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Revista Brasileira de Psicodrama
versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.22 no.2 São Paulo 2014
COMUNICAÇÕES BREVES
Brief Communications
Conceitos em ação: o uso de um jogo dramático como instrumento da pedagogia psicodramática aplicado em um grupo de alunos de formação em Psicodrama
Concepts in action: the use of a dramatic game as a tool from psychodramatic pedagogy applied to a group of psychodrama trainees
Conceptos en acción: el uso de un juego dramático como instrumento de la pedagogía psicodramática aplicado en un grupo de alumnos de formación en Psicodrama
Gisele da Silva Baraldi1; Maria Aparecida Fernandes Martin2
Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama (ABPS)
RESUMO
Este artigo discute os efeitos do jogo dramático aplicado no grupo de alunos de Psicodrama na ótica da Pedagogia Psicodramática. Os resultados apontam o aprimoramento da compreensão e da relação entre os conceitos, semeados pelo estímulo do espírito crítico, da espontaneidade, da criatividade e de uma proposta de relação horizontal e democrática.
Palavras-chave: Psicodrama. Pedagogia Psicodramática. Espontaneidade. Dramatização. Grupo.
ABSTRACT
This article discusses the effects of dramatic games used with a group of psychodrama students, through the perspective of Psychodramatic Pedagogy. The results show an improvement in the understanding and inter-connecting of concepts, through the stimulation of critical thinking, spontaneity, creativity and a proposal for horizontal and democratic relationships.
Keywords: Psychodrama. Psychodramatic Pedagogy. Spontaneity. Dramatization. Group.
RESUMEN
Este artículo discute los efectos del juego dramático aplicado al grupo de alumnos de Psicodrama desde la perspectiva de la Pedagogía Psicodramática. Los resultados señalan la mejora de la comprensión y la relación entre los conceptos, sembrados por el estímulo del espíritu crítico, de la espontaneidad, la creatividad y por una propuesta de una relación horizontal y democrática.
Palabras-clave: Psicodrama. Pedagogía Psicodramática. Espontaneidad. Dramatización. Grupo
INTRODUÇÃO
A partir de uma experiência vivida como integrante do corpo docente de uma Instituição Formadora em Psicodrama, nasceu a disciplina Leitura Psicodramática.
Essa disciplina surgiu de uma demanda apresentada tanto pelos alunos como pelos professores do curso de Formação em Psicodrama. Ao longo de aproximadamente dois anos, foi constatado que os alunos conseguiam compreender os conceitos abordados em sala de aula, mas mostravam dificuldade em estabelecer uma relação entre eles na aplicação do Psicodrama. Isso foi notado a partir do relato dos alunos, de suas avaliações e nas avaliações das disciplinas realizadas pelos professores. A partir desse momento, iniciou-se uma reflexão mais profunda sobre as maneiras pelas quais os alunos se relacionam com o objeto de conhecimento e como poderíamos contribuir efetivamente no processo de aprendizagem, com o objetivo de proporcionar um repertório teórico e prático, que fosse efetivo na aplicação viva do Psicodrama.
Com base em todas as reflexões, concluiu-se que havia a necessidade de criar uma disciplina que tivesse o objetivo de auxiliar o aluno a construir uma linha de raciocínio psicodramático, utilizando todo o referencial teórico e prático já apresentado nas disciplinas anteriores, porém de maneira integrada.
Criada a disciplina, surgiu outro desafio, o de criar uma estratégia que pudesse garantir a concretização de seus objetivos. Para isso, desenvolveu-se um jogo dramático chamado Conceitos em Ação, que posteriormente foi utilizado como instrumento pedagógico, aplicado em um grupo de formação em Psicodrama, na disciplina Leitura Psicodramática.
Este trabalho tem como objetivo elaborar, aplicar, identificar e analisar os efeitos de um jogo dramático, sob a ótica da Pedagogia Psicodramática, em um grupo de formação em Psicodrama, durante a disciplina de Leitura Psicodramática.
MÉTODO
Este trabalho teve uma abordagem qualitativa e utilizou o método Pedagogia Psicodramática.
Participantes
Participaram desta pesquisa seis estudantes do curso de Formação em Psicodrama, todos eles com nível superior de formação.
Instrumento
Jogo dramático Conceitos em Ação: Este jogo tem por objetivo avaliar, aprimorar e contribuir para o desenvolvimento da leitura psicodramática de situações diversas, levando ao aprendizado dos conceitos de maneira integrada. Consiste em 18 filipetas que abordam, cada uma delas, o nome do conceito relacionado ao Psicodrama, e 18 filipetas que contêm uma explicação teórica de cada um dos conceitos abordados.
Solicita-se ao grupo de alunos que se dividam em subgrupos de três a quatro pessoas. Cada subgrupo recebe um conjunto de filipetas com o nome de alguns conceitos psicodramáticos. Os grupos são orientados quanto à possibilidade de consultar outras filipetas que explicam teoricamente o significado de um ou mais conceitos, e a solicitar a consulta, caso apresentem dúvidas quanto ao significado. Em seguida, recebem a consigna para criar uma cena que represente os conceitos abordados, utilizando o máximo de recursos psicodramáticos possíveis. Por fim, um grupo de cada vez, é convidado a representar a cena criada. Enquanto um grupo representa, os outros são orientados a assistir e identificar os conceitos que foram representados pelo grupo. Ao final de cada rodada, inicia-se uma nova com a distribuição de outros conceitos até que todos tenham sido abordados.
Após a representação de cada cena, é realizada uma discussão teórica e técnica sobre os conteúdos abordados em cena e, quando necessário, é proposta a reconstrução da cena considerando os pontos discutidos e não contemplados na primeira representação.
Procedimentos de coleta e análise dos dados
1ª parte: fornecimento das informações sobre a pesquisa e o sigilo ético.
2ª parte: aplicação do jogo "Conceitos em ação".
A coordenação ficou sob os cuidados da autora, que dirigiu o jogo, propondo atividades baseadas na Pedagogia Psicodramática. Um registro escrito foi elaborado imediatamente após cada encontro pela coordenadora do trabalho e por um ego-auxiliar. A análise da experiência foi discutida e elaborada em unidade funcional, com a presença da diretora e do ego-auxiliar, a partir do delineamento dos resultados observados no fim do jogo e dos comentários dos alunos.
O jogo ocorreu durante um período de duas aulas (totalizando oito horas/aula), em cada uma delas foi abordado um número específico de conceitos. Neste artigo será apresentada apenas a cena desenvolvida na segunda parte da segunda aula da disciplina, que equivale a duas horas/aula, e breves comentários dos alunos mencionados durante a etapa do compartilhar da mesma aula.
As aulas desenvolveram-se de acordo com as três etapas clássicas (aquecimento, dramatização e compartilhar) e os cinco instrumentos (diretor, protagonista, ego-auxiliar, palco e plateia), os quais norteiam qualquer intervenção sociodramática.
Na etapa do aquecimento inespecífico foi solicitado ao grupo que escrevesse livremente em uma folha de papel craft os nomes dos conceitos psicodramáticos aprendidos até o momento. Em seguida foi pedido que o grupo se dividisse em três subgrupos.
No aquecimento específico, foi oferecido um conjunto de filipetas com os nomes dos conceitos psicodramáticos e solicitado que o grupo que criasse uma cena que envolvesse todos os conceitos descritos, utilizando o máximo de instrumentos psicodramáticos possíveis. A dramatização seguiu com a representação das cenas compostas pelo conjunto de conceitos teóricos oferecidos aos subgrupos. Em seguida, desenvolveu-se o processamento teórico, com a leitura psicodramática das cenas representadas e o compartilhar, com a explicitação dos sentimentos evocados durante todo o jogo dramático, inclusive aqueles vivenciados durante a etapa do processamento teórico.
Os dados foram coletados por meio de filmagens, que foram transcritas e analisadas qualitativamente a partir das contribuições teóricas de Romaña, Moreno, Freire e Vygotsky.
RESULTADOS
Em um primeiro momento, foi realizado um aquecimento inespecífico com a proposta de o grupo resgatar na memória o nome de todos os conceitos psicodramáticos abordados nas disciplinas anteriores. Registraram os nomes de diversos conceitos. Esse registro foi feito numa folha gigante, com todo o grupo participando ao mesmo tempo, através de desenhos e palavras escritas.
Em seguida, o grupo foi sendo direcionado para o aquecimento específico, e foi solicitado a ele que se dividisse em dois subgrupos, cada um com três integrantes. Foram explicadas as regras do jogo e sorteadas as primeiras filipetas.
A cena descrita a seguir foi representada pelo subgrupo 2, que recebeu um jogo de filipetas com os conceitos "concretização", "solilóquio", "identidade do eu", "aquecimento", "contexto dramático". Em seguida, esse grupo criou uma cena composta por uma mãe, seu filho, chamado Anderson, e uma psicóloga.
Mãe: "Eu trouxe o Anderson aqui quase amarrado, ele tem de ser internado de novo, do contrário vai se matar. O pai já abandonou e eu não sei o que devo fazer."
Psicóloga: "Como está, Anderson?"
Anderson: "Ela está louca, não sou viciado, paro de usar quando quiser, não preciso ser internado.
Psicóloga: "Em que momentos você usa a droga?"
Anderson: "Quando eu estou com amigos, só na hora que eu quero.
Mãe: "Como não precisa de tratamento? Você dorme na rua, não para em emprego nenhum."
Anderson: "Eu perdi o emprego por outro motivo, não por isso.
Psicóloga: "Como você está fazendo para obter a droga?"
Mãe: "Conta para ela que as coisas estão sumindo lá de casa."
Anderson: "São minhas coisas, eu tô vendendo, tenho esse direito."
Mãe: "Vendendo nada, você está dando as coisas para conseguir droga."
Anderson: "Ela tá louca, acabou com a vida do meu pai, agora quer acabar com a minha."
Psicóloga: "Venha aqui (palco) um pouquinho. Se pudesse dar vida para a droga, como ela seria?"
Anderson: "Alta, grande e forte, me faz sentir muito bem."
Psicóloga: "E quando não está usando, como se sente?"
Anderson: "O clima em casa é de briga, meu pai já largou dela, eu também não estou aguentando."
Psicóloga: "Como é a rotina de vocês em casa?"
Mãe: "Fico esperando o telefone tocar para ver onde vou ter que buscá-lo. Não me alimento, não durmo, meus vizinhos veem ele roubar..."
Anderson: "Estou com meus amigos, ela quer que eu chegue em casa cedo, já não sou mais criança, quer que ligue o tempo todo. Não quero voltar para casa, ela só pega no meu pé, fica me perguntando quando eu vou arrumar outro emprego. Ninguém aguenta conviver com uma pessoa dessa."
Psicóloga: "Vocês podem mostrar aqui para gente. Mostre você chegando em casa."
Mãe: "Onde você estava? Você não vai comer?"
Anderson: "Eu estava com meus amigos. Vou para o banheiro, tchau!"
Psicóloga: "Pensa alto" (solilóquio da mãe).
Mãe: "Ai fico plantada na porta do banheiro esperando ele sair, porque ele tá lá, cheirando e fumando dentro de casa. Como vou ficar em paz com isso dentro de casa? E toda a vizinhança sabe, já teve até denúncia."
Anderson: "Enquanto eu não saio do banheiro ela não sai da porta! Que saco! Como eu vou ficar em paz em casa com você atormentando minha cabeça? Assim não dá!"
Psicóloga: "Agora invertam os papéis. Repitam a cena com papéis invertidos."
Anderson no papel de sua mãe: "Onde você estava?"
Mãe no papel de Anderson: "Eu estava com meus amigos..."
Anderson no papel da mãe: "Você não vai comer?"
Mãe no papel de Anderson: "Vou para o banheiro, tchau!"
Anderson no papel de sua mãe: "Sai daí, venha comer, pelo amor de Deus venha comer."
Psicóloga pede para Anderson dizer em voz alta o que está pensando, ainda vivenciando o papel de sua mãe: "Pensa alto."
Anderson no papel de sua mãe: "Eu estou preocupada, ele saiu o dia todo e não voltou. Eu estou muito mal."
Psicóloga pede para a mãe de Anderson dizer em voz alta o que está pensando, ainda vivenciando o papel de seu filho Anderson: "Pensa alto."
Mãe no papel de Anderson: "Eu quero liberdade, autonomia, falar o que eu quero, na hora que eu quiser.
Nesse momento a Psicóloga encerra a dramatização e pede para que se sentem. Propõe uma conversa.
Mãe: "Quero que ele saia do mundo das drogas, que tenha responsabilidade. É só isso."
A Psicóloga solicita ao seu ego-auxiliar que faça um duplo de Anderson.
Duplo de Anderson aplicado pelo Ego-auxiliar: "Queria ser mais aceito, queria poder ser eu, ser mais feliz. Assim me sinto infeliz, pelo menos lá no grupo é bom, meus amigos gostam de mim. Lá eu tenho meu espaço."
Psicóloga: "Anderson essas palavras fazem sentido?"
Anderson: "Sim..."
Nesse momento encerra-se a cena e a professora (da aula) abre para o subgrupo identificar quais foram os conceitos abordados na cena construída. O subgrupo identificou quatro instrumentos psicodramáticos, entre eles o diretor, o protagonista, o ego-auxiliar e o palco; dois contextos, entre eles o grupal e o dramático; a etapa da dramatização; a técnica do duplo e enquadraram o paciente (Anderson) na 1ª fase da matriz de identidade.
Depois da leitura realizada, foram feitas algumas observações pela professora, que em seguida convidou o subgrupo a reapresentar a cena considerando as observações, com o desafio de incluir a técnica solicitada na filipeta (que não havia sido aplicada na primeira tentativa).
Apresentação da cena com alterações propostas pela discussão:
Mãe: "Eu estou aqui procurando ajuda, porque não sei mais o que fazer para ajudar. O pai dele disse que já desistiu, que vai embora, que não aguenta mais, que ele já é um caso perdido. Mas eu não consigo aceitar que seja um caso perdido."
Psicóloga: "Anderson, como você está, como foi a semana?
Anderson: "Foi normal, nada de especial."
Psicóloga: "Você continua usando a droga?" Anderson: "Continuo, é a única coisa que me dá prazer."
Psicóloga: "Levante-se e venha comigo. Como é usar drogas, você se sente bem usando drogas?"
Anderson: "É bom, me sinto bem, grande, forte."
Psicóloga: "Desde quando você a está usando?"
Professora: "Congela um pouquinho. O que você está pensando em fazer?"
Aluna: "Estou pensando em investigar a relação que ele estabeleceu com a droga."
Professora: "Que técnica podemos aplicar para investigar a relação entre o Anderson e a droga?"
Aluna: "A concretização."
Professora: "Então ok, podem continuar. Se precisarem de ajuda eu entro, quando necessário."
Psicóloga: "Como é para você usar a droga?"
Anderson: "Me sinto bem, forte, grande."
Psicóloga: "Me mostra como é isso."
Anderson: "Como se eu crescesse, ficasse alto, me colocasse para cima." (Sobe em um banco.)
Psicóloga: "Como é para você estar aí em cima, nesse espaço? O que a droga diz para você?
Anderson: "Aliviado, como se tivesse sem pressão. A droga faz isso comigo. Ela me levanta, me dá força e me deixa grande."
Professora: "Congela um pouquinho. Pessoal, o que é que está faltando?"
Alunos: "O Anderson mostrar como é a droga."
Professora: "Ótimo. Então podem continuar."
Psicóloga: "Anderson me mostra como é a droga agora, e o ego-auxiliar vai ficar no seu lugar." Droga, como conheceu o Anderson? Como você é?
Anderson no papel da droga: "Num grupo de amigos da escola, primeiro foram oferecendo bem pouquinho, e agora já estou dominando as emoções dele, ele consegue fazer muitas coisas que era inseguro para fazer. Eu dou suporte para ele, ele não é mais bobão, é outra pessoa. Antes ele não conseguia fazer nada, agora eu garanto ele. Ele me conheceu com 11 anos, foi aos pouquinhos, e agora já estou com ele a um tempo".
Psicóloga: "Invertam os papéis."
A partir desse ponto a cena transcorre com uma conversa entre a droga e o Anderson.
Encerra-se a 5ª cena e a professora (da aula) abre para o outro subgrupo identificar quais foram os conceitos abordados na cena construída. Ao final da aula foi solicitado ao grupo que compartilhasse como seus membros estavam se sentindo enquanto alunos ao passar pela experiência da aula.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Pretendeu-se com este trabalho proporcionar aos alunos um pensar psicodramático, integrando os conceitos básicos do Psicodrama.
O aquecimento inespecífico propiciou a interação entre os participantes, a atenção do grupo para o assunto a ser abordado e a uma preparação para seguir com próxima etapa. Segundo Bermudez (1980) o aquecimento é considerado uma etapa importante, pois visa minimizar as resistências e os estados de tensão, situar e focar a atenção em si mesmo, facilitar a interação e preparar o sujeito para novas experiências.
Já o aquecimento específico estimulou os alunos a buscar experiências vividas em seu cotidiano e a utilizar o saber já adquirido durante os meses iniciais da formação. Segundo Romaña (2004), é necessário considerar a estrutura cognitiva preexistente. E ensinar de acordo com essas condições é de extrema importância para garantir a aquisição eficiente de conhecimento, pois torna a aprendizagem significativa para o aluno (ROMAÑA, 2004).
O grupo mostrou inicialmente uma preocupação sobre como seria possível criar uma cena considerando todos os conceitos abordados, pois até o momento tinham vivido situações de aprendizado em que a proposta era centrada em um ou poucos conceitos, ainda de forma fragmentada. É importante ressaltar, que o início do curso de formação é focado em apresentar os conceitos do Psicodrama, entendendo que são peças de um grande quebracabeça que, com o tempo, analisando cada uma delas, torna-se possível encaixá-las umas nas outras, construindo uma forma única. Assim, é esperado que o aluno esteja nessa etapa do curso com dificuldades em compreender e realizar práticas utilizando o referencial teórico, portanto, é de suma importância proporcionar condições para que ele exercite o raciocínio psicodramático considerando todas as informações e arrisque colocar em prática o conhecimento adquirido.
É uma etapa marcada pela transição de respostas conservadas, com pouca dose de qualidade dramática, criatividade, originalidade e adequação ao desempenhar o papel de psicodramatista, para um momento de crescimento gradativo de todas essas expressões da espontaneidade.
A dramatização proporcionou ao grupo expressar e aprofundar o saber adquirido até aquele instante, identificar as dúvidas e testar suas hipóteses. A leitura realizada pelos subgrupos que assistiam à representação e à discussão dirigida pelo professor provocou a consciência crítica do grupo, abrindo o campo de visão, o reconhecimento de suas dificuldades e a possibilidade de recriar o conhecimento anterior. Além disso, colocou o aluno como corresponsável pelo seu aprendizado, fazendo com que refletisse na busca de respostas para suas dúvidas. Segundo Freire (2001), quando a consciência crítica é motivada, ela passa a refletir sobre si mesma, mobilizando o ser humano na direção da ação, procurando transformar a realidade.
A utilização do jogo como recurso pedagógico foi extremamente importante para a construção do conhecimento do aluno, pois proporcionou a aquisição de um nível de aprendizado que foi além daquilo que está escrito nos livros. Envolveu uma dimensão não só intelectual, mas também afetiva. Segundo Ramalho (2001, p.3):
O Psicodrama aplicado à Educação procura então "emocionalizar" conceitos teóricos previamente aprendidos. O aluno deixa de aprender apenas através do intelecto para assimilar conhecimentos com sua personalidade global. O professor passa a ser um facilitador do processo que é assumido pelo aluno, criando um clima de liberdade e espontaneidade, no qual este último desenvolverá o seu potencial e criará.
O diálogo perdurou por toda a intervenção, ora entre os alunos, ora entre os alunos e as professoras, Freire (2001) afirma que o diálogo é o elemento-chave no processo de conscientização, pois é através dele que as pessoas vão emitindo e recebendo informações acerca da realidade.
O jogo foi utilizado como uma ferramenta mediadora entre os alunos e o objeto de conhecimento (Psicodrama). Os nomes dos conceitos escritos nas filipetas funcionaram como signos que ajudaram os alunos a memorizar e organizar o novo aprendizado.
Aprender Psicodrama para o aluno iniciante é como aprender um novo idioma. O idioma é composto por letras, palavras e sons que funcionam como signos, que, segundo Vygotsky (1999), auxiliam as funções psicológicas superiores (atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos etc.), e são capazes de transformar o funcionamento mental.
Dessa forma, o jogo utilizado foi um instrumento que funcionou como mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento (Psicodrama). Como um instrumento, apresentou-se através de signos (nome dos conceitos), que funcionaram como marcas simbólicas que ajudaram os alunos a resgatar na memória seu significado para que pudessem, através dos papéis psicodramáticos, vivenciar e expressar simbolicamente a compreensão acerca desses conceitos e de como eles se relacionam entre si.
Tanto o jogo como as intervenções feitas pela professora objetivaram desenvolver o potencial dos alunos. O trabalho partiu do conhecimento que tinham a respeito do assunto, e com base neste foram feitas as intervenções necessárias para aprimorar o conhecimento e desenvolver maior autonomia dos alunos. As intervenções realizadas pelo professor atuaram diretamente sobre a zona de desenvolvimento proximal do grupo, oferecendo os subsídios necessários para aproximá-los da zona de desenvolvimento real.
Segundo Vygotsky (1999, p. 112-113), a zona de desenvolvimento proximal é:
[...]a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes [...] A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de brotos ou flores do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento.
Freire (2011) enfatiza que ensinar não é transferir o conhecimento, e sim criar possibilidades para a produção ou a construção do saber pelo aluno. O educador precisa ir além de definir conteúdos programáticos para desenvolver em suas aulas, devendo buscar didáticas que despertem a curiosidade dos alunos, uma vez que ela é fundamental para provocar a imaginação, a intuição e a capacidade para transformar.
A aplicação da Pedagogia Psicodramática facilitou a compreensão dos conceitos psicodramáticos e de como estão inter-relacionados. Integração, afetividade, criatividade, leveza, motivação, envolvimento, conexão entre teoria e prática e poder vivenciar os papéis psicodramáticos criados por eles mesmos foram aspectos favoráveis à aprendizagem, potencializados pelo uso da Pedagogia Psicodramática. Esta experiência propiciou tanto a aquisição de informações como as reflexões a respeito do papel de diretor e do ego-auxiliar, contribuindo para o desenvolvimento do papel de psicodramatista.
Acredita-se que os efeitos obtidos a partir da aplicação do jogo dramático "Conceitos em Ação" poderão contribuir para reflexões e escolha de estratégias pedagógicas que de fato estimulem o raciocínio dos alunos, despertem a curiosidade, potencializem a criatividade e desenvolvam a capacidade de oferecer respostas espontâneas diante de situações que enfrentarão no decorrer de toda a vida acadêmica e profissional.
REFERÊNCIAS
BERMUDEZ, J. R. Introdução ao Psicodrama. 3ª ed. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1980. [ Links ]
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. [ Links ]
______. Conscientização- teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2001. [ Links ]
RAMALHO, C. M. R. A dinâmica de grupo aplicada à Educação: o Psicodrama Pedagógico e a Pedagogia Simbólica. Texto não publicado, Aracaju: arquivo PROFINT/SE, 2001. [ Links ]
ROMAÑA, M. A. Pedagogia do drama. 8 perguntas & 3 relatos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. [ Links ]
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 3ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. [ Links ]
NOTA:
Este artigo recebeu o primeiro lugar do Prêmio "Melhores Escritos Psicodramáticos" Nível 3, no 19º Congresso Brasileiro de Psicodrama, realizado pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap) em Foz do Iguaçu, de 30 de abril a 3 de maio de 2014.O artigo original submetido ao Prêmio Febrap recebeu adaptações necessárias para atender às normas de publicação da Revista.
Gisele da Silva Baraldi
Rua Onze de Junho, 152 – sala 1 -
Vila Clementino – São Paulo – SP.
CEP 04041-000.
Tel.: (11) 99376-8044
Email: gisbaraldi@hotmail.com
Maria Aparecida Fernandes Martin
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Tel.: (11) 99716.8535.
Email: fernandes_martin@hotmail.com
Recebido: 3/5/2014
Aceito: 2/3/2015
1 Gisele da Silva Baraldi Psicóloga, mestre e doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Psicodramatista didata supervisora pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama (ABPS). Atualmente atua como psicóloga clínica e professora no curso de Formação em Psicodrama na ABPS.
2 Maria Aparecida Fernandes Martin Psicóloga, mestre e doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Psicodramatista didata supervisora pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama (ABPS). No momento atua como psicóloga clínica, professora no curso de Graduação em Psicologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e no curso de Formação em Psicodrama na Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama (ABPS).