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Acta Comportamentalia
versão impressa ISSN 0188-8145
Acta comport. vol.21 no.1 Guadalajara 2013
ARTIGOS
Desenvolvimento de guia e fluxograma como suporte para delineamentos culturais1
Guide and flow-chart development as support for cultural designs
Kester Carrara*; Vivian Bonani de Souza*; Dafne Rosane Oliveira**; Natália Pinheiro Orti*; Luiz Antonio Lourencetti*; Fernanda Rodrigues Lopes*
*Universidade Estadual de São Paulo (Brasil)
**Universidade de Brasília (Brasil)
RESUMO
No contexto da Análise Comportamental da Cultura, permeando os conflitos ético-teóricos e as dificuldades tecnológicas que se antepõem aos delineamentos culturais, observa-se a carência de um trabalho de sistematização das opções disponíveis para a conversão de planejamentos culturais em intervenções concretas. Nesse contexto de investigação inserem-se os interesses desta pesquisa, pautados pelo objetivo do desenvolvimento de um "guia orientador" e de um "fluxograma para delineamentos culturais", instrumentos concebidos como facilitadores e preliminares à consecução de intervenções planejadas em práticas culturais interpretadas sob a ótica da Análise do Comportamento. O plano de trabalho fundamentou-se no propósito de elaborar instrumentos capazes de auxiliar pesquisadores na tarefa preliminar de responder às principais indagações, de variada dimensão e natureza, que permeiam a atuação do analista comportamental da cultura. Os autores encarecem aos leitores e eventuais usuários contra qualquer possibilidade de que os instrumentos sejam tomados como receitas prontas para elaboração de delineamentos culturais. Na direção contrária, entendem que referidos instrumentos são contextualizados teórica e eticamente e sugere-se que testá-los, criticá-los e, por certo, reformulá-los e aperfeiçoá-los pode constituir atividade bem-vinda de parte da comunidade científica da área.
Palavras-chave: práticas culturais; instrumentos; metacontingências; guia
ABSTRACT
In the context of Behavior Analysis of Culture, concerning the ethical and theoretical conflicts and technological difficulties which are set before the development of cultural designs, there is a lack of a systematic organization of the available options for the conversion of cultural planning into specific interventions. In this context of investigations is where the interests of this research are situated and guided by the goal of developing a "guide" and a "flow-chart for cultural designs", which are preliminary and facilitative instruments to the accomplishment of planned interventions in cultural practices referenced by Behavior Analysis. The work plan considered the purpose of assisting researchers in the primary task of answering the main questions of varied dimension and nature which permeate the performance of behavior analyst of culture. The authors warn to the readers and users about any possibility that the instruments are taken as ready-recipes for the development of cultural designs. In the opposite direction, they understand that these instruments are theoretically and ethically contextualized and it is suggested that test, criticize and certainly re-plan them can constitute welcome activities by part of the scientific community in this area.
Keywords: cultural practices; instruments; metacontingencies; guide
O livro de ficção (para alguns, uma novela utópica) Walden Two (Skinner, 1977b) pode ser seguramente identificado como a primeira referência literária que sistematiza a possibilidade de delineamentos culturais baseados nos pressupostos do Behaviorismo Radical e nos princípios da Análise do Comportamento. Ademais, a dimensão tecnológica desse projeto ficcional tem constituído palco para debates éticos, teóricoepistemológicos e pesquisas empíricas de viabilidade por parte dos analistas do comportamento (Andery, Micheletto & Sério, 2005; Carrara, 2008; Dittrich, 2008a, 2008b, 2010; Glenn, 1986, 1988; Glenn & Malott, 2005; Gusso & Kubo, 2007; Martone & Todorov, 2007; Mattaini, 2006). A literatura científica veiculada em periódicos especializados e nas comunicações científicas de grandes congressos revela constante ampliação de interesse, estudos e debates epistemológicos, éticos e tecnológicos entre analistas do comportamento. Paralelamente à sistematização e ampliação recente da literatura comportamentalista dirigida às práticas sociais de coletividades, cabe lembrar que, com significativas contribuições, outras áreas de estudo (Sociologia, Antropologia, Biologia, por exemplo) mantêm extensa tradição de pesquisa – ressalvadas as especificidades método-epistemológicas – em áreas temáticas similares.
Nessa perspectiva, resultados de pesquisa bastante promissores para questões relacionadas aos campos de sustentabilidade ambiental, segurança pública, prevenção em saúde, educação, trabalho em organizações, saneamento básico, conservação de energia elétrica e água, dentre vários outros segmentos, têm sido relatados e compõem um cenário de interesse científico e de desenvolvimento consistente da programação de contingências e/ou metacontingências no plano das práticas culturais. Contudo, a motivação para o célere avanço no aperfeiçoamento de estratégias seguras de identificação e consecução de objetivos tem trazido à tona obstáculos, conflitos ético-teóricos e dificuldades tecnológicas que ainda carecem de análise sistemática das opções disponíveis para a conversão de planejamentos culturais (entendidos como planejamento de processos comportamentais para coletividades) em intervenções concretas. Uma vez que as normas editoriais para artigos, corretamente, exigem concisão, permanecerá fora dos propósitos deste texto um conjunto sistemático de conceituações e análises críticas da pertinência de algumas das expressões mais comumente utilizadas na literatura da Análise Comportamental da Cultura contemporânea. Nesse sentido, por exemplo, a expressão "cultura" estará sendo utilizada na sua estrita dimensão comportamental (e, não, cultura entendida como erudição, cultura entendida como arte, cultura entendida como conteúdo midiático e assim por diante). Embora não consensuais, por tratar-se de um campo em exponencial expansão, serão utilizadas expressões como "práticas culturais", "evolução cultural", "seleção cultural" e similares, sempre referenciadas pela dimensão comportamental e articuladas prioritariamente pelo conceito de equivalência funcional presente na maioria das definições dessas e de expressões semelhantes. Tal terminologia tem sido razoavelmente corrente entre os pesquisadores, apoiando-se predominante entre os escritos , cada qual a seu tempo, referenciados em B. F. Skinner e S. S. Glenn. Nesse contexto se insere a proposta deste artigo, de apresentar um "guia de orientação" e instrumentos que o integram e complementam, buscando auxiliar pesquisadores na tarefa preliminar de responder às principais indagações que as várias situações de atuação requerem como indispensáveis. Faz-se relevante reiterar que tal guia orientador em hipótese alguma e para fim algum pode ser tomado como uma receita que suponha a possibilidade de que o simples seguimento de uma série de passos conduziria necessariamente a um bom e eficiente planejamento cultural.
Essa tarefa é de tal complexidade e abrange tantas e tão sutis variáveis a serem identificadas que supor seu completo domínio, por parte de quem quer que proceda à intervenção, é remeter tal projeto ao nicho das inúmeras utopias sociais até hoje irrealizadas, embora tais utopias movam e motivem a humanidade desde tempos imemoriais a buscar mudanças sociais. O Guia e seus demais componentes pretendem, dentro de limites adiante especificados, constituir-se como: (1) instrumentos auxiliares para a identificação de aspectos comuns à maioria das configurações de práticas culturais em distintas comunidades; (2) conjunto sistematizado de alertas aos usuários sobre dimensões éticas que invariavelmente precisam ser tomadas em conta no planejamento e (3) indicativo organizado sequencialmente de uma série de questões e problemas de natureza tecnológica e conceitual que rotineiramente se apresentam entremeando o planejamento de novas práticas culturais.
ANÁLISE COMPORTAMENTAL DA CULTURA
B. F. Skinner (1967; 1982; 1991) e S. S. Glenn (1986) são concordes ao conclamar os profissionais da Análise do Comportamento a envolver-se com a questão do planejamento cultural. Skinner explicita em várias passagens de Ciência e Comportamento Humano (1969a) sua convicção de que as transformações das práticas culturais, embora ocorram de forma "natural", também poderiam e deveriam ser planejadas. Por seu turno, Glenn apresenta, no seu Metacontingencies in Walden Two (1986), um convite enfático ao planejamento cultural a partir de proposições que contêm duas características essenciais: 1) começar pelos grupos menores; 2) começar pela realidade do cotidiano. Nesse sentido, cabe ao analista do comportamento estabelecer tal "diálogo", a partir da avaliação das compatibilidades, das eventuais inconsistências e, sobretudo, das possibilidades de aplicação prática da (moderada) ambição skinneriana de intervenção cultural e da tentativa glenniana de sistematização de uma unidade de análise competente para tal empreendimento.
Pode-se recuperar em Skinner a ideia de que "...uma dada cultura é um experimento sobre comportamento" (1969a, p. 241). Nesse sentido, o ambiente cultural é constituído de um conjunto específico de condições em que certo número de pessoas vive e se desenvolve, o que inclui transmitir suas práticas culturais eficientes às gerações que se sucedem. Mas tal legado não é monolítico: as práticas culturais que sobrevivem no repertório das novas gerações têm um caráter sempre dinâmico e adaptativo. Permanece, quando muito, certo "estilo" de tais práticas, já que estas, à maneira das classes de respostas operantes, são contempladas por variações inúmeras, executadas pelos membros individuais do grande grupo societário ou por seus subgrupos, na medida em que sejam equivalentes funcionais de tal "estilo". Para Skinner (1969a, p. 243), "Quando nos empenhamos no planejamento deliberado de uma cultura, estamos gerando 'mutações' que podem acelerar o processo evolutivo". O autor explica que o experimento cultural não se identifica completamente, por seus procedimentos, com um experimento de laboratório. Neste, as condições podem ser controladas com maior facilidade, dependendo do comportamento a ser estudado: obviamente, não têm a mesma complexidade (no sentido da possibilidade de sua manipulação) as variáveis que produzem uma resposta de pressão à barra por um animal confinado numa câmara experimental e as variáveis entrelaçadas que determinam a instalação, preservação ou mudança de comportamentos sociais participantes das práticas culturais. Skinner insiste na necessidade de planejamento. Talvez se possa concluir que insiste, mesmo, em que as sociedades de fato vivem e permanecem em constante "experimentação natural", na medida em que a experiência de participação cultural implica contínua alternância de práticas em função de sua lógica coincidir com a de seleção pelas consequências própria do comportamento operante. Todavia, essa "experimentação natural" deveria – para Skinner – ser afetada pela participação do cientista na proposição de um design cuidadosamente estudado das práticas pretendidas, dos eventos que as antecederiam e das consequências que produziriam: os delineamentos culturais. Reitera Skinner, (1969a):
Talvez a maior contribuição que uma ciência do comportamento pode dar para a avaliação de procedimentos culturais está na insistência sobre experimentação. Não há razão para supor que uma prática cultural qualquer seja sempre certa ou errada de acordo com certo princípio ou valor, não importando as circunstâncias, ou que qualquer indivíduo possa, em um dado momento, fazer uma avaliação absoluta de seu valor de sobrevivência. Na medida em que se reconheça isso, será menos provável que nos agarremos a uma resposta rápida e inadequada como uma fuga da indecisão, e é mais provável que continuemos a modificar o planejamento cultural para testar suas consequências. (p. 244).
A exortação skinneriana ao planejamento cultural remete ao inevitável enfrentamento de duas questões de grande importância. Tais questões talvez pudessem ser orientadas pelas perguntas Como? e Para quê? Ou seja, como? é questão que deve implicar o desenvolvimento e teste de técnicas e estratégias supostamente úteis nos delineamentos. E para quê? constitui decisão que implica preocupação com a finalidade para a qual se volta um determinado plano. Mais especificamente, a primeira pergunta orienta a dimensão tecnológica e a segunda orienta a dimensão ético-moral dos delineamentos culturais. Ambas são tão cruciais quanto inevitáveis para o analista do comportamento interessado em atuar no âmbito dos comportamentos sociais complexos.
Uma primeira dificuldade examinada e prioritariamente abordada nesta pesquisa – de natureza tecnológica – é enfrentada por Skinner mediante uma aposta no seu sobejamente conhecido paradigma da tríplice relação de contingências (contexto ambiental antecedente – comportamento – consequência), na formulação de seus esquemas de reforçamento e nos três níveis de seleção adotados. Rever brevemente os argumentos de Skinner a respeito desses aspectos pode ser útil para a identificação, mais tarde, de possíveis estratégias – também articuladas às reflexões de Glenn – de elaboração e implantação prática de programas apoiados nos conceitos de contingência e metacontingência.
O cerne da tríplice relação é, obviamente, o conceito de contingência, que na interpretação de Souza (1999) assegura a possibilidade de se identificarem os elementos envolvidos numa dada situação, constatar se existe relação de dependência entre tais elementos e avaliar qual o seu padrão de ocorrência. Em decorrência disso, torna-se viável uma programação de contingências concreta, precisa e plausível, viabilizada no texto skinneriano mediante a adoção dos esquemas de reforçamento complexos, que implicam, de modo geral, a formalização de regras detalhadas de produção de consequências por comportamentos operantes em situações planejadas.
Completam o sistema conceitual skinneriano (Skinner, 1984a, 1990), os três níveis de variação e seleção pelas consequências. Neles, é possível distinguir: (1) uma dimensão filogenética, onde a seleção natural é responsável pelo processo evolutivo e, consequentemente, pelo comportamento típico das espécies; (2) uma dimensão ontogenética, quando o ambiente não é estável por tempo suficiente para assegurar mudanças filogenéticas (e é este o caso de grande parte dos repertórios comportamentais da espécie humana) e mudanças específicas num dado operante decorrem da história particular de um organismo em suas interações com o ambiente; (3) uma dimensão cultural, que consiste no terceiro tipo de variação e seleção e implica contingências especiais mantidas por um ambiente social que, para Skinner, representa a cultura, concebida numa dimensão comportamental (1982, 1987). Note-se que o contexto da cultura, para Skinner, compõe-se de uma articulação indissociável entre comportamento e ambiente, no sentido de que as práticas culturais (que, no limite, são conjuntos de comportamentos) e as dimensões (sociais, biológicas, químicas, porém todas, em última análise, referenciadas na dimensão de sua substância por alguma materialidade física) do contexto ambiental compõem o cenário vital para a existência de alguma sociedade. Observe-se que, embora o controle por consequências diretas se mantenha nos níveis mencionados em (2) e (3), nesta dimensão é o controle por regras que exerce um papel que, embora não único, é extremamente importante. Tal controle é, a um só tempo, econômico e funcional para manter a efetividade das práticas culturais a um "custo de aprendizagem" bastante baixo.
É seguro que Skinner se preocupou com as questões "sociais" desde suas primeiras publicações: lançou as bases de uma análise científica do comportamento das pessoas em grupo em mais de setenta páginas de Ciência e Comportamento Humano (1969a, Seção IV), conviveu com ácidas críticas a Walden Two (1977b) e Beyond Freedom And Dignity (1971a) e apresentou conjeturas e análises sobre aspectos sociais diversos nas publicações dos seus últimos vinte e três anos de vida acadêmica (1967, 1969a, 1971b, 1972, 1977a, 1978, 1984b). A partir dos enunciados seminais de Skinner, o desenvolvimento de uma análise comportamental aplicada estendeu-se por muitos campos de atuação e preencheu a literatura científica de modo crescente. São muitos os exemplos de aplicações, alguns deles descrevendo o campo de atuação e prenunciando as tendências atuais: Fawcett, Mathews e Fletcher (1980), Botomé (1987), Fawcett (1991), Melchiori, Souza e Botomé (1991).
Uma segunda dificuldade enfrentada nos delineamentos culturais está no campo ético-moral. Considera- se a Análise do Comportamento uma ciência, em função de seu corpo de conhecimentos empíricos razoavelmente estabelecidos a partir de numerosos experimentos. No entanto, a produção empírica de dados é interpretada em face de uns tantos pressupostos, tidos pelos analistas como dimensões de uma filosofia de ciência – o Behaviorismo Radical – que embasa a Análise do Comportamento. É nessa interlocução entre ciência e filosofia de ciência que transitam os conceitos centrais e os corolários teóricos do empreendimento behaviorista. Nesse sentido, parece estar fora de dúvida a existência de uma sólida teoria científica. No entanto, questiona-se reiteradamente sobre se estará aí presente – na Análise do Comportamento em sua articulação com a filosofia behaviorista radical – uma teoria moral. Essa polêmica, levada ao campo dos delineamentos culturais, indaga se, quando Skinner analisa fatos e valores e quando menciona o valor de sobrevivência das culturas, não estará se manifestando a partir de uma "teoria moral skinneriana" (da pessoa de B. F. Skinner), mais do que a partir de uma "teoria moral behaviorista radical" (do sistema teórico-filosófico). De todo modo, fala o autor em Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1969a):
[...] (a) interpretação do comportamento do planificador cultural nos leva a uma questão de dimensões clássicas. Eventualmente, uma ciência do comportamento humano pode ser capaz de dizer ao planejador que espécie de cultura deve estabelecer para produzir um dado resultado, mas poderá dizer-lhe que espécie de resultado pode produzir? (destaque nosso). Argumenta-se comumente que há dois tipos de conhecimento, um de fato e outro de valor, e que a ciência se confina necessariamente ao primeiro. Precisará o planejamento de uma cultura do segundo? Deverá o planejador cultural eventualmente abandonar a ciência e voltar-se para outros modos de pensamento? (p. 241).
Como informa Skinner, em algum momento anterior à execução do delineamento, a questão das prescrições éticas aparecerá. Ela é, necessariamente, uma das questões com as quais o planejador terá de haver-se. Para Skinner, no momento de eleger as metas a serem alcançadas, o analista se deparará com os valores clássicos de liberdade, segurança, felicidade e outros, mas também estarão aí visíveis os valores caros e específicos do grupo e também os valores (por vezes, conflitantes) do próprio planejador ou de uma eventual agência que apoia a nova prática cultural. Segundo o autor, embora, às vezes, o ser humano aja de determinada maneira porque "sabe" ou "sente" o que é certo (e, nesse sentido, o indivíduo julga-se na condição de arbitrar livremente sobre a natureza ético-moral de suas próprias ações), ele, na verdade, está sob controle de contingências que determinam seu comportamento. Para Skinner, constitui ilusão a possibilidade de que o planejador cultural possa (quanto à escolha de valores) afastar-se do fenômeno que estuda tão completamente a ponto de alcançar neutralidade absoluta: nesse caso, "Ninguém anda fora da corrente causal" (Skinner,1982, p. 176).
Por outro lado, Glenn (1986, 1988), em função do entendimento de que a descrição das práticas culturais - e, por extensão, a compreensão do terceiro nível do processo de seleção – poderia ser detalhada e ampliada, propõe novas estratégias de investigação que julga compatíveis com o Behaviorismo Radical de Skinner. Sem que seja necessário descartar qualquer das estratégias clássicas, representadas pelos conceitos de contingência e esquemas de reforçamento, propõe a unidade conceitual de metacontingência, já consolidada na literatura sobre planejamento cultural. Glenn (1986, 1988, 1991), Glenn e Malott (2004a, 2004b, 2004c, 2004d, 2005) e Malott e Glenn (2006) referem-se, com isso, a uma unidade de análise que descreve relações funcionais entre classes de operantes, estando cada classe vinculada a uma contingência tríplice distinta dentro de determinado grupo social. Está implicada uma consequência comum, a médio e/ou longo prazo, funcionalmente válida para os membros do grupo, de modo que tal consequência depende de um conjunto de comportamentos coordenados de parte do grupo, que coincide com o que Skinner já designava como prática cultural. Para Glenn (1991), as metacontingências constituem relações contingentes entre práticas culturais e suas consequências comuns aos membros de um determinado agrupamento de pessoas. Nessa direção, a ideia de metacontingências guarda uma diferença com a análise de contingências proposta por Skinner. Estas se refeririam à instalação, desenvolvimento, consolidação e mudança do comportamento operante individual. Dessa maneira, a pertinência do convite de Glenn (1986), antes mencionado, independe de qualquer avaliação do grau de "inovação" (caráter esse, de inovação, sempre questionado, como por Andery e Sério (1997); Carrara (2008); Gusso e Kubo (2007)) que possua ou não o conceito de metacontingências. Resta à responsabilidade do analista do comportamento a tarefa de continuar examinando a pertinência teórico-técnica da noção de metacontingência, agora sem qualquer preocupação no sentido de que esta seja utilizada como um substituto conceitual para a terminologia proposta por Skinner ou um conceito que se incompatibilize com a análise skinneriana das práticas culturais. O conceito glenniano, sem dúvida, por um lado preserva os argumentos centrais do Behaviorismo Radical com relação a questões sociais e, por outro, enfatiza claramente a importância de que se produza uma trajetória de condutas estratégicas do cientista que implicam não apenas a identificação de variáveis que controlam o comportamento individual, mas a identificação e descrição cuidadosa da rede de relações que se estabelece entre classes de comportamentos dos indivíduos que compõem o grupo e produzem um efeito de compartilhamento social.
Tomado como conceito ao menos complementar e útil para descrever práticas culturais e prover sua explicação funcional, as metacontingências possibilitariam um aporte mais direto e detalhado às questões sociais. Tome-se como exemplo a ideia de conservação de água. Um projeto típico de políticas públicas que, nesse sentido, faça incidir sobre o comportamento de toda a população uma série de consequências que assegure, no longo prazo, a preservação desse recurso natural, certamente implicará a programação de contingências, a princípio e por princípio caracterizada como de interesse coletivo, mas, ao mesmo tempo, com inevitável efeito sobre o comportamento individual. Em outras palavras, embora seja corrente na Análise do Comportamento falar-se em "consequências para o grupo", de fato o grupo não é um organismo biológico, mas a reunião de vários organismos, sob circunstâncias especificáveis. Assim, quem permanece suscetível às contingências são sempre os indivíduos que dele participam, nunca o próprio grupo.
Embora a aprendizagem social pelos seres humanos não requeira processos novos além da seleção pelas consequências, Glenn assinala que em virtude da complexidade do processo de análise, a elaboração de diagramas descritivos das relações entre os comportamentos dos indivíduos em seu convívio comunitário é instrumento útil para identificação de cada instância relacional e sua função. Glenn (2003) não rejeita a possibilidade de que exista uma tendência inata nos seres humanos a imitar aquilo que seus congêneres fazem, mas frisa que é a preservação e retenção seletiva de comportamentos imitados que torna plausível a evolução cultural.
Em outro artigo, Glenn (2004) examina o princípio operante de seleção pelas consequências como protótipo definitivo da seleção cultural e o papel do ambiente social como elemento crucial para o surgimento do fenômeno cultural. As contingências operantes individuais são comparadas com as contingências de seleção cultural que ela designa metacontingências. Glenn frisa que as relações resultantes desses dois tipos de seleção contribuem para a formação de redes de relação responsáveis pela organização social. Nesse sentido sugere que, quando se "somam" os efeitos das contingências individuais, constituindo-se redes cujo impacto é decisivo para a vida humana e a sobrevivência das culturas, tem-se o que é designado como macrocontingências, que não envolvem, necessariamente, o nível cultural de seleção com entrelaçamento de comportamentos (com o sentido de interdependência), típico das metacontingências, que revelam funções e efeitos ampliados.
De Skinner e Glenn, parece possível saber que estamos diante de unidades conceituais distintas, mas que não são incompatíveis. Ao contrário, completam-se e parecem, à primeira vista, poderem constituir instrumentos úteis para o aporte da Análise do Comportamento e do Behaviorismo Radical às questões sociais complexas, mediante análise funcional criteriosa das práticas culturais. Seus respectivos convites à ação dos analistas parecem irrecusáveis, ainda que tenhamos que nos defrontar com um trabalho preliminar de sistematização do uso de contingências e metacontingências em delineamentos culturais e de real experimentação cultural, a partir da realidade próxima. Para tanto, parece adequado endossar e ampliar o esforço de Andery, Micheletto e Sério (2005), no sentido de organizar o conjunto de princípios, descrever os principais conceitos e, agora, neste trabalho, dimensionar a sequência de passos típicos a serem executados na área de planejamento cultural pela via da Análise do Comportamento.
No contexto explicitado, a pesquisa desenvolveu-se tendo como objetivos a elaboração de instrumentos auxiliares para subsidiar a construção de projetos de análise e intervenção em práticas culturais, apoiados nos princípios da Análise do Comportamento e com auxílio de uma seleção de questões orientadoras (mediante exame de literatura e avaliação de exemplário selecionado de práticas culturais). De modo específico, instrumentos auxiliares (Checklist, Fluxograma e Questões Gerais) se integram e compõem Guia Orientador para Delineamentos Culturais ou podem – ainda que raramente – ser usados isoladamente, com precauções ampliadas. Essas questões e os instrumentos elaborados foram – preliminarmente à disseminação dos resultados em periódico enquanto forma de submissão à avaliação da comunidade de analistas – objeto de uma apresentação teoricamente contextualizada à análise de pesquisadores de um grupo de pesquisa em delineamentos culturais, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Tais finalidades implicaram etapas específicas, em parte como objetivos intermediários, enquanto procedimento para alcançar a consecução do Guia:
1. Sistematizar um checklist de questões orientadoras sobre obstáculos tecnológicos e ético-morais apontados na literatura pela comunidade acadêmica da área e, tecnicamente, compor instrumento, consubstanciado mediante análise de relevância e pertinência teórico-técnica a partir do cotejamento entre literatura e possíveis demandas temáticas de planejamento cultural.
2. Elaborar um guia orientador, com uma série de passos sucessivos a serem adotados nos procedimentos de intervenção cultural, com apoio em resultados do checklist e mediante utilização de fluxograma devidamente legendado, especialmente com foco no alcance e limites da tecnologia comportamental e em questões ético-morais a serem enfrentadas nesse percurso de atividades pelo analista.
MÉTODO
Fontes e tipos de dados
A presente pesquisa, cujo delineamento, pela natureza de seu objeto, é não-experimental, apoia-se em duas fontes de dados, constituídas por: 1) publicações relacionadas às questões tecnológicas e éticas; neste caso, foram consultadas fontes brasileiras em periódicos avaliados pelo sistema Qualis e, na sequência, fontes consagradas e consistentemente referenciadas pela comunidade internacional de analistas comportamentais; consultas adicionais foram feitas a outras publicações, respeitada a pertinência aos objetivos; 2) seleção de questões mais frequentemente apontadas por pesquisadores vinculados ao GEPEDEC – Grupo de Estudos e Pesquisas em Delineamentos Culturais - em reuniões de pesquisa para elaboração dos instrumentos.
Procedimento
Para a proposição do Guia Orientador para Delineamentos Culturais em questão, algumas etapas foram previamente cumpridas, para que subsídios teóricos e questões aplicadas pudessem ser devidamente contemplados. A literatura inicialmente selecionada constou de periódicos classificados nas duas principais categorias do sistema Qualis e que publicam artigos na área de Análise do Comportamento; foram realizadas as buscas e revisões, mediante as palavras-chave "práticas culturais", "metacontingências" e "delineamentos culturais" de artigos pertinentes à pesquisa nos periódicos: Psicologia: Teoria e Pesquisa; Revista Brasileira de Análise do Comportamento; Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva; Psicologia: Reflexão e Crítica; Revista Psicolog e Revista Perspectivas em Análise do Comportamento; Behavior and Social Issues e Journal of Applied Behavior Analysis. Pela relevância e especificidade reconhecida entre os pesquisadores brasileiros área, acrescentou-se busca na coleção de livros Sobre Comportamento e Cognição e na obra de B. F. Skinner. A partir dos resultados da primeira consulta, foram selecionados os textos constantes nas Referências.
Na sequência, procedeu-se a complementação de levantamento das questões consideradas como indispensáveis à elaboração de qualquer projeto de delineamentos culturais. Nesse sentido, todos os autores participaram funcionando como avaliadores informais e preliminares do que consideravam constituírem as principais indagações que precisam ser respondidas inicialmente pelo planejador cultural interessado em propor mudanças em práticas culturais. Constituem-se de perguntas instrumentais e tecnológicas, perguntas sobre detalhamento operacional de objetivos e perguntas sobre implicações éticas; o coordenador do projeto procedeu à reunião, sistematização e consolidação desse conjunto de questões para a elaboração do corpo do texto do Guia Orientador, apresentado adiante.
Com a finalidade precípua de construção do Guia Orientador de Delineamentos Culturais em Análise do Comportamento, foram desenvolvidas discussões e análises temáticas sobre alternativas de itens passíveis de serem assinalados num checklist aplicável por planejadores comportamentais da cultura. Tal checklist constitui material de apoio e componente do Guia, destinado à identificação dos principais pontos instrumentalmente favoráveis ou desfavoráveis à consecução do projeto (metas consensualmente aprovadas pela comunidade, consequências reforçadoras naturais disponíveis, presença ou ausência de reforçadores imediatos ou de longo prazo, por exemplo).
Para a elaboração de outro componente associado ao Guia, um Fluxograma de decisões no processo de criação do projeto de intervenção cultural, desenvolveu-se investigação, na literatura especializada, sobre (1) quais as normas técnicas vigentes para a construção de fluxogramas e de adaptação dos formatos normatizados às finalidades com que será utilizado no instrumento ora construído; (2) as características funcionais para a elaboração sequencial do próprio fluxograma, apresentado na seção de Resultados.
A etapa final da pesquisa decorreu das etapas precedentes, já mencionadas, implicando a redação das considerações teóricas preliminares do Guia, elaboração e redação das perguntas preliminares típicas aos delineamentos culturais, redação final do Checklist (incluído lista geral de itens e observações especiais) e redação final do Fluxograma de decisões.
RESULTADOS
Após categorização temática, os dados mencionados foram organizados e sistematizados em formatos: gráfico, lista de questões ou itens (checklist), fluxograma de decisões e guia (textual) de orientação. Na sequência, são apresentados os materiais produzidos, resultando em três componentes do Guia:
1) Primeiro componente do Guia:
Checklist, questionário e notas
Tipicamente, um instrumento do tipo checklist, como a própria expressão sugere, implica uma relação de itens que, assinalados, buscam caracterizar determinada situação. No caso dos delineamentos culturais, esse rol se presta a uma identificação preliminar de um conjunto de variáveis presentes (ou ausentes) na situação e demais características que incluem dimensões físico-funcionais do ambiente e das práticas culturais implicadas. Note-se que o checklist, por si, não é suficiente para a elaboração do projeto de análise culturocomportamental. Também por essa razão, optou-se por acrescentar detalhamentos comentados de vários dos itens abordados (Observações especiais) e questões que acompanham esse instrumento. De todo modo, para uma avaliação preliminar, o profissional deve assinalar ou responder, após avaliar a situação, na lista que se segue, todos os itens que se aplicam:
1. O projeto visa:
(a) Eliminar uma prática cultural vigente ( )
(b) Enfraquecer uma prática cultural já existente ( )
(c) Instalar uma nova prática cultural ( )
(d) Fortalecer uma prática cultural já existente ( )
2. Tendo escolhido, na questão 1, a alternativa (a) e/ou (b), identifique, descreva e anote:
(a) As consequências que mantêm as práticas culturais atuais (explicite em que medida essas consequências são compartilhadas)
(b) Os aspectos da história comportamental que parecem ter sido importantes na instalação e consolidação dessas práticas
(c) Outras práticas elegíveis para instalação em substituição à prática vigente e que produziriam consequências equivalentes.
3. Tendo escolhido, na questão 1, a alternativa (c) e/ou (d), identifique:
(a) Quais os eventos reforçadores de curto prazo passíveis de aplicação e disponíveis para modelagem e consolidação dos comportamentos que compõem práticas culturais requeridas?
(b) Quais os reforçadores disponíveis atualmente ou previstos para longo prazo? Descreva como, provavelmente, eles afetariam possíveis práticas culturais propostas.
4. Assinale os itens que se aplicam:
( ) Os reforçadores imediatos estão disponíveis para toda a população
( ) Os reforçadores de longo prazo serão acessíveis à população atual
( ) Os reforçadores de longo prazo serão acessíveis apenas aos descendentes da população atual
( ) Os reforçadores de curto prazo são arbitrários
( ) Os reforçadores de curto prazo são naturais
( ) Os reforçadores de longo prazo serão arbitrários
( ) Os reforçadores de longo prazo serão naturais
( ) Há uma delimitação clara do número de pessoas que compõem a comunidade-alvo
( ) Há uma delimitação clara da faixa etária a ser atingida
( ) Há uma delimitação clara do tipo de população a ser alcançada (todos os habitantes de um determinado território, apenas os aposentados, apenas a população de alunos do ensino superior, apenas estudantes de Psicologia de uma determinada instituição, etc.)
( ) Haverá um estudo piloto para testar os instrumentos a serem utilizados
( ) As consequências planejadas, por extensão, beneficiarão outras populações além da comunidade- alvo
( ) As consequências planejadas, embora provavelmente se identifiquem como produto agregado benéfico à comunidade-alvo, provavelmente constituirão consequência deletéria para outras populações não envolvidas diretamente no projeto
( ) Foi realizado levantamento bibliográfico em busca de literatura científica relacionada ao objetivo do projeto
5. Antes de elaborar o projeto de delineamentos – e para subsidiar tal construção - procure responder de modo detalhado e descritivo às seguintes questões, se e quando elas se aplicarem:
(a) A implementação da nova prática cultural é demanda de quem? Da própria população? É iniciativa externa, de governo, de alguma instituição? Neste último caso, a população foi consultada? O processo de consulta foi democrático, permitindo a participação de todos ou mesmo a recusa em participar poderá ser respeitada? Há um estudo e uma detida análise legal e ético-moral dos propósitos do projeto?
(b) O projeto está de acordo com a legislação da profissão de Psicólogo e com as normas éticas do Conselho Nacional de Saúde?
(c) Há apoio governamental ou institucional previamente identificado para que a iniciativa do delineamento, mostrando-se funcional, subsidie ou se converta em política pública? Algum contato entre pesquisador e fontes de apoio dessa natureza foi buscado? Quais as perspectivas concretas de aplicação?
(d) As consequências planejadas podem ser caracterizadas como contingências cerimoniais ou tecnológicas? Descreva-as.
(e) Utilizando-se de padrões minimamente mensuráveis, descreva objetivo geral e objetivos específicos (ou intermediários) do delineamento cultural pretendido.
(f) Existem etapas e prazos claramente delimitados para cada um dos objetivos específicos (nesse caso, seriam metas ou quantidades do objetivo a serem atingidas em determinados prazos)? Caso se aplique, descreva a variedade de topografias operantes que contribuirão para a produção agregada.
(g) Organize temporalmente uma sequência de etapas ou passos que caracterizem claramente as práticas culturais esperadas e as existentes e que se pretende alterar.
(h) Especifique como se dará o entrelaçamento de contingências na comunidade-alvo em termos de compartilhamento de comportamentos e suas consequências selecionadoras.
(i) Descreva as funções de eventuais intermediadores (pessoas, condições e situações) de contingências.
(j) Elabore uma lista com todos os comportamentos que podem vir a ser alterados em função do delineamento, além da prática cultural que é alvo da intervenção.
(k) A população da comunidade na qual a prática cultural será implementada é homogênea ou heterogênea? (certamente, as diferenças socioeconômicas, educacionais, religiosas precisem ser consideradas pela sua provável influência na adesão às práticas novas). Uma análise consistente e mais detalhada dessas diferenças, das múltiplas formas de intervenção, em diferentes áreas, por diferentes profissionais, pode ser encontrada em Guerin (2005).
Observações especiais para o Checklist:
• No item 4, observar que se os reforçadores imediatos não estão disponíveis para toda a população, diminui a garantia de instalação de uma prática efetiva. É possível a utilização de vários reforçadores, mas, no limite, eles devem manter articulação com o envolvimento massivo da comunidade e não com o comportamento particular de cada indivíduo. Dito de outro modo, a prática cultural a ser instalada e consolidada deve resultar em uma ou mais consequências comuns compartilháveis pelo grupo.
• No item 4, notar que no Procedimento deverá estar clara a maneira pela qual se procederá a uma "transferência de controle" dos reforçadores imediatos para os de longo prazo (por exemplo, mediante o estabelecimento e garantia de visibilidade de regras comportamentais).
• Observar ainda, no item 5(a), que o respeito às diferenças precisa estar claramente enunciado no delineamento. Naturalmente, é por vezes impraticável prever todas as possíveis demandas controversas em relação aos objetivos estabelecidos que possam acontecer durante instalação de uma nova prática cultural numa dimensão temporal muito extensa. Além disso, o grande número e a complexidade de variáveis presentes no contexto de práticas culturais limita parcialmente a acuidade das previsões.
• No item 5(i), observar que é necessário identificar as situações do projeto em que estarão ou estão em vigor metacontingências ou macrocontingências, respectivamente. Essa ação se torna relevante na medida em que as relações funcionais entre práticas culturais ou comportamentos individuais e respectivas consequências se dá de maneira distinta e, por isso, necessitam ser detalhadamente descritas.
• Em 5(j), notar, adicionalmente, que constitui parte do processo de mediação o repertório verbal a ser utilizado tipicamente na descrição de regras ou relações de contingência, de maneira que caracterizar os comportamentos verbais que provavelmente estarão presentes no delineamento é fundamental.
• Em todo o conjunto de observações, os eventuais analistas usuários devem levar em conta, naturalmente, que a cada sugestão, questão ou outro aspecto característico, torna-se indispensável algum tipo de conduta de identificação, previsão, organização e análise vinculadas aos objetivos do plano: evidentemente, de pouco vale apenas tomar conhecimento dos eventuais obstáculos, sem adotar medidas, no projeto, levando em conta o eventual auxílio fornecido pelo Guia (e componentes auxiliares) que favoreçam a objetividade, aplicabilidade e inserção ética da proposta que está sendo elaborada.
2) Segundo componente do Guia:
Fluxograma de etapas típicas para delineamentos
Preliminarmente, sugere-se observar que:
2.1.1) Um fluxograma, embora oriente o usuário sobre quais as etapas principais ou mais comuns de um processo, de modo algum deve ser tomado como abrangendo todas as possibilidades e detalhes de um delineamento cultural baseado na Análise do Comportamento. Tal processo é bastante complexo, uma vez que para sua delimitação concorrem numerosas variáveis que, além de participarem da determinação das práticas culturais, interagem entre si resultando daí efeitos que só um exame detalhado de cada situação particular de análise comportamental da cultura pode revelar. Assim, o fluxograma aqui apresentado constitui nada além de um conjunto de lembretes relevantes, mas não necessariamente suficientes para um bom delineamento cultural. Dessa maneira, o usuário só pode adotá-lo com a cautela adicional imprescindível a um estudo pormenorizado de cada etapa em cada situação particular;
2.1.2) Este fluxograma foi construído com utilização de simbologia de padrão ANSI (American National Standard Institute), padrão esse internacionalmente reconhecido, de modo que os símbolos utilizados e respectivos significados são de uso comum em várias áreas da ciência e podem ser identificados e compartilhados com mais precisão e facilidade. Tais símbolos (originais e algumas adaptações) são apresentados na Figura 1.
2.1.3) Observação técnica sobre o fluxograma: O usuário deve considerar que os símbolos não foram, originalmente, formatados para uso em programação de contingências, mas para a área de ciências da informação, de modo que, mesmo que se revelem úteis para entendimento da existência de uma sequência de atividades, passos ou etapas de um processo de delineamento, as formas geométricas não necessariamente guardam alguma similitude específica com esse processo: importa, no caso, a identificação da existência clara de uma série de condições distribuídas numa sequência temporal e articuladas entre si. Se essa finalidade for identificada pelo usuário do fluxograma, terá sido atingido o objetivo preliminar do instrumento no sentido de facilitar a identificação de similaridade de providências a serem adotadas independentemente da temática que empresta entorno ao objetivo do programa. O uso padronizado da simbologia adotada pode ser visto na Figura 2, correspondente ao Fluxograma que integra o Guia (figura 2).
2.1.4) Observações sobre procedimentos simbolizados no Fluxograma:
• Identificação e descrição da demanda social por mudança (solicitação da comunidade? Iniciativa de governo? Consulta democrática à comunidade? Respeito às normas legais?)
• Delimitação de objetivo geral e objetivos específicos (ou intermediários) presente?
• Delimitação de etapas e prazos para atingir os objetivos?
• Há apoio institucional, governamental e/ou da própria população para a consecução do planejamento?
Havendo apoio, o plano poderá, mediante resultados positivos, vir a subsidiar políticas públicas no setor?
• Proceder à revisão bibliográfica sobre a temática e procedimento a serem abordados no planejamento.
• Descrição do tipo de mudança requerida em prática cultural (enfraquecimento ou extinção de prática – 2 a, b, c do checklist; fortalecimento ou instalação de nova prática – 3a e 3b do checklist).
• Listar reforçadores imediatos, de longo prazo, arbitrários e naturais disponíveis – elaborar documento para consulta rápida no processo de execução.
• Caracterizar população-alvo (número de pessoas, sexo e faixa etária, nível sócio-econômico, quando e se for o caso)
• Descrever os procedimentos de consequenciação a serem utilizados, definindo situações, comportamentos (práticas culturais) e eventos modeladores e selecionadores dos repertórios a serem instalados/alterados.
• Estudo-piloto para testar instrumentos: necessário?
• Consequências cerimoniais ou tecnológicas: quais as estratégias a serem adotadas para reduzir as primeiras e fortalecer as tecnológicas?
• Delimitar qual o produto agregado identificado. Mensurável? Ficará claro para os participantes qual é o produto agregado e as consequências culturais? Como será o procedimento de informação?
• Delimitar quais as consequências individuais e aquelas que dependem de comportamento entrelaçado.
• É fácil e viável a identificação, no contexto da realidade já existente, dos comportamentos e suas consequências?
• Indicar se haverá benefícios/prejuízos para populações adjacentes (havendo prejuízo, voltar à caracterização da demanda).
• Informação à comunidade sobre repertórios, condições de emissão de comportamentos e consequências para respectivos comportamentos.
• Identificação clara dos responsáveis pela execução do plano e de cada uma de suas funções no contexto do planejamento.
• Identificação da equipe de consulta e resolução de problemas de execução.
• Informação sobre data, condições e requisitos para início da intervenção aos participantes.
• Início do programa: datas, local, condições.
• Execução – coleta de dados – avaliação – relatório – feedback à população – disseminação dos resultados, respeitadas as normas éticas para pesquisa e intervenção.
3) Terceiro componente do Guia:
3.1) Orientações adicionais, especificidades teóricas, tecnológicas e éticas.
Por constituir-se em instrumento de trabalho dirigido a um público especializado, composto especificamente por analistas do comportamento, considerou-se desnecessário detalhar integralmente os princípios básicos que fundamentam a lógica de seleção de consequências. Pressupõe-se como indispensável que os usuários deste material, ao pretenderem elaborar e aplicar projetos de programação de contingências "sociais", já tenham se apropriado de amplo e consistente domínio dos principais conceitos e estratégias relacionadas a mudanças comportamentais em variados contextos. Não serão retomados ou refeitos os conceitos de resposta, comportamento, esquemas de reforçamento (intermitente ou contínuo, em razão ou intervalo), reforço, reforçamento, modelagem, modelação, equivalência de estímulos, controle por contingências, controle por regras e outros típicos do corpo conceitual da Análise do Comportamento. De todo modo, alguns aspectos diretamente relacionados ao estudo e intervenção no manejo de fatores que afetam tipicamente a maioria dos repertórios comportamentais entrelaçados de grupos sociais serão destacados, em função de sua importância relacionada aos itens específicos de trabalho constantes do Guia:
1. O usuário deve dominar a lógica pertinente aos três níveis de seleção e variação propostos por B.F. Skinner: filogenético, ontogenético e cultural. Neste caso, o interesse maior recai sobre o terceiro nível de variação e seleção comportamental. Isso implica levar em conta contingências especiais mantidas por um ambiente social que, para Skinner (1982; 1987) representa a cultura.
2. Ao lidar com práticas culturais, naturalmente, lidamos com o comportamento social. Desde 1953, Skinner (1969a) conceitua o comportamento social como sendo "... o comportamento de duas ou mais pessoas, uma em relação à outra ou, em conjunto, em relação a um ambiente comum" (p. 171). No comportamento social, portanto, outra pessoa deve estar envolvida, seja constituindo evento ou parte de evento diante do qual o organismo responde, seja constituindo a fonte de consequências que controlam o comportamento desse organismo. O comportamento social adquire dimensões bastante específicas quando examinado no âmbito das práticas culturais. Nestas, está implícita a repetição/ replicação de comportamentos similares (coerentes, compatíveis e/ou análogos), com especial ênfase no aspecto da funcionalidade para a produção de consequências para vários indivíduos que constituem um grupo.
3. Outra dimensão das práticas culturais que ultrapassa o conceito de comportamento social (embora o incorpore) está na transmissão cultural de tais repertórios, na medida em que eles sejam funcionais para a preservação dessa mesma cultura. Nesse sentido, um dado básico das práticas culturais é sua replicação através das gerações. Naturalmente, o fato de que algumas delas sejam – no longo prazo – deletérias para a sobrevivência dos indivíduos que compõem uma cultura, não significa que deixem de ser práticas culturais ou que estas necessariamente mantenham como princípio a sobrevivência de todos os indivíduos que participam de determinada cultura, durante todo o tempo.
4. Não é sem tempo reiterar que a conceituação skinneriana de comportamento social delimita-se (como descrito no item 2.) pela mediação de outro(s) indivíduo(s) e/ou partes de um ambiente comum. Isso é bastante distinto de outras concepções, que via de regra caracterizam o "social" a partir de uma "sociabilidade inerente" ao ser humano tomada como natureza da espécie: são as contingências implicadas na interação que tipificam o comportamento social tal como visto numa dimensão comportamentalista, mas não uma natureza inerente à espécie humana que "causa" as interações sociais.
5. Embora Skinner (1969a) reiteradamente mencione os "efeitos para o grupo", sempre é bom lembrar que tudo indica tratar-se de uma metáfora: o grupo não constitui organismo, de modo que não interage, ele próprio, com o ambiente. São as pessoas que o compõem que, individualmente, são suscetíveis ao arranjo de contingências. Mas, naturalmente, nas práticas culturais existe uma articulação necessária, por vezes uma dependência entre comportamentos (coerentes entre si) dos componentes do grupo e o contexto ambiental. Ou seja, as consequências que agem sobre o indivíduo selecionam suas respostas particulares; já as consequências que agem nos membros de um grupo como tal, selecionam práticas culturais que, em última análise, também remetem aos comportamentos dos indivíduos, mas com uma especificidade distintiva: são tipicamente comportamentos interdependentes responsáveis pela produção de consequências compartilhadas pelos membros do grupo. Esse é um dos sentidos pelos quais é possível falar de contingências entrelaçadas: os comportamentos operantes individuais dos membros do grupo são controlados por parâmetros de frequência (e/ou duração, intensidade, topografia ou outra medida) compatíveis e funcionais para a produção (a curto ou longo prazo), de consequências funcionalmente equivalentes para os participantes dessa comunidade.
6. Quando se examina o envolvimento de uma coletividade na produção de práticas culturais entre si coerentes e dirigidas à produção de consequências compartilháveis, configura-se um particular conceito proposto por Glenn (1988) no contexto da área de delineamentos culturais: o de produto agregado (Sampaio & Andery, 2010). Esse conceito tem implicações para a descrição de certo caráter de conformidade ou, mesmo, acordo cooperativo entre os participantes, algumas vezes atrelado à caracterização de práticas culturais. Estas, portanto, são constituídas de comportamentos entrelaçados de várias pessoas, onde além das contingências individuais, todos ou uma parte importante do grupo se comportam em função de consequências compartilháveis para esse grupo.
7. De fato, em muitas culturas é comum observar práticas que, embora produzam consequências de curto prazo reforçadoras para todos ou a maioria dos membros do grupo, no longo prazo podem levar a consequências nefastas, como é o caso do uso indiscriminado de recursos naturais (uma variante do que se poderia chamar de "progressimo" predatório), dos quais todos podem usufruir num certo momento mediante benefícios individuais imediatos que alcançam o grupo inteiro, mas que, ao final, podem representar o advento de consequências aversivas atrasadas em larga escala. Portanto, não é um caráter intrinsecamente "bom" ou "ruim", no sentido ético-moral, das próprias práticas, que leva à sua preservação, mas a disposição (muitas vezes não planejada) de contingências que tornam menos ou mais provável a emissão de certos comportamentos que compõem tais práticas.
8. Outra categorização de uso corrente na área de Análise Comportamental da Cultura é a divisão de contingências em cerimoniais e tecnológicas. Essas expressões foram inicialmente tomadas emprestadas por Skinner (1969a) de Veblen (1965). Na releitura de Glenn (1986; 1988) e Todorov e Moreira (2004) as contingências cerimoniais são aquelas onde as relações entre eventos antecedentes, comportamentos e eventos consequentes não são explicitadas com clareza, em função de que "historicamente" as instituições responsáveis pelo controle do comportamento de pessoas em grupo, em vários segmentos, passaram a ser automaticamente obedecidas em função das regras que detêm. Em contrapartida, as contingências tecnológicas são aquelas nas quais os eventos que antecedem ou seguem os comportamentos são claramente explicitadas e sinalizam as condições sob as quais cada comportamento é requerido.
9. O Guia, no contexto dos princípios da Análise do Comportamento, objetiva subsidiar pesquisas ou intervenções sociais planejadas (vinculadas ao desenvolvimento e instalação de políticas públicas) mediante questões básicas e preliminares cujas respostas precisam ser buscadas pelos profissionais e por encaminhamento de uma sequencia de passos desde a identificação do "problema" até a proposição de um programa de contingências especial para implantação, mudança ou consolidação de novas práticas culturais.
10. Se útil e pertinente, o Guia pode, no máximo, auxiliar o analista comportamental da cultura a contribuir subsidiando profissionalmente a elaboração de políticas públicas. Nessa perspectiva, um projeto de políticas públicas é a unidade mínima de aplicação de recursos que, por intermédio de um conjunto integrado de estratégias, pretende transformar uma parcela da realidade, diminuindo ou eliminando um déficit ou solucionando um problema social. Para a elaboração de políticas públicas numa perspectiva que considere relevante a dimensão comportamental, observa-se claramente que há uma sobreposição de questões tipicamente levantadas no contexto da formulação de projetos de delineamentos culturais, como poderá ser notado na sequência. Para a consecução desse tipo de empreendimento, a título de síntese, sugere-se a adoção de uma sistemática de etapas a serem cumpridas (e na qual são reiteradas algumas das verificações e questões já antecipadas neste artigo), na seguinte sequência:
• Antecedentes – Qual a trajetória histórica da prática cultural que se pretende alterar? Há quanto tempo e sob que condições ela funciona nessa comunidade? Como tem atuado, historicamente, a população envolvida sem a adoção da prática que se pretende implantar? Note-se que a noção de "antecedentes", aqui, leva em conta eventos correntes e eventos de história remota, sugerindo ampliação do primeiro termo de uma relação tríplice de contingências.
• Descrição do Problema e Objetivo Geral – Detalhar as consequências, de curto e longo prazo, para as práticas ora presentes ou ausentes; detalhar o contexto físico-social da referida prática cultural; quando for o caso, operacionalizar os objetivos do projeto/programa de políticas públicas, enfatizando e detalhando o papel da Análise Comportamental da Cultura, seu alcance e limitações para contribuir com a solução dos problemas identificados.
• Análise da população envolvida, dimensão dos recursos e estratégias: quantas pessoas estão envolvidas e qual seu acesso às consequências das práticas estabelecidas? Quais as características (descrição funcional) de seus repertórios comportamentais? Quais os eventos ambientais que controlam, como antecedentes, a ocorrência das práticas culturais vigentes? A implantação da nova prática cultural é demanda de qual parcela da população (trata-se de um segmento específico?)? Haveria apoio governamental visível para a transformação do delineamento em políticas públicas formais? Qual a influência ou ligação da população com as políticas públicas para o setor? Houve outras tentativas, ainda que mal sucedidas, de implantação das medidas agora planejadas? Quais os instrumentos (material, infraestrutura física e de pessoal) disponível para implementação das novas práticas? Qual a delimitação territorial e densidade demográfica abrangida? As consequências podem afetar outros grupos populacionais que não o alvo? Isso ocorreria necessariamente num sentido positivo ou poderia constituir risco ou fator deletério para o bem estar de outras populações? Os reforçadores que mantêm as práticas atuais são majoritariamente tecnológicos ou cerimoniais? Há exigência de prazo para se chegar aos objetivos previstos?
• Elaboração de uma "árvore de objetivos" – Uma sequência ordenada de objetivos específicos, ramificados a partir de um objetivo geral do delineamento é fundamental. Dessa formulação serão derivados os detalhes de procedimentos a serem utilizados, atividades específicas de cada etapa do projeto, dificuldades a serem superadas, previsão de resultados, sistema de follow up.
• Plano de recursos e orçamento (pessoal, obras e instalações, material permanente e de consumo, custeio e manutenção)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literatura tem demonstrado um conjunto extenso de grandes dificuldades e desafios na consecução do planejamento cultural. Tais desafios resultam da própria complexidade das variáveis que afetam os comportamentos envolvidos e se entrelaçam em toda e qualquer tentativa de controle sistemático das possíveis relações entre variável independente, variável dependente e variáveis estranhas que tipicamente compõem tais situações concretas de pesquisa/intervenção. Por certo, um bom aporte de princípios fundamentais da Análise do Comportamento ajuda a superar esses desafios iniciais, mas ao menos três aspectos continuam a responder pela complexidade residual para projetos na área e, por tal razão, parte significativa das considerações que seguem a apresentação desta proposta de guia orientador passa pela busca de informações preliminares e por sugestões do que se considera uma abordagem clara e direta dos objetivos e procedimentos do projeto: (a) As questões ético-morais, já que uma das dificuldades preliminares a exigir grande cautela, bom senso e critérios transparentes do planejador é a referente à própria identificação e escolha de "bons" (no sentido éticomoral) objetivos para a própria mudança cultural; (b) A questão do desconhecimento majoritário, por parte dos dirigentes institucionais (governantes, líderes de organizações e líderes comunitários) sobre as possibilidades de contribuição da Análise Comportamental para a consecução de mudanças nas práticas culturais respeitando as demandas claramente requeridas pela própria população envolvida; ou seja, é como se fosse necessário um planejamento preliminar de contingências para sensibilizar, antes de mais nada, os próprios detentores do poder ou controle sobre a edição de regras normativas (Legislativo) e implantação políticas públicas (Executivo, sob diferentes níveis de execução, seja nacional, estadual, municipal, comunitário); (c) A questão da necessidade de superação, via planejamento apropriado, das possíveis incompatibilidades entre "consequências de curto prazo" e "consequências de longo prazo"; essa dicotomia comum e frequente implica, fundamentalmente que, embora as pessoas tipicamente se digam "conscientes" da necessidade de mudanças (a grande maioria, por exemplo, "sabe", no sentido de "estar informada de", que é necessário conservar água ou energia, mas as consequências de curto prazo originadas do próprio consumo desses recursos concorre com a demanda coletiva de longo prazo – incluindo uma variante de "produto agregado" de preservação ambiental via conservação dos recursos naturais). O Guia, portanto, apresenta várias questões transversais a esses três grandes desafios, embora o faça com relação a um número mais amplo de aspectos.
Apesar de que o conceito de "políticas públicas" seja praticamente "intuitivo" e de conhecimento popular, na verdade precisa ser claramente delimitado no contexto de um planejamento sistemático de contingências para que os analistas identifiquem bem seu papel contributivo, seja no aspecto tecnológico, seja na dimensão da discussão e escolha de objetivos concretos para sua implementação. Nessa perspectiva, o usuário do Guia deve considerar que políticas públicas compreendem, tipicamente, decisões de governo, em diversas áreas, que afetam a vida de um conjunto de cidadãos. Constituem, normalmente, atos que os governos adotam ou deixam de adotar e que são destinados a produzir efeitos sobre a vida em sociedade. Nesse sentido, constituem uma forma de intervenção explicita e sistematizada no funcionamento de uma sociedade, seja ela mais ampla, seja ela um segmento específico, uma categoria profissional, mas sempre um conjunto articulado de pessoas (por exemplo: os empresários, os aposentados, os políticos, a população costeira, os agricultores, os estudantes). Políticas públicas, nesse sentido, articulam diferentes pessoas com diferentes interesses e expectativas, o que torna notório, de antemão, que quanto mais abrangentes as políticas públicas, tanto maior diversidade (e, portanto, cuidados de planejamento) de variáveis estará em jogo.
Naturalmente, desde já se evidencia que a contribuição behaviorista radical implica, precipuamente, priorizar a dimensão comportamental da cultura, ou seja, a atuação humana, mediante o comportar-se no contexto da economia, da educação, da segurança pública, da saúde, da indústria, do comércio, da agricultura. Isso se dá em função do fato de que, para a Análise do Comportamento, em todos esses segmentos de atividades sociais está presente a dimensão comportamental e as variáveis que, via lógica da seleção pelas consequências, é inerente às relações interpessoais particulares e às relações interpessoais entrelaçadas em um grupo social (práticas culturais). Consolidar, criteriosamente, o corpo de conhecimentos da Análise do Comportamento e das questões tecnológicas, teóricas e éticas que compõem esse cenário parece revelarse como desafio relevante para o comportamentalismo contextualista e humanista. Nessa perspectiva, os instrumentos aqui apresentados devem ser utilizados parcimoniosamente pelos interessados, observando a ressalva de suas diversas limitações.
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Received: December 12, 2011
Accepted: March 03, 2012
1 Os autores agradecem ao CNPq (Proc. 304485/2008-0) e à FUNDUNESP (Proc. 00987/09) pelos apoios respectivos mediante bolsa de produtividade e auxílio à pesquisa em nome do primeiro autor."