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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.53 no.1 São Paulo jan./mar. 2019
CARTA-CONVITE
Marina MassiI; Leda Maria Codeço BaroneII
Editora
Editora associada
Antes de ser destruidor, o ódio é separador. O ódio cria o objeto, ele o objeta, seu paradoxo é que ele põe, afirma e reconhece tanto quanto procura negar aquele que visa.
JACQUES ANDRÉ
Após os dois números sobre política, percebemos que poderiamos aprofundar um elemento importante à psicanálise: o ódio, que tem estado presente no momento que vivemos no Brasil e no mundo. Trata-se de um sentimento que se refere à vida psíquica, mas que tem seu corolário também na vida social.
Vivemos o risco de desmantelamento da nossa democracia. O acirramento da polarização política vem trazendo à superfície o ódio camuflado em tempos de paz.
No livro O cultivo do ódio (1995), ao analisar a experiência burguesa do século XIX, Peter Gay nos informa que cada cultura, classe e século constrói seus álibis para justificar a agressão. Entre esses álibis, destaca três: a concorrência, a construção do outro conveniente e o culto à masculinidade. Embora fossem variadas as combinações dessas justificativas, todas elas forneciam identificações coletivas próprias à formação de comunidades e, ao mesmo tempo, de exclusão do diferente. Nesse sentido, "ao reunir comunidades de pessoas 'de dentro', elas revelavam - muitas vezes, inventavam - um mundo de estranhos para além das paliçadas, indivíduos e classes, raças e nações, que era perfeitamente adequado contradizer, tratar com superioridade, ridicularizar, explorar ou exterminar" (p. 43). O autor ainda chama a atenção para o fato de essas três justificativas terem o mesmo efeito de cultivar o ódio nas duas acepções da palavra: o de estimular e o de conter o ódio, oferecendo argumentos plausíveis para a sua expressão, mas "obrigando-o a fluir dentro de canais de aprovação cuidadosamente demarcados" (p. 43).
Freud nunca negligenciou o poder da agressividade na economia psíquica. Já em suas pesquisas iniciais, reconheceu a importância na vida anímica da raiva, do ódio e da destrutividade, os quais, sempre à espreita, se manifestam na resistência do paciente à análise, no humor, no desejo de morte aos entes queridos e nos ataques rígidos diante dos impulsos de prazer - impulsos primitivos e selvagens, que jazem escondidos em tempos de paz, aguardando uma oportunidade para manifestar sua força.
O ódio é um tema de que a psicanálise sempre se ocupou. A RBP convida os colegas a enviar seus artigos, estejam eles numa perspectiva mais clínica ou numa perspectiva mais social. Fica a provocação: quais serão, nos dias de hoje, os álibis utilizados para o cultivo do ódio?
Os trabalhos deverão ser encaminhados para o e-mail da revista rbp@rbp.org.br até a data-limite 18/3/2019. As orientações editoriais estão disponíveis em http://rbp.org.br/normas-de-publicacao/.
Aguardamos as colaborações.
Referências
Gay, P. (1995). O cultivo do ódio (S. G. Paula & V. L. Noronha, Trads.). São Paulo: Companhia das Letras. [ Links ]
Equipe editorial 2019-2020
Abigail Betbedé, Berta Hoffmann Azevedo, Cláudia Amaral Mello Suannes, Salomão Goldfajn, Maria do Carmo Meirelles Davids do Amaral, Patrícia Vianna Getlinger, Sonia Soicher Terepins, Ricardo Trapé Trinca, Tiago da Silva Porto.