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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.47 no.1 São Paulo jan./mar. 2013
ARTIGOS
Sobre o senso de inexistência: uma área em Reserve
Concerning the sense of inexistence: an area in Reserve
Sobre el sentido de inexistencia: un área en Reserve
Thaís Helena Thomé Marques
Membro efetivo e Analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto SBPRP
RESUMO
A partir da ideia de que, durante a experiência emocional, há um trânsito constante entre os sensos de existência, potência e inexistência, a autora desenvolve elaborações sobre o senso de inexistência. Assinala que, se a observação da experiência emocional leva em conta os referenciais desses sensos, isso propicia a colheita de e o trabalho com elementos provindos da sensorialidade, uma vez que a teoria organizada e definida a partir de relações de objeto que privilegiam emoções e suas significações não permite tais desenvolvimentos. Recorre à ideia de Reserve, um conceito retirado das artes visuais, para aproximar-se de áreas que não foram tocadas pela emoção, mas que se constituem como interface com diferentes dimensões mentais que são acessíveis na experiência clínica. Essas elaborações provêm da conjetura de que as áreas inacessíveis e sem representação no psiquismo se propõem como interface com áreas mais desenvolvidas. Nesse sentido, a autora aponta que o senso de inexistência pode ser apreendido a partir de um fundo de existência, bem como a própria existência humana tem como fonte a inexistência.
Palavras-chave: área em Reserve; senso de inexistência; sensorialidade.
ABSTRACT
Based on the idea that, during emotional experience there is a constant flow among the senses of existence, potency and inexistence, the author develops elaborations on the sense of inexistence. The author points out that, if the observation of emotional experience takes into consideration the references of these senses, this enables the harvest of and the work with elements derived from sensoriality, since the theory organized and defined based on object relations that privilege emotions and their meanings does not allow such developments. The author falls back on the idea of Reserve, a concept taken from the visual arts, to approach areas that have not been touched by emotion, but which constitute as interface with different mental dimensions that are accessible in the clinical experience. These elaborations originate from the speculation that the areas that are inaccessible and without representation in the psyche offer themselves as interface with more developed areas. In this regard, the author points out that the sense of inexistence can be apprehended based on a background of existence, just as human existence itself has, as its source, inexistence.
Keywords: area in Reserve; sense of inexistence; sensoriality.
RESUMEN
La autora desarrolla elaboraciones sobre el sentido de inexistencia, partiendo de la idea de que durante la experiencia emocional ocurre un tránsito constante entre los sentidos de existencia, potencia e inexistencia. Destaca además que si la observación de la experiencia emocional tiene en cuenta los refe-renciales de estos sentidos, esto permite la colecta de y el trabajo con elementos provenientes de la senso-rialidad, una vez que la teoría organizada y definida a partir de las relaciones de objeto que privilegian las emociones y las significaciones no permite tales desarrollos. Se recurre a la idea de Reserve, un concepto extraído de las artes visuales, para acercarse a las áreas que no fueron tocadas por la emoción, pero que se constituyen como una interfaz con las diversas dimensiones mentales que son accesibles durante la experiencia clínica. Estas elaboraciones provienen de la conjetura de que las áreas inaccesibles y sin representación en el psiquismo se proponen como la interfaz con áreas más desarrolladas. En este sentido, la autora indica que el sentido de inexistencia puede ser aprehendido a partir de un fondo de existencia, como también la propia existencia humana tiene como fuente la inexistencia.
Palabras clave: área en Reserve; sentido de inexistencia; sensorialidad.
Deus deu um pão a cada Ave -
E uma Migalha - a mim -
Não vou comê-la - embora à míngua-
Meu pungente prazer -De tê-la - de tocá-la - prova -
Que este Pedaço é meu -
Nada maior para a Cobiça -
De tão feliz Pardal -Pode haver fome - aí afora -
Não me faz falta um Grão -
Tanto sorriso à minha Mesa -Penso o que sente - quem é Rico -
Um Conde - um Marajá -
Acho que - só com uma Migalha -
Mais que todos eu sou -
(Emily Dickinson, 2006, p. 89).
Para a psicanálise, a preocupação com o tema da inexistência é circunscrita por ele estar, com frequência, equacionado a uma oposição à sensação de existir e, portanto, entendido como experiências contrárias à busca pela sustentação de registros psíquicos da vida mental. A isso se soma o fato de que nossas investigações estão mais centradas em áreas que têm relação com conhecimento e anticonhecimento, bem como com o trânsito de emoções e antiemoções que possam vir a adquirir representações nas experiências emocionais.
Neste artigo, considero a ideia de multidimensionalidade da mente, isto é, avalio que simultaneamente pareiam-se dimensões mentais com diferentes características e diferentes níveis de sofisticação, desde as mais precárias até aquelas com possibilidades de sofrer emoções significativas. Trato da captação e observação de uma área da mente presente na experiência clínica que, embora não tenha representação mental em si mesma, encontra-se dentro do trânsito com outros estados mentais com os quais faz fronteira. Por essa razão, só pode ser comunicada através de modelos advindos da própria experiência clínica. É um fenômeno que podemos captar e observar na experiência psicanalítica pelo resultado de múltiplos, encadeados e infinitos processos de transformação, frutos do trânsito constante entre diferentes estados mentais.
Portanto, trata-se de uma dimensão da mente que, embora não sofra transformações por si só, pode ser vislumbrada e registrada por meio das transformações que emanam de áreas com as quais faz fronteira, constituindo-se como uma interface com diferentes dimensões mentais.
Os estados sensoriais, característicos do senso de inexistência, parecem opor-se ao estabelecimento de alguma representação e, no entanto, nem por isso deixam de apresentar-se na experiência analítica. Ainda que se expressem como inacessíveis através da simbolicidade, são percebidos pela perturbação que causam. Refiro-me à ideia de que não se estão opondo como defesa, mas simplesmente estão ali! A oposição é apenas aos nossos métodos tradicionais de observação e à tentativa de enquadrá-los em sistemas teóricos organizados. As ideias que apresento neste artigo propõem um modo de observação que não oferece elementos que possam ser prontamente entendidos, nem proporciona respostas que sirvam a interpretações imediatas e tranquilizadoras. Ao contrário de exercitar respostas, convida ao exercício da curiosidade e do questionamento, próprio da psicanálise.
Com a finalidade de propiciar a sustentação desses questionamentos e seus desdobramentos, considero a mente constituída por diferentes dimensões e proponho percebê-las e registrá-las através de sensos, isto é, desde sensações até emoções conscientes a partir das quais percebemos uma forma de existir em um determinado momento. Proponho considerar a sensação de inexistência além da sensação de existência e de potência, e a observação do trânsito constante entre esses sensos na experiência emocional1. Privilegio o senso, a notação do existir e do não existir, incluindo não somente as emoções, mas também as sensações contidas na experiência. Nesse sentido, estou avaliando uma área ligada à consciência - a precoce consciência da existência, sem pensamento e inacessível pela simbolicidade. Considero que a condição de ter consciência da própria existência possa ser sustentada por elementos sensoriais que não tenham registro psíquico mediado por um vínculo afetivo e que, por isso mesmo, encontram-se vazios de representação e impossibilitados de alcançar significados. Trata-se de uma notação que se sustenta em uma matriz indefinida corpo/mente, em dimensões não abarcadas pela identificação projetiva ligada a fantasias inconscientes que podem ser acessadas por meio do pensamento, da linguagem verbal e de toda rede teórica e conceitual disponível.
No trabalho analítico, em meu modo de ver, é possível aproximar-se dessas dimensões, pois penso que a sinalização de uma perturbação por meio de uma sensação (por exemplo, um som ou grunhido do analisando) já implica, para o analista, um registro precário de algo que passa a não ser mais um mal-estar somente, mas também uma experiência sensorial que pode ser apreendida por ele como comunicação afetiva, e que leva à organização de uma tessitura que pode ir sustentando uma matriz indiferenciada corpo/mente. Essa situação constitui o que descrevi como uma "experiência afetiva com a sensorialidade" num artigo do mesmo nome (Marques, 2008).
Destaco e nomeio essa dimensão de senso de inexistência por ser um estado que tem notoriedade; o analisando o percebe através de suas sensações, embora inacessível pela sua condição de ser em si irrepresentável e inominável. O registro psíquico desta condição depende da existência de um observador presente, pois sua notação é a própria expressão de inacessibilidade e distância, isto é, a pessoa não alcança a experiência de estar presente participando das vivências interacionais, e necessita que alguém observe e registre afetivamente tal condição.
A ideia de multidimensionalidade psíquica, que considera o psiquismo como contendo várias dimensões, nos permite a observação e captação de elementos provindos de estados sensoriais e emocionais, como mencionei em um artigo anterior (Marques, 2008, p. 115). Pontuei que, durante a experiência analítica, ocorre um trânsito contínuo dos estados sensoriais para os emocionais, e dos emocionais para os sensoriais, e que o retorno à sensorialidade constitui, para mim, a base do senso de inexistência. Essa situação é o atributo principal de uma configuração da mentalidade gregária e, muitas vezes, pode se constituir como única condição de sustentação da sensação de existir. Nesses casos, não há o registro da falta do outro - não há o registro de um vínculo que permita a percepção da própria existência para alguém, isto é, o reconhecimento de si mesmo na intimidade de um par. Esse movimento essencial no processo de humanização será substituído por definições contratuais, inanimadas, de quem se é ou, mesmo, pela demanda alheia que determina uma forma pré-definida de existir e ser.
Teorias psicanalíticas clássicas referem-se a emoções, enfocam as vicissitudes da sim-bolicidade e significação e levam em conta a situação edípica, isto é, a busca de si mesmo a partir da relação com o outro. As Teorias do Pensamento e do Conhecimento propostas por Bion (1963/2004, 1965/2004, 1970/2006) nos aproximam de áreas de impedimentos do senso de existência que são, em meu modo de ver, anteriores à situação edípica, condição esta por mim entendida como uma preconcepção. Quero dizer com isso que se trata de uma expectativa e possibilidade do conhecimento de si mesmo que pode ou não ser alcançada, já que essa tarefa mental pode nem chegar a se configurar, da maneira como estão consideradas por mim até o momento.
Contemporaneamente, a técnica psicanalítica sofreu um impacto importante com a valorização da experiência emocional e, posteriormente, com a introdução da ideia proposta por Bion do "Torna-se O" (1970/2006, p. 42), na qual o analista participa e torna-se a dimensão mental que o analisando não é capaz de experimentar, a não ser sensorialmente.
Essas ideias permitem estar em contato com a microscopia do terreno em que trabalhamos - a manifestação de fenômenos protomentais -, oferecendo o caráter dinâmico que a teoria clássica dá conta de apontar. Conjeturo que a função da teoria seja sugerir e representar algo que o analista, que tem acesso a ela, pode alcançar para além do dito e do não dito. Ademais, penso que as teorias psicanalíticas necessitam ser entendidas como transformações de uma determinada experiência em si mesma, irrepresentável em sua essência.
Como o senso de inexistência, que leva em conta principalmente a sensorialidade, está sendo considerado por mim como uma dimensão da mente e não como patologia, disfunção ou defesa, proponho-me a fazer um esboço desse estado mental, presente na experiência emocional e assinalado pelas observações que indico por uma série de peculiaridades difíceis de expressar, salvo através de modelos da experiência. Sustento a proposta de que determinadas dimensões mentais adquirem configurações expressivas nos modelos que o analista sonhou e, dessa forma, permitem o compartilhamento com seus pares. Assim como assinala o poema de Dickinson que serve de epígrafe a este artigo, são "migalhas" extraídas de uma matriz inefável.
Por mais paradoxal que pareça, sabemos através da experiência psicanalítica que a ausência2 também pode ser notada na presença. Isso me leva a imaginar que, embora a sensação de inexistência faça parte da existência, ela não é importante em si mesma, a não ser como um dos principais motivos pelo qual as pessoas vêm procurar análise. Em geral, vêm em busca de que essa sensação desapareça ou que seja preenchida de modo a não incomodar, tal como é o sentimento de ser nada, experimentado como desânimo essencial. Levo em conta que o senso de inexistência (e o nada que o compõe), dependendo do contexto em que é notado, pode ou não ser uma comunicação.
Considero-o como contendo um estado de mente em que prevalecem as sensações, mas que está a serviço de oferecer continuidade à vida; por essa razão, adquire a função de sustentar a existência. Aqui se insere um nó górdio em nossas formulações teóricas e também na abordagem dessas dimensões, pois elas podem ser confundidas e consideradas, dentro da teoria psicanalítica clássica, como a "falta do objeto".
Na experiência que estou considerando, refiro-me à "ausência" de registro da própria existência. Embora o termo ausência pressuponha que tenha havido uma presença anterior, não me refiro a ele desta maneira. Como estou supondo áreas do psiquismo em que a pessoa não tem registro de si mesma, e a partir das quais não seja possível reunir elementos que a apresentem ao seu senso de existência, utilizo o termo para denotar ausência de registro da existência. Essa condição é anterior à percepção de si mesmo a partir de um vínculo afetivo com o objeto, uma vez que, na experiência com ele, há que se considerar a própria existência e a do outro. Imagino, baseada em minha abordagem, que fenômenos já apontados na Teoria do Pensamento de Bion, como o preenchimento da falta, aparentemente acontecem na presença da ausência do registro da própria existência, pois, em geral, o que se torna aparência na condição de inexistência é o fato de não haver percepção da falta.
Ao contrário, sobrepõe-se a ideia de uma vida plena sem diferença nem separação. Nessa dimensão que estou considerando, o ônus mental advindo da percepção da separação e das diferenças entre as mentes envolvidas numa relação é um problema afetivo que nem chega a ser configurado, como me referi anteriormente. Contudo, gostaria de esclarecer que essa aparência e imitação de estar vivo servem apenas de fundo, mesmo que indiscriminado, para que o senso de inexistência esteja presente, num determinado momento, pelo contraste que faz com a imitação da existência.
Ao meu modo de ver, diferentes sensos coexistem em simultaneidade, isto é, não há uma cisão entre o senso de existência e o de inexistência, mas sim complementaridade. Entretanto, quando lidamos com publicação, usamos um tipo de ordenação gramatical, fruto da necessidade de compartilhar ideias articuladas, que propõe cisões aparentes. Na experiência clínica, eles coexistem e se compõem mutuamente. Essa noção de complementaridade é essencial, uma vez que lidar com esses fenômenos, considerando o conceito de defesas, aponta para a psicopatologia e causalidade do processo, um contrassenso para a visão contemporânea da psicanálise: apreensão, nomeação e transitoriedade de estados mentais precoces interagindo uns com os outros em complexa simultaneidade.
Como acredito que ocorre um trânsito constante entre o senso de existência e o de inexistência, e que este último só pode ser percebido em contraponto ao primeiro, observo em minha clínica que algumas pessoas buscam análise a partir da percepção incipiente e insuportável da sensação de inexistência. Pretendo sustentar essas ideias por meio de uma experiência clínica; entretanto, embora não haja um modo de falar do senso de inexistência sem considerar o senso de existência, começo por ele alicerçando-me em modelos.
A experiência de pensar que nossa existência se passa como um rolo de imagens que continuamente se desdobram, segundo a conjetura de Bion no "Trabalho de sonho alfa" (1992/2000, p. 76), leva-me à ideia de que essas imagens, quando capturadas pela visão, podem ser coloridas/intensificadas ou descoloridas/suavizadas e, até mesmo, enegrecidas/ obscurecidas pelos outros sentidos3. Isso contribui para que a suposição de significados que elas possam vir a adquirir varie constantemente, configurando uma comunicação, por exemplo, feita de imagens traduzidas em palavras e palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos compreender nossa precária existência.
A própria linguagem humana, nossa principal, mas não única, forma de comunicação, é um arranjo tanto de palavras traduzidas em imagens como de imagens traduzidas em palavras. E se imagino que ambas, palavras e imagens, constituem a matéria de que somos feitos, penso que Shakespeare tinha razão quando sugeriu que "somos feitos do mesmo material que os sonhos..." (1623/1989, p. 952). Como podem ser entendidos os sonhos, segundo o que Freud nos apresentou, senão também como um arranjo bem articulado de imagens e palavras com a função tanto de encobrir quanto de comunicar?
No artigo "O estranho" (1919/1976), Freud refere que o efeito de estranheza ocorre quando a distinção entre a imaginação e a realidade se apaga, tal como algo que até então encarávamos como imaginário aparece diante de nós na realidade, ou quando um símbolo assume totalmente as funções daquilo que simboliza ou, ainda, quando velhas crenças abandonadas ressurgem. Falando de outro modo, quando, tendo ao fundo a existência e a vida mesma, surge a sensação de inexistência.
Para Bion, o espaço do sonho funciona como um depósito em que armazenamos impressões sensoriais depois de terem sido ideogramatizadas, transformadas em imagens que servirão tanto para fins de digestão quanto de excreção mental.
Como as experiências com certos estados mentais precoces, embora dotados de enorme complexidade, não se encaixam perfeitamente em conceitos psicanalíticos, por não conterem palavras suficientes para dizê-las, vou expressá-las a partir de sensações e emoções trazidas por intermédio de imagens. Minha tentativa é que elas se revelem por meio de uma linguagem que possa ser acolhida à maneira de comunicação através de sonhos, segundo os modelos que Bion nos ofereceu como opção para sustentar teorias já existentes e, ao mesmo tempo, conservar algo mínimo particular da experiência. Reafirmo, com isso, que não pretendo criar um novo conceito, mas um modelo temporário sustentado pelas propostas conceituais que utilizo ao longo do artigo.
Farei a narrativa de uma imagem pintada a óleo numa tela de grandes dimensões para que palavras se traduzam em outras imagens que se tornem mensagens simbólicas para o leitor. Podem também transformar-se em presenças vazias, permitindo uma débil reconstrução de impressões por meio de nossa própria experiência e conhecimento limitados e, até mesmo, viciados.
Desde muito tempo tenho tido experiência direta com as artes visuais, e já na infância pensava que desenhando e pintando eu podia me aproximar com maior precisão do que gostaria de transmitir com palavras. Naquela ocasião, estava convencida de que meu melhor modo de comunicar o que eu alcançava era através do traço e da tinta, uma vez que as palavras não conseguiam dar conta de expressar o tanto de emoções que eu experimentava. Arriscando-me agora a pintar uma tela com uma débil conjugação de palavras, tento estimular no leitor a experiência de pintar sua tela dentro de sua própria experiência emocional.
O fundo da tela parece ter sido construído por uma tempestade de pinceladas verticais respingadas em muitos tons de verde, pouco ocre e menos ainda preto. Essas cores conjugadas através de sombra e luz dão vagas formas a objetos pendentes sem começo nem fim. Eles se misturam de modo que não há como discriminá-los prontamente, oferecendo uma sutil insinuação de que foram conjugados deliberadamente de modo desordenado e, inclusive, aleatório, para dar a impressão de marcha para fora da tela.
Contra esse fundo caótico, está projetada, no canto inferior esquerdo da tela, a única coisa que parece sensata: o contorno vagamente delineado do que se assemelha a uma criança sentada no chão, abraçando as próprias pernas, com a cabeça apoiada nelas - contorno perceptível por conta da ausência de pigmento no espaço em que caberia a figura da criança. Aí encontramos a tela imaculada, porém tão viva e presente que nos faz pensar que a ausência de pigmento torna os outros elementos pigmentados borrados e menos importantes na composição da tela, justamente por perderem a capacidade de contraste.
Nas artes visuais, Reserve indica uma área não inteiramente constituída, deixada em suspenso na tela, talvez para ser completada - ou não - com pigmento em algum tempo futuro, pois naquele momento está além do entendimento e da possibilidade. Como a tela só tem sentido quando tocada pelo pigmento, pois do contrário é presença vazia (desértica), assim também a existência humana só tem sentido quando tocada pelo vínculo, momento em que adquire um significado transitório.
Gostaria de chamar a atenção para a possibilidade de que a parte que não foi tocada pelo pigmento (tela) ou pelo vínculo (existência humana) também carrega um sentido quando em contraste com o pigmento e a falta (registro do vínculo). A parte da tela sem pigmento adquire a forma de uma criança pelo contraste com seu entorno pigmentado.
Um modo de pensar a respeito do espaço da mente é considerá-lo como constituído de uma unidade formada pela totalidade de, pelo menos, duas áreas que constantemente transitam para sustentar a existência: uma que necessita de ligação afetiva (acessível) e outra que tem como essência a intocabilidade (inacessível) - esta pode ser captada como vivência de desvitalização; assim como a Reserve, apresenta a ausência de si mesmo, uma espécie de des-ânimo essencial. Os termos des-amparo, des-ânimo, des-vitalização não têm conotação de manifestações de pulsões de morte ou destrutividade, mas são, para mim, expressões fenomenais do senso de inexistência. Embora considerando que temos teorias sobre desamparo e desvitalização, penso que elas podem nos impedir de captar e investigar o senso de inexistência quando definem o contexto e tomam o lugar da observação. Preocupo-me com a difícil tarefa de sustentar observações psicanalíticas antes que possam ser definidas conceitualmente.
Relato uma área inacessível a partir do pensamento e da linguagem articulada - não é possível tocá-la e transformá-la pelos meios e instrumentos de que dispomos (linguagem verbal e toda nossa rede conceitual). Talvez essa área não possa aprender a falar por se prestar a criar uma interface com outras que se expressam por meio da palavra; por fazer parte das formulações mentais temporárias. Já que não pode ser curada ou extirpada, essa área, cujo único registro é a notação da ausência de si mesmo, provavelmente nunca poderá se sofisticar, isto é, não poderá integrar uma cadeia simbólica, mas apenas compor o senso de existência, servindo a um modo de comunicação inter (Marques, 2006): um intercurso entre os estados de mente conscientes (estados propícios à vigília) e os estados de mente em que se está adormecido (protomentais).
Tenho observado que muitas vezes o elemento mais forte da constituição da existência é uma espécie de área em Reserve, uma área essencial que não foi tocada, de ausência de si mesmo, que pode vir a ser experimentada como falta ou estado de desamparo, caso adquira algum ânimo através do vínculo. Desse modo, quando o vínculo aparentemente se dá, observo que a pessoa se propõe a apresentar-se como uma espécie de depósito e oferecer anteparo à demanda alheia, definindo assim um tipo de existência; porém, tal condição não pode oferecer continência e amparo, pois não se presta ao compartilhamento nem delineia uma relação continente ↔ conteúdo ou possibilita o alcance de significações. Por mais que faça, a pessoa experimenta o sentido de inexistência, já que, uma vez cessada uma determinada demanda, ela tem a sensação que desaparece, porque fica evidente a ausência de si mesma.
Como modelo, noto como uma analisanda experimenta o senso de inexistência quando seus filhos retornam às suas próprias vidas, após uma visita prolongada à sua casa. Isso está de acordo com seu des-ânimo quando fico em silêncio, pensando em algo que para mim possa fazer sentido; boceja sem parar e sua voz vai perdendo intensidade, misturando-se ao som do bocejo ao ponto de eu não mais conseguir ouvi-la.
Na experiência clínica, o analisando - a despeito da presença do analista e de tudo o que está a sua volta, do todo que se torna fundo indiscriminado da tela da sua existência onde ele próprio não aparece - experimenta a ausência de si mesmo que o leva a vivenciar um des-ânimo, algo como desvitalização e uma falta de esperança fundamental, traduzida no desalento e fadiga para abrir espaço para notar e entender o que lhe parece não poder ser notado e, muito menos, entendido em relação às suas experiências.
A ausência expressa na experiência por esse tipo de desânimo ou desinteresse essencial toma conta de todo o contexto, fazendo desaparecer os contrastes. A imagem que mais se aproxima disso é a do deserto, onde os contrastes são praticamente inexistentes.
No entanto, ocorre uma espécie de paradoxo nesse tipo de situação, pois, na ânsia de compreender, mesmo a ausência se torna presença aos olhos de quem vê. O olhar pacífico e meditativo do analista, quando isento de moralidade, pode perceber a vivida presença da ausência do analisando, e esse fato torna possível um tempo de experiência dentro desse espaço da ausência - no meu modelo, a Reserve -, mesmo que além do entendimento.
A própria presença dessa ausência emite impressões para o analista (e o espaço em Reserve aguarda captação para se constituir), algo entre o "ainda não e o não completamente" (Bion, 1975/1989, p. 139), que considero como estados mentais inacessíveis - infra ou ultras-sensoriais. Esses estados estão sempre subjacentes à apreensão da experiência, sendo difícil saber se ou como os tocamos. Usando a imagem da tela, o analista, ao mesmo tempo que observa a área de ausência do analisando em sua presença como registro de existência, nota que ele próprio faz parte do fundo indiscriminado, que abriga e dá forma àquele modo de existir.
Se o espaço da mente esboça-se como uma densa e dolorosa espera que está continuamente ameaçada de não se constituir em razão da obscuridade da qual provém, eis aí o motivo de a própria mente só se justificar como um estado que sustente a expectativa de suposições de significados. Estes podem ser encontrados pelo analista quando considera as impressões sensoriais em trânsito, não porque em si mesmas tenham importância para o psiquismo, mas para poder observar as emoções ausentes que lhe são subjacentes, os contrastes. São João da Cruz (1993, p. 66) expressou com palavras pontuais esse estado, denominando-o aridez sensitiva, raio de trevas e contemplação obscura.
Considero Reserve um espaço ativamente mantido que passou a ser investido da experiência de intocabilidade; uma ausência de si mesmo. Imagino que certos estados mentais precoces se perderam por falta de continência e isso, em si mesmo, constituiu-se como uma área em Reserve que se propõe como um espaço continente de si mesmo. Um deserto é constituído para que a pessoa exista nele, dando-lhe a noção de que sua ausência é certa e tornando esse fato presente.
Uma pessoa procurou-me para análise num estado bastante peculiar, sobre o qual, inicialmente, tive a impressão de não saber como nomear. Num primeiro momento, ela me pareceu encontrar-se num estado de depressão - um nome conhecido, mas insuficiente para eu compreender o que se apresentava, dado que, embora se encontrasse em minha frente um homem bem-sucedido profissionalmente, de estatura grande e tom de voz grave, ele parecia não estar presente.
Minha presença e o ambiente da sala também pareciam não ter importância para ele, e essa impressão veio do fato de ele ter me oferecido custosas e abreviadas informações que continham, entre elas, um grande vácuo, pois não tinham continuidade. Falou que havia feito análise anteriormente durante dois anos e nada mais, ficando a presença de um deserto do qual me senti fazendo parte. Ao mesmo tempo em que buscava ajuda, parecia não necessitar dela. Na primeira vez em que estive com ele, resolvi fazer-lhe algumas perguntas que, ao serem respondidas com sim, não ou não sei, deixaram transparecer ainda mais o deserto. Tive a impressão de não haver expectativa por parte dele de que eu dissesse algo que lhe fizesse sentido, e percebi que eu não tinha pretensão de conversar, pois me sentia seca. Percebendo que apenas estávamos ali fisicamente e nada mais, apontei-lhe minha impressão. Reagiu dizendo: É.
Pensei que estivesse se estabelecendo incipientemente entre nós um tipo de transferência adesiva - nomenclatura que não me ajudava -, mas fui percebendo, durante as experiências seguintes, que nos encontrávamos num enorme espaço árido. Desses momentos, só me lembro de suas informações breves e do oco que se estabelecia nelas e entre nós. Eu experimentava impulsos contidos de me calar ou de apenas dar informações, ecos que muito provavelmente só aumentariam a sensação de estarmos numa gruta4 dentro do deserto. Numa determinada sessão, contou-me algo com aparente continuidade. Encontrara um colega de faculdade que morava no exterior e não via há tempos. Quando o colega lhe perguntou como estava sua esposa, da qual havia se divorciado há pouco (informação que o colega não tinha), respondeu: Não sei, saindo em seguida.
Percebi que não tinha noção de que havia dado as costas ao colega, e experimentei uma profunda compaixão pelo analisando. Pensei que parecia não ter acesso a si para estabelecer algum tipo de relação que não fosse baseada em sua ausência. Como isso estava acontecendo conosco, pensei:
Parece que marcamos um encontro no deserto e estamos tentando nos localizar com grande dificuldade. Não temos ponto de referência, algo como à direita, à esquerda, perto disso ou daquilo, pois ele não tem o que me dizer sobre si. Apenas me informa sobre os fatos e não tem ideia do que eles têm a ver consigo/conosco.
Disse-lhe que eu percebia que estava me informando dos fatos e que parecia não ter importância o que eu lhe dissesse. Por meio de sua resposta, percebi que, sem se dar conta, deu-me as costas, talvez na tentativa de se dar as costas: Não sei.
Sendo esse o modo como se davam nossas conversas, por muito tempo me senti desvitalizada, pois frequentemente nada me ocorria. Parecia que meus órgãos dos sentidos haviam secado. Após certa sessão, lembrei-me de uma passagem de O sonho, em que a personagem Posição Depressiva indaga a respeito da essência do pensamento puro:
Como é que a pessoa reconhece um enrubescer tão invisível, um ruído tão inaudível, uma dor tão impalpável, que sua intensidade, intensidade pura, é tão intensa que não pode ser tolerada, mas precisa ser destruída mesmo que envolva o assassinato do indivíduo "anatômico"? (Bion, 1975/1989, p. 62).
Haviam se formado dois caminhos: ou desistiríamos um do outro, sentido por mim como em andamento, ou poderíamos tentar, cada um a seu modo, encontrar referências a fim de nos localizarmos e estabelecermos um vínculo emocional.
Numa ocasião, quando me parecia que algo entre "o ainda não e o não completamente" evoluiu ao ponto de alcançar algum tipo de representação - a qual, segundo minha captação, se aproximava de um estado de desamparo -, ele contou que, em uma de suas idas ao supermercado, deparou-se com a antiga analista, que lhe disse: Nossa! Você se encontrou, hein? Sua reação foi confirmar e despedir-se. Sobre essa experiência, disse-me: Fiquei sem entender a colocação dela, porque sou uma enorme bexiga vazia. Portanto, comopoderia ter me encontrado?
Para mim, ele experimentava algum vislumbre da nossa ligação, pois oferecia uma imagem; indaguei-me sobre que tipo de representação teria a presença de uma enorme bexiga vazia. Como descrever essa imagem? Conjeturei que, juntos, pudéssemos formar uma grande bexiga vazia sem forma própria. Que forma teria, caso fôssemos preenchidos? Quem preencheria quem?
Pensei que seria possível estarmos sós como uma bexiga vazia, mesmo tendo a companhia física um do outro, caso eu não encontrasse vida em mim mesma ou um modo de fazê-lo sentir vida, notando suas próprias impressões na experiência comigo.
Após ficar envolvida com esses pensamentos, perguntei-lhe: Não dá para ver uma bexiga vazia? Que forma tem? Ele respondeu: É vazia; cheia de gás hélio fica redonda. Calou-se.
Pensei que a bexiga, quando cheia de gás, sobe e fica quase inacessível; podemos segurá-la com cuidado para que flutue e não nos escape; do contrário, desaparece. Por outro lado, a bexiga cheia de ar é mais acessível para manipular e dar forma, e corre risco de estourar próximo de quem a manipula.
Digo que ele me parece não entender como, sentindo-se tão vazio, posso tentar enxergá-lo, quando ele mesmo não se vê ou se vê como alguém inacessível.
Sua reação ao que eu disse foi incrível: Gostaria de ser invisível, andar por aí sem ser visto.
Falei que a imagem de uma bexiga cheia de gás era a forma que melhor expressava a maneira como estava sentindo-se: esperava que eu o segurasse tal qual uma bexiga cheia de gás hélio. Pensando na sensação de intocabilidade, disse-lhe ainda que me lembrei da cena do videoclipe de uma música chamada Nothing is gonna change my world, em que homens de terno flutuavam em pé e sentados em cadeiras, enquanto uma criança solitária tocava os pés no chão segurando uma bexiga que lhe escapou.
Respondeu: Eu conheço! Se você me segurar pra eu não desaparecer de vez já está bom!
Essas experiências trouxeram-me uma indagação sobre o tipo de instrumental que mais frequentemente utilizamos: nós mesmos. Ao mesmo tempo que não nos sentimos prontamente em condições de interferir na tela que o analisando traz pintada ou nas áreas em Reserve, pois necessitamos compreender melhor o que se apresenta, lidamos com a enorme ansiedade de dar algum tipo de forma ao irrepresentável.
Deixo uma formulação de Samuel Beckett, em seu romance O inominável, muito significativa para representar esse quase irrepresentável:
Cabe-me agora fingir de morto, a mim que eles não souberam fazer nascer, e minha carapaça de monstro ao redor de mim apodrecerá. Mas é totalmente uma questão de voz, qualquer outra metáfora é imprópria. Eles me incharam com suas vozes como um balão, por mais que me esvazie continuo a ouvi-los. Quem, eles? E por que nada mais, desde algum tempo. Será possível que me tenham abandonado dizendo, É isso mesmo, não podemos tirar nada dele, não insistamos, ele não é perigoso (1989, p. 42).
Para rematar, destaco que, tendo como pano de fundo as ideias sobre o trânsito entre os sensos de existência, inexistência e de potência, desenvolvi um modelo para observar estados mentais precoces e complexos que compõem o senso de inexistência. O conceito de Reserve, retirado das artes visuais, sustentou minhas observações e vivências com esse senso. Nesse caminho, segui as sugestões de Bion de criar um modelo temporário para transpor a enorme dificuldade que teorias definidas têm em propiciar o alcance e delimitação de uma área mental ainda sem representação e significação.
Referências
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Correspondência:
Thaís Helena Thomé Marques
Rua Dr. Granadino de Baptista, 412
17502-180 Marília, sp
Tel.: (14) 3454-1637
thmarq@terra.com.br
Recebido em 13.8.2012
Aceito em 19.10.2012
1 A discussão sobre o trânsito desses sensos na experiência emocional consta no artigo "Traçados de linhas de memória e observação da natureza da mente" (Marques, 2007).
2 Aqui uso o termo ausência menos no sentido daquilo que foi reprimido e está inconsciente, e mais no sentido do que é inacessível e sem representação, por se encontrar na condição de intocabilidade, em que não foi possível o registro da existência - Freud se refere à diferença entre repressão e rejeição em "Erotismo anal e o complexo de castração" (1917-1919/1976, pp. 101-102).
3 Em Uma memória do futuro, o personagem Homem explica para a personagem Rosemary como ele entende a totalidade da amplitude que pertence ao domínio da mente (incluindo a ficção) - "Homem: Talvez ajude - mas pode ser que atrapalhe - lembrar de um animal fictício ou imaginário, chamado Quoodle, que se queixou do fato de seus donos fictícios, os homens, não poderem sequer reconhecer o 'cheiro brilhante de uma pedra'" (Bion, 1975/1989, p. 138).
4 A sensação de estar em uma gruta já se configurava como um tipo de representação tosca oferecida pelas minhas impressões sensoriais. Posteriormente, alcançou outras representações.