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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.40 Canoas abr. 2013

 

ARTIGOS TEÓRICOS

 

Terapia cognitivo-comportamental da obesidade: uma revisão da literatura

 

Cognitive-behavioral therapy of obesity: a literature review

 

 

Felipe Quinto da Luz; Margareth da Silva Oliveira

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

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RESUMO

Apresentamos uma revisão da literatura publicada em língua portuguesa referente ao tratamento da obesidade através da terapia cognitivo-comportamental (TCC). Este é um estudo de revisão bibliográfica, de artigos publicados nos últimos dez anos (2003-2013), no qual foi pesquisada a literatura indexada em bases de dados bibliográficos utilizando-se os seguintes descritores em ciências da saúde: obesidade, terapia cognitiva, terapia cognitivo-comportamental e psicologia. Foi realizada uma breve introdução sobre o tema da obesidade, aspectos médicos, sociais e psicológicos relacionados e em seguida foram analisados os resultados dos estudos empíricos publicados sobre o tratamento da obesidade através da TCC. Conclui-se que um problema a ser resolvido é a questão da recuperação do peso perdido após o término do tratamento. Conclui-se também que existem evidências empíricas da efetividade da TCC no tratamento de pessoas obesas resultando em melhoras em aspectos físicos, psicológicos e emocionais.

Palavras-chave: Obesidade, Terapia cognitiva, Terapia cognitivo-comportamental, Psicologia.


ABSTRACT

We present a review of the literature published in Portuguese for the treatment of obesity through cognitive-behavioral therapy (CBT). This is a bibliographic review, of published articles in last ten years (2003-2013), which was researched in the literature indexed in bibliographic databases using the following keywords in health sciences: obesity, cognitive therapy, cognitive-behavioral therapy and psychology. We performed a brief introduction on the topic of obesity, the medical, social and psychological related aspects and then analyzed the results of empirical studies published on the treatment of obesity through CBT. We conclude that a problem to be solved is the issue of weight regain after treatment completion. We also conclude that there is empirical evidence of the effectiveness of CBT in the treatment of obese people resulting in improvements in physical, psychological and emotional aspects.

Keywords: Obesity, Cognitive therapy, Cognitive-behavioral therapy, Psychology.


 

 

Introdução

A obesidade continua sendo um grave problema de saúde pública. Fatores como a rápida industrialização e urbanização das últimas décadas aumentaram significativamente a prevalência de obesidade pelo mundo (Zhao et al., 2008). Nos Estados Unidos houve um aumento da prevalência de obesidade desde 1970, e, entre os anos de 1999 e 2008 registrou-se ainda um aumento da obesidade abdominal entre os homens e mulheres (Ford, Li, Zhao & Tsai, 2011). Neste país, mais de dois terços dos adultos são obesos ou tem sobrepeso, sendo que a desde 1980 a prevalência de obesidade dobrou (King, 2013). No Brasil, de acordo com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2009), no período de 2008-2009, 41% da população brasileira apresentava sobrepeso e 10,5 milhões de pessoas estavam obesas. O alto custo econômico com a obesidade e o sobrepeso implicam uma necessidade urgente de desenvolvimento de intervenções para o controle desta epidemia e a consequente prevenção das doenças crônicas associadas a esta condição (Zhao et al., 2008).

Uma explicação evolucionista para a epidemia de obesidade é que durante a evolução do ser humano, quando este vivia em um ambiente com quantidade limitada de alimentos altamente nutritivos e períodos de escassez de alimentos, foi adaptativo o circuito de recompensa do cérebro que fazia um indivíduo comer muitos alimentos de alta densidade nutricional (King, 2013). De acordo com este autor, acontece, no entanto, que atualmente nos países industrializados vive-se em ambientes que podem ser chamados de “obesogênicos”, com uma ampla disponibilidade de alimentos calóricos, e este antigo sistema de funcionamento cerebral pode anular os mecanismos fisiológicos inibitórios que se destinam a limitar a quantidade de alimento ingerido e o consequente ganho de peso.

A obesidade ou o sobrepeso são fatores de risco para diversas doenças crônicas como diabetes tipo II, hipertensão, dislipidemia, doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral, doença da vesícula biliar, osteoartrite, problemas respiratórios e certos tipos de câncer (Field et al., 2001). Além destas doenças crônicas, mais de um terço dos indivíduos obesos apresentam também depressão, número este que indica possíveis traços comuns entre estas duas doenças e já implica esta condição como um problema de saúde pública (Pagoto, Bodenlos, Schneider, Olendzki & Spates, 2008). Indivíduos com obesidade e depressão comórbida tem mais problemas de saúde, e,apresentam limitações na vida diária, como por exemplo, maiores chances de trabalharem menos horas por dia e aposentarem-se precocemente (Karakus & Okunada, 2011).Indivíduos com obesidade e doenças mentais enfrentam dificuldades em dobro, considerando que estas são duas características que são discriminadas pela sociedade e que criam barreiras para que consigam empregos, dificuldades com moradia e relacionamentos interpessoais (Mizock, 2012).

A etiologia da obesidade é extremamente complexa envolvendo a interação de fatores biológicos e psicológicos com questões culturais e ambientais (Barlow & Durand, 2011). Desta forma, a obesidade é uma doença que exige tratamento transdisciplinar. Além da abordagem médica, nutricional e fisioterapêutica, a abordagem das questões emocionais e comportamentais é necessária no tratamento de pessoas nesta condição.

A pesquisa sobre aspectos psicológicos da obesidade acelerou-se e desenvolveu-se desde 1950 e atualmente sabe-se que estes incluem forças internas e externas, assim como, processos aditivos, sociais, culturais, desenvolvimentais e psicopatológicos (Swencionis & Rendell, 2012). Formas de enfrentamento dos problemas como descarga emocional estão associadas a comportamentos alimentares inadequados (Tomaz & Zanini, 2009). De acordo com estes autores indivíduos inseguros, com labilidade emocional, irritadiços, nervosos ou com dificuldade para lidar com situações estressantes, ao enfrentarem problemas, ao invés de utilizarem atitudes de resolução de problemas tendem a descarregar emocionalmente seus sentimentos para diminuir a sua ansiedade, desenvolvendo transtornos alimentares e/ou obesidade.

Uma avaliação da personalidade especificamente de mulheres obesas realizada por Rabelo e Leal (2007) indicou sentimentos de inadequação, baixa tolerância a frustração, características de dominância nas relações sociais, comportamentos altruístas e ingestão de ordem emocional. Os resultados obtidos nesta pesquisa indicaram diferenças significativas das mulheres obesas em comparação com a população normativa nas facetas impulsividade, assertividade, fantasia, sentimentos, ideias, valores, altruísmo, competência e deliberação.

Contrariamente a esses resultados, Silva e Maia (2011) não encontraram mais psicopatologia em pessoas com obesidade. No entanto, estes apresentaram mais queixas, problemas de saúde e relataram com frequência experiências de abuso emocional e negligência. É importante considerar, no entanto, que nesta pesquisa não foram avaliadas a presença de diagnósticos psiquiátricos nem especificamente a presença de transtornos alimentares que costumam ser prevalentes na população obesa, como afirmam Dobrow, Kamenetz e Devlin (2002).

Obesos em tratamento costumam valorizar a oportunidade de pensar sobre alimentação e peso em uma perspectiva psicológica (Yilmaz, Povey & Dalgliesh, 2011). O entendimento dos seus padrões alimentares e das suas dificuldades para a manutenção de um peso saudável fornece importantes insights e diferentes formas de abordar as questões relativas à perda de peso. Este tipo de abordagem resulta em melhoras também na qualidade das suas relações interpessoais, na autoestima, assim como a conclusão de que não existe uma solução mágica para o problema da obesidade. A melhor forma de tratar a obesidade deve envolver mudanças sustentáveis a longo prazo. Desta forma, trabalhar com os fatores psicológicos associados a alimentação e peso é uma importante contribuição no tratamento da obesidade (Yilmaz, Povey & Dalgliesh, 2011).

A psicoterapia cognitiva inicialmente foi desenvolvida por Aaron Beck para o tratamento de pessoas em depressão (Beck, 1964) e posteriormente aplicada ao tratamento de uma variedade de transtornos psiquiátricos, como: ansiedade, fobias e queixas somáticas (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997). A terapia cognitiva (conhecida também como terapia cognitivo-comportamental) com o objetivo de mudanças de estilo de vida em relação a padrões alimentares e atividade física é o tratamento baseado em evidências de escolha para a obesidade (Teufel, Becker, Rieber, Stephan & Zipfel, 2011). Considerando os aspectos psicológicos relacionados à obesidade e a necessidade de atendimento psicoterapêutico a esta população, buscou-se neste estudo, explorar pesquisas empíricas publicadas sobre a terapia cognitivo-comportamental (TCC) da obesidade.

Esta pesquisa teve o objetivo de revisar a literatura científica publicada sobre o tratamento psicoterapêutico de pessoas com obesidade, focando especificamente em estudos experimentais sobre a psicoterapia cognitivo-comportamental de obesos. Foram discutidas também especificidades dos diversos protocolos cognitivo-comportamentais implementados nas pesquisas, assim como, pontos positivos, negativos e limitações da abordagem e dos estudos citados.

 

Método

Foi realizado um levantamento bibliográfico visando uma atualização do estado da arte sobre a psicoterapia cognitivo-comportamental no tratamento da obesidade. Foram efetuadas consultas nas bases de dados da pesquisa múltipla da PUCRS, PsycInfo e PubMed no período de janeiro a março de 2013. Foram utilizadas as palavras-chave: obesidade, terapia cognitiva, terapia cognitivo-comportamental e psicologia. As palavras-chave foram pesquisadas também em língua inglesa, sendo estas: obesity, cognitive therapy, cognitive-behaviorale e therapye psychology.

Os critérios de inclusão foram estudos empíricospublicados nos últimos 10 anos que pesquisaram a psicoterapia cognitivo-comportamental utilizada isoladamente ou em conjunto com outras intervenções (ex: nutricional e/ou médico) no tratamento de indivíduos obesos (crianças, adolescentes e adultos) com o objetivo de perda de peso e melhora na saúde geral, incluindo aspectos físicos, emocionais e psicossociais. Foram incluídas também referências teóricas e algumas poucas publicações mais antigas sobre o tema com o objetivo de esclarecer e discutir a utilização das intervenções assim como os resultados obtidos.

Os critérios de exclusão foram estudos que avaliassem a eficácia ou efetividade de outras abordagens psicoterapêuticas sem incluir na pesquisa a avaliação ou comparação com intervenções cognitivo-comportamentais.

Terapia cognitivo-comportamental e obesidade

A TCC têm características específicas como a estrutura, brevidade, orientação para o presente, direcionamento para resolução de problemas e modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais (Beck, 1964). Existem diversas aplicações e derivações da terapia cognitiva originadas a partir do modelo Beck. Estes tratamentos baseiam-se tanto em uma formulação cognitiva de um transtorno específico como em uma conceituação e ou entendimento do paciente de forma individual (Beck, 1997). Nesta abordagem, intervenções cognitivas tem o objetivo de reestruturar pensamentos disfuncionais e intervenções comportamentais são usadas para mudar comportamentos inadequados. As intervenções comportamentais também são úteis para identificar cognições associadas a comportamentos específicos (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997). Especificamente em relação à TCC para o emagrecimento, parte-se do pressuposto que modificando o pensamento, o comportamento alimentar também será alterado e desta forma se dará a perda de peso (Beck, 2011).

A dificuldade de manter-se em uma dieta saudável pode estar associada a um conflito de objetivos. Esses objetivos seriam o prazer de comer e o controle do peso. De acordo com este modelo proposto por Stroebe, Van Koningsbruggen, Papies e Aarts (2013), a maioria das pessoas que tentam manter uma dieta saudável falham quando encontram-se em ambientes com ampla disponibilidade de alimentos calóricos e atraentes porque acabam colocando o objetivo de ter prazer através da alimentação antes do objetivo de manter um peso saudável. Desta forma acontece uma inibição cognitiva do objetivo de controle de peso. De qualquer forma existe uma minoria de pessoas que mantêm uma dieta saudável e quando expostas a ambientes com muito estímulo à alimentação inadequada associam esta situação a pensamentos de controle de peso. Estes indivíduos mesmo quando expostos a alimentos inadequados conseguem manter um padrão alimentar adequado. Desta forma, ensinar estratégias que auxiliem as pessoas que tem dificuldade de manter um padrão alimentar saudável a mudar este comportamento é algo que deve ser desenvolvido.

Pessoas com sobrepeso e obesidade beneficiam-se de intervenções psicológicas para a diminuição do peso corporal (Shaw, O’Rourke, Del Mar & Kenardy, 2005). Estes autores realizaram uma revisão sistemática das publicações científicas sobre intervenções psicológicas para o tratamento do sobrepeso e obesidade e concluíram que a abordagem cognitivo-comportamental é particularmente indicada para este tipo de tratamento em conjunto com atividade física e reeducação alimentar. Neste estudo, a TCC é indicada devido às evidências que dão suporte ao seu uso no tratamento da obesidade, diferente de outras intervenções psicológicas que são avaliadas com menos rigor para os tratamentos de perda de peso.

Dificuldades com alimentação e manutenção de um peso adequado estão relacionadas a distorções cognitivas e ciclos de comportamentos disfuncionais (Wilfley, Kolko & Kass, 2011). Desta forma, a TCC é uma abordagem apropriada para este tipo de problema, sendo utilizada para o ajuste de peso e mudança de hábitos inadequados. Neste tipo de tratamento é necessário considerar que as questões relativas ao controle do peso corporal requerem uma abordagem abrangente, e que as dificuldades com a alimentação permeiam o individuo, sua casa e o seu ambiente social (Wilfley, Kolko & Kass, 2011).

Frequentemente pessoas que tem dificuldade para manter um peso adequado acreditam que não emagrecem por terem um metabolismo lento. De acordo com Beck (2011), raramente estes indivíduos tem um problema médico que os impeçam de perder peso, no entanto, apresentam padrões de pensamentos disfuncionais. Depois que estes indivíduos aprendem a mudar a forma de pensar sobre a alimentação, passam a ser mais capazes de comer mais devagar, percebem de fato o que estão comendo, apreciam a comida sem culpa e persistem em uma dieta (Beck, 2011).

Protocolos de tratamento cognitivo-comportamental específicos para a obesidade (Cooper, Fairnburn & Hawker, 2009; White & Freeman, 2003) e para redução de peso (Beck, 2011) já foram desenvolvidos. Cooper et al. (2009) desenvolveram um protocolo de TCC para o tratamento da obesidade no qual os participantes podem esperar uma perda de peso de 10% a 15% do seu peso inicial, acontecendo numa intensidade de 0,5Kg a 1Kg por semana, embora existam variações consideráveis de pessoa para pessoa. White e Freeman (2003) concordam com este posicionamento e também propõe um protocolo de TCC para a obesidade com objetivos modestos (perda de peso em média de 10% do peso inicial) e enfatizam os benefícios físicos e psicológicos desta perda.

ATCC aplicada em grupos de emagrecimento propicia alem da redução do peso corporal, benefícios clinicamente significativos em aspectos como dificuldades interpessoais, adaptação social, autoestima, níveis de ansiedade, sentimento de bem-estar dos participantes e diminuição da compulsão alimentar (Neufeld, Moreira &Xavier, 2012). A TCC pode ser ainda combinada como o tratamento dietético padrão, fazendo com que os efeitos do tratamento tenham maior duração após a finalização deste (Werrij et al., 2007). Em outras palavras, a combinação do tratamento dietético padrão com a TCC produz menos recaídas em comportamentos alimentares inadequados dos obesos do que quando estes são tratados apenas com orientação nutricional. Além deste feito profilático esta combinação de tratamentos também traz benefícios como a diminuição do IMC, compulsão alimentar, preocupações com a alimentação, depressão, e, produz melhora da imagem corporal e na autoestima (Werrij et al., 2007).

Em estudo desenvolvido por Moscatiello et al. (2011) pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica, doença altamente relacionada a obesidade e sobrepeso, foram submetidos a 13 sessões de TCC em grupo com o objetivo de perda de peso e aumento da atividade física e obtiveram melhoras em parâmetros gerais e específicos relacionados ao fígado. Neste estudo a TCC foi associada a uma maior probabilidade de perda de peso e consequente normalização das enzimas do fígado. Os participantes deste estudo mantinham em média menos 5,6% do seu peso inicial em uma avaliação após dois anos de realização da intervenção. De forma convergente no estudo de Ash et al. (2006), indivíduos que se submeteram a TCC com foco de intervenção no estilo de vida obtiveram melhores resultados do que os participantes que receberam apenas folhetos informativos e a TCC foi tão eficaz quanto a intervenção dietética individualizada na perda de peso e melhorias na autoeficácia.

Existem algumas críticas à abordagem cognitivo-comportamental padrão no tratamento de pessoas com obesidade. Na pesquisa de Glisenti e Strodl (2012) foi feita uma comparação da TCC com a terapia comportamental dialética (TCD) no tratamento de obesos que apresentam alimentação emocional. Os dois casos tratados com a TCD apresentaram melhoras na aflição emocional, frequência de alimentação emocional ou quantidade de alimentos ingeridos decorrente do estado emocional, enquanto que os dois indivíduos tratados com a TCC não apresentaram nenhuma redução nestas áreas. Os autores da pesquisa sugerem que se deve rever e monitorar o progresso terapêutico especialmente quando os pacientes estão insatisfeitos com algum aspecto do seu tratamento cognitivo-comportamental. Os pesquisadores sugerem que quando os pacientes sentem-se oprimidos pela força das suas emoções eles têm dificuldade em desafiar logicamente as cognições que podem estar relacionadas à sua alimentação emocional. Desta forma, os resultados da pesquisa sugerem que técnicas utilizadas pela TCD como mindfulness, tolerância à aflição e regulação emocional podem ser utilizadas na terapia antes da implementação de técnicas de reestruturação cognitiva.

Considerando que a abordagem comportamental no tratamento da obesidade tem sucesso na perda de peso significativa dos pacientes, mas tem encontrado dificuldades com a manutenção deste peso perdido, Cooper e Fairnburn (2001) desenvolveram um tratamento cognitivo-comportamental com o objetivo de minimizar o problema da recuperação do peso perdido. Estes pesquisadores consideram que, além de outros fatores, a negligência dos aspectos cognitivos e a ambiguidade em relação aos objetivos do tratamento tem influenciado a questão da recuperação do peso perdido. Apesar da hipótese de que a abordagem cognitiva com foco na manutenção do peso perdido a longo prazo seria a solução para esta dificuldade dos pacientes, Zafra et al. (2010) testaram este tipo específico de intervenção cognitivo-comportamental em pacientes obesos e não obtiveram resultados satisfatórios. Considerando que nesta pesquisa a maioria dos pacientes recuperou quase que completamente o peso perdido com o tratamento em período de três anos após finalizada a intervenção, a pesquisa conclui que talvez exista uma falha na teoria que da suporte a intervenção ou talvez a TCC não tenha sido suficientemente potente. Os pesquisadores sugerem que devido a dificuldade do tratamento da obesidade a longo prazo, a pesquisa na área talvez precise ter mais foco na prevenção do que no tratamento.

Contrariamente Göhner, Schlatterer e Seelig (2012) pesquisaram a intervenção cognitivo-comportamental em grupo para o tratamento da obesidade e verificaram que a intervenção teve efeito sobre a escolha dos alimentos e nível de atividade física. A intervenção cognitivo-comportamental ainda apresentou uma melhora na autoeficácia, maior intenção de alcançar os objetivos e intenções de implementação mais detalhadas nos participantes quando comparados ao grupo controle. A pesquisa indica que o tratamento tem o potencial de provocar mudanças cognitivas duradouras que podem ser responsáveis por fazer indivíduos obesos começaram e manterem a prática de atividade física e melhorarem a qualidade da alimentação, resultando assim na redução do peso corporal. Uma possibilidade para reforçar as mudanças cognitivas e manutenção do peso saudável seria que os programas de reeducação alimentar utilizassem intervenções através da internet como ferramenta auxiliar no tratamento (Becker, Rapps & Zipfel, 2007).

Numa revisão sistemática Laederach-Hofmann, Messerly-Burgy e Meyer (2008) pesquisaram ensaios controlados e randomizados sobre os efeitos a longo prazo da terapia não cirúrgica para obesidade e tratamento do risco cardiovascular. Os autores afirmam que estratégias de tratamento compostas por intervenção farmacológica, terapia comportamental, exercícios, dietas e terapias complementares concebidas para reduzir o peso são capazes de promover benefícios significativos sobre os fatores de risco cardiovascular. Estes pesquisadores afirmam que existem poucos estudos controlados e randomizados na área e sugerem que estudos de longo prazo, em um período de 5 a 10 anos, com obesos clinicamente saudáveis precisam ser desenvolvidos.

Uma consideração importante é feita por Fabricatore (2007) quando após uma revisão da literatura afirma que as diferenças entre a TCC e a terapia comportamental padrão para obesidade estão mais nas teorias que sustentam estas abordagens do que de fato na sua aplicação. A pesquisa aponta que na prática os dois tratamentos são muito parecidos, os dois incluem recomendações para a diminuição da ingestão de calorias e aumento do gasto energético, e, ainda, existe considerável sobreposição de técnicas utilizadas nas duas abordagens. Fabricatore (2007) afirma que o questionamento de se a mudança cognitiva gera a mudança comportamental, ou o contrário, tem sido objetivo de debate teórico e empírico há décadas. Fabricatore (2007) considera-se que os métodos de pesquisa atuais não possibilitam que se chegue a uma posição definitiva sobre esta questão com estudos experimentais de laboratório e muito menos que se identifique se é a mudança cognitiva ou a comportamental que é a principal na manutenção do peso perdido através da mudança no estilo de vida. Enquanto não são desenvolvidos estudos controlados e randomizados que apresentem resultados mostrando que a TCC para o tratamento da obesidade apresenta resultados iguais ou superiores à terapia comportamental para o controle do peso, a pesquisa indica que os clínicos que querem trabalhar a manutenção do peso perdido com os seus pacientes devem ser encorajados a usar as duas abordagens.

Terapia cognitivo-comportamental da obesidade com crianças e adolescentes

A TCC com crianças e adolescentes obesos, associada a uma dieta controlada, atividade física e educação nutricional tem sido considerada uma intervenção efetiva para perda de peso (Kelly & Kirschenbaum, 2009). O tratamento cognitivo-comportamental da obesidade especificamente com adolescentes deve promover responsabilidade, autonomia, deve contar com suporte e mudanças familiares. Desta forma, torna-se um tratamento efetivo e aceito pelo adolescente assim com pela sua família (Brennan et al., 2009). Tsiros et al. (2008) afirmam que a TCC é considerada uma estratégia eficaz para ajudar os adolescentes obesos a perderem peso por focar em mudanças de estilo de vida. Estes autores consideram, no entanto, que, mais estudos ainda são necessário para avaliar a efetividade desta intervenção a longo prazo, como na manutenção destes resultados até a vida adulta.

A abordagem comportamental também foi pesquisada no tratamento da obesidade infantil, trabalhando-se exclusivamente com o atendimento aos pais (Janicke, 2013). Esta intervenção resultou em redução do peso, melhora na qualidade da alimentação e diminuição de comportamentos não adequados para a redução de peso da criança. Nesta pesquisa os país foram treinados em uma abordagem flexiva em técnicas como automonitoramento, definição de objetivos, feedback da performance, reforçamento, controle de estímulos e receberam instruções em relação ao próprio comportamento. A TCC, assim como a dieta intensiva e atividade física, esta entre as recomendações dos especialistas para o tratamento da obesidade na infância e adolescência (Kirschenbaum & Gierut, 2012).

A psicoterapia com crianças obesas, além de trabalhar no sentido da perda de peso, pode ter foco também em outras questões psicológicas, já que, crianças nesta condição apresentam um maior comprometimento emocional (níveis mais altos de insegurança, retraimento, dependência, imaturidade e agressividade reprimida) quando comparadas a crianças não obesas (Azevedo & Giglio, 1997). Em relação à postura dos pais ao lidar com seus filhos, atitudes autoritárias ou negligentes têm efeito duradouro aumentando o risco de desenvolvimento da obesidade nos seus filhos (Fuemmeler et al. 2012). Um método proveitoso para a prevenção da obesidade nas crianças deve incorporar não somente estratégias parentais em relação à comida e alimentação, mas também formas mais gerais de relacionamento dos pais com os seus filhos. É importante considerar também que existem determinadas crenças e atitudes culturais que influenciam a noção que como educar e relacionar-se com os filhos, desta forma, deve-se considerar que as intervenções psicoterapêuticas sejam culturalmente adequadas às famílias.

Terapia cognitivo-comportamental da obesidade e aspectos psiquiátricos

Comportamentos alimentares desordenados presentes em pessoas com obesidade tem um impacto psicológico negativo geralmente relacionado à depressão e ansiedade (Darby, Hay, Mond, Rodgers & Owen, 2007). No tratamento psicoterapêutico desta população deve-se ter como objetivo alterar atitudes inadequadas em relação à alimentação, forma corporal, peso, assim como, comportamentos e pensamentos sobre métodos efetivos de controle e manutenção do peso (Darby, Hay, Mond, Rodgers & Owen, 2007).

Apesar da obesidade não ser uma doença psiquiátrica, esta associada a transtornos psiquiátricos como depressão e transtornos alimentares (Dobrow, Kamenetz & Devlin, 2002; Taylor, Stonehocker, Steele & Sharma, 2012). A TCC tem sido indicada no tratamento da obesidade em pessoas com e sem transtornos mentais (Taylor, Stonehocker, Steele & Sharma, 2012).

Obesos com transtorno depressivo maior podem perder peso, diminuir os fatores de risco para doença cardiovascular e melhorar dos sintomas depressivos com um programa de tratamento combinado (TCC com foco na depressão e técnicas comportamentais para controle do peso) (Faulconbridge, Wadden, Berkowitz, Pulcini & Treadwell, 2011). Neste estudo os participantes que completaram o tratamento perderam em média 5,9% do seu peso inicial.

Pessoas com obesidade e depressão também foram tratadas com aconselhamento nutricional em conjunto com ativação comportamental (Pagoto, Bodenlos, Schneider, Olendzki & Spates, 2008). O estudo demonstrou que os participantes obtiveram redução no peso corporal, diminuição na ingestão calórica diária e aumento da atividade física. Foram registradas também reduções significativas nos sintomas depressivos, inclusive com 10 dos 14 participantes chegando à remissão completa da depressão após o tratamento (Pagoto, Bodenlos, Schneider, Olendzki & Spates, 2008). Estes resultados indicam a ativação comportamental como um tratamento promissor tanto para a perda de peso quanto para a depressão.

A aplicação da TCC para o tratamento de pacientes que ganham peso devido ao tratamento com uso de antipsicóticos também já foi estudada. Indivíduos que fazem tratamento com antipsicóticos e que se submetem a TCC com foco na reeducação alimentar, obtém perda de peso, redução na compulsão alimentar e menos cognições relacionadas ao peso (Khazaal et al., 2007).

Especificamente no tratamento do transtorno da compulsão alimentar (TCAP) a TCC tem apresentado resultados consolidados da sua eficácia e tem sido uma intervenção indicada (Schlup, Munsch, Meyer, Margraf & Wilhelm, 2009). Devlin, Goldfein, Petkova, Liu e Walsh (2007) afirmam que tratamentos de curto prazo para o TCAP podem trazer benefícios a longo prazo, como, redução do numero de episódios de compulsão alimentar por dois anos de seguimento após a finalização da psicoterapia. Vanderlinden et al. (2012) consideram que uma sessão de TCC por semana durante sete meses com pacientes obesos e com compulsão alimentar produz benefícios no comportamento alimentar, peso e parâmetros psicológicos que podem durar até 3,5 anos após o tratamento. Castelnuovo et al. (2011) sugerem que a eficácia da TCC, considerada o “padrão ouro” no tratamento do TCAP, pode ser ainda melhorada, em termos de manutenção dos resultados a longo prazo, utilizando-se de recursos como contatos com o paciente via telefone após o termino das sessões presenciais.

A TCC, terapia comportamental e o tratamento sequencial (terapia comportamental seguida de TCC) foram estudadas em pacientes obesos com TCAP em um estudo controlado e randomizado (GriloMasheb, Gueorguieva, Wilson & White, 2011). Os resultados indicaram que a TCC foi superior à terapia comportamental na redução dos episódios de compulsão alimentar, enquanto que a terapia comportamental foi superior, no entanto modesta, na perda de peso durante o tratamento. A abordagem sequencial não demonstrou utilidade. A remissão da compulsão alimentar associou-se com uma maior perda de peso. O estudo sugere que a terapia comportamental pode ser uma alternativa a TCC no tratamento do TCAP.

Estudo sobre os efeitos a longo prazo da farmacoterapia e da TCC para o TCAP em indivíduos com sobrepeso mostra que a TCC foi mais efetiva do que a fluoxetina em um período de seguimento de 12 meses após o fim do tratamento (Grilo, Crosby, Terence & Masheb, 2012). A eficácia da TCC no tratamento do TCAP esta estabelecida e deve-se considerar que a remissão da compulsão alimentar resulta em redução do IMC nestes pacientes (Grilo, Masheb, Gueorguieva, Wilson & White, 2011).

Terapia cognitivo-comportamental da obesidade e cirurgia bariátrica

A intervenção cognitivo-comportamental breve em grupo (em apenas quatro sessões) apresenta resultados de diminuição de comportamentos e cognições relacionadas à compulsão alimentar e é indicada como uma intervenção eficaz para obesos candidatos a cirurgia bariátrica. Desta forma, a TCC pode ser também um método de preparação dos pacientes para este tipo de cirurgia e pode melhorar os resultados deste procedimento (Aston, Drerup, Windover & Heinberg, 2009).

A TCC foi pesquisada no tratamento de obesos submetidos à cirurgia bariátrica em relação a sua viabilidade, aceitabilidade e efetividade (Cassin et al., 2012). Nesta pesquisa, os participantes foram atendidos em seis sessões individuais de TCC, sendo avaliados a patologia alimentar e o funcionamento psicossocial após a intervenção. A maioria dos participantes do estudo referiu melhora na gravidade da compulsão alimentar, na alimentação emocional e na depressão, e, todos os participantes referiram feedback positivo em relação a intervenção. A intervenção cognitivo-comportamental teve como foco ensinar habilidades de enfrentamento que pudessem ser utilizadas antes ou após o procedimento cirúrgico, por exemplo: agendamento de refeições saudáveis e lanches em intervalos de tempo regulares, planejamento de atividades prazerosas alternativas ao comer excessivo e planejamento para situações alimentares difíceis. Interveio-se também para a redução da vulnerabilidade à alimentação emocional através da resolução de problemas e reestruturação de pensamentos disfuncionais.

 

Considerações finais

Com a revisão da literatura cientifica realizada percebe-se que a maioria dos estudos encontrados sobre o tema indica a TCC como tratamento efetivo para a obesidade. Salienta-se a importância do desenvolvimento dos protocolos específicos para o tratamento da obesidade (Cooper, Fairnburn & Hawker, 2009; White & Freeman, 2003) e programas de reeducação alimentar (Beck, 2011) amplamente divulgados e aplicados na prática clínica. Além dos protocolos e programas desenvolvidos para o tratamento desta população, é notável também a quantidade de estudos experimentais que demonstram a efetividade da TCC para a obesidade (Shaw, O’Rourke, Del Mar & Kenardy, 2005; Neufeld, Moreira & Xavier, 2012; Werrij et al., 2007; Ash et al., 2006; Tsiros et al., 2008; Göhner, Schlatterer & Seelig, 2012; Kelly & Kirschenbaum, 2009; Munschet al., 2008; Faulconbridge, Wadden, Berkowitz, Pulcini & Treadwell, 2011; Khazaal et al., 2007)

Poucas pesquisas mostraram resultados desfavoráveis ao uso da TCC com esta população, sendo elas o estudo de Zafra et al. (2010) que não considera a abordagem psicoterapêutica eficaz para a manutenção do peso perdido a longo prazo e a pesquisa de Glisenti e Strodl (2012) que faz algumas críticas a abordagem cognitivo-comportamental padrão, sugerindo algumas modificações. Tsiros et al. (2008) também enfatizam que em relação ao tratamento com crianças ainda é necessário o desenvolvimento de estudos de acompanhamento, no sentindo, de verificar se os resultados da intervenção se mantêm até a vida adulta. Neste sentido, é importante enfatizar que ainda existem indefinições em relação à questão da manutenção do peso perdido após o tratamento e o qual a porcentagem de gordura deve ser eliminada para que se considere esta perda de peso realmente significativa.

Os resultados desta pesquisa sugerem que mais pesquisas ainda precisam ser realizadas com o objetivo de desenvolver intervenções cognitivo-comportamentais que auxiliem os pacientes na perda e principalmente na manutenção do peso saudável. Os resultados sugerem também a utilização da TCC no tratamento de pessoas com obesidade, assim como, a implementação de estratégias de prevenção da obesidade considerando as dificuldades no tratamento de pessoas nesta condição. Este estudo não teve o objetivo de esgotar o tema e sim aprofundar na questão do tratamento da obesidade com a TCC.

 

Referências

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Endereço para contato
E-mail: felipe.quinto.luz@hotmail.com

Recebido em abril de 2013
Aceito em maio de 2013

 

 

Felipe Quinto da Luz: Psicólogo, mestre e especialista em terapia cognitivo-comportamental, mestrando em psicologia clínica – PUCRS.
Margareth da Silva Oliveira: Psicóloga, mestre em psicologia, doutora em psiquiatria e psicologia médica. Professora adjunta do programa de pós-graduação em psicologia – PUCRS.