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Revista Brasileira de Psicodrama
versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.27 no.2 São Paulo jul./dez. 2019
https://doi.org/10.15329/2318-0498.20190018
https://doi.org/10.15329/2318-0498.20190018
ARTIGO ORIGINAL
Possibilidades terapêuticas nas tensões grupais: uma experiência do papel de psicoterapeuta de grupo
Therapeutic possibilities in group tensions: an experience of the group psychotherapist role
Posibilidades terapéuticas en tensiones grupales: una experiencia del papel del psicoterapeuta de grupo
Aline Oliveira Belém1,*
1.PROFINT - Profissionais Integrados Aracaju (SE), Brasil.
RESUMO
Este trabalho visa apresentar possibilidades de manejo psicoterápico em conflitos grupais diante da chegada de novo membro a um grupo terapêutico buscando contribuir para o desenvolvimento do papel de coordenador de grupos. Para isso, foram apresentadas três sessões de psicoterapia psicodramática de grupo, levantamento bibliográfico acerca do papel do terapeuta de grupos e do manejo de conflitos. Realizou-se uma análise dos processos télicos e transferenciais entre membros e em relação à psicoterapeuta, bem como as dificuldades e potencialidades inerentes a este papel. A chegada do novo membro permitiu o acesso a aspectos relacionais internalizados pelos participantes em seus vínculos mais conflituosos, com consequente alcance de um estado grupal mais espontâneo.
Palavras-chave: Psicoterapia de grupo; conflitos grupais; psicoterapeuta de grupos; psicodrama.
ABSTRACT
This paper aims to present possibilities of psychotherapeutic management in view of the arrival of a new member to a therapeutic group, seeking to contribute to the development of the role of group coordinator. Three sessions of psychodramatic group psychotherapy were presented, as well as a bibliographic survey about the group therapist and about management of group conflicts. An analysis of the telic and transferential processes among the members, including the psychotherapist, as well as the difficulties and potentialities inherent to this role was performed. The arrival of a new member allowed access to relational aspects internalized by participants in their most conflicting bonds, with consequent attainment of a more spontaneous group.
Keywords: Group psychotherapy; group conflicts; group psychotherapist; psychodrama.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo presentar las posibilidades de manejo psicoterapéutico en conflictos grupales en vista de la llegada de un nuevo miembro a un grupo terapéutico, contribuyendo al desarrollo del rol de coordinador grupal. Se presentaron tres sesiones de psicoterapia psicodramática grupal, encuesta bibliográfica sobre el papel del terapeuta grupal y manejo de conflictos. Se realizó un análisis de los procesos de transferencia y télico entre los miembros y el psicoterapeuta, así como las dificultades y potencialidades inherentes a este papel. La llegada del nuevo miembro permitió el acceso a los aspectos relacionales internalizados por los participantes en sus vínculos más conflictivos, con logro de un estado grupal más espontáneo.
Palabras-clave: Psicoterapia grupal; conflictos grupales; psicoterapeuta grupal; Psicodrama.
APRESENTAÇÃO
Neste artigo irei abordar a minha experiência de direção de um grupo de psicoterapia de abordagem psicodramática na ocasião da chegada de um novo participante e das tensões decorrentes desse processo. Com isso, pretendo discutir o potencial terapêutico presente nas tensões grupais, bem como o papel do psicoterapeuta de grupos nesse contexto.
Moreno, em Psicoterapia de grupo e psicodrama (1974), definiu psicoterapia de grupo como um "método que trata, conscientemente, as relações interpessoais e os problemas psíquicos de vários indivíduos de um grupo dentro de um quadro científico empírico" (p. 77). Ou seja, nesse quadro empírico inserem-se vivências que as terapias individuais muitas vezes não possibilitam, pelo fato de a psicoterapia de grupo estabelecer mais aproximação com o ambiente em que as pessoas vivem afinal vive-se em grupo desde o nascimento.
Moreno (1974) afirma também que o pensamento terapêutico se transformou após a psicoterapia de grupo. Para ele, o paciente é sempre paciente nas modalidades individuais; no entanto, no grupo, o sujeito pode ter a função de terapeuta auxiliar, pois um participante é necessariamente um agente terapêutico para os outros do grupo, em uma influência mútua intitulada por Moreno de princípio da interação terapêutica. Há também o princípio da espontaneidade, cujo sentido é o da produção espontânea do grupo. A participação espontânea não é somente terapêutica, mas também valiosa do ponto de vista do diagnóstico. Outro aspecto importante na prática da psicoterapia de grupo reside no caráter direto e imediato da interação, "que tem todas as características de uma prova de realidade" (p. 31), pois o participante é confrontado não apenas com situações de sua vida fora do setting, a partir de uma narrativa levada para a sessão, mas também com as situações e pessoas do grupo no aqui-e-agora.
Para Nery (2010), a "função terapêutica do coordenador de grupo depende, em grande parte, da sua crença de que viver conflitos é uma arte, além de uma ciência" (p. 98). Nesse sentido, a situação escolhida para produzir este estudo envolve relevantes decisões da minha parte, enquanto psicoterapeuta do grupo, que estimulam a reflexão e contribuem para o melhor preparo técnico, teórico e pessoal no desempenho desse papel. Na descrição e análise de três sessões de grupo, busco discutir essa experiência nas suas limitações e potencialidades.
O grupo em questão se reúne semanalmente desde 2015 e sua sessão tem duração média de duas horas. Houve períodos mais estáveis em relação aos participantes como também períodos com alguma rotatividade. No contrato do grupo tem-se como diretriz que ele será aberto à entrada de novos integrantes até atingir o máximo de seis pessoas, mediante conversa anterior com os que já participam. Moreno (1974) afirmou que a composição mais favorável de um grupo terapêutico deveria contemplar diferentes idades, ambos os sexos e diferenças étnicas, como uma espécie de tentativa de servir de "miniatura da sociedade em que o grupo vive" (p. 83). O grupo em questão sempre se manteve aberto para adultos de ambos os sexos, sem temática pré-definida, com vistas a experimentar a amplitude de um processo psicoterapêutico nas suas mais variadas demandas.
MÉTODO E PROCEDIMENTOS
Este trabalho se dá na perspectiva metodológica da pesquisa-ação, na qual o pesquisador não apenas analisa o público pesquisado, como colabora e interage com ele, promovendo interferências sobre sua realidade através da ação coletiva, com foco no desenvolvimento da autonomia e do autoconhecimento (Thiollent, 1985).
O grupo pesquisado foi constituído de duas maneiras: três pessoas procuraram o grupo de forma espontânea e as outras três eram minhas clientes na modalidade bipessoal e migraram para o grupo por sugestão minha e avaliação conjunta. O novo membro procurou a psicoterapia de grupo por iniciativa própria, mas passou um período em terapia bipessoal até ingressar no grupo.
As sessões ocorrem semanalmente com duração média de duas horas em uma clínica privada na cidade de Aracaju-Sergipe e são dirigidas com alternância entre: sessões classicamente psicodramáticas que seguem as etapas de aquecimento, dramatização e compartilhar, com uso das principais técnicas do psicodrama (duplo, espelho, inversão de papéis etc.); e sessões verbais em um formato de processamento e por vezes prolongamento do compartilhar de alguma sessão anterior. Todas as sessões são registradas em diário de campo e seus conteúdos analisados hegemonicamente à luz da socionomia. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para realização deste trabalho. Para efeitos de preservação da identidade, utilizaremos os nomes fictícios: Raul (novo membro), Marta, Cláudia, Luana, Isabela e Bárbara.
DESENVOLVIMENTO
Até então o grupo contava com cinco participantes, mulheres, com idade entre 23 e 35 anos. Então, um homem de 30 anos chegou ao grupo, após algumas sessões de psicoterapia individual comigo, por interesse e iniciativa próprios.
O grupo concordou com a entrada do novo membro, com a seguinte ressalva de Luana: "por mim tudo bem essa pessoa entrar, mas eu não vou me privar de dizer que acho os homens uns lixos e as mulheres foda" (fala que emergia em contextos de insatisfações nas relações com as figuras masculinas de sua vida naquele momento). Em relação a essa fala, reiterei a informação que apresentei no início do grupo: que nossos sentimentos podem e devem ser expressos abertamente no grupo, desde que se preze pelo respeito para com o outro. E assim seguimos.
Castilho (1998) sugere que haja um preparo do clima do grupo para a entrada de novo membro. Ela defende que haja ajuda ao recém-chegado, mas que essa ajuda "não deve ser revestida de um interesse todo especial, para que isto não venha a provocar uma forte reação de hostilidade" (p. 73) e que não se deve tampouco ignorar a presença do novato de modo que ele se sinta desprotegido. Em outras palavras, o preparo do clima para receber um novo membro em um grupo terapêutico pressupõe o equilíbrio no limiar entre o acolhimento sem privilégio no que se refere ao recém-chegado e o preparo sem negligência do novato no que se refere ao grupo de veteranos.
No nosso caso, conversamos nas duas sessões anteriores à chegada de Raul, ao final de cada sessão. As conversas se deram na forma de consulta das participantes, que manifestaram concordar com a entrada de um novo membro em ambas as situações com a ressalva de Luana, já exposta acima. Após alguns dias, passei a me questionar se esse preparo aconteceu, se essa consulta ao grupo de veteranas poderia ser considerada um "preparo" e, principalmente, como um "preparo" para a chegada do novo membro poderia ser feito nesse grupo o que será discutido mais adiante.
PRIMEIRA SESSÃO COM O NOVO PARTICIPANTE
Na primeira sessão com a participação de Raul, solicitei que ele se apresentasse e contasse um pouco sobre o que o levou a entrar no grupo. Raul contou às participantes que estava ali por dificuldades de se relacionar com as pessoas e pelo interesse em desenvolver melhor suas habilidades relacionais através da proposta terapêutica de grupo. Após esse momento de apresentação, Raul manteve-se calado, em posição de observador, enquanto a sessão transcorria e Luana protagonizava uma cena ligada ao namoro que ela acabara de iniciar. Nessa cena, surgiram incômodos da protagonista em relação à falta de iniciativa do namorado no que se refere à autonomia, trabalho e independência. Luana manifestou gostar de "homens inteligentes, com atitude, bons de cama e bem articulados", características que ela questionava no namorado naquele momento. As questões ligadas ao papel de homem e à independência financeira eram temas muito pertinentes às dificuldades trazidas por Raul na psicoterapia bipessoal, e naquele momento me perguntei como ele estaria se sentindo, o que de certa forma me fez entender um pouco do seu silêncio e do aparente desinteresse pela sessão.
Na etapa de compartilhamento todas se manifestaram e Raul falou por último, motivado por Cláudia, que pontuou que ele estava "muito calado". Raul afirmou entender de maneira diferente a situação de Luana com o namorado, questionando diretamente seus incômodos. Afirmou que ela, apesar de ter questionado o machismo, deseja um homem com "características machistas", no sentido de que um homem "independente, bom de cama, decidido" etc. traria aspectos que homens estão condicionados a perseguir em um contexto social machista. Afirmou que, como homem, isso o incomodava, pois de alguma maneira deixava-se de lado também as violências sofridas pelos homens. A reação de Luana foi inflamada, questionando se ele estava sugerindo uma espécie de "machismo às avessas", dizendo que ele estava sendo arrogante e que nunca ouviu falar na ideia de que mais homens sofriam violência. A sessão foi encerrada após esse diálogo com uma nítida tensão, impossibilitada de vir à tona uma vez que havíamos chegado às duas horas de sessão. Após o encerramento, Raul me chamou em particular e demonstrou forte incômodo com a reação de Luana já em sua primeira sessão.
No início da formação desse grupo, criei um grupo no aplicativo WhatsApp para fins exclusivos de confirmação de sessão e informes de ordem operacional (até então Raul não havia sido adicionado, já que ainda não havia iniciado). Porém, na mesma noite em que a sessão ocorreu, as participantes escreveram muitas mensagens no grupo do WhatsApp relatando desconforto com a postura do novo participante. Em síntese, foi escrito por elas que ele estava "muito calado, aparentando desinteresse, sem olhar para as pessoas, olhando para baixo, distante" e "comportando-se como se fosse terapeuta e não paciente" etc. Após ler todas as mensagens, escrevi que enquanto diretora era meu papel defender que as questões pertinentes ao grupo fossem tratadas no grupo, no contexto terapêutico e na presença de todos (o que também consta no termo de compromisso). Combinei que iríamos levar a situação para a sessão seguinte e que contaria com o compromisso de todas para tratar de tudo aquilo pessoalmente, cumprindo com as finalidades psicoterapêuticas de nosso grupo.
SEGUNDA SESSÃO COM O NOVO PARTICIPANTE
A segunda sessão foi justamente a que o conflito grupal ganhou forma e foi explorado abertamente. Nessa sessão, Luana chegou visivelmente agitada na sala, com um misto de ironia e raiva em suas falas ligadas a uma barreira burocrática que enfrentava para a compra de seu imóvel residencial. Luana é divorciada, mãe de dois filhos e vinha enfrentando dificuldades na divisão de tarefas com o ex-marido, que envolviam indiretamente as dificuldades com a compra do imóvel. Considerando que Luana já havia sido minha cliente na modalidade bipessoal e já estava há algum tempo no grupo, entendi que aquela reação era desproporcional em relação aos contatos que eu havia tido com a cliente até então. Luana sempre relatava ser explosiva, porém sem manifestar reações de explosão no
setting terapêutico até aquele dia. Levantei a hipótese de que o estado de humor de Luana era um misto de raiva pela situação em que vivia com as dificuldades de adquirir o imóvel e de incômodo pela presença de Raul, dadas as tensões entre ambos e a maneira como ela escreveu estar incomodada no WhatsApp.
O clima estava visivelmente tenso e o silêncio em relação à sessão anterior fazia a tensão aumentar. A impressão era de que ainda que houvéssemos combinado de trazer os incômodos para a sessão, eles iriam demorar muito a aparecer se eu não desse o pontapé inicial. Então eu disse:
A sessão anterior foi uma sessão forte e eu gostaria que falássemos sobre ela. A maioria daqui foi adicionada no grupo de WhatsApp após terem vindo pela primeira vez, então não havia dado tempo de adicionar Raul ainda. Acontece que a última sessão produziu ressonâncias manifestadas no WhatsApp e pessoalmente pelo próprio Raul, que me procurou após o final da sessão relatando também seus desconfortos com a fala de Luana. A nossa terapia é de grupo, então é um compromisso meu, enquanto diretora, trazer para o grupo qualquer coisa referente ao grupo que aconteça fora dele. Como houve comentários sobre a sessão no grupo de WhatsApp sem uma das pessoas adicionada, eu gostaria de propor que todas vocês falassem, Raul também, de maneira clara, objetiva e respeitosa, qual foi a ressonância da sessão sobre vocês.
Após esse momento, duas das participantes que pareciam estar mais leves na situação se dirigiram a mim dizendo em um tom descontraído que eu estava ficando vermelha enquanto falava. Fiquei apreensiva por estar diante de um conflito que guardava sentimento de raiva e muitos afetos e expectativas dos participantes. Apesar disso, não senti dificuldade em fazer o que entendia ser necessário, mas a reação fisiológica denunciava que a situação era difícil inclusive para mim. Então respondi em um tom também descontraído que ensaiei muito para fazer aquela fala, os participantes riram e seguimos. Nesse ponto é fundamental ressaltar o que Castilho (1998) apresenta como "atitudes do facilitador", defendendo que o facilitador "deve ter uma compreensão exata dos próprios sentimentos; o que se passa consigo, que repercussão tem aquele momento do grupo para ele" (p. 47). Nessa situação houve o medo de desagradar os membros do grupo (já que precisei ser mais diretiva), de perder o controle sobre a sessão e esta ser pouco produtiva, ou de "desperdiçar" a sessão tentando fazer as pessoas se acalmarem, sem alcançar conteúdos relevantes. Castilho (1998) afirma que reconhecer esses sentimentos requer maturidade para aceitar e entender as próprias limitações, "ser corajosamente capaz de considerá-las para que não venham a interferir de um modo pouco produtivo, para não dizer negativo, no desenvolvimento do grupo" (p. 47). Nessa mesma direção, Nery (2010) afirma que o papel do psicoterapeuta de grupo em situações de conflito deve ser desenvolvido pelo treino técnico, pelos estudos teóricos, pela consciência crítica social e em especial pelo autoconhecimento.
Ao anunciar a situação que ocorreu por mensagens após a sessão, solicitei que cada pessoa presente falasse com objetividade de seus incômodos se concentrando na consigna: "o que me incomodou na última sessão? O que reverberou em mim?". Prontamente, Luana começou sua fala afirmando ter achado "o fim do fim da picada" Raul ter falado "praticamente em machismo reverso", afirmando que isso não existe. Disse também que quando questionei o grupo sobre a entrada do novo membro, ela não se opôs desde que ficasse claro que ela não deixaria de dizer que acha "as mulheres foda e os homens uns lixos". Acrescentou também que nem todos os homens são um lixo, mas a maioria é e que se sentiu julgada com a fala de Raul. Luana estava mobilizada, com a pele ruborizada, gesticulando e falando bastante nesse momento.
Na sequência, Cláudia disse que tempos atrás agiria da mesma forma inflamada que Luana. Inclusive relembra como foi ríspida com a chegada de Luana ao grupo e como tudo isso mudou. Disse que não se incomodou tanto com o conteúdo do que foi dito por Raul, mas com sua postura: "calado de cabeça baixa". Afirmou também que a presença de Raul poderia ser de grande aprendizado para todos e que gostaria que ele permanecesse.
A fala de Marta também veio carregada de desconforto em relação à postura de aparente indiferença de Raul, queixando-se também que ele parecia estar "mais analisando que participando da sessão". Marta não gostou da situação de estarem todas se colocando afetivamente, enquanto Raul, ao ser convocado a falar, se expressou quase que "tecnicamente". Marta acrescentou: "é uma questão minha também", ao se referir ao fato de que se afeta muito com posturas que parecem arrogantes.
Já Isabela reforçou a fala de Marta em relação à "postura de psicólogo", mas afirmou não ter se sentido julgada com o conteúdo. Disse também que tem um movimento muito próprio de se preocupar com o que irão pensar dela, por isso afirmou ter passado diversas vezes pela sua cabeça o pensamento: "o que ele irá pensar de nós? Um monte de mulher louca . . . Vai se perguntar o que está fazendo aqui". Isabela afirmou perceber-se como alguém que se importa em demasiado com a impressão que as pessoas têm a seu respeito. Já Bárbara, por ter faltado à sessão anterior, manteve-se calada até então.
Em síntese, Luana sentiu-se julgada, Cláudia incomodada com a postura de isolamento, Marta se incomodou com a postura de isolamento e de análise e Isabela trouxe o sentimento de preocupação em relação ao que pensam a respeito dela.
Raul escutou as colocações das veteranas em silêncio e foi o último a falar. Ele afirmou ter tido mesmo uma postura de distanciamento uma vez que naquele momento realmente se perguntava: "o que eu estou fazendo aqui?". Afirmou que estava calado porque naquela hora estava decidido a não voltar mais e que, durante a semana após a sessão, pensou muito a respeito. Pensou que questões com o masculino são difíceis para ele e que sabia que se falasse alguma coisa do que estava pensando ia acontecer o que aconteceu (referindo-se à discussão com Luana). Afirmou também que pensou que se discordasse mais veementemente de Luana, as demais, por estarem obviamente mais vinculadas a ela, "ficariam ao lado dela e eu ia me lascar". Apesar de tudo isso, optou por permanecer e tentar. Tentou esclarecer o que dizia a respeito do machismo, afirmando que morrem mais homens assassinados que mulheres, ao que Luana interferiu perguntando que estudo era esse e disse enfaticamente que nunca havia ouvido falar em algo assim.
Nesse momento intervi no sentido de entender melhor essas falas e equilibrar o tom do diálogo. Ponderei que estatisticamente mais homens morrem assassinados por arma de fogo, por exemplo. Entretanto mulheres parecem sofrer mais violência pela condição de serem mulheres do que por outras razões, diferentemente dos homens. Diante disso, Raul afirmou que talvez tenha se expressado mal. Disse também que essa defesa de que os homens são todos inferiores fazia com que ele se sentisse obviamente mal de estar ali.
Em dois momentos se fizeram necessárias pequenas intervenções para que Luana aguardasse Raul terminar de falar, uma vez que ele a ouviu até o final de sua fala. Reforcei que todos teriam uma segunda oportunidade de falar quando Luana perguntou se teria "direito à tréplica". Destaquei o fato de que o grupo terapêutico não é um campo de batalha em que uns ganham e outros perdem. Não que o debate não seja possível, mas que precisaríamos manter o foco nos objetivos terapêuticos daquele espaço.
Cabe indicar que na história de vida de Luana há exposição à violência durante a infância e adolescência, sentimentos de inferioridade em relação às exigências e julgamentos de sua mãe, além de ter presenciado violência física de seu pai contra sua mãe, após ter sido traído por ela. Sua mãe criticava constantemente suas atitudes enquanto mulher, julgadas por vezes como atitudes de "vagabunda", como se a cliente não fosse capaz de ter alguém "de verdade". Sua mãe foi acometida por um câncer e faleceu em decorrência da doença.
Sugeri que todos se levantassem e caminhassem um pouco pela sala mantendo a conexão com a sessão anterior e com as falas que tinham acabado de surgir ali, ao que Luana prontamente disse: "Aline, você sabe que não gosto de coisas lúdicas". Essa fala aparecia com frequência nas primeiras sessões em que ela participou, mas já não a trazia há muito tempo. Na sessão anterior, a participante havia protagonizado uma cena com seu namorado sem dificuldades ou oposições, demonstrando que sua recusa e resistência neste momento poderiam estar mais ligadas à situação de conflito com Raul do que com as "coisas lúdicas". Informei que ela não precisava participar caso não quisesse. Então, o grupo iniciou um aquecimento inespecífico em movimento enquanto Luana permanecia sentada no chão.
No aquecimento solicitei que cada um respondesse mentalmente à pergunta: "que questão minha foi mexida na última sessão?". Repeti a consigna algumas vezes, enfatizando a necessidade de cada um pensar em si mesmo naquele momento. Em seguida, pedi que o grupo formasse um círculo ainda de pé e espontaneamente o círculo incluía Luana, no lugar onde ela estava, sentada no chão. Era uma espécie de sutileza terapêutica do grupo, como se estivessem silenciosamente solicitando sua participação naquela situação em que ela estava fortemente envolvida, mas em postura de recusa. Moreno (1974) afirmou que "psicoterapia de grupo significa um processo de cura determinado não por um terapeuta talentoso, mas pelas forças do grupo; com isso não se subestima a importância de terapeutas talentosos" (p. 80). Em momentos como esses, as forças do grupo exigem do terapeuta a postura de respeito e sensibilidade de não somente permitir, mas também viabilizar essas expressões.
Pus uma almofada grande no centro do círculo e pedi que cada pessoa visualizasse sua questão ali e a nomeasse mentalmente, depois pedi que cada um falasse o nome de sua questão. Os nomes que cada pessoa deu à questão pessoal que foi mexida na sessão anterior seguem na Tabela 1.
Nomeadas as questões, fizemos um breve aquecimento específico e utilizamos a técnica da concretização, transformando as questões em personagens. Na técnica da concretização realiza-se a materialização de sentimentos, doenças orgânicas, emoções e partes do corpo através de imagens, movimentos e falas (Ramalho, 2011). Para isso, foram realizadas entrevistas no papel, que ocorrem quando o terapeuta entrevista a partir de seu próprio papel as personagens incorporadas pelo paciente. Abaixo segue uma síntese de cada entrevista.
Espelho (Cláudia)
Espelho: Eu sou o espelho de Cláudia, mas não dela hoje!
D: Você é um espelho do passado?
Espelho: Isso, um espelho do passado.
D: E Cláudia, gosta do que vê em você?
Espelho: [Claudia riu] Não mesmo! Ela se esforçou muito pra se livrar de mim, ainda se esforça! Mas agora ela vê que as coisas precisam ser tratadas com mais calma, que nem tudo se resolve do jeito que ela achava, no grito, na explosão.
Medo de ser tratado como um lixo (Raul)
D: Quem é você?
Medo de ser tratado como um lixo: Eu sou Carlos, pai de Raul.
D: Ah, então você é pai de Raul? Fale um pouco do senhor. Quantos anos o senhor tem? O que faz da vida?
Carlos: Eu tenho 60 anos e trabalho na empresa X. Morava com minha mulher e meus filhos, mas não tava dando certo lá e agora eu moro sozinho.
D: O que houve que não deu certo?
Carlos: Minha mulher queria se separar uns dois anos atrás, queria que eu saísse e eu disse a ela que se eu saísse eu ia vender a casa e dividir, ou então todo mundo ia sair e eu ficava, já que a casa era minha. Aí eu fui ficando. Mas dois meses atrás eu tive que sair.
D: Então o senhor se manteve por dois anos em casa com base nesta ameaça com a casa?
Carlos: Foi!
D: Me fale um pouco de seus filhos...
Carlos: O mais novo conversa um pouco comigo, sobre esporte... O mais velho, Raul, eu não tenho contato, a gente nem se fala.
D: O que aconteceu? Como o senhor vê seu filho mais velho, Raul?
Carlos: Ele é cheio de maricagem, ninguém pode falar nada com ele que ele sai chorando. Ele até tem potencial, mas acho que não vai dar em nada não. Se eu puder resumir ele foi o filho que me custou mais caro.
Meu pai (Marta)
Meu pai: Sou Igor, pai de Marta. Aquela menina enjoada. Ela é uma menina boa, mas ela bate de frente.
D: É difícil pro senhor conviver com Marta?
Igor: Olhe minha filha, eu quero só que ela concorde comigo.
D: E ela costuma concordar com o senhor?
Igor: Não. Mas ela tem que concordar porque eu tô certo!
Medo de ser atacada (Isabela)
D: Como você se faz presente na vida dela?
Medo de ser atacada: Faço ela sair, chorar, ficar acuada.
D: Você está há muito tempo na vida dela?
Medo de ser atacada: Com certeza!
D: E hoje, você tem força na vida dela?
Medo de ser atacada: Tenho menos, mas nessa última sessão eu tive muita, eu estava bem presente.
Desespero (Bárbara)
Desespero: Estou presente há muito tempo na vida de Bárbara, mas atualmente apareço muito pouco. Eu estava presente nas brigas dos pais dela, em que palavras humilhantes eram ditas entre eles e eu voltei hoje neste grupo. Eu faço Bárbara ficar em silêncio, porque na infância ela não sabia dar nome para as coisas.
D: O que precisa acontecer pra você sair de perto dela?
Desespero: Ela falar, usar as palavras. Por isso eu apareço bem menos hoje.
D: Mas hoje você está aqui.
Desespero: Pois é, estou aqui porque houve uma briga e eu apareci logo, porque ela não sabe como agir agora. Eu faço ela querer sair correndo, sumir.
Julgamento do outro (Luana)
Julgamento do outro: Eu sou o julgamento. Estou na vida de Luana há muito tempo, desde quando a mãe dela esculhambava com ela.
D: O que te trouxe aqui nesta sala hoje?
Julgamento do outro: Um problema entre Luana e um participante que acabou de chegar. Cheguei e julguei. Mas com quem eu sou indiferente: quero que se foda.
Terminadas as entrevistas no papel, pude mudar um pouco a atmosfera do grupo e direcioná-la para o conflito, suas dimensões grupais e individuas e principalmente seu potencial terapêutico. Moreno (1974) descreve a estrutura de um grupo terapêutico como uma "miniatura da família" e uma "miniatura da sociedade" (p. 81). A dinâmica familiar pode ser analisada não apenas do ponto de vista individual, como também do ponto de vista do grupo, além de possibilitar a "corporificação de todas as figuras significativas de nossa cultura" (p. 82). Nesse conflito expressou-se, por exemplo, a figura do "machista", através das falas insatisfeitas de Luana.
O conflito entre uma mulher que vinha de um divórcio e estava em um namoro não satisfatório, com declarada ojeriza às atitudes masculinas em geral, incidiu diretamente sobre os medos que Raul alimentou na relação com um pai insensível e autoritário. Na sessão, Luana repetiu que para ela "os homens eram um lixo e as mulheres eram foda". Não parece ter sido uma coincidência que a questão de Raul veio nomeada como "medo de ser tratado como um lixo". Em uma estratégia defensiva, Raul fez comentários ligados à postura feminista defendida por Luana, questionando sua fala de maneira incisiva e se sentindo pessoalmente afetado quando assistiu à cena dela com o namorado.
Entendo também que abordar a violência sofrida por homens em um contexto de comparação com a violência sofrida por mulheres, além de um argumento defensivo, acabou recaindo sobre a experiência de violência vivida e até certo ponto naturalizada no cotidiano de Luana e seus pais. Luana afirmava não ver mais essas situações como um problema para sua vida atualmente. Além disso, em sessões anteriores, Luana afirmou que muitas de suas atitudes atuais seriam duramente julgadas por sua mãe se estivesse viva, ainda que para ela tais atitudes tenham sido as mais adequadas. Esse conteúdo ligado aos julgamentos da mãe, acompanhado de um desejo de tentar agradá-la, havia sido trabalhado também na psicoterapia bipessoal. Mais uma vez, não parece coincidência que a maneira como Luana sentiu o conflito foi nomeada de "julgamento". Obviamente, os sentidos de "julgamento" e de "medo de ser tratado como um lixo" foram acionados por atitudes do aqui-e-agora de ambos os membros, com uma resposta transferencial forte em intensidade e conteúdo claramente nomeado. Logo, a ressonância emocional que provoca um conflito aberto, declarado, impactando com outra intensidade para os demais do grupo, precisa ser compreendida em um contexto psicoterapêutico.
Para Moreno (1976), "o psicodrama é terapia profunda de grupo" (p. 103), na qual não basta discutir verbalmente ideologias pessoais. É preciso ordenar as declarações dos participantes permitindo que seus sentimentos ganhem corpo e se tornem conteúdo orientado para os membros concretos do grupo, através dos quais o problema de um indivíduo (no caso, da dupla Luana e Raul) é geralmente dividido entre todos os membros do grupo.
Perazzo (2010) aborda a transferência em termos de conjunto transferencial, que é constituído pelo personagem conservado ("lixo" e "julgamento", por exemplo) que se transfere para papéis sociais pelo efeito cacho, pelas lógicas afetivas de conduta e pelo poder simbólico da personagem, atuando a partir de um contrapapel decorrente de um vínculo primário. As lógicas afetivas de conduta, conceito desenvolvido por Nery (2003), "são vividas em vários níveis de consciência e vêm sob a forma de expressão sintética de algum aprendizado emocional, derivado de várias experiências vinculares . . . São as ‘células-tronco’ dos processos cotransferencial e de cocriação" (p. 25). Tais lógicas são internalizadas a partir de aspectos provenientes dos vínculos, que são a concepção do "eu" (criança interior), papel complementar interno e a relação entre eles. Percebo que há situações no grupo em questão em que as lógicas afetivas de conduta do papel complementar interno patológico (papel de "lixo", de "julgada", de "desesperada" etc.) bloqueiam a cocriação.
Nery (2003) afirma que os papéis imaginários que desempenhamos podem sair do reduto da fantasia e podem ser atuados em algum vínculo social por meio de papéis latentes, como os papéis de "vítima", "conselheiro", "injustiçada", "humilhado", "desprotegida" etc. A atuação das fantasias através desses papéis emerge constantemente na realidade grupal e se manifesta através de vínculos que podem ser classificados, segundo Aguiar (1990), como vínculos atuais, residuais e virtuais. Os vínculos residuais são aqueles que no passado foram atuais, mas se encontram desativados: são vínculos do mundo interno compostos por papéis imaginários, latentes e aspectos internalizados. Para Nery (2003), a afetividade é interiorizada e expressa na vivência dos vínculos, e a segunda sessão possibilitou a identificação de lógicas afetivas de conduta provenientes de vínculos majoritariamente residuais, ativada pela chegada de um novo membro no grupo.
Castilho (1998) afirma que a chegada de um novo participante a um grupo psicoterapêutico faz o grupo "descer a um nível mais profundo, evocando experiências anteriores, como quando há a chegada de um bebê, emergindo a situação de ciúme, de competição, de disputa de amor dos pais, agora o Facilitador" (p. 73). Nesse sentido, o facilitador não deve se furtar de conduzir a situação, "embora caiba no próprio grupo o processo de assimilação do ‘estrangeiro’" (p. 73). A autora lista algumas atitudes e comportamentos comuns do que denomina "reação ao estrangeiro", dentre eles, atitudes de expectativa, ansiedade, entusiasmo, rejeição, hostilidade e projeções de fantasias no novo participante. A hostilidade de Luana em relação aos homens e motivada por eles estava "pronta" e anunciada antes mesmo de o participante ir à primeira sessão, por exemplo. Já o novo membro pode apresentar atitudes de angústia, timidez, tensão, falas sobre coisas superficiais, atitude desafiadora, sentimento de medo que o leva a agredir em defensiva etc. (Castilho, 1998). O papel psicodramático de "lixo" desempenhado por Raul na relação com seu pai, também já estava "pronto" antes mesmo de conhecer Luana. O aprofundamento emocional ativado na entrada de novo membro, se devidamente identificado e nomeado, pode provocar o reviver e a ressignificação desses sentimentos, muitos deles encontrados nas falas trazidas no compartilhar, descritas a seguir.
No compartilhar, Luana dirigiu a palavra a Raul e disse bastante mobilizada emocionalmente:
Foi foda ter que esperar a vivência, mas ok, foi importante também. Eu me senti julgada, você chegou agora, você não me conhece, você chegou num momento em que eu estava trazendo minha sombra. Eu não disse que acho certo, bonito e legal ser assim! Eu não admito que você me julgue! Eu não admito! Isso aqui é um grupo terapêutico! E olha, numa boa, sem nenhum problema com Aline ou nenhuma de vocês. Eu saio sem problemas se for pra ser desta forma. O que eu não admito é ser julgada, porque você é arrogante pra caralho! Me desculpa, mas você é arrogante pra caralho! Eu precisava dizer isso!
Essa fala retrata o medo de ser julgada, emergindo com uma reativa de defesa mais inflamada, porém mais consciente e declarada, sem o recurso da ironia, da indireta ou das mensagens de WhatsApp, caminhando aos poucos para uma forma mais saudável de lidar com a situação.
Isabela, nesse momento, começou a chorar bastante e a relatar mais uma vez sobre o desespero de estar ali no meio daquela situação de ânimos alterados, por já ter presenciado grosserias por parte do pai com a mãe e por estar distante dessas sensações há bastante tempo.
Bárbara, que não estava na primeira sessão com Raul, mas estava nesta segunda, também começou a chorar intensamente. Com alguma dificuldade para falar, acaba dizendo da violência verbal do pai contra a mãe e do quanto algumas vezes ela mesma se viu sendo agressiva com o companheiro, por ciúme e necessidade de controle. Já Raul disse:
Eu não tenho interesse de forçar a barra. E eu sou arrogante, eu sei disso. Esta é uma das minhas questões. E eu pensei muito durante toda semana se continuaria aqui, e decidi enfrentar o que for preciso. Enfrentar o que for preciso não é enfrentar Luana, é enfrentar o que ela representa para mim e pra mim ela representa meu pai.
Luana respondeu, surpreendendo o grupo: "Agora você me desarmou. Peraí, assim a coisa muda, eu consigo entender um pouco melhor, até porque agora você tá se colocando". A sessão foi encerrada após esse diálogo e ficamos de continuar com as questões trazidas na semana seguinte.
Na sessão descrita, o desempenho de complementares internos patológicos pelos membros do grupo declarou: "me defenda", "não me julgue", "conserte isso por mim", "parem de brigar". Os participantes iniciaram a sessão paralisados em relação aos incômodos, assumindo o risco de manterem-se na superficialidade por estarem emocionalmente bloqueados, possivelmente pelos aspectos cristalizados dos papéis internalizados a partir dos vínculos apresentados com os contrapapéis de mãe, pai e companheiro que emergiram posteriormente.
Ao contrário do que por vezes se fez parecer, a transferência presente nessa complementaridade patológica de papéis não é necessariamente inimiga da criação. Perazzo (2010) afirma que a transferência pode ser "o próprio motor de arranque de uma criação coletiva e, portanto, nem sempre pode ser considerada um caso particular do evento não tele" (p. 78). Na perspectiva da lógica afetiva de conduta, determinado padrão de comportamento é gerado no cerne da transferência, como estratégia de sobrevivência e expressa nas mais variadas formas. Para evitar a crítica, o paciente pode ser "bonzinho" ou pode ser "assustador". Isso pode funcionar a princípio, mas passa a se desgastar, pois "de fato não está de acordo com a verdade interior, com o real desejo" (p. 80), o que ficou evidente quando Luana afirmou não "achar bonito" ser assim e que gostaria de ser respeitada quando traz suas sombras. Cabe acrescentar que, ao ser acometida pelos sentimentos de preocupação e medo de desagradar, comentados anteriormente, abriu-se a possibilidade de investigar que tipo de investimento afetivo acontecia em minha direção, ativando em mim essa resposta emocional. Isso reforça a ideia de que a identificação das emoções do diretor pode ser útil no reconhecimento dos processos transferenciais que ocorrem em um grupo.
TERCEIRA SESSÃO COM O NOVO PARTICIPANTE
Na sessão subsequente, Luana chegou afirmando que não continuaria no grupo, agradecendo pelo espaço e pela acolhida de maneira serena. Raul imediatamente se manifestou dizendo que gostaria que ela continuasse, que a considerava uma mulher forte e essa força assustava, afirmando: "eu acho que se você sair, não faz sentido eu ficar. Pois entendo que preciso estar aqui e lidar com tudo isto".
Bárbara, que relatou desespero na segunda sessão, disse que se sentiu muito mal durante a discussão entre os dois e dirigiu a palavra a mim afirmando: "eu gostaria que você tivesse sido, sei lá, uma mãe nesse momento. É. Uma mãe mesmo. Acabar com isso". Bárbara trouxe a demanda exatamente como a criança que havia trazido na segunda sessão, que se desespera no meio de uma briga e não consegue se colocar, necessitando que os adultos, eles sim, "coloquem ordem" nas coisas, como têm que ser. É interessante perceber o teor télico-transferencial dessa fala, já que ao mesmo tempo em que havia uma expectativa ligada ao cluster 1 (cluster materno) com relação à direção, há a tomada de consciência dessa demanda e a capacidade de falar sobre ela tranquilamente como um adulto. O cluster 1, para Bustos (1999), representa o grupo de papéis em que há uma dinâmica demandante, passiva e dependente. Ainda nessa direção, Luana afirmou que gostaria que eu tivesse me posicionado no intuito de protegê-la, pois estava se sentindo atacada e julgada. Ao invés disso, eu pedi que ela esperasse a fala de Raul chegar até o fim, já que ela pediu a fala enquanto estava na vez de ele falar. Luana também usou a expressão "passivo-agressivo" para se referir ao jeito "manso" de Raul falar. Raul sempre se posicionou, mesmo dirigindo duras críticas à reação de Luana, em um tom brando e falando baixo. Luana se queixou afirmando que isso não amenizaria a força das palavras dele.
Não há uma receita para mediar e intervir em conflitos, mas há alguns princípios que norteiam essa tarefa que, segundo Nery (2010), começam pelo fomento da amizade e cooperação, uma vez que favorece o respeito, a tolerância às diferenças e o manejo de expectativas.
Os conflitos envolvem discordâncias, papéis latentes e jogos de poder. As demandas de proteção maternal não devem nem ignoradas nem prontamente atendidas. Elas precisam ser compreendidas e nomeadas, estimulando o reconhecimento de si e do outro. Ainda segundo Nery (2010), os conflitos são inerentes às relações humanas e, em um grupo, o coordenador está necessariamente envolvido nos meandros do conflito. Ela afirma também que a mediação de conflitos deve ter como base "promover o diálogo entre as partes, dando direitos iguais à fala, explicitando imparcialmente os significados de cada uma, as expressões emocionais" (p. 99). Essa base dá sustentação à busca das motivações mais profundas dos conflitos e dos sofrimentos grupais.
Lidar com demandas próprias do cluster materno é uma missão presente nos mais variados contextos psicoterapêuticos. Uma das preocupações do psicodramatista é preservar o protagonista para que ele alcance efeitos psicoterapêuticos, sentindo-se seguro. Revela-se, então, a difícil medida entre proteger e privar o cliente de enfrentamentos necessários, o que acaba sendo também um conflito materno e/ou parental que recai sobre o diretor. Havia o risco de privar Luana de experimentar enfrentar o conflito com mais clareza quando, por exemplo, esperou o outro terminar de falar após ter falado tudo que precisou naquele momento. Uma das queixas que ela fazia é que às vezes acionava o que intitulou de "gatilho de doida", quando em alguma situação ela perdia o controle e "o sangue subia para a cabeça". Naquele contexto, em que o conflito acontecia em uma sala de psicoterapia, com falas e tempos coordenados por mim, ela teve a oportunidade de retrair esse gatilho, ainda que contra a vontade de imediato, para entrar no diálogo com suas colocações de forma objetiva, sincera e, por isso, não menos respeitosa. Isso culminou em um esclarecimento importante na relação que mal tinha começado, mas já estava carregada de bagagens transferenciais, impedindo que um reconhecesse o outro com seus defeitos, mas também com sua história, virtudes e limitações.
As duas clientes que demandaram um cuidado e atenção mais maternais foram aquelas que tinham um distanciamento maior em relação à figura materna. Além disso, Luana esteve permanentemente firme em suas convicções, colocando-se com imponência na situação. Logo, é fundamental questionar que tipo de proteção estava sendo demandada naquele momento por uma mulher como ela diante de um homem em um diálogo permanentemente coordenado e conduzido. Entretanto Luana se colocou com muita inteireza nos seus sentimentos, ponderando acertos e erros. Raul, ao final, assumiu sua arrogância e se colocou como alguém que se sentia um lixo diante da força e comentários de Luana. Suponho que isso não teria acontecido se qualquer pessoa ali tomasse partido de quaisquer das partes ou permitisse que falas fossem interrompidas antes que terminassem. Assim, proteger significou também garantir que todas as pessoas tivessem seu momento de fala respeitados, sem nenhuma exceção.
Ao final da terceira sessão com o novo participante, Luana desistiu de sair do grupo e essa formação se manteve por mais alguns meses, quando Luana precisou sair por dificuldades com o horário e outros compromissos financeiros assumidos. Nesses meses, a interação seguiu com o processo transferencial mais diluído entre ambos, inclusive com momentos especialmente télicos e colaborativos.
No que tange à teletransferência, acrescento ainda que, ao entendermos que na transferência transpomos conteúdo do mundo interno para o externo (Nery, 2003), ficamos impossibilitados de cocriar e de formar novos vínculos. A estereotipia ocasionada em uma resposta transferencial torna um desafio o estar em grupo de maneira saudável. O processo terapêutico deve trazer à tona processos cotransferenciais (considerando a complementaridade de papéis) que travam a cocriação e aparecem na forma de "emoções desproporcionais em relação a um acontecimento; mudanças inesperadas nas tonalidades da voz, gesticulações exacerbadas, inibições, dominações; a autoexigência excessiva, a autodesvalorização" (Nery, 2003, p. 22). Essas reações demonstram uma conexão não com o outro, mas com o mundo interno constituído por vínculos conflituosos, como aconteceu com todos os participantes nas três sessões discutidas neste artigo.
Com relação ao preparo para chegada do novo membro, entendo que outro caminho possível seria o adiamento da entrada de Raul em uma semana, para que pudéssemos trabalhar dramaticamente a fala de Luana sobre os homens serem "uns lixos". Esse trabalho não garantiria a ausência do conflito porque esse não seria o objetivo. O conflito possibilitou a identificação de demandas terapêuticas extremamente importantes. Mas o que suponho é que esse preparo deixaria o grupo mais aquecido para vivenciar o conflito terapeuticamente, se considerarmos que uma parte das interferências da direção serviu exatamente para resguardar os fins terapêuticos do grupo e elucidar suas possibilidades em meio a um tensionamento. Como em tudo que se refere ao humano, não podemos pressupor garantias ou fórmulas, mas leques de possibilidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As possibilidades terapêuticas nos conflitos e tensões grupais só podem ser notadas mediante o genuíno entendimento de que os conflitos compõem as relações e podem dizer muito sobre elas. O papel de psicoterapeuta de grupo agrega em si uma diversidade de outros papéis que precisam estar em harmonia em uma circunstância de tensão, quando as expectativas de proteção, atenção, controle e diretividade encontram-se em alta.
Resgatando a premissa de que o grupo terapêutico seria uma miniatura da família e da sociedade, muitas outras análises poderiam ser feitas considerando o aprofundamento de sentimentos provenientes de vínculos anteriores quando uma pessoa nova chega ao grupo, a exemplo da chateação de Marta com a arrogância sentida em Raul, concretizada na figura do pai, que quer apenas que a filha concorde com ele em uma fala explicitamente arrogante.
A modalidade vincular afetiva de uma pessoa se expressa em condutas geralmente conservadas e incorpora vínculos residuais específicos. É parte das atribuições do terapeuta de grupo identificar tais condutas e oferecer estratégias integradoras para o grupo poder construir uma narrativa do que se passa consigo, mesmo sem que o terapeuta tenha que lhes dizer o que são e como são, estimulando a corresponsabilização e a capacidade de receber e dar o feedback de maneira respeitosa, objetiva e télica.
REFERÊNCIAS
Aguiar, M. (1990). O teatro terapêutico: escritos psicodramáticos. Campinas: Papirus. [ Links ]
Bustos. D. (1990). Perigo... Amor à vista! Drama e Psicodrama de Casais. São Paulo: Aleph. [ Links ]
Castilho, A. (1998). A dinâmica do trabalho de grupo. Rio de janeiro: Qualitymark. [ Links ]
Moreno, J. L. (1974). Psicoterapia de Grupo e Psicodrama. São Paulo: Mestre Jou. [ Links ]
Nery, P. (2003). Vínculo e afetividade. Caminhos das relações humanas. São Paulo: Ágora. [ Links ]
Nery, P. (2010). Grupos e intervenção em conflitos. São Paulo: Ágora. [ Links ]
Perazzo, S. (2010). Psicodrama. O forro e o avesso. São Paulo: Ágora. [ Links ]
Ramalho, C. M. R. (2011). Psicodrama e Dinâmica de Grupo. São Paulo: Iglu. [ Links ]
Thiollent, M. (1985). Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez. [ Links ]
*Autora correspondente: alineobelem@hotmail.com
Belém AO https://orcid.org/0000-0003-1574-0450
Recebido: 20 Jan 2019 Aceito: 23 Nov 2019
Editora de Seção: Marlene Marra