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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.44 no.3 São Paulo 2010
RESENHAS
A empatia psicanalítica
Autor: Stefano Bolognini
Editora: Companhia de Freud, Rio de Janeiro, 2008, 255p
Resenhado por: Norma Lottenberg Semer,1
O autor procura mostrar nesta obra, por meio de certo "passeio" teórico bem como pela sua experiência clínica, que a empatia sempre esteve presente na psicanálise, apesar de ser um tema controverso.
Buscou explorar o conceito de empatia, sem promover ou enfatizar, mas compreender o que pensam diversos autores sobre isso e desenvolver futuras reflexões sobre esse conceito. É interessante que o autor se propõe, sobretudo, a desmistificar a acepção fácil e imprecisa com a qual esse termo costuma ser utilizado, identificando-o a atmosferas pacíficas e maternais, embora para que realmente uma empatia autêntica possa acontecer, é necessária a distância e a diferenciação, atenção e capacidade de manter o pensamento teórico em funcionamento. Valoriza a diversidade de pensamento em sua formação psicanalítica que o faz perceber a psicanálise como um campo em desenvolvimento, em evolução, em movimento e sugere que se mantenha certa suspensão temporária diante das variadas correntes de pensamento.
Na primeira parte do livro, faz uma reconstrução histórica do termo, para além da psicanálise, ao incluir a literatura romântica alemã e o conceito de Einfuhlung. Bolognini traz exemplos de vários românticos em muitas áreas do conhecimento, demonstrando cultura sofisticada, na poesia, na literatura, na música, na medicina e busca estabelecer interrelações entre Psicanálise e Romantismo.
Em seguida, citando um trabalho de Pigman (1995) sobre Freud e a história da empatia, mostra como Freud ocupou-se muitas vezes dos aspectos intrapsíquicos do psicanalista, por exemplo, da atenção flutuante e que é possível perceber, por meio das histórias clínicas, que Freud dispunha de boas capacidades empáticas. No entanto, assinala que analistas de língua inglesa não conhecem a importância que o termo empatia teve para Freud, pois na tradução de Jones o termo Einfuhlung foi poucas vezes traduzido como empatia, embora nas traduções francesas e italianas o termo tenha sido mantido. Em 1913, Freud em seu artigo "Sobre o início do tratamento", fala sobre a empatia como uma condição essencial para a análise, para que se instaure a transferência positiva. Em 1928, em uma carta para Ferenczi, Freud confirma que a empatia atinge todas as coisas que um analista deveria fazer em um sentido positivo, embora já mostrasse preocupação com os excessos que a seu ver aconteciam em alguns relacionamentos entre analistas e seus pacientes.
Bolognini acrescenta que Freud, em 1912, em "Conselhos aos médicos sobre o tratamento psicanalítico" havia desejado que o analista fosse verdadeiramente receptivo, ao comparar a comunicação inconsciente à comunicação pelo telefone. Para o autor, Freud já estava propenso a valorizar a observação de certos elementos da vida interna do analista: lembranças, vínculos, imagens, palavras, privilegiando sempre os elementos do tipo representacional sobre os de tipo emocional, como se o deixar-se surpreender pelos primeiros fosse metodologicamente proveitoso e pelos últimos, emocionais, perigoso.
Nos capítulos seguintes desta parte, Bolognini nos traz a contribuição de outros psicanalistas que se dedicaram a esta questão, como Deustch (1926) e, sobretudo Ferenczi (1928) que se ocupou especialmente com a disposição interna participativa do analista. É sua a definição: empatia é a capacidade de colocar-se no lugar do outro. Desde 1918, Ferenczi considerava a sensibilidade o aspecto essencial da atividade psicanalítica.
Em seguida, Bolognini examina os autores a partir dos anos cinquenta, quando há muita produção psicanalítica sobre o tema da empatia, sobretudo de psicanalistas norteamericanos. Salienta cinco dos mais importantes, como Olden, Schafer, Greenson e Kohut. Bolognini considera Greenson um autor singular porque combina uma forte capacidade de organização teórica do material clínico com autenticidade emotiva. Transmitiu suas próprias intervenções clínicas e permitiu assim uma boa participação do leitor definindo a empatia como uma forma de reestabelecer um contato com um objeto de amor perdido: a parte incompreendida do paciente. Já Kohut costuma ser mais facilmente associado às conceituações de empatia, que considera o trágico da condição humana à falha empática primária dos pais na primeira infância, responsável por uma precoce falha de coesão do self. Kohut preconiza que a empatia deve ser uma condição sine quae non para a tarefa de análise, mas que por outro lado o analista também precisa se afastar da empatia, ir mais além para atribuir hipóteses e teoria, ou seja, substituir atitudes empáticas por atitudes do processo secundário. Para Bolognini, Kohut nos propõe fundamentalmente uma tarefa ulterior, humana e profissional, que não se pode propor a quem não seja psicanalista: a tarefa de permitir com paciência que os "dinossauros internos" dos pacientes, derivados do self grandioso, se descongelem e apareçam na superfície sem que nos causem transtornos; a análise nos ensinou que somente permitindo-lhes retornar à cena do mundo consciente, poderão transformar-se e evoluir.
Em outro capítulo, Bolognini dedica-se às contribuições kleinianas e às relações entre identificação projetiva e empatia. Considera que a escola kleiniana formulou, de fato, uma teoria própria, original e coerente da empatia, embora tenha se referido a ela poucas vezes. A empatia é definida como o produto da identificação projetiva normal. Rosenfeld (1969) e Bion (1967) consideram indispensável a experiência de ressonância do analista no trabalho. Grotstein (1994) considera que quanto mais empático for o objeto terapêutico em relação às identificações projetivas do paciente e quanto menos projetivas e identificatórias são estas últimas, tanto mais a comunicação pode ter para o paciente um significado de enriquecimento.
Na segunda parte, denominada "Uma perspectiva contemporânea", o autor propõe uma reflexão metapsicológica sobre os afetos do analista no trabalho clínico, sua disposição interna. Utiliza conceitos de Winnicott, Bollas, Sandler, mas traz suas formulações pessoais. Assim, por exemplo, assinala que no trabalho do analista é fundamental o contato com o mundo interno próprio e com o do paciente, em uma busca constante para conjugar o sentir e o pensar. Para Bolognini, os afetos do analista constituem um material precioso que merece ser cuidado, protegido, sendo o instrumento de percepção a ser utilizado com precisão. Ao lado de suas formulações teóricas, o autor traz vários exemplos clínicos bem como reflexões sobre cada situação em uma leitura microscópica dos fatos clínicos e das vicissitudes contratransferenciais do trabalho psicanalítico. Considera essencial compreender como os pacientes se sentem, mas deixa claro não ser suficiente. É necessário também compreender porque se sentem assim, em relação às suas características e sua história, mantendo articulado e complexo o sentido do trabalho psicanalítico. Para Bolognini, o compartilhar a experiência profunda do paciente constitui uma das novas dimensões específicas da psicanálise de nosso tempo. A transformação se realiza preferencialmente em um meio de relação; a mente do paciente encontra conforto e se organiza quando o analista se mantém em sua função com autoridade e humildade.
Mostra a importância de discriminar entre a experiência de compartilhar as emoções e a empatia. A contratransferência é uma passagem necessária, mas não suficiente para aproximar-se da condição empática. A contratransferência reconhecida e elaborada constitui caminho indispensável para sintonizarmos com o clima do mundo interno do paciente, para compartilhar a qualidade e a intensidade de suas relações com os objetos internos e para experimentar estados profundos e complexos do self ou empobrecimentos projetivos e estreitamentos defensivos. Para o autor, o compartilhar é um precursor da empatia, que ocorre como resultado integrado, harmônico e amadurecido de um longo processo de compreensão, com a escuta e organização de sensações e pensamentos. Bolognini nos alerta para o risco de uma utilização inadequada de alguns conceitos, como considerar a empatia como um ato voluntário, programado e intencional, o que seria mais próximo do "empatismo". Enfatiza que a empatia é uma receptividade articulada e elaborada que permite integrar uma escuta benéfica da contratransferência, que protege o analista de seus próprios aspectos narcísicos e onipotentes e que lhe permite um bom contato com seu mundo interno.
Enfim, este livro, além de cumprir com seu objetivo de definir a empatia no campo psicanalítico, traz diversas reflexões sobre o trabalho do psicanalista, no campo teórico bem como em sua articulação com a clínica, por meio da exposição sincera de um psicanalista destemido e generoso, que nos permite compartilhar sua experiência e suas reflexões.
Norma Lottenberg Semer
[Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP]
Rua Batataes, 391/101
01423-010 São Paulo
e-mail: norma.lsemer@terra.com.br
[Recebido em 9.7.2010, aceito em 13.9.2010]
1 Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP.