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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.42 Canoas dez. 2013

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Crenças, expectativas e padrão de consumo do álcool por mulheres

 

Beliefs and expectations standard of consumption of alcohol by women

 

 

Andressa Celente de Ávila; Dhiordan Cardoso da Silva; Margareth da Silva Oliveira

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

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RESUMO

O consumo de álcool entre as mulheres vem aumentando de maneira acelerada e agravante. Compreender as expectativas e crenças que eliciam esse consumo torna-se de extrema relevância. Este estudo teve por objetivo comparar diferenças e semelhanças nas crenças e expectativas do uso de álcool em mulheres com padrão de consumo de risco (MCR) e mulheres sem risco (MSR). É um estudo transversal, de associação de variáveis em que foram avaliadas 88 mulheres, através dos instrumentos IECPA, AUDIT e MEEM. Os resultados evidenciaram que o grupo MCR possui mais crenças positivas sobre o consumo do álcool do que o grupo MSR analisando o escore total do IECPA e comparando as suas médias. O grupo MCR obteve um escore acima do ponto de corte do instrumento (121,82) caracterizando vulnerabilidade para dependência de álcool. Os achados desse estudo vão ao encontro da literatura e indicam a necessidade de programas preventivos para essa população.

Palavras-chave: Alcoolismo, Saúde da mulher, Prevenção primária.


ABSTRACT

Alcohol consumption among women is increasing at an accelerated and rate aggravating. Understanding the expectations and beliefs that elicit this consumption becomes extremely relevant. This study aimes to compare differences and similarities in beliefs and expectations of alcohol use in women with patterns of consumption risk (MCR) and women without risk (MSR). It is a cross-sectional study, the association of variables in which 88 women were evaluated, using the instruments IECPA, AUDIT and MMSE. The results showed that the MCR group has more positive beliefs about alcohol consumption than the MSR group analyzing the total score of IECPA and comparing their averages. The MCR Group achieved a score above the cutoff of the instrument (121.82) featuring vulnerability to alcohol dependence. The findings of this study corroborate the literature and indicate the need for prevention programs for this population.

Keywords: Alcoholism, Women's health, Primary prevention.


 

 

Introdução

O álcool é o depressor cerebral mais usado em muitas culturas e seu uso indevido tem sido responsável mundialmente por 3,2% de todas as mortes e por 4% de todos os anos de vida úteis perdidos (American Psychiatric Association, 2002; Andrade & Silveira, 2009). Dados preliminares do II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas – LENAD 2012 (2014), houve aumento na proporção de mulheres que consomem bebidas alcóolicas pelo menos uma vez por semana, bem na proporção de mulheres que experimentaram bebidas alcóolicas com menos de 15 anos. Sintomas de abstinência e tolerância indicam a Dependência do Álcool, já o Abuso de Álcool se caracteriza por menos sintomas e por ser menos grave que a dependência (American Psychiatric Association, 2002). O abuso de substâncias psicoativas pelas mulheres tem aumentado no mundo ocidental, e entre as brasileiras. Esse consumo pode ocasionar muitas consequências para a mulher como na gestação causando risco grave à saúde materna e fetal (Gilda, Tamires, Marlene & Raquel, 2011).

Mulheres tendem a beber menos que os homens e a ingerir menores quantidades de bebida a cada vez (Edwards, Marshall & Cook, 2005), porém as consequências do abuso e/ou dependência costumam ser mais negativas nas mulheres do que em homens, trazendo muito mais prejuízos físicos e psíquicos (Grinfeld, 2009; Mendes, Cunha & Nogueira, 2011). Foi realizado um estudo sobre o perfil de uso de álcool e tabaco, com 221 universitários de uma cidade brasileira, utilizando o Alcohol, Smoking and Substance Involving Screening Test (ASSIST). Evidenciou-se que dos 36 (16,3%) estudantes que apresentaram uso de risco com relação ao álcool, 35 (19,5%) se encontravam na faixa etária de 18 a 24 anos de idade e 29 (16,2%) eram do sexo feminino (Marcos, Denis & Marluce, 2013).

Diante da crescente equiparação do consumo de substâncias entre mulheres e homens, é possível estimar que nas próximas décadas haja um aumento de transtornos decorrentes do uso de substâncias entre mulheres idosas (Wolle & Ziberman, 2011). Outro estudo teve como objetivo verificar a prevalência de tabagismo, consumo de álcool e fatores associados a esses compor tamentos, em uma amostra de 485 estudantes de uma universidade do Rio Grande do Sul. Dos sujeitos en trevistados, 53,9% eram do sexo feminino e 42,3% tinham menos de 20 anos. Da amostra total, 75% relatou consumir álcool pelo menos uma vez ao mês, não mostrando diferença segundo o sexo, e a grande maioria (92,7%) relatou ter este hábito antecedendo o ingresso na universidade, que também não mostrou diferença importante segundo o sexo (Ramis et al., 2012).

As expectativas em relação aos efeitos e consequências do consumo de álcool influenciam na decisão de beber, no início e na manutenção do uso de álcool e nos comportamentos relacionados a este. Antes que o indivíduo tenha consumido alguma bebida alcoólica em sua vida, as crenças e expectativas com relação aos efeitos do álcool já vão se formando, pois desenvolvem-se através de modelos parentais, experiências diretas e indiretas com bebidas alcoólicas, e exposição à propaganda, dentre outras formas (Peuker, Roberta, Silvia & Lisiane, 2010). As expectativas do indivíduo quanto aos efeitos do álcool são mais determinantes para o uso que as ações fisiológicas da droga. Uma vez que as crenças e expectativas adquiridas se tornam estabelecidas e por estarem armazenadas na memória, guiam o comportamento quando expostas ao álcool e à decisão de beber (Alexandra & Ana, 2009). Os efeitos do consumo de drogas podem não corresponder aos efeitos esperados, mesmo assim as expectativas do uso potencializam o processo de recaída (Marlatt, 1993).

De acordo com Bandura (1977), há dois tipos de expectativas associadas ao comportamento de beber, as expectativas de eficácia (envolvendo a própria capacidade para executar um comportamento) e as expectativas de resultado (que envolvem o que acontecerá como um resultado do engajamento no comportamento). Marlatt (1993) acredita que essas expectativas de resultados positivos tornam-se uma força motivadora e desencadeante para retornar ao uso do álcool. O regresso ao estilo de comportamento (voltar a beber) se complica em maior escala quando o indivíduo precisa enfrentar uma situação de risco ou está reagindo a um estilo e vida desequilibrado.

A partir disso, o sujeito é induzido a beber por seu histórico de situações positivas associadas à ingestão do álcool, por uma dependência física e também por fatores ambientais, que incluem situações do contexto onde está incluído. Estamos frequentemente expostos a inúmeras publicidades em jornais, revistas, televisão, redes sociais, entre outros, que influenciam o consumo do álcool. Tais situações podem interferir diretamente no comportamento do sujeito. Mas "é extremamente importante lembrar que os efeitos reais do consumo da droga podem não corresponder aos efeitos esperados" (Marlatt, 1993, p.123), podendo gerar consequências negativas em termos de saúde, estado social e de autoestima. No campo científico tem-se ressaltado a importância da avaliação das expectativas pessoais sobre os efeitos do álcool, não só para a compreensão do consumo de álcool e a dependência dessa substância, como também para consubstanciar as estratégias de intervenção terapêutica e prevenção de recaídas (Marlatt, 1993).

O estudo das diferenças de expectativas do uso de álcool entre homens e mulheres é importante para intervenções preventivas com o objetivo de modificação de crenças sobre a droga, o que têm mostrado resultados satisfatórios em jovens usuários da droga (Fachini & Furtado, 2013). Ao estudar as crenças que motivam mulheres ao consumo de álcool, é possível que se estabeleça estratégias de prevenção especificamente para a população feminina que por encontra-se ou não em risco de desenvolver dependência do álcool. O presente estudo tem por objetivo comparar as crenças e expectativas a respeito do uso do álcool em mulheres com padrão de consumo do álcool de risco e sem risco.

 

Método

A amostra foi constituída de 88 participantes do sexo feminino, sendo que 43 participantes deste estudo eram pacientes de clínicas de internação para dependência química ou usuárias de ambulatórios também especializados na área, sendo recrutadas por método de conveniência. As outras 45 participantes recrutadas não estavam internadas em clínicas, nem eram usuárias de ambulatórios por consumo de drogas foram avaliadas, indicaram novas participantes para o estudo e assim sucessivamente, através do método de bola de neve.

Os critérios de inclusão das amostras são de escolaridade mínima de 5ª série e idade de 18 a 59 anos. Apenas na amostra clínica, que estavam em tratamento, foi aplicado o instrumento MEEM Miniexame do Estado Mental) para avaliar a cognição dos participantes, tendo como objetivo a exclusão dos que obtiveram escore menor que 23 pontos. Obedecendo ao critério de aplicação do AUDIT (The Alcohol Use Disorders Identification Test), o não uso de álcool no último ano foi considerado outro critério de exclusão do estudo.

Os grupos são identificados como MSR (Mulheres Sem Risco) e MCR (Mulheres Com Risco). A média de idade da amostra total foi 28 (DP=8,24). Os grupos foram homogêneos quanto à idade (p=0,281), a escolaridade (p=0,116) e estado civil (p=0,574) segundo o Test T de Student (p>0,05) onde não houve diferenças significativas entre os grupos, podendo ser comparados.

Com relação à amostra total, os resultados indicam que 71,6% possuem Ensino Superior Incompleto, 75% eram solteiros e 52,3% dos participantes se encontram na classe B. Abaixo a Tabela 1 ilustra os dados sociodemográficos de cada grupo.

 

 

Ficha de dados sociodemográficos: para a obtenção de informações sobre os voluntários da pesquisa, além dos Critérios Brasil de Classificação Econômica, realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2010) que classifica em classe A, B, C, D e E.

O Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais acerca do Álcool (IECPA) (Pinto-Gouveia, Ramalheira, Robalo, Borges & Rocha-Almeida, 1996) é um instrumento que se destina a avaliar expectativas pessoais acerca dos efeitos positivos do consumo moderado de bebidas alcoólicas, trata-se de um questionário de autorrelato, de fácil aplicação, que pode ser utilizado com finalidades c1ínico-assistenciais e na área de pesquisa.

É uma medida escalar, do tipo Likert, com 61 itens. Cada item consiste numa afirmação, que envolve expectativas e crenças a respeito dos efeitos do álcool em 5 Fatores: Fator 1 (efeitos globais positivos e facilitadores de interações sociais) Ex: "O álcool me tira as inibições"; Fator 2 (diminuição e/ou fuga de emoções ou cognições negativas) Ex: "O álcool me faz esquecer os problemas da vida"; Fator 3 (ativação e prazer sexual) Ex: "Tenho mais prazer sexual depois de ter bebido"; Fator 4 (efeitos positivos na atividade e no humor) Ex: "Quando bebo fico mais atento"; e Fator 5 (efeitos positivos na avaliação de si mesmo) Ex: "Quando bebo fico menos nervoso".

Para cada item são apresentadas cinco alternativas de resposta possível, Não concordo, Concordo pouco, Concordo moderadamente, Concordo muito e Concordo muitíssimo, que recebem escore de 1 a5 respectivamente. O escore total é o resultado da soma dos escores dos itens individuais. É aplicável a adolescentes e adultos.

The Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) (Babor, Higgins-Biddle, Saunders & Monteiro, 2001) para rastreamento de problemas com álcool validado para o contexto brasileiro (Mendez, 1999). Trata-se de teste de autopreenchimento, contendo 10 perguntas que avaliam o padrão de consumo do álcool, os sinais e sintomas da dependência e os problemas decorrentes do uso do álcool. Para a apuração dos dados, soma-se a pontuação obtida nas respostas que varia de zero a 40 pontos e classifica em duas categorias: sujeitos com pontuação de 0 a 7 (AUDIT ≤8), que correspondem aos abstinentes ou bebedores, dentro dos limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde, e, acima de 8 pontos (AUDIT ≥8), caracteriza as pessoas que consomem bebidas alcoólicas em níveis problemáticos (Pilon, 2011).

Miniexame do Estado Mental (MEEM) (Folstein, Folstein & McHugh, 1975) que permite a avaliação da função cognitiva e rastreamento de quadros demenciais, validado para o contexto brasileiro (Bertolucci, Mathias & Brucki, 1994). O MEEM é composto por questões agrupadas em sete categorias, onde cada tem o objetivo de avaliar "funções" cognitivas específicas tais como: orientação para tempo (5 pontos), orientação para local (5 pontos), registro de 3 palavras (3 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), lembrança das 3 palavras (3 pontos), linguagem (8 pontos), e capacidade construtiva visual (1 ponto). O escore do MEEM pode variar de um mínimo de 0 até um total máximo de 30 pontos, com ponto de corte de 23 pontos.

O projeto foi aprovado no Comitê de Ética da PUCRS (CAAE: 09893712.1.0000.5336). A coleta de dados ocorreu no período de 2012 e 2013, por psicólogos e estudantes de psicologia devidamente treinados para aplicação dos instrumentos em um único encontro. A amostra com padrão de risco para o uso do álcool se deu em locais específicos para tratamento da dependência química: Casa da Graça – Canoas – RS; CAPSad Vila Nova – Porto Alegre – RS; Casa de Recuperação Marta e Maria – Porto Alegre – RS. A população sem risco foi recrutada em Universidades, grupos familiares e de amigos e em centros profissionalizantes. Antes da coleta de dados, cada participante recebeu esclarecimentos quanto aos objetivos do estudo através da leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) posteriormente assinado pelos voluntários.

As informações coletadas foram compiladas e processadas no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0. Durante o processo de análise dos dados, foi utilizada estatística descritiva (médias, desvio-padrão, porcentagens e frequências), para caracterização amostral e estatística inferencial para estudo das variáveis.

 

Resultados

A amostra de 88 mulheres foi classificada em dois grupos utilizando-se o AUDIT: o grupo de mulheres com consumo sem risco (N=45) foi identificado através de uma pontuação de 0-7 pontos no instrumento; já o grupo de mulheres com risco (N=43) foram classificadas assim por apresentar escore acima de 8 pontos. É importante apontar que foram encontradas mulheres classificadas, segundo o AUDIT, como padrão de consumo de risco tanto em participantes internadas em clínicas ou usuárias de ambulatório, como nas que não eram usuárias de nenhum destes serviços.

A média obtida no AUDIT na amostra total foi de 8,35 pontos com no mínimo 0 e máximo 28 (DP=6,40). Em relação ao grupo MSR a média foi de 3,80 (DP=1,99) com mínimo 0 e máximo 7. No grupo de MCR a média foi de 13,12 (DP= 5,94), mínimo 8 e máximo 28. No IECPA, a média do total de pontos ficou de 123,78 (DP=44,61) com mínimo de 59 e máximo de 253. Abaixo a Tabela 2 ilustra os resultados do IECPA em cada grupo.

 

 

Foi realizada uma correlação entre as variáveis com o teste de Correlação de Pearson e obteve-se que a pontuação total no IECPA e no AUDIT foi positiva moderada (r=0,56), ou seja, quanto mais alto o valor no AUDIT, mais alto é o valor no IECPA. Quanto aos fatores utilizados pela amostra total, os dados indicam que o fator do IECPA que foi mais pontuado foi o fator 1 (efeitos globais e facilitadores das interações sociais) obtendo média de 80,18 (DP=30,53). O fator menos pontuado foi o fator 4 (efeitos positivos na atividade e no humor) com média de 12,46 (DP=4,99). A Tabela 3 apresenta os dados nos cinco fatores para a amostra total.

 

 

Para comparar e avaliar a normalidade entre os grupos foi realizado o teste Kolmogorov-Smirnov, que apontaram distribuição normal (p<0,05) em todos os fatores. Foram comparados os grupos usando o teste t de Student e mostraram significância estatística (p<0,001). Em relação aos fatores do IECPA percebe-se que o grupo MSR ficou com médias menores em todos os fatores em comparação com o grupo MCR. No grupo MSR o fator que teve maior média foi o fator 1 e o de menor média foi o fator 4. Já no grupo MCR o fator 1 também foi o de maior média e o de menor também foi o fator 4. A Tabela 4 apresenta os resultados de cada grupo com relação aos fatores. Os resultados mostram que as mulheres do grupo MCR apresentaram médias maiores que o grupo MSR, mesmo que a maior e menor média estejam nos mesmos fatores em ambos os grupos.

 

 

Discussão

O objetivo deste estudo era comparar dois grupos (MSR e MCR) quanto suas crenças e expectativas relacionadas ao consumo do álcool. Pesquisas revelam que o consumo de drogas ilícitas e lícitas no Brasil entre os jovens têm alta prevalência principalmente em universitários (Peuker, Fogaça & Bizzarro, 2006). Nesse estudo, obtivemos como resultados da análise sociodemográfica que a amostra é predominante de adultas e universitárias (71,6%) corroborando com a literatura.

A partir do resultado das médias de cada grupo no IECPA, pôde-se identificar que o grupo MCR ficou com média 141,86 que é maior que o ponto de corte do instrumento (121,82), constituindo um grupo com maior probabilidade de tornar-se dependente do álcool. Sob esse resultado, é possível destacar a influência das expectativas de resultado acerca do comportamento de beber (Marlatt, 1993). O dado complementa o que diz a literatura sobre indivíduos com expectativas elevadas em relação aos efeitos do uso de álcool ter maior probabilidade de tornarem-se dependentes da substância (Pinto-Gouveia et al., 1996).

Em relação às médias nos fatores do IECPA o grupo MCR ficou com escores maiores em relação ao grupo MSR. O resultado pode ser associado ao um estudo que comparou não bebedores com bebedores de risco, e que confirma que as expectativas positivas e crenças distorcidas quanto ao uso de álcool se relacionam com padrão de risco de desenvolver dependência (Peuker, 2006). É interessante que se aponte o estudo de Fachini e Furtado (2012) que tinha como objetivo analisar diferenças de gênero sobre expectativas relacionadas ao uso de álcool em artigos da literatura indexada, no qual os autores relatam que diferenças entre homens e mulheres sobre estas expectativas só foram verificadas quando era comparado o padrão de consumo (frequência e quantidade). Os achados apontam que efeitos esperados sobre o uso de álcool, em homens e mulheres apresentariam diferenças em indivíduos que fazem um consumo mais intenso ou frequente de álcool, entendendo-se a importância que o padrão de consumo de álcool tem no estudo das expectativas e crenças sobre o álcool.

Nesse estudo, os dois grupos obtiveram maior média no Fator 1 (efeitos globais positivos e facilitadores de interações sociais). Os dados se assemelham a um estudo com o IECPA que chegou aos resultados de que um beber sem problemas associados, se relaciona com expectativas frente ao álcool de facilitador do comportamento social (Pinto-Gouveia et al., 1996). Entretanto, tomando as médias obtidas, o grupo MCR foi quem mais endossou as expectativas relacionadas ao fator referido, sendo um indicador social de vulnerabilidade à dependência. Na aplicação do IECPA em uma amostra de homens e mulheres foi encontrado que a amostra associava o consumo de álcool à um facilitador de interações sociais, pois lhes deixariam mais confiantes, desinibidos, melhorando suas relações (Cunha, Carvalho, Kolling, Silva & Kristensen, 2007).

Nos dois grupos a segunda maior média se concentrou no Fator 2 (diminuição e/ou fuga de emoções ou cognições negativas). Em um estudo com mulheres de um local de tratamento para alcoolismo no México, as mulheres relataram que o álcool lhes dava a oportunidade de escapar de seus problemas, fugindo da tristeza e de tudo (Ramírez & Luís, 2008). Apesar de ser alto nos dois grupos, o Fator 2 que lembra os relatos destas mulheres, apareceu com média maior no grupo MCR o que novamente vem a confirmar as expectativas positivas do uso de álcool maior neste grupo, e mais prevalentes em mulheres alcoolistas, até mesmo porque este grupo apresentou uma probabilidade de ser ou de se tornar dependente. Em um estudo com sujeitos com diversos comportamentos problemáticos inclusive com álcool, foram identificadas situações de alto risco para recaídas e entre elas estão os Estados Emocionais Negativos, ou seja, sentimentos negativos, tais como frustração, raiva, ansiedade, depressão, entre outros (Marlatt, 1993).

O álcool é uma droga depressora do sistema nervoso central e frequentemente é associada à desinibição e à crença de que seu uso aumentaria o prazer sexual fazendo com que seja consumido usualmente antes ou durante os atos sexuais. Essa associação se torna fator de risco para infecção com DSTs, pela tendência ao não uso de preservativos sob efeito de bebidas alcoólicas, a troca de parceiros mais comumente, a prática de sexo em grupo, entre outros comportamentos de risco (Cardoso, Malbergier & Figueiredo, 2008). Os resultados obtidos com a amostra de mulheres deste estudo quanto ao Fator 3 (ativação e prazer sexual), mostraram que o grupo MCR apresentou mais crenças e expectativas relacionadas ao consumo de álcool e à ativação e prazer sexual, demonstrando são um grupo de risco como indica a literatura. Em outro estudo com o questionário GENACIS, em uma amostra de 876 pessoas que tinham ingerido álcool no último ano, foram feitas perguntas para avaliar as expectativas quanto ao consumo de álcool, sendo três delas quanto às expectativas na atividade sexual (Cavariani, Oliveira, Kerr-Corrêa & Lima, 2012). Os resultados apontaram que para as mulheres as expectativas de sentir-se menos inibido(a) em relação ao sexo, achar a atividade sexual mais prazerosa e sentir-se sexualmente mais atraente mantiveram-se associadas a maior risco de beber com embriaguez, ou seja verifica-se novamente um consumo de risco do álcool associado às expectativas quanto à atividade sexual.

Os resultados de médias mais altas no grupo MCR no Fator 4 (efeitos positivos na atividade e no humor) também podem ser comparados uma pesquisa com mulheres mexicanas, em que mostram nos resultados uma sensação de felicidade completa, sem medo de nada (Ramírez & Luís, 2008). Por fim, ainda observando os resultados nos Fatores do IECPA, identificou-se que nos dois grupos o Fator 5 (efeitos positivos na avaliação de si mesmo) obteve a segunda menor média, mas no grupo MCR a média se encontra mais alta em comparação com o grupo MSR. No mesmo estudo, foi encontrado que essas mulheres se sentiam mais valentes, seguras, bonitas e atraentes para os homens ao consumir álcool (Ramírez & Luís, 2008). Os relatos destacados se associam aos aspectos relacionados às expectativas do Fator 5 de avaliação positiva de si mesmo, que de 43 mulheres (MCR) não obteve escore expressivo.

 

Conclusão

Este estudo tinha como objetivo comparar as crenças e expectativas de mulheres com padrão de consumo do álcool de risco e sem risco utilizando como principais instrumentos os questionários AUDIT e IECPA. Os achados vão ao encontro aos achados científicos em que as crenças e expectativas do consumo da bebida, motivada pelos resultados positivos da droga, são maiores em mulheres com uso de risco. Os principais resultados demonstraram que o grupo MCR apresentou mais crenças positivas em relação ao grupo MSR analisando o total do IECPA e comparando as médias dos dois grupos. O grupo MCR obteve um escore acima do ponto de corte do instrumento caracterizando vulnerabilidade para dependência de álcool por apresentarem consumo de risco.

Mesmo que tenham surgido estas diferenças citadas, foi comum entre os grupos a ordem de classificação dos fatores desde a maior média à menor. O Fator 1, por exemplo, foi em ambos os grupos o mais expressivo, ou seja, na maioria da amostra, tanto de um grupo como do outro, a expectativa principal para o uso do álcool foi a facilitação das relações interpessoais, indicando uma crença importante a ser trabalhada na prevenção e tratamento com relação ao uso de álcool para a população feminina. O pequeno tamanho amostral e a amostra de conveniência são limitações deste estudo, portanto são necessários novos estudos com avaliação de amostras maiores.

O estudo aponta que, mesmo as mulheres que não estavam em tratamento para o uso de álcool manifestaram um comportamento de risco (resultados do AUDIT) em relação ao uso de álcool. Os dados são relevantes e apontam para uma necessidade de atenção para este comportamento feminino. Buscar compreender melhor as populações de risco na dependência química pode auxiliar ainda mais na elaboração de estratégias preventivas do consumo e dependência do álcool.

 

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Endereço para contato
E-mail: marga@pucrs.br

Recebido em junho de 2014
Aceito em agosto de 2014

 

 

Andressa Celente de Ávila: Mestranda em Psicologia Clínica (PUCRS – Bolsa CAPES), Graduação em Psicologia (PUCRS).
Dhiordan Cardoso da Silva – Acadêmico em Psicologia (PUCRS), Bolsista de Iniciação Científica (BPA/PUCRS).
Margareth da Silva Oliveira – Possui Pós-Doutorado na University of Maryland Baltimore County (2008), Doutora em Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo (2001), Graduação em Psicologia (PUCRS), Docente do Programa de Graduação e Pós-Graduação (PUCRS), Pesquisadora Produtividade CNPq.

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