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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.34 Canoas abr. 2011
ARTIGOS DE PESQUISA
Avós/cuidadoras e seus netos com deficiência: uma experiência em musicoterapia
Grandmothers/carers and their disabled grandchildren: an experience in music therapy
Fabiana Leite Rabello Mariano; Geraldo A. Fiamenghi Jr.
RESUMO
Membros da família extensa, como avós, podem auxiliar a aliviar o estresse causado pelo nascimento de uma criança com deficiência. Estudos sugerem que os avos sejam incluídos em programas de intervenção. Também foi comprovado que a musicoterapia é útil para lidar com dificuldades emocionais. O objetivo desse trabalho foi observar a interação entre díades de avós/cuidadoras e seus netos com deficiência em uma atividade musical. Organizou-se uma sequência de atividades musicais durante uma sessão de 50 minutos. Os resultados sugerem que o contexto musical pode auxiliar na interação entre avó e neto, apesar da deficiência da criança. Os elementos musicais foram facilitadores para a expressão emocional dos bebês e de suas avós, principalmente expressões e atitudes positivas. Os bebês com deficiência demonstraram uma disposição para envolver-se em trocas interativas e musicais, sugerindo que a musicoterapia pode auxiliar no desenvolvimento da saude emocional de famílias de crianças com deficiência.
Palavras-chave: Deficiência, Avós, Musicoterapia.
ABSTRACT
Extensive family, such as grandparents, may help to relieve the stress caused by the birth of a disabled infant. Studies even suggest that grandparents be included in intervention programs. Also, music therapy has proven to be useful in dealing with emotional difficulties. The aim of this research was to observe the interaction between dyads of grandmothers/carers and their disabled grandchildren in a musical activity situation. A sequence of musical activities was organized, during a 50-minute session. Results suggest that musical context may help interaction between grandmother and grandchild, despite the child's disability. Musical elements were facilitators of infants and grandmothers' emotional expressions, mainly positive emotions and attitudes. Infants with disabilities showed a disposition to interactive exchanges and musicality and results suggest that music therapy may help improve emotional health of families with disabled children.
Keywords: Disability, Grandparents, Music therapy.
Introdução
A capacidade terapêutica da música tem sido reconhecida cientificamente desde a segunda metade do século XX, quando estudos sistemáticos utilizando a música como instrumento terapêutico foram realizados nos EUA, com o objetivo de tratar a depressão pós-guerra, assim como na Argentina, com o tratamento da depressão pós-pólio, sendo criados os primeiros cursos para musicoterapeutas (Costa, 1989). A Federação Mundial de Musicoterapia (WMTF) define musicoterapia como
(...) a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um paciente ou grupo, num processo organizado para facilitar e promover a comunicação, os relacionamentos, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, para que atinjam as necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. A musicoterapia objetiva desenvolver os potenciais ou restaurar as funções do indivíduo, para que ele/ela atinja uma integração intra e interpessoal mais adequada e, consequentemente, uma qualidade de vida mais satisfatória, por meio da prevenção, reabilitação ou tratamento. (WFMT, 1996, s/p)
Uma contribuição importante para a musicoterapia foi o conceito de identidade sonora musical (ISO) de Benenzon (1985), que se refere a toda a complexidade de sons que integram os aspectos psicofisiológicos de cada pessoa. Por meio da ISO do paciente, o musicoterapeuta pode estabelecer os objetivos e desenvolvimento do seu trabalho, de forma que os sentimentos desorganizados e as relações interpessoais conflitantes possam ser resolvidos por meio das experiências musicais. A musicoterapia não se restringe a uma patologia específica, mas opera numa extensa faixa de possibilidades, levando em conta características individuais, sociais e culturais (Trevarthen & Maloch, 2000; Ilari, 2005; Schaler, 2005; Hatem, Lira & Mattos, 2006; Todres, 2006).
Em relação ao desenvolvimento infantil, os bebês nascem com a capacidade de relacionar-se e comunicar-se com os estados psicológicos de outras pessoas. Esta habilidade é denominada intersubjetividade inata, isto é “a capacidade que permite aos bebês envolver-se em trocas de sentimentos, interesses e intenções com outras pessoas (Trevarthen, 1999, p.13). Fiamenghi (1999) e Fiamenghi, Vedovato, Meirelles & Shimoda (2010) referem-se à empatia emocional como fundamental para a comunicação, com o sentido de que “a empatia nas relações mãe-bebê parece ser a base para a modulação do relacionamento do bebê com outras pessoas (Fiamenghi, 1999, p.33). Stern (1992) acrescenta a importância da sintonia afetiva, uma forma primária de compartilhar as experiências subjetivas. Os critérios considerados por Stern (1992) ao investigar a presença de sintonia afetiva parecem convergir para o conceito de pulsação motivacional intrínseca (IPM), definido por Trevarthen (1999) que o descreve como sendo uma pulsação interna, que faz com que o bebê, desde a mais tenra idade, estabeleça com sua mãe uma sintonia de movimentos e expressões e variações melódicas com a voz. Deste ponto de vista, o bebê já se reconhece como um ser separado de sua mãe (Stern, 1992; Papapeliou & Trevarthen, 1994; Trevarthen, 1994; Trevarthen, Kokkinaki & Fiamenghi, 1997; Trevarthen, 1999). A Teoria da Intersubjetividade Inata clarifica e apoia a compreensão do papel da música nas relações dos bebês com o mundo. Trevarthen e Maloch (2000) afirmam que esta comunicação intersubjetiva é possível justamente porque a música proporciona uma expressão qualitativa dos sentimentos humanos, como se fosse um forte impulso inato. Para Trevarthen (2006), a musicalidade presente nos bebês funcionaria como um processo de relacionamento social. Por meio de brincadeiras musicais, canções e gestos os bebês aprendem a atrair a atenção dos entes queridos e a obter sua aprovação, colaboram para relacionar-se com eles e com quem estiver ao seu redor. Curiosamente, as canções infantis cantadas pelas mães em diferentes culturas, apresentam traços comuns de emoções e princípios estéticos. Compreendemos, portanto, que a presença da música na vida do ser humano é significativa, na medida em que tem suas raízes nos primórdios de sua constituição psíquica e que elementos musicais básicos como a noção de pulso, ritmo, melodia, constituem a base para a comunicação.
Quando se pensa nas relações familiares, pode-se afirmar que a chegada de um filho cria uma série de expectativas, tanto para aqueles que planejaram o momento da gravidez quanto para aqueles que não planejaram, pois o nascimento de uma criança gera mudanças na estrutura familiar. Afinal, a partir deste momento o casal passará a desempenhar um novo papel devendo se organizar para cuidar deste bebê (Fiamenghi & Messa, 2007). Segundo Silva e Dessen (2001), o nascimento de uma criança com deficiência mental na família gera um grande impacto em seus membros, levando certo tempo para esta família se reestruturar. Em relação à participação de avós na criação e apoio nos cuidados com os netos, acredita-se que subsistemas avós e netos com deficiências também existam, colaboram para a reestruturação familiar inicial e, provavelmente, continuam auxiliando a família ao longo dos anos, quando a mãe muitas vezes se encontra sem condições psicológicas e emocionais para os cuidados com a criança com deficiência (Nunes & Vilarinho, 2001; Silva & Salomão, 2003; Chacon, Defendi & Felippe, 2007; Fiamenghi & Messa, 2007). Alguns estudos ainda revelam que a participação de avós neste contexto pode ser benéfica, sobretudo no alívio do stress, no apoio emocional, ou até mesmo econômico (Dessen & Braz, 2000; Trute, 2003; Pit-Ten Cate, Hastings, Johnson & Titus, 2007).
O objetivo deste estudo, portanto, foi observar as interações entre avós e seus netos com deficiências durante uma situação de atividade musical.
Método
Este estudo qualitativo investigatório foi desenvolvido em uma escola de música de uma cidade do interior de Minas Gerais.
Participantes
4 bebês, de 10 a 27 meses de idade, com suas avós participaram deste estudo. Embora tecnicamente a faixa etária esteja ligeiramente acima, optamos considerá-los todos “bebês" devido à extensão das deficiências das crianças, A inclusão de duas díades bebês-cuidadoras mostra a realidade de cidades do interior, onde, às vezes, vizinhos assumem a posição de membro da família, com todo o envolvimento afetivo presente. Compreendemos que possam existir diferenças entre as formas vinculares entre avó- neto(a) e cuidadora-neto(a). Contudo mantemos a posição de que os vínculos afetivos podem ser tão fortes quanto os da família original.
As díades bebê-avó foram definidas da seguinte maneira:
Avó-bebê 1: cuidadora e bebê de 10 meses, do sexo feminino, com atraso global do desenvolvimento, devido a maus-tratos. Ela sofre de refluxo gastroesofágico e sua postura postural tem que ser observada continuamente. A cuidadora leva o bebê a diferentes terapias e assume todo o cuidado diário com ela.
Avó-bebê 2: cuidadora e bebê de 22 meses, do sexo masculino, que sofreu choque anafilático aos 12 meses, resultando em paralisia cerebral, com movimentos restritos aos olhos e à cabeça. Ele não pode falar e é alimentado por sonda gástrica. A cuidadora conheceu o bebê no hospital, quando ele se recuperava do choque e, desde então, é ligada a ele e à família, auxiliando os pais nos cuidados diários com o bebê e também com a casa.
Avó-bebê 3: avó (paterna) e bebê de 24 meses com síndrome de Down, do sexo masculino. A avó ajuda a mãe nos cuidados diários com o bebê, que havia sofrido uma cirurgia cardíaca pouco tempo antes do início da pesquisa.
Avó-bebê 4: avó (materna) e bebê de 27 meses, do sexo feminino. O bebê nasceu com deficiência motora, que interfere em sua coordenação e impede a locomoção. A mãe trabalha em período integral e a avó é responsável pelo cuidado diário do bebê.
Instrumentos
1. Gravador digital.
2. Instrumentos musicais: piano, teclado, instrumentos de percussão adequados para bebês, como chocalhos, afoxé e pau de chuva (aprovados pelo Inmetro).
3. Objetos artesanais desenvolvidos para o encontro, como fantoches, cartões com imagens; CDs infantis e partituras musicais.
Procedimento
A seleção dos participantes desta pesquisa foi realizada após uma visita a duas instituições de atendimento especializado a pessoas com deficiências da cidade. O contato foi estabelecido com as assistentes sociais e equipe administrativa, sendo apresentado o projeto, os objetivos da pesquisa e a solicitação de colaboração da instituição no sentido de fornecer os nomes, endereços e dados necessários para a comunicação com as famílias. Após o contato inicial com os participantes, foi oferecida uma Carta de Informações, com os objetivos da pesquisa e um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pelos pais ou responsáveis e pelas avós. As atividades foram, então, agendadas de acordo com a disponibilidade das avós. Os comportamentos das avós em relação aos bebês e destes em relação às avós foram observados e anotados nas fichas de registros. Foram anotados todos os comportamentos das duplas e o encontro gravado para posterior análise dos dados. Devido a dificuldades de horário e organização das avós participantes da pesquisa, foi possível realizar apenas um encontro com cada díade avó-bebê, que durou aproximadamente 45 minutos, com várias atividades:
Chegada: canto inicial onde se cumprimentou cada bebê pelo seu nome. O objetivo foi marcar o início das atividades.
Hora do canto: foram apresentadas canções infantis do cancioneiro popular (Todos os Patinhos; Poc-Poc; Enrola, Enrola), sempre acompanhadas de elementos concretos como fantoches, gravuras, objetos coloridos sonoros e instrumentos musicais. O objetivo foi preparar o grupo para as demais atividades e também proporcionar ao bebê o contato com a voz por meio do canto livre, além de estimular o bebê para suas possibilidades vocais.
Movimentação corporal: foi apresentada uma canção (O Pequeno Camponês, de Schumann, op. 68), e as avós, na medida das suas possibilidades físicas, desenvolveram os movimentos com as crianças sempre respeitando o desejo da criança e acreditando em suas capacidades, como dançar em roda, movimentar os membros do corpo seguindo ritmos, intensidades e alturas dos sons. O objetivo desta atividade foi colaborar sensorialmente para o desenvolvimento dos bebês, por meio de estímulos sonoros e corporais, além de proporcionar um momento descontraído com os movimentos da dança.
Compartilhando saberes: novamente sentadas em círculo, de preferência em almofadas, foi o momento em que as avós puderam cantar ou contar histórias de sua infância. O objetivo foi valorizar as experiências das avós, possibilitando a continuidade dos seus rituais familiares no que tange às canções e brincadeiras de infância.
Percepção rítmica e melódica: momentos de improvisação e exploração livre de instrumentos musicais, como o afoxé e o pau de chuva, acompanhados ou não pelo piano. Audição de pequenas peças musicais (Chuva Caindo), sempre chamando a atenção da criança para sons, ritmos alturas, mesmo que aparentemente não esteja havendo uma compreensão por parte da criança. O objetivo nesta atividade foi desenvolver a percepção rítmica e melódica do bebê fornecendo a sua aculturação, ou seja, possibilitar o contato com tonalidades e métricas da sua cultura.
Relaxamento: neste momento, o bebê e a avó ouviram histórias gravadas ou, peças tranquilas (Canção de Ninar, op. 68, n. 5, de Grieg). O objetivo foi buscar um momento de maior interação entre avó/bebê. Também foi uma pausa, de maior tranquilidade, para que o bebê pudesse ter seu espaço de expressão.
Despedida: Cantou-se uma canção de despedida emitindo o nome do bebê. O objetivo foi demarcar a finalização do encontro.
Para a seleção das músicas e dos instrumentos musicais, os critérios utilizados se deram a partir das obras de Gainza (1964) e Gordon (2003). Assim, para as músicas, os critérios foram: melodias simples para a memorização; cantigas folclóricas mais conhecidas; melodias clássicas mais conhecidas que eventualmente pudessem estar no imaginário das avós; padrões rítmicos e melódicos bem definidos; qualidade do som agradável e relaxante; variedade de timbres e alturas de som; melodias sem palavras para fixação de padrões melódicos e rítmicos para manter o interesse na música e não na linguagem. Para os instrumentos musicais, os critérios foram: instrumentos de fácil manejo pelos bebês; instrumentos que pudessem ser lavados ou desinfetados; que possuíssem um som de intensidade fraca a média; que tivessem timbres diferenciados, divertidos, inusitados e tradicionais.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade, processo CEP/UPM nº 1046/05/2008 e CAAE nº 0023.0.272.000-08.
Resultados e Discussão
Os dados levantados foram categorizados a partir da proposta de Fiamenghi (1999) e as categorias adaptadas para a análise dos comportamentos das díades e de seus comportamentos frente aos elementos musicais (sonoridades, ritmos, brinquedos sonoros), músicas e instrumentos musicais, entendendo que a proposta musical é parte indissociável deste momento, pois tais elementos funcionam como facilitadores do encontro intersubjetivo. Foram estabelecidas três categorias negociadoras:
Interação (avó e bebê estão envolvidos em algum tipo de interação, começando com um olhar na direção do outro, chamando sua atenção com algum instrumento, a avó dirigindo alguma fala ao bebê, ou o bebê se dirigindo à avó; balbucios; sorrisos, risos, apontar, acenar, olhar para o outro e manter o olhar fixo no outro);
Convite (a avó ou o bebê tenta fazer contato, mas não obtém sucesso, isto é, um dos dois não responde. O convite tem o potencial para criar novas interações);
Imitação (a avó ou o bebê reproduz o comportamento do outro; tenta reproduzir o comportamento do outro, mas é apenas parcialmente bem sucedido; a dupla se comporta da mesma maneira, ao mesmo tempo).
Também foram criadas nove categorias emocionais:
Curiosidade (esta categoria depende inteiramente do olhar e envolve arregalar os olhos; dirigir-se aos objetos apresentados, tentar pegá-los, experimentá-los);
Felicidade (sorrisos ou risos olhando para a própria imagem ou para a avó, além de expressões de alegria relacionadas às atividades desenvolvidas e aos instrumentos apresentados);
Surpresa (arregalar os olhos, juntamente com expressões vocais que denotem a surpresa, como " ah', "oh'; levantar as sobrancelhas; abrir a boca, enquanto olha para o motivo da surpresa);
Atenção (o bebê olhar e manter o olhar na avó e vice-versa, ou na pesquisadora, ou instrumentos, ou participar da atividade);
Cuidado (comportamentos que denotem carinho e preocupação tanto da avó para com o bebê, quanto do bebê para com a avó, como acariciar, abraçar, beijar, bem como preocupação com o estado físico e emocional do bebê);
Indiferença (deixar de olhar para o outro bebê ou avó e olhar em outra direção Também foram considerados os seguintes comportamentos: buscar outros instrumentos ou objetos em detrimento dos instrumentos oferecidos para o bebê; a avó deixar o bebê e conversar com a pesquisadora assuntos fora do contexto);
Distração (parar de olhar para a avó, bebê ou pesquisadores quando durante a realização de cada atividade e realizar algo fora do contexto);
Inquietação (mover-se de um lado para o outro, ou para cima e para baixo, franzir as sobrancelhas e fazer caretas; o bebê se estiver no colo, querer descer. A avó olhar as horas, questionar o tempo restante da atividade);
Irritação (começar a ficar irritado ou choroso; jogar os instrumentos, gritar, manifestando negação à proposta; A avó perder a paciência com o bebê, chamando sua atenção).
As categorias emocionais foram agrupadas em positivas (Curiosidade, Felicidade, Surpresa, Atenção e Cuidado) e negativas (Indiferença, Distração, Inquietação, Irritação). Embora os pesquisadores tenham clareza de que os nomes das categorias podem indicar situações que não seriam tradicionalmente designadas como "emoções', sua escolha deu-se porque as emoções pareceram dirigir estes comportamentos.
Os comportamentos analisados foram considerados em cada momento do encontro, ou seja, Entrada, Canto, Movimento Corporal, Compartilhando Saberes, Percepção Sonora e Rítmica, Relaxamento e Despedida. Os referenciais utilizados para a formulação das atividades deste encontro basearam-se, sobretudo, da área de educação musical, porém levando em consideração princípios da musicoterapia, como por exemplo, o princípio de ISO (Identidade sonora do paciente). A análise descritiva foi realizada por díade e, ao final, uma comparação entre elas, destacando os comportamentos e resultados mais relevantes, estabelecendo alguns padrões de comparação entre elas, com a ajuda dos diários de campo. Esta comparação será apresentada a seguir.
Nas Categorias Negociadoras, o aspecto Interação apareceu em todas as quatro díades, sobretudo nas cuidadoras, momento em que pudemos observar uma intenção de estimular os bebês demonstrando uma preocupação com o seu desenvolvimento cognitivo. Verificamos uma diferença entre a avó paterna e a avó materna, em relação às categorias analisadas. Na relação avó materna/bebê (díade 4), as interações foram em maior frequência. Na relação avó paterna/bebê (díade 3), a avó convida, porém sem êxito. Assim as interações desta dupla são as menos frequentes. Algumas hipóteses foram formuladas a respeito desta circunstância, como a dificuldade estar relacionada à deficiência do bebê; ou a um problema de estabelecimento do vínculo; ou até mesmo a timidez da avó diante da proposta musical apresentada, o ambiente novo, ou a presença de observadores.
Abaixo, a figura 1 mostra as situações interativas presentes nas 4 díades.
Nas Categorias Emocionais, Cuidado registrado nas avós cuidadoras apareceu em maior frequência do que nas díades 3 e 4. Deduzimos que este fato pode estar relacionado à responsabilidade assumida por elas em relação aos bebês, que foi voluntária e não fruto da obrigatoriedade do vínculo familiar. As categorias Atenção e Cuidado apresentadas pelas avós foram sempre relacionadas às atitudes e ações dos netos. Os bebês, ao contrário, apresentaram a atenção voltada para as atividades musicais. Evidenciamos uma dinâmica de intenções positivas por parte das avós, ou seja, elas queriam que seus bebês aproveitassem a oportunidade de serem estimulados. Todas as avós participantes demonstraram interesse pela atividade musical como sendo uma oportunidade de desenvolvimento para os bebês, e de alguma forma, já tinham ouvido relatos sobre os benefícios da música na melhora das crianças. Ruud (1990) espera que a utilização da música possa trazer alívio para problemas da vida, e foi neste sentido que nos empenhamos em encontrar elementos que pudessem validar a utilização da música com finalidade terapêutica, sobretudo na situação do estabelecimento de vínculos afetivos quando da presença da deficiência. Nos dados levantados no decorrer desta pesquisa observamos que a música contém estes elementos facilitadores. Nos quatro casos apresentados, de alguma forma o contexto musical causou um impacto nos comportamentos descritos, tanto das avós quanto dos bebês nas duas categorias analisadas, negociadoras e emocionais. Observamos empenho de todas as avós em estimular os bebês e inseri-los no contexto do encontro, fato que se evidenciou pelo número de interações. A categoria atenção também apareceu inúmeras vezes no comportamento das avós, sobretudo em relação aos bebês, ou seja, as avós estavam totalmente concentradas nas atitudes dos bebês, acreditando que eles eram capazes de interagirem nas situações apresentadas, independentemente de suas deficiências.
A Figura 2, abaixo, demonstra os comportamentos emocionais apresentados pelas díades.
Fiamenghi (1999) afirma que estamos começando a compreender que os bebês têm uma vida mental, e que nascem prontos para participarem da vida social, além de estarem desejosos disso, e na presente pesquisa as avós contribuíram para esta participação.
Apenas uma dupla apresentou dificuldades para estabelecer interações, com a presença comportamentos negativos, como irritação, inquietação e desatenção. Apesar das tentativas da avó em estabelecer a interação, elas não se deram facilmente e a avó aparentou certo distanciamento do bebê. Estes dados nos fizeram supor algumas causas, dentre elas, as características da deficiência do bebê, ou dificuldades apresentadas pela família na superação da presença da criança com deficiência na dinâmica familiar.
Os dados das observações revelaram que os momentos do "Canto' e da "Percepção', foram os mais ricos em emoções positivas como Felicidade e Curiosidade bem como de Interações. Estes dois momentos apresentaram o maior número de canções e de instrumentos musicais, consequentemente também em número de sonoridades e possibilidades de descobertas e liberdade de expressão, talvez esta seja a explicação mais adequada para o aumento de emoções positivas. Este dado leva-nos às afirmações de Papaeliou e Trevarthen (1994), que os bebês já com seis meses teriam uma percepção excelente para traços musicais do ritmo, altura do som, harmonia, e melodia. Tais elementos musicais introduzidos na interação mãe/bebê seriam, portanto, facilitadores desta comunicação (Papaeliou & Trevarthen, 1994; Trevarthen, 1994). Também houve uma correspondência nas atitudes positivas das avós, que no caso, apresentaram um grande nível de atenção e cuidado, aparentando uma sintonia no relacionamento. Trevarthen e Maloch (2000) afirmam que esta comunicação é possível justamente porque a música proporciona uma expressão qualitativa dos sentimentos humanos, como se fosse um forte impulso inato.
Schaller (2005, p.66) afirma que “no diálogo não verbal, são expressas coisas que dificilmente podem ser ditas com palavras – como determinadas emoções". Uma das consequências mais importantes da terapia com música é a transformação dos próprios sentimentos em algo audível e compreensível. Assim, as emoções positivas foram as mais observadas, presentes em todas as duplas.
Contudo, mesmo os sentimentos negativos registrados em uma das duplas são também relevantes porque foram suscitados pelo contexto musical e, sobretudo, pela tentativa de interação da dupla. Sendo assim, entendemos que a proposta musical apresentada nesta pesquisa, proporcionou uma situação de mobilização de afetos. Como afirma Stern (1992), a mãe e o bebê necessitam participar da sintonia do afeto para chegarem à intersubjetividade afetiva; transpondo esta afirmação para a presente situação, a sintonia afetiva entre avós e netos ocorreu, confirmando, portanto, que o encontro intersubjetivo é carregado de emoções.
No momento "Compartilhando Saberes', também houve a interação das duplas, porém, em menor número. As avós cantaram para os bebês, mas com muita dificuldade. Foi uma situação de reviver aspectos de suas vidas pessoais e entrar em contato com suas lembranças, o que causou muita emoção, porém aos poucos estas lembranças acabaram por modificar positivamente a situação.
A atividade de "Movimentação Corporal' aparentou ser a de menor interação entre as duplas, talvez, porque, como os bebês estavam no colo das avós, a interação foi mais limitada. Porém os bebês demonstraram sentir prazer na atividade.
A situação de "Relaxamento', também proporcionou situações de interação. No entanto, observamos que esta atividade ainda poderia ser melhor se, para a escolha das peças a serem ouvidas, houver um levantamento prévio junto às avós, partindo dos pressupostos musicoterapêuticos acerca do princípio de ISO (Benenzon, 1988).
Nas duas cuidadoras que desempenharam o papel de avós, pudemos observar relações permeadas de atenção e cuidado. Uma dessas cuidadoras é apoio fundamental na dinâmica familiar deste bebê. Esta situação vem ao encontro das afirmações de Dessen e Braz (2000) e de Silva e Salomão (2003), que assinalaram a existência de outros sistemas fora da família exercendo influências nestas interações e colaborado para o seu desenvolvimento e crescimento. No caso das outras avós, materna e paterna, elas também desempenham um papel importante na dinâmica familiar no cuidado com os netos para as mães trabalharem, e também no suporte emocional, o que condiz com os estudos de Dessen e Braz (2000) e Pit-Ten Cate et al (2007). Trute (2003) ao sugerir que os avós (avô e avó) podem desempenhar uma função importante de apoio aos pais de crianças com deficiências aliviando o stress, ainda refere que, mesmo à distância, ou incapacitados fisicamente de uma participação mais ativa, este apoio emocional não deve ser desconsiderado. Neste sentido, acreditamos que a bagagem de vida, de emoções e vivências de avós, pode torná-los contribuintes de equilíbrio e segurança para toda a família. Dias (1994), afirma que apesar dos conflitos geracionais os sentimentos de gratificação e completude por parte dos avós são evidentes, e nesta pesquisa transpomos estas afirmações para as cuidadoras que demonstraram serem pessoas sensíveis às necessidades dos bebês e preocupadas com o seu desenvolvimento e saúde.
Em relação à presença da deficiência, esta não impediu que os bebês demonstrassem uma rica capacidade de realização de interações e trocas afetivas. Fiamenghi (1999) afirma que a interação entre bebês acontece desde muito cedo. Além disso, eles compartilham interesses, expressões emocionais, movimentos corporais, vocalizações. Portanto, podem e devem conviver e participar de situações onde o envolvimento social seja estimulado, o que foi observado e reconhecido nos bebês observados nesta pesquisa. Assim a presença de deficiências, de uma forma geral, não deve ser considerada como um impedimento para a participação em atividades musicais. Pelo contrário, as crianças aqui observadas apresentaram capacidades musicais inatas, como acompanhar um pulso, perceber e identificar sonoridades diferentes, perceber a direção do som.
Gordon (2000) refere-se à aptidão musical como sendo um potencial musical inato, sendo influenciado pelas ações ambientais, tanto formais (quando as crianças recebem aulas de música) quanto informais (por exemplo, quando adultos cantam para e com a criança). Portanto, uma vez observadas estas capacidades nestes bebês com deficiência, acreditamos que eles poderiam ser beneficiados com uma atividade musical contínua.
Considerações finais
A proposta apresentada por esta pesquisa mostrou-se eficaz, pois as interações ocorreram claramente em todos os momentos do encontro. Pudemos confirmar muitas das indagações iniciais, por exemplo, como a música poderia contribuir para a melhora da convivência familiar. Verificamos que os elementos musicais, bem como os instrumentos musicais, foram facilitadores da interação entre as duplas, pois despertaram, na maioria das vezes, emoções e atitudes positivas. Foi relevante a constatação de que os bebês, apesar de suas deficiências estão preparados para estabelecerem trocas intersubjetivas, sendo que as duplas revelaram inúmeros sentimentos. Outra observação relaciona-se às dificuldades para agendar os encontros. Muitas avós relataram não terem tempo apesar de considerarem a proposta interessante. As crianças geralmente passam por diversas terapias, o que acaba sendo muito dispendioso e cansativo para as famílias. Em consequência, foi necessário reduzir os encontros, o que permitiu olhar apenas para um pequeno momento da relação avó/bebê. Sugerimos, portanto, um estudo longitudinal, com maior número de participantes, para que seja realizada uma avaliação mais precisa e um aprofundamento nas observações
Os dados revelaram que esta é uma área que merece ser investigada, sobretudo pelo potencial que a música aparenta ter. Esperamos que este trabalho possa despertar em outros pesquisadores o interesse por investigações desta natureza. Acreditamos que propostas como estas podem colaborar com a promoção da saúde emocional das famílias e para o desenvolvimento global de crianças com deficiência.
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Endereço para contato
E-mail: geraldo.fiamenghi@mackenzie.br
Recebido em 15/09/2011
Aceito em 12/12/2011
Fabiana Leite Rabello Mariano: Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), FAE/CBH.
Geraldo A. Fiamenghi Jr.: PhD em Psicologia, Universidade Presbiteriana Mackenzie Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento.