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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.25 no.2 São Paulo dez. 2017

https://doi.org/15329/2318-0498.20170022 

ARTIGOS INÉDITOS

 

O Sociodrama como método para o desenvolvimento de competências gerenciais

 

Sociodrama as a method for the development of management skills

 

El Sociodrama como método para el desarrollo de competencias gerenciales

 

 

Bruno Haroldo MoreiraI; Márcia Pereira BernardesII

ILocus Psicodrama. E-mail: brunoh_m@hotmail.com
IILocus Psicodrama. E-mail: marcia@locuspsicodrama.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo objetiva refletir sobre as contribuições do Sociodrama no desenvolvimento de competências gerenciais. Visando avaliar a capacidade de o Sociodrama contribuir ou não para o desenvolvimento de competências gerenciais em uma instituição pública federal, procedeu-se a uma intervenção em um grupo de 20 gestores de seu quadro gerencial. Como método de pesquisa, foi realizada uma sessão sociodramática cujo aquecimento foi baseado nas competências já mapeadas pela instituição. A dramatização refletiu entraves vivenciados pelos gestores no desempenho de seus papéis profissionais, resultando na produção de respostas novas e transformadoras de situações cotidianas, levando à conclusão de que o Sociodrama é capaz de contribuir para o desenvolvimento de competências gerenciais quando aplicado em uma instituição pública federal.

Palavras-chave: psicodrama, role playing, apoio matricial, administração pública


ABSTRACT

This paper aims to reflect on the Sociodrama contributions to the development of management skills. Aiming to evaluate the ability of Sociodrama to contribute or not to the development of management skills in a federal public institution, an intervention was made in a group of 20 managers of its managerial staff. As research method, a sociodramatic session was held, whose warming-up was based on the skills already mapped out by the institution. The dramatization reflected the obstacles experienced by the managers in the performance of their professional roles, resulting in the production of new and transforming responses of daily situations, leading to the conclusion that Sociodrama is able to contribute to the development of management skills when applied in a federal public institution.

Keywords: psychodrama, role playing, matrix support, public administration


RESUMEN

Este artículo reflexiona sobre las contribuciones del Sociodrama en el desarrollo de competencias gerenciales. Con el fin de evaluar la capacidad del Sociodrama contribuir o no al desarrollo de competencias gerenciales en una institución pública federal, se procedió una intervención grupal con 20 gestores de su cuadro gerencial. Como método de investigación, se realizó una sesión sociodramática cuyo calentamiento se basó en competencias ya asignadas por la institución. La dramatización reflejó obstáculos vivenciados por los gestores en el desempeño de sus papeles profesionales, resultando en la producción de respuestas nuevas y transformadoras de situaciones cotidianas, llevando a la conclusión de que el Sociodrama es capaz de contribuir al desarrollo de competencias gerenciales cuando se aplica en una institución pública federal.

Palabras clave: psicodrama, rol de tocar, matriz de soporte, administración pública


 

 

INTRODUÇÃO

O governo federal tem adotado políticas de gestão voltadas à melhoria dos serviços públicos, a exemplo do Decreto n° 5.707, de 23/02/2016, que "institui a Política e as Diretrizes para o Desenvolvimento de Pessoal da administração pública federal (...)" (Brasil, 2006). A fim de alinhar-se à obrigação emanada pela norma federal, a instituição pesquisada, que tem a função de operacionalizar as leis que regem a previdência social no Brasil, implementou a gestão por competências, cujo marco inicial foi a realização de um mapeamento destas, definindo as competências necessárias às unidades de trabalho, seus integrantes e seus gestores.

Dessa forma, foi tomado como problema de pesquisa avaliar se o Sociodrama é capaz de contribuir para o desenvolvimento de competências gerenciais em uma instituição pública federal. Para tanto, procedeu-se a uma intervenção em um grupo de 20 gestores de seu quadro de pessoal, sendo nove mulheres e onze homens, com idades entre 25 e 64 anos e tempos de função que variavam de um a quinze anos de gerência. Utilizou-se do Sociodrama como método, com suas etapas, seus instrumentos e seus contextos. A sessão durou aproximadamente quatro horas. A pesquisa foi realizada em fevereiro de 2015 em uma cidade do interior do Estado do Paraná.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O Sociodrama é parte do legado de Jacob Levy Moreno. Para ele, o ser humano é naturalmente espontâneo e criativo. Criatividade é o "agir de modo adequado diante de situações novas, criando uma resposta inédita ou renovadora, ou ainda transformadora de situações preestabelecidas" (Gonçalves, Wolff & Almeida, 1988, p. 47). Seu produto é a conserva cultural, ou seja, a ação finalizada que atinge tal qualidade que deixa de ser questionada, tornando-se permanente e cristalizada (Moreno, 1975), podendo opor-se à própria criatividade. Espontaneidade é o "fator que permite ao potencial criativo atualizar-se e manifestar-se" (Gonçalves, Wolff & Almeida, 1988, p. 47). Por adequação, entende-se o ajustamento do homem a si mesmo, transformando aquilo que julga insatisfatório. "O novo comportamento ... deve ser qualificado com respeito à adequação in situ" (Fonseca, 2008, p. 33).

De acordo com Moreno, o homem só pode ser compreendido por meio das relações que estabelece. A base dessas relações é a tele, a "mútua percepção íntima dos indivíduos" (Moreno, 1975, p. 36). Trata-se de uma empatia de mão dupla. O seu negativo é a transferência, que corresponde ao embotamento ou a ausência do fator tele (Gonçalves, Wolff & Almeida, 1988). Nas relações de trabalho, o vínculo télico pode facilitar a performance das equipes e a realização das tarefas organizacionais, enquanto o transferencial pode prejudicar o desempenho de papéis, gerando mal-entendidos, confusões e conflitos.

Papel é "a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica" (Gonçalves, Wolff &Almeida, 1988, p. 67). Moreno (1975) ensina que um papel apresenta três fases distintas: role-taking, que é a adoção, a tomada de um papel; role-playing, que é o jogar com o papel; e role-creating, que é a fase final, em que o indivíduo cria sobre o papel, dando seu toque pessoal a ele.

As competências

Fleury e Fleury (2000) adotam o conceito de competência como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que permitem ao indivíduo o desempenho eficaz de determinadas tarefas. Freitas e Brandão (2006, p. 98) definem-na como "combinações sinérgicas de conhecimentos, habilidades e atitudes, expressas pelo desempenho profissional, dentro de determinado contexto organizacional". O Dicionário de Psicologia da American Psychological Association (2010, p. 193), considera a "capacidade de ... lidar com problemas específicos de modo eficiente e de modificar o próprio comportamento ou ambiente", bem como "o repertório pessoal de habilidades, especialmente conforme se aplicam a uma tarefa ou conjunto de tarefas".

Pelo exposto, é possível inferir que a competência existe quando há a resolução adequada de determinada situação-problema. Nesta pesquisa, trabalhou-se com as situações trazidas pelos participantes e, por meio da cocriação, visou-se ao treino de diversificadas respostas para cada uma delas, buscando a máxima adequação.

O Sociodrama no desenvolvimento de competências

Drummond, Boucinhas e Bidart-Novaes (2012) sustentam que o Sociodrama, por meio da ação dramática, permite ao indivíduo um agir mais consciente sobre suas demandas, com espontaneidade e criatividade, fazendo-o compreender seu atual estágio de desenvolvimento do papel, alterando condutas cristalizadas e readequando o que já está desatualizado. O diferencial do método moreniano é o role-playing - ou jogo de papéis -, técnica que permite às pessoas se perceberem no lugar do outro, bem como inverter os papéis entre si e observar a própria conduta, possibilitando a experimentação de novas formas de atuação dentro do papel e encontrando novas saídas, mais saudáveis (Drummond & Souza, 2008).

O role-playing tem o condão de produzir a realidade suplementar que "representa as dimensões intangíveis, invisíveis da vida intra e extrapsíquica ... , não inteiramente experimentadas ou expressas" (Moreno & Moreno, 2006, pp. 25-26), permitindo treinar uma função ou um papel de modo efetivo, explorando suas múltiplas possibilidades. O indivíduo fica

livre para experimentar o papel e falhar no seu desempenho, pois sabe que lhe será dada uma oportunidade para tentar de novo ... até que finalmente ele aprenda novas abordagens às situações temidas, abordagens que poderá de agora em diante aplicar in situ, na própria vida. (Moreno & Moreno, 2006, p. 30)

Esse procedimento foi largamente utilizado a fim de permitir aos participantes tomarem e atuarem papéis que desejavam desenvolver - técnica do role-playing -, bem como entenderem, pela inversão de papéis, como funciona o "outro lado" e, eventualmente, ajustarem suas condutas.

A sessão e as técnicas do Sociodrama

A sessão de Sociodrama obedece a algumas etapas. A primeira é o aquecimento, que se subdivide em aquecimento inespecífico, no qual se busca a temática do encontro, o problema comum e o protagonista adequado; e aquecimento específico, que é a continuação do inespecífico e marca a transição para a dramatização - próxima etapa -, explorando por meio de processos técnicos a temática emergente, com a preparação do protagonista para o desempenho dos papéis implicados nas cenas dramáticas (Naffah-Neto, 1997).

Na dramatização, alguma situação já adquiriu significado para o protagonista e o grupo. Sua função é reconstruir sentidos, recriando, por meio da ação espontânea, papéis rigidamente desempenhados ou mesmo nunca desempenhados (Naffah-Neto, 1997). Nery (2012) acrescenta que, uma vez delimitada a situação-problema, ocorre sua revivência no cenário dramático.

Por último, vem o compartilhamento, que objetiva contextualizar a situação, trazer a dimensão do social por meio da troca, em que os membros do grupo passam a comunicar entre si os próprios sentimentos e as experiências no que tange à situação dramatizada, sem julgamentos ou interpretações. É parte significativa do processo de gerar novos sentidos (Mesquita, 2000).

Além disso, um Sociodrama suscita diversas possibilidades de trabalho, contando com um vasto acervo técnico para explorá-las. Na sequência, são descritas as técnicas utilizadas nesta pesquisa. Na técnica do espelho, outra pessoa assume o papel do protagonista enquanto ele observa de fora para que possa ver como desempenha seu papel, conscientizando-se de suas reações diante da situação (Cukier, 1992). Por meio da inversão de papéis, o protagonista é levado a trocar o papel com seu complementar que está sendo representado na cena (Bustos, 2005), propiciando a vivência do papel do outro. A técnica do solilóquio leva a uma conversação consigo mesmo, distanciando-se da relação e refletindo sobre sua forma de relacionamento (Fonseca, 2008). Bustos (2005) explica que "realiza-se dizendo em voz alta o que se está pensando e/ou sentindo" (p. 158), "como se fosse possível haver um alto-falante em sua cabeça" (Cukier, 1992, p. 47).

A rotação de papéis é utilizada quando, além do protagonista, todo o grupo está dramatizando e consiste em ir sucessivamente trocando de papéis até voltar à posição inicial (Bustos, 2005). Por fim, a interpolação de resistência consiste na modificação inesperada da cena (Bustos, 2005), levando o protagonista a lidar com o inesperado e a dar uma resposta nova, diferente daquela já conservada.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa-ação de cunho sociodramático na qual o pesquisador está implicado na ação. Tem como fundamento metodológico a fenomenologia, na qual os objetos e suas relações são estudados com o envolvimento e a inclusão do observador no processo, pressupondo contato direto com os dados, as pessoas e o fenômeno (Siena, 2007).

A coleta de dados foi procedida concomitante à ação e, por meio de gravação, posteriormente foi realizada uma análise, configurando uma pesquisa qualitativa, durante a qual conteúdos foram trazidos pelos participantes e trabalhados in situ, visto que o Sociodrama permite o trabalho da temática emergente do grupo no momento em que ela surge. Depois disso, foi feita a análise dos resultados por meio da comparação dos indicadores de qualidade das agências, buscando aferir se as competências a serem treinadas foram efetivamente desenvolvidas e avaliando a adequação das respostas trazidas para as situações-problema apresentadas em relação ao desempenho esperado do papel de gestor.

 

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Seguindo as etapas da sessão sociodramática, no aquecimento inespecífico, os participantes foram solicitados a caminhar, alongar e interagir entre si. Então formaram subgrupos de cinco pessoas, os quais receberam cartões com as competências mapeadas pela instituição, sem as respectivas descrições, para discussão. Os pequenos grupos apresentaram os resultados de seus debates para serem apreciados no grande grupo.

Em seguida, foi projetada uma apresentação com a descrição de cada competência para comparação e alinhamento dos entendimentos. Na sequência, os participantes foram instruídos a pensar individualmente sobre suas maiores dificuldades em desempenhá-las. Todos puderam verbalizar suas conclusões, criando novos grupos e utilizando como critério sociométrico os obstáculos encontrados.

Ainda no aquecimento inespecífico, cada subgrupo produziu uma cena representativa da dificuldade. Isso feito, todos ocuparam seus devidos lugares e tomaram seus papéis. A conclusão dessa tarefa marcou a transição para o aquecimento específico, quando a cena protagônica grupal foi escolhida, cujo tema foi "Estabelecer Comunicação Eficaz". Conforme relatou o Participante 1 :

A comunicação no fundo abrange os demais [temas]. Ela estará subjacente a toda gestão de conflitos e a todo estímulo à equipe. Na verdade, se ela for mesmo eficaz, ou seja, assertiva, clara e sem ruídos, já é meio caminho andado para o bom andamento do trabalho, e se não for, todo o trabalho estará comprometido.

A preparação para a ação propriamente dita foi iniciada com a montagem da cena: uma reunião para tratar de indicadores de desempenho e metas de uma agência da previdência social (APS). Nesse momento, o Participante 2 anunciou: "todos temos problemas com reuniões, elas geralmente são muito improdutivas e geram mais brigas que soluções". Isso posto, os atores dispuseram as cadeiras em círculo, delimitando a "sala de reuniões" e, para dar mais veracidade, utilizaram o computador com acesso à internet e o datashow para projetar os resultados reais de uma das agências.

A "reunião" inicia-se com o Participante 3, no papel do gerente, fazendo comentários preliminares: "bom dia a todos, estamos aqui para conversar sobre os resultados de nossa APS". Segue comentando os indicadores de desempenho, discutindo com a "equipe" cada um deles e comparando com meses anteriores e com o patamar esperado pela organização. Esse momento mobiliza os presentes, incluindo a plateia, pois esses indicadores e a cobrança de metas são relativamente recentes na organização e ainda geram muitas dúvidas e confusões.

Além disso, a dramatização de uma situação recorrente na realidade de todos despertou o interesse do grupo; logo que começou, foram ouvidos comentários como "nossa, parece a minha agência", sendo notória a vontade da plateia de participar da cena e trazer as próprias dificuldades. Muitos faziam perguntas e falavam como se estivessem na dramatização. Para não haver confusão, o diretor propôs que essas pessoas passassem a integrar a "equipe em reunião", assim poderiam interagir.

Às vezes apareciam questionamentos destinados a colocar o gerente em "saia justa" ou então comportamentos que perturbavam o andamento da reunião, como conversas paralelas, interrupções, comentários impertinentes e digressões. Quando isso acontecia e o gerente não sabia como lidar, o diretor pedia seu solilóquio. Apareceram frases como: "e agora, o que eu faço?", "servidor sacana", "não posso parecer hesitante", "mas que m***". Algumas pessoas da plateia confirmavam com acenos de cabeça, aparentemente identificando-se com a situação.

Em certo momento, o diretor perguntou se alguém poderia ajudar, tomando o papel e continuando a reunião, utilizando sua criatividade para encontrar soluções adequadas para a situação corrente. Os participantes - que operaram os entraves, os quais, na verdade, eram seus - puderam vislumbrar formas alternativas de atuação do gerente e aprender novas respostas para situações-problema antigas ao desempenharem o contrapapel. Também foi possível produzir respostas adequadas para certas cenas conflituosas que sequer tinham acontecido na vida real, mas que possivelmente viriam a acontecer, fazendo uso da realidade suplementar para o treinamento do papel. A fim de ampliar esse aprendizado, foi proposta a rotação de papéis, fazendo que todos representassem a maior quantidade possível deles.

A partir de então houve o seguinte desdobramento: o Participante 4 relatou ter dificuldades de comunicação com sua equipe por ser tímido. Ao entrar no papel do gerente, o que ocorreu por pressão do grupo, ele perdeu o controle sobre as interações e a reunião estava ficando sem rumo. Tentou pedir várias vezes que ficassem em silêncio, mas ninguém lhe dava ouvidos. O diretor solicitou que outro participante tomasse seu papel e reproduzisse sua conduta e, por meio da técnica do espelho, foi colocado em perspectiva para ver a cena de fora. Passados alguns instantes, ele disse: "entendi, posso voltar?". De volta ao papel, ele agiu de forma diferente, conseguiu solicitar de forma altiva, até mesmo impositiva, que os participantes ficassem em silêncio para que pudessem prosseguir com a reunião.

A Participante 5 tentou argumentar que o assunto que estavam conversando também era importante, ao que ele respondeu com firmeza: "mas agora não é o momento, você pode tratar disso depois. Agora vocês vão me ouvir'''. Ele tinha saído do papel "tímido", que não transmitia autoridade, e adotou um papel "imponente", fazendo que seus liderados entrassem imediatamente no papel complementar e prestassem atenção nele em respeitoso silêncio. Aqui ficou patente o uso da criatividade e a apresentação de uma nova resposta mais adequada que a até então utilizada, dada a situação. Assim, ele começou a dar seu toque pessoal ao seu papel de gestor (fase do role-creating).

Ato contínuo, diversas situações foram criadas e tratadas pelo grupo. Os participantes puderam experimentar formas de atuação que até então não haviam cogitado, bem como ter acesso a outros pontos de vista e outras formas de comportamento, enriquecendo seus repertórios e desenvolvendo seus papéis. Em determinado momento, a cena passou a fluir harmoniosamente e a reunião tornou-se produtiva nos termos da pauta inicial. Os indicadores de desempenho foram abordados e entendidos, e ideias importantes surgiram para trabalhá-los. Em que pese a competência que originou a dramatização ter sido "estabelecer comunicação eficaz", observou-se que outras constantes do mapeamento também foram contempladas, como:

- monitorar fluxos de trabalho: os participantes que não sabiam, aprenderam a "ler" e relacionar os indicadores entre si e com os fluxos de trabalho, dispondo de subsídios para melhor diagnosticar a realidade e tomar decisões acertadas;

- identificar causas de insuficiência de desempenho e propor ações corretivas: com o conhecimento das variáveis relacionadas a cada indicador, pode-se identificar onde estão os gargalos e as deficiências dos fluxos de trabalho, permitindo também saber se o problema está no fluxo em si, na estrutura do trabalho, na relação entre as áreas ou na inabilidade de algum integrante, oportunizando uma atuação mais consciente em sua resolução;

- avaliar as consequências da tomada de decisão: sabendo "o que" influencia "no que", é possível antever o resultado das ações implantadas;

- propor ajustes em acordo com a equipe (ambiente interno): outro motivador da "reunião", que, além de se prestar a expor os resultados, intencionava buscar as possibilidades de melhoria junto à equipe.

Isso corrobora o comentário já transcrito de que a comunicação eficaz é a base para o bom andamento do trabalho, influenciando decisivamente na expressão das demais competências.

Para finalizar a etapa da dramatização, o diretor perguntou como o grupo terminaria a reunião. A Participante 6, que compunha a plateia, interveio dizendo que o gerente deveria conduzir a um fechamento e todos concordaram. Foi perguntado então quem gostaria de fazê-lo. O Participante 3, que deu início à cena (primeiro a ocupar o papel do gerente), voluntariou-se e encerrou, informando que estavam chegando ao fim e dizendo que estava muito contente com o resultado, pois a pauta havia sido cumprida com sucesso. Agradeceu à equipe pelo envolvimento e pelas contribuições que certamente ajudariam a agência a melhorar seus resultados. Houve aplausos e a cena foi encerrada, dando início ao compartilhamento.

O comentário geral foi que a vivência teve um impacto positivo em vários sentidos. A Participante 7 manifestou: "como a gente aprende com as dificuldades dos colegas, né?". O Participante 8 explicitou que se identificou com os dramas encenados e aprendeu com eles: "na minha APS isso acontece toda semana, muito parecido; como é desgastante". Os demais assentiram, explicando que em suas agências ocorria o mesmo. A Participante 9 comentou:

até o momento eu nunca acreditei nessas coisas de desenvolvimento de liderança, de treinamento para ser gestor. Estava muito cética quanto a hoje. Eu achava que a pessoa já tinha que ter certa característica de capitão, de saber conduzir as coisas, mas vi que é uma questão de ter as atitudes certas nos momentos certos, o que pode ser treinado.

A Participante 5, que havia assumido uma postura instigadora de conflitos, contou que reproduzia as condutas de uma subordinada com quem se desentendera reiteradas vezes e com a qual não sabia lidar. Declarou que entendeu um pouco melhor a forma de ela agir e a sua própria, confirmando a adoção de uma atitude empática estimulada pela inversão de papéis. Em determinado momento da cena, o Participante 10, desempenhando o papel do gerente, pediu, com certa rispidez, foco à equipe, e ela comentou: "chefe, você não se importa com sua equipe mesmo". No compartilhamento, ela relatou que se deu conta de que era como ela mesma agia na vida real, esquivando-se dos problemas e deixando-os para a equipe, o que certamente deveria incomodar aquela pessoa com o qual tinha rusgas e provavelmente outras. "Acho que ela quer ser ouvida, levada em consideração", disse.

Foi falado sobre a dificuldade de se ter na equipe aquelas pessoas que parecem colocar empecilhos em tudo e como se poderia lidar com elas. A Participante 11 revelou que tinha um

servidor assim em sua unidade e que estava lhe causando muitos problemas. Afirmou que se ver em cena tinha lhe dado algumas ideias, mas ainda estava em dúvida quanto ao que fazer. Nesse momento, outra gerente, a Participante 12, levantou a mão. Ela então compartilhou que não havia muito tempo, também passara pelo mesmo problema e tinha utilizado uma estratégia útil. Relatou:

Chamei-o para conversar algumas vezes e tentar descobrir o que se passava, pois parecia que ele queria boicotar todas as ações. Ele disse que não estava fazendo nada, mas, na verdade, estava contaminando todo mundo. Ele é um rapaz inteligente e conhece bem o trabalho, é tecnicamente muito competente. Então uma vez, em vez de contrariá-lo apontando suas atitudes inconvenientes, o que provavelmente causaria mais discussão, resolvi tentar trazê-lo para meu lado. Pedi-lhe para me ajudar com os processos represados. Disse-lhe que ele é uma das pessoas que mais conhecia do assunto na agência e pedi sua opinião. E ele deu. Então colocamos em prática e ele começou a trabalhar para fazer dar certo, imagino que porque a ideia foi sua e queria provar que estava certo.

Mesmo não tendo aparecido essa solução na cena em si, o compartilhamento proporcionou um espaço de troca de conhecimentos e experiências, ajudando outras pessoas com o mesmo problema.

Após cada um falar sobre o que experimentou, o grupo passou a discutir mais sobre os indicadores de desempenho e a tirar dúvidas uns com os outros, e, pouco a pouco, novas ideias surgiram. Foram melhor esclarecidas as interdependências entre os indicadores e, consequentemente, entre os processos de trabalho, bem como identificados os indicadores principais, que se forem adequadamente trabalhados, influenciam os demais.

O estudo em grupo dos indicadores de desempenho e estratégias para influenciá-los ajudou muito no entendimento de muitas coisas antes não sabidas, conferindo clareza e segurança na aplicação prática, pois, ao objetivarem suas dificuldades no Sociodrama, tornaram-nas visíveis e passíveis de reformulação.

 

CONCLUSÕES

Retomemos o problema de pesquisa: avaliar se o Sociodrama é capaz de contribuir para o desenvolvimento de competências gerenciais em uma instituição pública federal. Como exposto, uma das possibilidades é partir da conserva cultural, ou seja, das competências já mapeadas pela instituição, mas privilegiando as demandas emergentes do grupo, visto que, como menciona Bustos (2005), em uma sessão sociodramática sabemos onde começamos, mas ninguém pode prever onde terminaremos, pois seus possíveis desdobramentos são muitos. A cena protagônica (reunião) é um exemplo disso, pois começou com um debate sobre indicadores de desempenho e acabou por tocar nas dificuldades de cada um sobre diversos outros obstáculos, como: lidar com determinados subordinados, superar os próprios bloqueios em certas situações, estabelecer relações mais télicas e vários outros.

Esses emergentes grupais, mesmo não constando explicitamente do mapeamento de competências, notoriamente se referiam a dificuldades dos participantes em seu trabalho e, consequentemente, às suas competências gerenciais. Ao atuar seus papéis profissionais no contexto sociodramático, puderam reconhecer suas deficiências e experimentar novas formas de desempenhá-los, descristalizando respostas inadequadas e substituindo-as por outras mais pertinentes.

O Sociodrama, como metodologia de pesquisa e intervenção, mostrou-se útil na tarefa de pesquisa-ação com um grupo de gerentes a respeito de suas competências e suas possibilidades de desenvolvimento. Novos relatos de experiências semelhantes poderão aprimorar e difundir o método sociopsicodramático nas intervenções em instituições públicas.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 24/07/2017
Aceito: 20/12/2017

 

 

Bruno Haroldo Moreira. Psicólogo pela UFSC. Psicodramatista pela Locus Psicodrama. Servidor público federal, ocupante do cargo de psicólogo. Cofundador da empresa Integrar - Psicologia e Desenvolvimento Humano.
Márcia Pereira Bernardes. Psicóloga Psicodramatista Didata Supervisor pela Febrap. Doutoranda de Psicologia da UFSC. Sócia Proprietária da Locus Psicodrama. Coordenadora de Ensino Pesquisa e Extensão da Locus Psicodrama.

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