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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.54 no.4 São Paulo out./dez. 2020

 

RESENHAS

 

Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos em instituições

 

 

Any Trajber Waisbich

Psicóloga. Psicanalista. Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Correspondência

 

 

 

Autor: Pablo Castanho
Editora: Linear A-barca, 2018, 411 p.
Resenhado por: Any Trajber Waisbich

O que mais chama a atenção neste livro de Pablo Castanho é o convite feito ao leitor de acompanhar o autor pelos meandros das teorias grupais por intermédio de suas concepções pessoais. Castanho é, portanto, um intelectual no ofício de professor. Ele articula as ideias de diversos autores, principalmente as de René Kaës, que propôs realocar a teoria sobre grupo da periferia para o centro da teoria psicanalítica. Kaës, aliás, prefacia este livro.

A obra é uma releitura da tese de doutorado de Castanho, em que estuda grupos em situação institucional. Para tanto, lança mão de seu lugar como supervisor no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Por meio de pesquisa e observações clínicas, Pablo Castanho amplia conceitos e expõe a técnica e a teoria por detrás daquilo que entende por atendimento grupal nos vários segmentos. Constrói, assim, outra forma, não dogmática, de estudar o método psicanalítico. Propõe uma abordagem científica transdisciplinar na busca de relevância e legitimidade dos constructos observados.

A leitura deste livro se faz necessária sobretudo aos interessados em análise de grupo e dispostos a surpreender-se com o inusitado da metodologia. Pablo Castanho convoca S. H. Foulkes, J. Bleger, P. Aulagnier, E. Pichon- -Rivière, C. Vacheret, J.-P. Pinel, R. Roussillon, A. Brun e outros psicanalistas nesse trajeto. Ao longo da obra, se aproxima dos teóricos que contemplam seus pressupostos e assim o auxiliam na formulação de teorias originais.

Na primeira parte, o autor apresenta uma revisão da teoria disponível. Começa com Freud, com a noção de cultura, e retoma as ideias de alguns autores para verificar como elas se atualizam, constantemente, numa clínica que se repensa. Estuda como se formam as alianças inconscientes que incidem sobre o aparelho psíquico individual, como ocorrem os pactos denegativos e o contrato narcísico ao se repetirem nas instituições em que os sujeitos se incluem. Cito o autor: "Cada novo membro de uma cultura é convocado a ser inserido nessas alianças, mas elas também podem retornar em um pequeno grupo coordenado por um psicanalista, sendo elementos importantes da vida desses conjuntos e deste livro" (p. 79).

Na segunda parte, Pablo Castanho compara tanto as diferenças quanto as similaridades encontradas na literatura a respeito dos temas expostos. Nas palavras do autor, "procurando nos manter no terreno dos elementos que podem ser mais diretamente utilizados para pensarmos, por um lado, o enquadre dos grupos que proporemos e, por outro, a realidade institucional, de um modo geral" (p. 110). Acredito ser essa uma boa contribuição do livro para o trabalho grupal.

Nessa mesma parte, introduz o leitor, com cuidado, às ideias de R. Kaës e esclarece conceitos criados por este. Persiste na questão das organizações, indagando-se sobre seus funcionamentos específicos e sobre a transmissão psíquica na vida institucional. A partir daí o autor não apenas discute como também desenvolve uma metodologia considerada relevante para sua prática.

Nesse sentido, Pablo Castanho estuda o dispositivo grupal, as técnicas e as várias formas de trabalhar com grupos, desde aquelas em que seus membros são convidados a falar livremente (sobretudo nas vertentes de S. H. Foulkes e R. Kaës), as quais não o satisfazem completamente. Essa percepção estimula-o a buscar outro jeito de intervir através da técnica ativa proposta por Sándor Ferenczi. Recorre às ideias de Pichon-Rivière, psicanalista que trabalha na fronteira da psicologia social e incorpora a noção de tarefa e aprendizagem nos grupos, e à concepção de objetos mediadores, de Claudine Vacheret, a fim de lidar com esses fenômenos.

Destaco, como ponto fundamental deste livro, o modo como Pablo Castanho dialoga com autores e adapta uma metodologia que responda às dúvidas do pesquisador na busca por resultados transformadores. Cito o autor novamente, no momento em que afirma a necessidade de nos mantermos "fiéis ao compromisso com a perspectiva do atravessamento de paradigmas que caracteriza nosso trabalho" (p. 79).

Gostaria ainda de ressaltar que as pesquisas citadas foram desenvolvidas por psicanalistas franceses na Universidade de Lyon e fora das sociedades de psicanálise das quais seus autores, na maioria dos casos, são membros. Curioso no mínimo, evidenciando o interesse de Pablo Castanho por esse viés teórico que foi buscar na fonte esse ensinamento.

Ao longo da segunda parte, Castanho se detém nas inúmeras modalidades de transferência, entre as quais estão as horizontais, as verticais, as fraternas e a central, que ocorre somente com o coordenador do grupo. Acrescentemos a contratransferência do analista e as fantasias nos grupos. Dou mais uma vez voz à preocupação do autor:

Este é precisamente o caso da transferência com a tarefa cuja importância fundamental em nosso trabalho contrasta com a escassa (embora importante) literatura sobre o assunto. Deste modo, o leitor poderá acompanhar neste ponto nosso esforço de elaboração própria e julgamos contemplar uma proposta original. (pp. 191-192)

Nessa abrangência de conteúdos no contexto grupal, menciona conceitos como espaços comuns e espaços partilhados. Conceitos são revisitados e adquirem novo sentido. Refiro-me, por exemplo, a manejo, porta-palavra, porta-voz, grupo visto como um sonho, conflito, fantasia partilhada, polissemia, vínculo e muitos outros que seria impossível comentar nesta resenha. São, sobretudo, termos com significados precisos, que auxiliam o leitor a sistematizar a teoria aplicada e definir quais seriam as técnicas a empregar em cada procedimento.

Na terceira parte do trabalho, Castanho aborda a prática com grupos em contexto institucional e apresenta três dispositivos discutidos em sua função de supervisor na usp. Esse é um dos pontos mais interessante do livro. É como se o leitor estivesse dentro da sala de atendimento. Podemos acompanhar, pari passu, seu estilo como supervisor e o que destaca no processo grupal.

O autor discute, com suas supervisionandas, o lugar de coordenador de grupo e estimula novas respostas por parte delas. Nas supervisões, demonstra como as escolhas não muito claras das alunas são atravessadas por uma cultura institucional de modelos rígidos. Como observamos, existe uma tessitura sempre mutável de teoria baseada numa observação acurada dos fenômenos grupais. Pablo Castanho não se contenta em reproduzir fórmulas prontas; inventa saídas inovadoras para antigos pressupostos.

A preocupação social deste trabalho se evidencia a cada supervisão, e através desse olhar o professor se indaga:

Nesta medida, poderia nossa sociedade exercer esta metaescuta? As dificuldades de escuta dos membros do grupo entre si, das coordenadoras com o grupo e entre si, do serviço municipal e da supervisão nos estimulam a perguntar: o que de insuportável do nosso laço social pode retornar através destes grupos? Oxalá possamos ao menos sustentar estruturas de assistência e formação que possam escutar esses sofrimentos. (pp. 367-368)

É nessa lógica que o autor acredita que todo profissional de saúde deva pautar-se por uma ética da diferença. No meu entendimento, atesta que todo psicanalista deveria se engajar politicamente com seu objeto de estudo.

Na última parte do livro, sintetiza o essencial dessa conversa. Aponta as técnicas e teorias não aleatórias de atendimento dos grupos, levando em conta seus membros, independentemente do viés escolhido. Assim, através das implicações advindas do método, Pablo Castanho recupera uma história e uma memória de trabalho em grupo pouco disseminadas em nosso universo. Tece considerações sobre seu aporte com grupos em instituição. Contribuição bem-vinda nos tempos atuais.

 

 

Correspondência:
Any Trajber Waisbich
Avenida Brigadeiro Faria Lima, 2013, conj. 9F
01452-001 São Paulo, SP
Tel.: 11 98331-5537
anytw@uol.com.br

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