da rede (ESF, Conselho Tutelar, equipes da assistência social etc.), provocado tanto por uma das autoras deste relato, como psicóloga-residente, mas também pelas inquietações dos profissionais derivadas dos encontros nas oficinas. Talvez esta inquietação seja, afinal, o produto mais valioso, pois esse "Vamos nos encontrar!" revela uma disponibilidade, uma disposição, um desejo de fazer, mas também significa que conseguimos pautar o tema, que ele foi tratado como algo importante e que os profissionais reconhecem a necessidade de atenção.

Dessa forma, outra ressonância se deu pela possibilidade de fortalecimento da rede intersetorial e de potencializar ações coletivas, com a aproximação e envolvimento dos diferentes atores/atrizes que compõem a rede, sinalizando um primeiro passo à efetivação de uma linha de cuidados voltada à questão da violência contra crianças.

Por fim, a própria validação da proposta deste conjunto de oficinas como continuum de discussões que se atualizavam a cada encontro, ao introduzir outros elementos à problematização, constitui um importante resultado, fazendo os profissionais refletirem sobre: os sentidos sobre violência contra crianças e o papel da APS no seu enfrentamento; as ferramentas existentes para a sua prevenção; e, o reconhecimento de que um problema tão complexo precisa ser enfrentado também com ações complexas e conectadas em rede.

Visibilizando dificuldades: limitações e desafios a enfrentar

Como dificuldades e limitações da proposta, ressaltamos alguns pontos, dentre eles o curto espaço de tempo para desenvolver a temática - tanto pela organização do trabalho no cotidiano da APS, como também pela duração do curso de residência multiprofissional do qual a proposta foi originada; e a disponibilidade de espaço físico/infraestrutura restrito/a na USF, que ocasionou certo impacto no desenvolvimento das atividades previstas, principalmente, nos momentos de produção das dinâmicas.

Outro ponto refere-se ao plano de continuidade e sustentabilidade da intervenção, da dificuldade em sensibilizar os/as profissionais do município para que pudessem dar seguimento às discussões relacionadas à temática abordada, como por exemplo, os profissionais das equipes dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), que tem sua atuação pautada no AM. Entendemos que é necessário desenvolver a corresponsabilidade das equipes para a manutenção das discussões, para que a temática não seja esquecida naquele cotidiano.

Como desafios a enfrentar, ainda ressaltamos a necessidade da articulação da rede local para dar suporte às intervenções na APS, de modo a possibilitar a gestão intersetorial do cuidado. Assim como, o apoio da gestão municipal na formação e capacitação dos profissionais, desenvolvendo processos de EPS que os favoreçam tornar-se mais preparados para as abordagens no território.

O desenvolvimento de um plano de monitoramento e acompanhamento de casos, por parte dos gestores/as, de modo a induzir um olhar mais acurado sobre a temática, também pode ser tomado como importante, tendo em vista que a pauta da violência, ainda não é reconhecida ou localizada na agenda da SF como passível de enfrentamento neste ponto da rede da atenção.

Cunha e Campos(2011) abordam sobre as dificuldades e desafios na APS concernentes ao desenvolvimento do AM. Os autores afirmam que há desafios organizacionais, epistemológicos e políticos. A divisão organizacional e política que é feita nos municípios e nos ambientes de trabalho, o modo fragmentado e hierárquico, fragiliza o processo de matriciamento, a troca de informações e o diálogo entre os profissionais (Cunha & Campos, 2011). O modelo de cogestão seria um caminho resolutivo para esta problemática; a ideia da gestão compartilhada, participativa e democrática.

O desafio epistemológico consiste na deficiência desde a formação universitária, em se desvincular do modelo biomédico, hegemônico, como também da dificuldade em integrar diversos saberes profissionais, o que fragiliza tanto as intervenções clínicas como a rede de serviços (Cunha & Campos, 2011).

 

Conclusão

Por meio da realização desta proposta de intervenção em saúde, foi possível sistematizar e oferecer para a rede de APS de Jaboatão dos Guararapes/PE um processo de matriciamento sobre a temática da violência contra crianças, voltada para profissionais da ESF, como forma de prevenção e construção de estratégias de enfrentamento, cumprindo assim os objetivos deste trabalho.

Pode-se observar através desta experiência, que a maioria dos profissionais se sentem despreparados para lidar com a violência presente no seu território. A falta de discussões sobre a temática, a fragilidade na rede local de cuidados às crianças em situação de violência e o medo do envolvimento legal nos casos são algumas razões possíveis pontuadas pelos profissionais durante as oficinas, as quais requerem bastante atenção, em especial dos gestores locais.

Vale ainda ressaltar a importância do método escolhido para o desenvolvimento desta proposta: as oficinas. Avaliamos que se trata de ferramentas potentes para suscitar as discussões em grupo, estimulando a fala, a troca de saberes e a construção compartilhada. Como limitações da intervenção, ressaltamos o curto espaço de tempo para debater toda a complexidade do tema, além da adequação do espaço físico, o que também dificultou algumas das atividades planejadas.

Destarte das dificuldades, a intervenção foi bem avaliada pelos profissionais, os quais ressaltaram o desejo de continuar debatendo o assunto. Neste sentido, entendemos que o olhar problematizador e a proposição da temática a partir do campo profissional da Psicologia, constituiu um aspecto fundamental para o desenvolvimento da aproximação das equipes de saúde, demandando a continuidade da proposta matricial, e demonstrando um lugar reconhecido para a atuação do/a psicólogo/a junto às equipes de APS.

Ao final, conclui-se ser necessário que outras iniciativas sejam desenvolvidas sobre a temática, principalmente propondo a qualificação dos profissionais que lidam com os casos de violência no território onde atuam, visando aprimorar seus conhecimentos e dispor de estratégias de identificação e intervenção frente a estes. Vale ressaltar que tal preparo não pode ser apenas técnico é preciso direcionar o olhar para os trabalhadores que realizam os atendimentos, a fim de cuidar também do indivíduo que cuida. Lidar com casos de violência pode provocar uma carga emocional intensa, necessitando assim, oferecer espaços de autocuidado e fortalecimento pessoal para as equipes.

 

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Submetido em: 26-6-2020
Aceito em: 27-11-2021

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