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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.45 Canoas dez. 2014
RESENHA
Reabilitação neuropsicológica na prática clínica
Rita de Cássia Silva da Rosa; Silvana Soriano Frassetto
Universidade Luterana do Brasil (ULBRA – Canoas)
Segundo a organizadora Jacqueline Abrisqueta Gomez, a obra Reabilitação neuropsicológica: abordagem interdisciplinar e modelos conceituais na prática clínica nasceu de uma necessidade de compreender melhor a reabilitação neuropsicológica (RN) no Brasil, também chamada Reabilitação Cognitiva (RC), e sua característica holística e integrada. A autora questiona e discute a falta de um modelo que norteie o processo de RC em nível nacional. Reabilitar é um desafio múltiplo com diversas faces nas várias dimensões do ser, do criar, do conviver, do aprender e do aprender a aprender. Atualmente a RC é considerada a melhor abordagem para o tratamento de pessoas com sequelas cognitivas moderadas ou graves. Contudo, ainda são poucos os investimentos para pesquisas nessa área. Além da organizadora, o livro tem mais 43 autores, é composto por 31 capítulos divididos em 06 partes, que serão apresentadas a seguir.
A primeira parte contempla os capítulos de 01 a 05, e aborda aspectos que devem ser considerados sobre a RN. No primeiro capítulo, escrito pela organizadora, são apresentados os fundamentos teóricos e modelos conceituais para a prática da RC interdisciplinar, como as mudanças na prática clínica, a falta de um modelo de RN e as etapas do modelo compreensivo. No capítulo dois, Mauro Muszkat e Claudia Berlim de Mello dissertam sobre a neuroplasticidade, que é a capacidade do indivíduo de reorganizar seus diversos padrões de resposta e conexões diante da experiência, mesmo após sofrer danos cerebrais; abordam mecanismos moleculares e nível de alerta da neuroplasticidade e os princípios neurobiológicos básicos em RC. Já os aspectos do tratamento farmacológico relacionados à RC de Lesões Cerebrais Adquiridas (LCA), as alterações do comportamento e cognitivas relacionadas aos Acidentes Vasculares Encefálicos (AVEs) e aos Traumas Cranioencefálicos (TCEs), bem como as alterações cognitivas de ambos, são apresentados por Paulo H. F. Bertolucci no terceiro capítulo. No capítulo seguinte, Elizabeth Belich Piovezan mostra a relevância da reserva cognitiva no processo reabilitador. Por fim, Carla Cristina Adda encerra a primeira parte onde descreve que a self-awareness ou autoconsciência pode contribuir para o processo de RC.
A segunda parte compreende os capítulos de 06 a 09 que abordam o processo de avaliação nos programas de RC. O sexto capítulo de autoria de Márcia Maria Pires Camargo Novelli e Mariana Boaro Fernandez Canon apresenta o constructo de funcionalidade e seus aspectos conceituais e metodológicos, passando pelas formas de avaliação, instrumentos utilizados, e como as LCAs e as patologias neurodegenerativas podem comprometer o desempenho da pessoa de executar atividades rotineiras. O capítulo sete complementa o anterior, escrito por Rubens Goulart Panico, e traz um breve histórico das Funções Executivo-Atencionais (FEA), que visa auxiliar o leitor a compreender melhor as deficiências nessas funções, bem como uma lista dos erros mais comuns nos pacientes em reabilitação, e um caso clínico. A avaliação das habilidades de comunicação é apresentada no oitavo capítulo de Isabel Carvalho, onde a autora afirma que esta é fundamental na análise do comportamento. Todavia, para atingir resultados mais satisfatórios, ela deve ser o mais individualizada possível, pois cada pessoa responde de uma forma às influências do meio. Encerrando a segunda parte, Alfonso Caracuel-Romero, Andrew Bateman e Thomas W. Teasdale disponibilizam o Questionário de Lesão Cerebral (EBIQ), constituído de 63 itens, cujo objetivo é avaliar a experiência subjetiva dos pacientes com LCA e seus familiares, assim como o modelo Rasch e os fatores que influenciam as respostas do questionário.
As evidências científicas da eficácia das estratégias de intervenção e técnicas da RC são apresentadas nos capítulos 10 a 16 da terceira parte. A autora do livro é quem escreve o décimo capítulo, onde ela busca demonstrar as revisões sistemáticas que baseiam as recomendações das boas práticas em RC com o objetivo de minimizar as deficiências intelectuais e melhorar as habilidades sensoriais, psicomotoras e comportamentais, aumentando assim a independência do indivíduo. Descreve também as principais evidências científicas em RC em outros transtornos psiquiátricos e em crianças. O capítulo onze, dissertado por Izabel Hazin, Jorge Tarcísio da Rocha Falcão e Caroline Araújo Lemos, tem o objetivo de ressaltar a importância de levar em consideração a memória autobiográfica no processo de RN, além de apresentar modelos conceituais, articulações teóricas e metodológicas, e as possibilidades de comprometimento na contribuição à RN. Ainda sobre a memória, o décimo segundo capítulo de autoria de Carla Cristina Adda aborda brevemente a memória prospectiva. A RN da atenção e suas características são abarcadas no capítulo treze por Liliane Cristina de Além Mar e Silva, na busca de subsidiar o leitor para compreender melhor o processo de desenvolvimento na reabilitação. Já o décimo quarto capítulo fala da RN da linguagem enfocando os distúrbios nessa área causados por lesões neurológicas. Para tanto, as autoras Mirna Lie Hosogi e Maria Teresa Carthery Goulart descrevem brevemente as afasias, apresentam o processo de RN e discutem as metodologias de intervenção terapêutica e seu efeito. No capítulo quinze, a autora Eliane Correa Miotto discorre alguns pontos sobre a RN das Funções Executivas (FE) e avalia a eficácia da RN nessa área. Ainda nessa linha, o décimo sexto capítulo postulado por Patrícia Rzezak, apresenta evidências científicas da RC das habilidades de percepção visuoespacial e visuoconstrução em pessoas adultas com Lesão Encefálica Adquirida (LEA). Em virtude da dificuldade de criar técnicas avaliativas eficazes, uma vez que normalmente as consequências das LEA são extensas e a gravidade e os efeitos variam de pessoa para pessoa, a autora traz exemplos de algumas dessas técnicas que estão sendo bastante utilizadas atualmente.
A quarta parte do livro mostra nos capítulos 17 a 21, a interface da RN com outras abordagens e disciplinas. Os autores do capítulo dezessete, Noomi Katz e Carolyn M. Baum, trazem a Terapia Ocupacional (TO), onde ressaltam a importância desta abordagem como aprendizado de estratégias e consciência, demonstrando modelos cognitivos de TO e treinamento de habilidades funcionais; e falam também sobre o processo de avaliação de pessoas com suspeita de deficiências cognitivas e, sobre os estágios no desenvolvimento de uma avaliação cognitiva funcional. O décimo oitavo capítulo, escrito por Sara Monteiro dos Anjos e Kamila Regolin, apresenta a Tecnologia Assistiva para Cognição (TAC), que é utilizada como suporte técnico de compensação e reestruturação do funcionamento cognitivo. A memória, o déficit de aprendizagem, o planejamento diário de rotina, a orientação espacial e temporal, o processamento da informação, o controle de ambiente e Atividades de Vida Diárias (AVD) também são comentados no capítulo. Dentre os vários métodos e abordagens utilizados na RN, as autoras do capítulo dezenove Maria Therezinha B. Golineleo e Teresinha F. de Almeida Prado, apresentam o conceito neuroevolutivo de Bobath, que diz que não se ensina movimentos a pessoas com disfunções neuromotoras, e a reabilitação os torna possíveis. As autoras ainda mostram o histórico do conceito, as evidências científicas, as consequências das alterações neuromotoras na cognição e a aplicabilidade na clínica. Adriana Turchetti Pinto de Moura escreve o capítulo vinte e apresenta propostas de trabalho para programas de reabilitação como, a psicopedagogia de estimulação cognitiva e o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), de Reuven Feuerstein; ela coloca esses instrumentos como alternativas eficazes na RC. A arte-reabilitação neuropsicológica é o tema do capítulo vinte e um, de autoria de Maria Cristina Anauate, que a utiliza como um recurso que atua de forma restaurativa ou estimulativa, compensatória, combinada e preventiva, e de manutenção no processo de reabilitação, além de apresentar brevemente casos clínicos em demência com intervenções através da arte.
Os capítulos 22 a 26 compreendem a parte cinco que tem como temática as intervenções psicológicas, sociais e comportamentais. A autora do capítulo 22, Katiúscia Karine Martins da Silva, disserta sobre a importância da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) no processo de RN, uma vez que as características dessa abordagem auxiliam pacientes e familiares a responderem de maneira mais adaptativa frente a situações difíceis de lidar e com as limitações de uma forma geral. A autora destaca o valor da avaliação neuropsicológica para o processo psicoterápico, as consequências emocionais e psicossociais das LCA, trazendo também a opinião de diferentes autores sobre a psicoterapia na RN, e, finaliza com um caso clínico. Na mesma linha holística do processo de RN, Silvia Adriana Prado Bolognani e Maria de Fatima Alves Monteiro tratam do trabalho de psicoterapia em grupo para pessoas com LCA no capítulo vinte e três, apontando os benefícios e tipos de grupos que podem ser utilizados na reabilitação de adultos com LCA. No capítulo vinte e quatro, as habilidades vocacionais e a reinserção social com pessoas em processo de RN são descritas, pela autora Camila da Veiga Prade, como bastante relevantes no processo de RN, pois junto com a avaliação neuropsicológica, são instrumentos importantes para a neuropsicologia. A autora ainda discute as principais esferas cognitivas e as consequências das alterações na funcionalidade do sujeito, uma vez que as abordagens funcionais de avaliação fornecessem um perfil com os pontos positivos e negativos do sujeito, possibilitando a formulação de hipóteses mais precisas; e, encerra o capítulo com as intervenções mais utilizadas na RN que são relacionadas ao ambiente social e profissional. Jarbas Tadeu de Mello e Vânia Fortunato da Silva Rodrigues enfocam no capítulo vinte e cinco a doença de Alzheimer, trazendo as intervenções trabalhadas nas alterações comportamentais e transtornos de humor. Os autores ainda falam sobre a definição e etiologia, alterações comportamentais e emocionais que são as mais comuns nos casos de demência, e como administrá-las e sobre as abordagens de intervenções não farmacológicas. O controle das alterações comportamentais nas demências e no processo de envelhecimento é visto no capítulo vinte e seis, escrito por Ana Cristina Procópio de Oliveira Aguiar, onde a autora traz o exemplo do trabalho desenvolvido no Residencial Israelita Albert Einstein (RIAE), que tem como um dos pontos norteadores do seu programa de reabilitação a intervenção preventiva e abordagens não farmacológicas.
A sexta e última parte do livro sobre a RN a caminho da prática clínica, corresponde os capítulos 27 a 31. A autora Bárbara A. Wilson relata no capítulo vinte e sete todo o histórico, filosofia e trabalho realizado no Centro Oliver Zangwill, que desde 1996 oferece serviços de excelência em RN de forma intensiva ou orientada para o ambiente. A instituição tem esse nome por causa de um importante neuropsicólogo britânico, que ressalta a importância de uma abordagem teórica com base ampla e diretrizes para boas práticas em RN. Os desafios e questões dos novos paradigmas que vêm surgindo referente à formação do profissional em RN são abarcados no capítulo vinte e oito por Jacqueline Abriesqueta Gomez, Adriana Turchetti Pinto de Moura e Carmen Silvia Calandria Ponce. As autoras escrevem sobre a experiência do Check-up do Cérebro, um serviço clínico de ensino e pesquisa em temas de neurociências cognitivas com ênfase em RN. O assunto do capítulo vinte e nove, de autoria de Sérgio Leme da Silva, Fabrizio Veloso Rodrigues e Danilo Assis Pereira, trata igualmente da prática na RN e seus novos paradigmas. O modelo discutido é o ecológico e sistêmico para a reabilitação. Os autores expõem ainda experiências fora e dentro do contexto domiciliar de intervenções com esse enfoque. Os tipos mais comuns de desenhos experimentais de caso único é a temática do capítulo trinta de Priscila Covre, ela apresenta essa abordagem como uma alternativa para RN quando necessário lidar só com um indivíduo e não com grupos, utilizando a observação sistemática e medidas repetidas. O último capítulo do livro, escrito por Marina Nery e Dagoberto Miranda Barbosa, exemplifica e mostra todo o modelo de RN do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER), que tem um programa especial para indivíduos com LEAs fundamentado em três pilares: abordagem interdisciplinar, plano de intervenção individualizado e o modelo de interdependência, sendo as pessoas o elemento mais importante desse processo.
A obra aqui citada reúne relatos, estudos, pesquisas e experiências empíricas sobre questões teóricas e práticas relevantes referentes à RN, com o objetivo de subsidiar a formulação de procedimentos que orientem uma sistematização de técnicas no processo de reabilitação através de uma perspectiva interdisciplinar, que sejam ao mesmo tempo holísticas e personalizadas de acordo com as habilidades e limitações de cada indivíduo.
Referências
Gomez, Jaqueline Abrisqueta (org.) (2012). Reabilitação neuropsicológica: abordagem interdisciplinar e modelos conceituais na prática clínica. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Endereço para contato
E-mail: silvanafrassetto@terra.com.br
Recebido em maio de 2015
Aceito em junho de 2015
Rita de Cássia Silva da Rosa: Pedagoga e graduanda do Curso de Psicologia – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA – Canoas).
Silvana Soriano Frassetto: Psicóloga e Bióloga. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (WP – Centro de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental). Doutora em Bioquímica (Ênfase em Neurociência – UFRGS). Professora do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).