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Revista Brasileira de Psicodrama
versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.19 no.1 São Paulo 2011
RESENHAS
Book Reviews
Grupos e intervenção em conflitos
Groups and Interventions for Conflicts
Anna Maria Knobel*
Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae
MARIA DA PENHA NERY
ÁGORA, 2010
Penso que a melhor forma de introduzir este livro é considerá-lo um percurso que vai da utopia socionômica moreniana à intervenção sociodramática engajada e politicamente comprometida da autora, em uma praxis que não se pensa ou age conforme a lógica da política partidária, mas sim de uma outra, a que cuida da polis, de seus cidadãos e, principalmente, das relações assimétricas de poder. Trajeto revolucionário, que visa ao desenvolvimento da solidariedade e da autonomia, só possíveis a partir de intercâmbios relacionais éticos e capazes de potencializar cada participante do vínculo.
Para percorrer este ambicioso projeto, Penha Nery apresenta-nos uma versão coloquial de sua tese de doutorado na Universidade de Brasília, na qual pesquisou a inclusão racial. Este tema polêmico desdobra-se em movimentos fluidos, mas consistentes, mostrando que fazer pesquisa científica séria na área da psicologia conduz necessariamente à coparticipação e a mudanças. Fiel a Moreno, em sua maneira de enfrentar e tentar resolver coletivamente os conflitos, coconstruindo as soluções possíveis para cada grupo, ultrapassa-o ao se alinhar com Paulo Freire. Escolhe ser, no dizer deste autor citado por ela, "não apenas uma psicóloga, mas uma trabalhadora social que problematiza a realidade e opta pela mudança social".
Em sua exposição, fica claro que nossa forma brasileira de ser, em geral considerada a de um povo sem preconceitos e mestiço, é apenas uma de suas muitas expressões identitárias. Ao adentrar os meandros das dinâmicas afetivas da interação interracial na Universidade, aparecem diferentes manifestações de discriminação entre os jovens.
A autora apresenta-nos, de maneira meticulosa, vários exemplos de seu trabalho com grupos, o que permite ao leitor acompanhar e aprender como lidar com situações conflituosas usando o método sociodramático. Além disso, a singularidade do pensamento de Penha Nery, longe de explicar e ou apenas definir as ferramentas técnicas utilizadas, abre a possibilidade de o leitor ampliar a significação de conceitos bem conhecidos e exaustivamente estudados, tais como tele e vínculo.
Assim, este livro tanto pode ser visto como um manual rico e completo para jovens psicodramatistas iniciantes como pode ser lido em sua força e competência como articulador contemporâneo do intricado pensamento de Moreno, desvelando o que foi apenas insinuado por ele.
Em seu aspecto extensivo, o texto percorre temas que vão do geral para o particular, como, por exemplo, da teoria geral dos grupos à especificidade do sociodrama como método; também vai do simples ao complexo, definindo sistematicamente os conceitos básicos do psicodrama e, ao mesmo tempo, inventando instrumentos de compreensão que chama de passos para a análise de um sociodrama, um sistema padronizado de itens que devem ser levados em conta pelo pesquisador para que a compreensão da experiência transforme-se em conhecimento. Também é um texto que vai do teórico ao engajado, descrevendo a especificidade de 16 métodos socionômicos bem como discutindo o que chama de efeito de poder, constructo que permite ao coordenador de grupo realizar uma continuada análise crítica de suas práticas.
Mas o texto também é intensivo, pois traz relatos vívidos de jovens inconformados com o fato de se verem desqualificados e impotentes diante da realidade, o que resulta em dor, revolta, tensão e conflitos. Traz também as falas de outros participantes, que defendem suas vantagens como direitos adquiridos, portanto, inquestionáveis e intocáveis.
Por mais que a autora tente domesticá-lo, sistematizando-o em capítulos sequencialmente bem articulados, o texto abre-se constantemente para múltiplas possibilidades, pois cada conceito leva a outro, que leva a outro... Em um ciclo continuado de retroalimentação. Sem reduzir nem explicar, Penha Nery convida-nos a compreender Moreno de forma complexa, holográfica, tridimensional e, principalmente, corajosa.
O sociodrama que aqui pulsa apresenta-se em suas inúmeras frequências e possibilidades. Conteúdo e continente mesclam-se dinamicamente, de forma densa e multifacetada, na qual alunos negros cotistas, brancos excluídos ou incluídos podem expressar suas dores, seus sonhos, desejos e ambições e, mais do que isso, inverter papéis experimentando uma nova compreensão da realidade social.
Além disso, Penha Nery conta-nos com entusiasmo, que existe em Brasília um polo de conhecimento psicodramático acadêmico, no qual germinam continuadamente variadas intervenções sociodramáticas de grande complexidade e valor.
Assim, Grupos e intervenção em conflitos é um livro que deve ser lido, estudado e comemorado, pois, além de instigante e prazeroso, produz a tensão e o desconforto ótimos ao desenvolvimento e à atualização do sociodrama contemporâneo.
Endereço para correspondência
Rua Pará, 50, conj. 51 Consolação
CEP 01243-020, São Paulo - SP
e-mail: amknobel@uol.com.br
* Psicóloga, psicodramatista, professora supervisora do Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae (Febrap), mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, autora de Moreno em Ato e de vários artigos sobre Sociometria e Grupo