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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.46 Canoas abr. 2015

 

ARTIGOS TEÓRICOS

 

Libras e o desenvolvimento de pessoas surdas

 

Brazilian Sign Language and the development of the deaf people

 

 

Elizabete Gonçalves Alves; Silvana Soriano FrassettoI

I Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

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RESUMO

A língua de sinais representa um papel expressivo na vida das pessoas surdas, conduzindoas, por intermédio de uma língua estruturada, ao desenvolvimento pleno. Ela fornece para as crianças surdas as condições mais necessárias à expansão das relações interpessoais, constituindo o funcionamento cognitivo e afetivo, logo promovendo a constituição da subjetividade. A metodologia utilizada neste estudo foi uma análise de conteúdo da produção científica, disponível nas bases de dados Scielo e Lilacs com a finalidade de relacionar a Língua de Sinais ao desenvolvimento de pessoas surdas. Neste contexto, esta pesquisa bibliográfica visa analisar o panorama da produção científica brasileira, acerca da importância da Língua Brasileira de Sinais (Libras) frente ao desenvolvimento de pessoas surdas disponível em bibliotecas virtuais no período de 2000 a 2013.

Palavras-chave: Libras, Cognição, Desenvolvimento.


ABSTRACT

The sign language represents a significant role in the life of the deaf person, leading them to, by means of a structured language, to full development. It provides for the deaf children the conditions to the expansion of interpersonal relations, building up the cognitive and affective functioning, thus promoting the constitution of subjectivity. The methodology used in this study was a content analysis of scientific production, available in the Scielo and Lilacs databases with the purpose of verifying the benefits that the acquisition of Sign Language provides in the development of deaf people. In this context this bibliographic research aims to analyze the panorama of Brazilian scientific production, about the importance of the Brazilian Sign Language (LIBRAS), in face the development of deaf people available in virtual libraries in the period 2000 to 2013.

Keywords: Brazilian Sign Language, Cognition, Development.


 

 

Introdução

A perda auditiva consiste em um problema sensorial não visível, que apresenta dificuldades na detecção e percepção de sons. Consequências danosas são ocasionadas ao desenvolvimento do indivíduo em razão da natureza complexa do ser humano, visto que padrões sociais, emocionais, linguísticos e intelectuais estão ligados entre si (Araújo & Lacerda, 2008).

Com o reconhecimento da Libras como língua oficial dos surdos pela Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002 (Brasil, 2002), e com sua regulamentação por meio do Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005 (Brasil, 2005), mudanças significativas aconteceram em relação às comunidades de surdos. De acordo com o Art. 1º da Lei Federal, é descrito:

É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visualmotora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil
.

Nessa perspectiva, o uso da Libras passou a ser um direito dos surdos. Além disso, a definição da pessoa surda, segundo o Decreto citado acima, passou a ser aquela pessoa que, apesar da perda auditiva, compreende o mundo e, ao mesmo tempo, interage com ele por meio de experiências visuais.

As línguas de sinais não são universais, pois cada país possui a sua própria língua, que sofre inclusive influências da cultura local e, como qualquer outra língua, também possui expressões distintas de região para região, não existindo assim padronização em âmbito nacional. Ao contrário do que muitos imaginam, não são simplesmente mímicas; gestos soltos utilizados pelos surdos para facilitar a comunicação, pois possuem estruturas gramaticais próprias compostas pelos níveis linguísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico. Logo o que a diferencia das demais línguas é a sua modalidade visual-espacial (Muncinelli, 2013).

Nesse sentido, Góes (1996) afirma que a língua de sinais é a língua materna dos surdos, aquela pela qual outras estruturas se constroem, não havendo, a priori, limitações cognitivas ou afetivas inerentes à surdez. Portanto, o que pode prejudicar o desenvolvimento do surdo é a qualidade das suas experiências e as possibilidades para consolidação da linguagem. Diante destas considerações, em um estudo realizado sobre a aquisição da linguagem em crianças surdas, filhos de surdos, Quadros (1997b) concluiu que, por ter acesso a uma língua espaço-visual e à sua função linguística desde o nascimento, estas crianças desenvolvem a linguagem sem deficiências, favorecendo assim a comunicação.

Considerando as peculiaridades e a relevância do tema, este artigo objetivou analisar a produção científica brasileira disponível em bibliotecas virtuais no período de 2000 a 2013 acerca da importância da Língua Brasileira de Sinais (Libras) frente ao desenvolvimento de pessoas surdas.

 

Método

A pesquisa bibliográfica foi realizada através de uma abordagem qualitativa, pois objetivou analisar o conteúdo que consta nas produções científicas acerca da aquisição da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a sua importância no desenvolvimento de pessoas surdas. Para este tipo de pesquisa foram utilizados a técnica de leitura e o roteiro de leitura. Primeiramente, foram efetuadas leituras sucessivas do material selecionado obedecendo às etapas de reconhecimento, exploração, seleção, reflexão e interpretação (Marconi & Lakatos, 2010).

Na primeira etapa da análise de dados foi realizada a coleta e a classificação das publicações acessadas na plataforma BVS – Biblioteca Virtual em Saúde – no período de 2000 a 2013, na qual duas bibliotecas virtuais foram acessadas: Scientific Eletronic Library Online (SciELO) (Biblioteca 1); e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) (Biblioteca 2). Como critério de pesquisa foram utilizadas para a Biblioteca 1 as palavras-chave "Libras"; "Cognição" e "Língua de Sinais". Para a Biblioteca 2, as palavras-chave utilizadas foram "Libras" e "Desenvolvimento".

Posteriormente, analisando as referências dos artigos adquiridos nas bibliotecas, foram acessados outros trabalhos que foram considerados importantes, pois estes estudos encontrados faziam referência ao desenvolvimento de pessoas surdas e a Libras. Selecionados os trabalhos, procedeu-se então à análise da documentação e do conteúdo das informações coletadas, considerando os critérios de inclusão e exclusão. Na presente revisão foram incluídos apenas os artigos que apresentaram conformidade com os objetivos do estudo, ou seja, a aquisição da língua de sinais no auxílio do desenvolvimento de pessoas surdas, bem como os efeitos que a não aquisição da língua de sinais ocasiona ao desenvolvimento. Foram encontrados 29 trabalhos publicados; destes, 15 relacionados ao estudo e 14 que não atendiam aos critérios estabelecidos (Tabela 1).

 

 

A última etapa da análise de dados diz respeito à síntese integradora, que consistiu no produto final do processo de investigação, com o propósito de apropriar-se do problema de estudo e da produção científica sobre a importância da Língua Brasileira de Sinais (Libras) frente ao desenvolvimento de pessoas surdas.

Conforme os dados apresentados na Tabela 1, quinze dos vinte e nove trabalhos acessados estão relacionados como o objeto de estudo. Em termos absolutos foram encontrados na Biblioteca 1 (SciELO) 14 trabalhos, o que corresponde a 93,33 % do total dos relacionados ao estudo. Já na Biblioteca 2 (LILACS), totalizou-se um trabalho representando 6,66% dos trabalhos relacionados ao tema. Quanto ao ano de produção de trabalhos relacionados ao tema de estudo, observou-se uma maior concentração no ano de 2006, seguido nos anos de 2001, 2008 e 2012, sendo que nos anos de 2002, 2004, 2007 e 2009 nenhum trabalho relacionado ao tema foi encontrado.

Família e o desenvolvimento de pessoas surdas

Segundo Schemberg, Guarinello & Massi (2012), o papel da família é fator relevante para o desenvolvimento da criança, pois ela é o alicerce da personalidade subjetiva é construído. Sendo assim, a interação familiar é de fundamental importância na constituição social do sujeito. Como afirma Guarinello (2000), a família é o primeiro local onde as capacidades das crianças são desenvolvidas, bem como o lugar ideal para se iniciar o atendimento de base para os surdos. Nesse sentido, Negrelli & Marcon (2006) referem que é no espaço familiar que os valores e as crenças são transmitidos de geração em geração. Diante disso, é importante ressaltar que o modo como à criança surda é tratada no contexto familiar terá influência sobre a imagem que ela terá de si mesma (Stelling, 1999).

Diante destas considerações, e segundo Nader e Pinto (2011), sabe-se que até que seja diagnosticada a surdez, a família interage com a criança por meio da fala e de cantigas de ninar. É só a partir do diagnóstico que toda essa relação muda radicalmente. Há mudanças perceptíveis no comportamento dos pais para com seus filhos surdos. A partir daí, a interação das crianças surdas com suas mães ouvintes estará condicionada à representação ou imagem que cada mãe vai construindo do filho como portador de uma deficiência ou como alguém apenas diferente.

Um estudo qualitativo realizado no Centro de Estudos em Pesquisa e Reabilitação do Estado de São Paulo/SP, no qual participaram 10 mães ouvintes com filhos surdos, visando conhecer as reações que as mesmas experimentam diante do diagnóstico de surdez do filho, evidenciou que para elas a noticia da surdez foi um choque. As reações dependeram, na maioria das vezes, do quanto elas já suspeitavam da surdez do filho, de quando e como foi feito o diagnóstico, da maneira como os profissionais da área médica passaram as informações a respeito de surdez e, ainda, o quanto de conhecimento a família tinha do que é surdez, suas crenças, ideias, preconceitos em relação à pessoa surda. Algumas mães apresentaram sentimentos ambivalentes, buscando marcas de normalidade na criança, já outras demonstraram, com o tempo, uma boa adaptação à situação de ter um filho surdo, conseguindo integrá-lo em sua vida como um todo. Diante disso, o estudo concluiu que o diagnóstico de surdez é uma experiência que altera não somente o sentimento de mãe como também o funcionamento intersubjetivo de todos os elementos da família (Silva, Zanolli & Pereira, 2008).

Dificilmente a importância da Libras, como salientam Dizeu e Caporali (2005), é apontada pelos profissionais que dão o diagnóstico da surdez aos pais. Esta, no entanto, deve ser por eles ressaltada, pois é fundamental para o processo educacional, social e cultural da criança surda, bem como para o seu desenvolvimento geral. As autoras declaram ainda que se os pais recebessem orientações adequadas quanto à importância da Libras para o desenvolvimento da criança e sobre as possibilidades que essa língua oferece, com certeza seriam poupados transtornos e prejuízos à criança e a seus pais, e principalmente evitaria muitos problemas emocionais a que estes são submetidos. Nesse sentido, Harrison (2000) reforça que a língua de sinais fornece para a criança surda a oportunidade de ter acesso à aquisição da linguagem e o conhecimento de mundo e de si mesma.

Nesta perspectiva, e em se tratando do contexto familiar, é essencial destacar que é na família que o ser humano consegue sobreviver, aprender valores, desenvolver uma cultura, sentimentos de amor, amizade e afeto, bem como é onde começam os primeiros passos e os primeiros balbucios, dando início, desta forma, ao processo de interação familiar. Em relação ao ambiente familiar do surdo, é evidente o sentimento de despreparo da maioria das famílias para lidar com a surdez, o pequeno interesse de aprender e realizar a língua de sinais com o filho, acarretando a falta de utilização de uma mesma língua com ele e, consequentemente, a baixa qualidade de comunicação (Negrelli & Marcon, 2006).

Portanto, a família, exerce um papel determinante para o estabelecimento da língua de sinais como língua funcionante no discurso da criança surda nos primeiros anos de vida. Quando a criança não recebe o suporte familiar, apresentará, muitas vezes, resultados insatisfatórios quanto ao desenvolvimento da linguagem e da comunicação, o que irá afetá-la emocionalmente. A família é o alicerce para a criança, e quando esta base não está firme, advirão consequências para o desenvolvimento, gerando comportamentos agressivos e frustrações (Dizeu & Caporali, 2005).

Identidade surda

De acordo com Perlin (1998), a construção da identidade dependerá, entre outras coisas, de como o sujeito é interpelado pelo meio em que vive. Um surdo que vive junto a ouvintes que consideram a surdez uma deficiência que deve ser tratada pode constituir uma identidade referenciada nesta ótica. Mas um surdo que vive na comunidade possui outras narrativas para contar a sua diferença e constituir sua identidade. Como pontua Rossi (2000), a criança irá construir sua realidade social e descobrir a si própria pela comunicação, ou seja, por meio das interações, ela passa a se perceber e se identificar com seus pares, estabelecendo, assim, as diferenças entre os indivíduos inseridos em seu meio. Complementando, Góes (2000) afirma que a comunidade dos surdos possibilita à criança significar-se como surdo, assim como faz com que ela se veja como sujeito pertencente a uma língua efetiva, que apresenta características próprias e que se configura como fonte de identidade.

Retomando Perlin (1998), as identidades surdas não são homogêneas e, diante disso, a autora vai além, classificando os surdos em pelo menos seis categorias de identidades, assim caracterizadas: 1) identidade surda: formada por surdos que fazem uso de comunicação visual; 2) identidade surda híbrida: se faz presente entre os surdos que nasceram ouvintes e que com o tempo se tornaram surdos; 3) identidade surda de transição: formada por surdos que viveram sob o domínio da cultura ouvinte e que, posteriormente, são inseridos na comunidade surda; 4) identidade surda incompleta: aquela dos surdos que vivem sob o domínio da cultura ouvinte e negam a identidade surda; 5) identidade surda reprimida: outro tipo de representação, quando o surdo nega a identidade surda, seja porque é evitada, escondida, ou ridicularizada pelo estereótipo; e 6) identidade flutuante: na qual o surdo se espelha na representação hegemônica do ouvinte, vivendo e se manifestando de acordo com o mundo ouvinte.

Portanto, para que o surdo, conforme destaca Dizeu e Caporali (2005), possa reconhecer sua identidade, é importante que ele estabeleça o contato com a comunidade surda, para que realize sua identificação com a cultura, os costumes, a língua e, principalmente, a diferença de sua condição. É necessário que o mesmo se mantenha integrado em sua comunidade, se relacione com seus pares, sem se isolar da comunidade majoritária. O objetivo dessa interação é a constituição da identidade surda, de se aceitar como uma pessoa normal, com potencialidades e limitações, e apenas surda, pois é por intermédio das relações sociais que o sujeito tem possibilidade de acepção e representação de si próprio e do mundo, definindo assim suas características e seu comportamento diante dessas vivências sociais.

Ciente da realidade do filho e de suas necessidades, uma família bem estruturada oferecerá, desde o seu nascimento, sua primeira língua. Se não houver essa sensibilidade, o conhecimento sobre o mundo e as operações cognitivas que se estabelecem será limitado. Dessa forma, não haverá trocas simbólicas com o meio e nem identificação com seus pares, sendo isso indispensável para o fortalecimento da identidade da pessoa surda, originando problemas emocionais, influenciando assim sua personalidade (Negrelli & Marcon, 2006).

A concepção cultural, como salientam Nóbrega et.al. (2012), compreende a surdez no marco referencial da identidade, lutando por um espaço existencial de diferença fundamentado em vivências visuais de socialização. Nessa perspectiva, Goldfeld (1997) considera o surdo um indivíduo com língua, cultura e identidade próprias. Strobel (2008) e Skliar (2006), diante destas constatações, afirmam que uma identidade é construída e compartilhada socialmente no interior de uma cultura, dos discursos produzidos, nas representações compartilhadas e nos significados atribuídos. Dessa forma, é no contexto dos Estudos Culturais que situamos o termo Identidade Surda.

Desenvolvimento cognitivo

A trajetória principal do desenvolvimento psicológico da criança é de progressiva individualização, ou seja, é um processo que se origina nas relações sociais, interpessoais e se transforma em individual, intrapessoal (Vygotsky, 1989). O desenvolvimento cognitivo da criança surda, ao ser abordado por Fernandes (2000), privilegia o suporte linguístico na língua de sinais. Propiciar a aquisição da Língua de Sinais à criança surda, antes de tudo como respaldo e principal instrumento para o desenvolvimento dos processos cognitivos, é o primeiro e indispensável passo para a verdadeira educação deste indivíduo.

De acordo com Sacks (1990), bebês que já tenham tido contato com os sinais têm melhores condições para se expressar antes das crianças que só têm contato com a língua oral. Nesta perspectiva, comenta que se os sinais aparecem mais cedo do que a fala, é porque eles são mais fáceis de fazer, pois consistem em movimentos relativamente simples e lentos dos músculos, enquanto a fala necessita de coordenação relâmpago de centenas de estruturas diferentes e só se torna possível no segundo ano de vida. Entretanto, é intrigante o fato de uma criança surda aos quatro meses poder fazer o sinal que representa leite, enquanto uma criança ouvinte apenas consegue chorar ou olhar em volta. Nesse sentido, Fernandes (2003) afirma que a garantia de domínio de uma língua desde os primeiros meses de idade é fator fundamental para o desenvolvimento natural do indivíduo.

Como qualquer outra, a língua de sinais, de acordo com Dizeu & Caporali (2005), deve ser inserida na vida da criança nos três primeiros anos de idade, para que a criança a adquira naturalmente. No entanto, de acordo com a realidade de nosso país, a detecção da surdez nem sempre ocorre até o primeiro ano de vida, assim como o acesso à língua de sinais é tardio. Diante destas considerações, Góes (1996) destaca que, sobretudo nas situações de surdez congênita ou precoce em que há problemas de acesso à linguagem falada, a incorporação de uma língua de sinais mostra-se necessária para que sejam configuradas condições mais propícias à expansão das relações interpessoais, que constituem o funcionamento nas esferas cognitivas e afetivas, e funda a construção da subjetividade.

Atenta Vygotsky (1998) para o fato de que o problema da cognição no surdo está nas condições de acesso a uma língua e que o mesmo precisa organizar sua interação verbal de processos comunicativos alternativos, como, por exemplo, a língua de sinais. Muncinelli (2013) ressalta que por meio da Língua de Sinais, que é uma língua completa, com estrutura gramatical própria, e que independente da Língua Portuguesa oral e escrita, é possível o desenvolvimento cognitivo do surdo. Assim, favorece o acesso a conceitos e conhecimentos que se fazem necessários para sua interação com o outro e o meio em que vive; suas dúvidas e temores perante o mundo diminuem, e o prazer de viver com os ouvintes aumenta de forma viva na comunicação.

Desse modo, desde os primeiros anos de vida, o surdo deve ser exposto aos sinais, desenvolvendo assim sua linguagem e sua cognição. A língua de sinais é natural para o surdo, pois é adquirida de forma rápida e espontânea, por isso a criança surda precisa ter acesso à língua de sinais o mais cedo possível, antes mesmo do seu ingresso na escola (Kyle, 1999). Diante destas constatações, Dizeu & Caporali (2005) afirmam que a língua de sinais, quando adquirida nos primeiros anos de vida, fornece à criança surda um desenvolvimento pleno como sujeito. Porém, quando sua aquisição é tardia, o surdo encontra algumas dificuldades na compreensão de um contexto complexo, por exemplo, pensamento abstrato, desenvolvimento de sua subjetividade, evocação do passado, entre outras. A Libras representa um papel expressivo na vida do sujeito surdo, conduzindo-o, por intermédio de uma língua estruturada, ao desenvolvimento pleno. Logo, é imprescindível para a criança surda e para sua família que o contato com a língua de sinais seja estabelecido o mais rápido possível, pois quando a família aceita a surdez e a Libras como uma modalidade comunicativa importante e passa a utilizá-la com a criança, esta irá apresentar condição para realizar novas aquisições, impulsionando seu desenvolvimento linguístico.

Desenvolvimento da linguagem

A teoria biológica da linguagem admite a existência de um substrato neuroanatômico no cérebro para o sistema de linguagem. Dessa forma, todos os indivíduos nascem com predisposição para a aquisição da fala. A exposição a um ambiente linguístico é necessária para ativar a estrutura latente bem como para que a pessoa possa sintetizar e recriar mecanismos linguísticos (Fernandes, 1990).

De acordo com Santana (2007), a linguagem é o principal mediador das funções cognitivas, e as esferas simbólicas (processos de significação) atuam mesmo na ausência de uma língua melhor organizada. Os surdos têm memória, atenção, percepção, que também são construídas, sobretudo, visualmente. Na ausência de uma língua estruturada, o cérebro dinâmico organiza-se por meio de processos de significação eminentemente visuais, que conferem à cognição uma qualidade particular, um processamento simultâneo e espacial. Entretanto, a ação simbólica da cognição é uma conquista da linguagem.

A partir de seus estudos, Vygotsky (1984) afirma que o desenvolvimento cognitivo e a socialização da criança estão relacionados diretamente à aquisição da linguagem. Para Rodriguero (2000), a linguagem desempenha importante papel na percepção, pois a criança começa a perceber o mundo não apenas através dos olhos, mas também da fala, que se torna parte essencial do seu desenvolvimento cognitivo. A fala desempenha funções na reorganização da percepção e na criação de novas relações entre as funções psicológicas.

Os processos de desenvolvimento do pensamento e da linguagem, conforme destaca Luria e Yudovich (1978), incluem o conjunto de interação entre criança e o ambiente, podendo os fatores externos afetar esses processos positiva ou negativamente. Torna-se, pois, necessário desenvolver alternativas que possibilitem às crianças com necessidades especiais meios de comunicação que as habilitem a desenvolver o seu potencial linguístico. Pessoas surdas também possuem esse potencial.

Nesse sentido, Freitas (2001), em um estudo realizado com 11 alunos surdos profundos, dos quais 6 eram de 5ª série, 5 de 6ª série e 11 alunos ouvintes, das mesmas salas de aula em uma escola municipal da cidade de Uberlândia/MG, mostrou a compreensão que eles têm de conceitos abstratos em ciências, quando comparados com os alunos ouvintes. Os alunos surdos possuem um comportamento de compreensão relevante em relação aos alunos ouvintes, pois em determinados conceitos como translação da Terra, energia, reprodução e digestão os alunos demonstraram maior desempenho que os demais. O estudo concluiu que o surdo tem as mesmas possibilidades de compreensão que os alunos ouvintes, precisando, somente, que tenham suas necessidades especiais supridas via atendimento frequente e com recursos adequados.

A criança ouvinte, desde seu nascimento, é exposta à língua oral; dessa forma é fornecida para ela a oportunidade de adquirir uma língua natural, a qual irá permitir realizar trocas comunicativas, vivenciar situações do seu meio e, assim, possuir uma língua efetiva e constituir sua linguagem. Para a criança surda deveria ser dada a mesma oportunidade de adquirir uma língua própria para constituir sua linguagem (Dizeu & Caporali, 2005). Complementando, Quadros (1997) afirma que o processo de aquisição da língua de sinais é equivalente ao processo de aquisição das línguas faladas. Pois, em relação aos estágios da aquisição da linguagem (período pré-linguístico, estágio das primeiras combinações, e estágios das múltiplas combinações), compreendemos que crianças ouvintes e crianças surdas passam pelos mesmos processos sem haver grandes disparidades. Portanto, quanto mais cedo criança surda for apresentada a sua língua materna, maior será a facilidade no desenvolvimento de sua linguagem.

 

Discussão

Este estudo procurou ampliar os conhecimentos a partir de resultados da produção científica selecionada no âmbito da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e o desenvolvimento da criança surda. Com base nos artigos selecionados, foi possível verificar o quanto é importante, para o desenvolvimento dos processos cognitivos de qualquer indivíduo, a aquisição e o domínio de uma língua. Em relação à criança surda, o contato com a língua de sinais o mais cedo possível é imprescindível para que possa adquiri-la de maneira rápida e espontânea, conduzindo-a ao desenvolvimento pleno.

Neste contexto, fica evidente a importância do papel que a família exerce em relação à criança surda, por ser de sua responsabilidade oferecer o suporte necessário, ou seja, inserir a língua de sinais precocemente na vida da criança e estabelecer o contato dela com a sua comunidade surda para que a mesma se relacione com seus pares. Dessa forma, a criança irá construir a sua realidade social, bem como ter o conhecimento sobre o mundo e sobre si mesma.

Ainda, em respeito aos trabalhos encontrados e relacionados a este estudo, a linguagem é um fator essencial para o desenvolvimento cognitivo e para a socialização da criança. Sendo assim, propiciar à criança surda o acesso à língua de sinais nos primeiros anos de vida é muito importante para que a mesma possa desenvolver a sua linguagem, favorecendo assim a comunicação.

Na literatura pesquisada foram observadas carências de produções científicas sobre Libras, mesmo que se tenha clareza de sua importância e dos benefícios proporcionados frente ao desenvolvimento cognitivo de pessoas surdas, principalmente quando seu acesso ocorre de maneira precoce. Assim, cabe ressaltar o quanto se faz necessário para a criança surda a aquisição da língua de sinais o mais cedo possível, para que ela perceba que existem outras formas de comunicação, que é possível viver e conviver com as diferenças, e que a surdez não é empecilho para o seu desenvolvimento natural como indivíduo.

Nesta perspectiva, este estudo pode acrescentar informações à literatura, pois, além da escassez de artigos científicos na área da psicologia sobre língua de sinais, há a necessidade do atendimento psicológico aos surdos. Sendo assim, sugere-se que há um grande desafio para o psicólogo na busca de uma qualificação profissional diferenciada em respeito à linguagem, necessária para que ocorra a comunicação efetiva e a adequada interação entre o profissional e o paciente.

Portanto, este estudo sugere que há uma lacuna de conhecimento que precisa ser preenchida em relação à importância da Língua Brasileira de Sinais frente ao desenvolvimento de pessoas surdas. Assim, há a necessidade de que este tema seja mais explorado pela Psicologia, pois esta pode oferecer recursos necessários para o desenvolvimento dos processos cognitivos de pessoas surdas.

 

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Endereço para contato
E-mail: silvanafrassetto@terra.com.br

Recebido em agosto de 2014
Aceito em janeiro de 2015

 

 

Elizabete Gonçalves Alves: Graduada em Psicologia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
Silvana Soriano Frassetto: Psicóloga Clínica. Doutora em Bioquímica (Ênfase em Neurociência – UFRGS). Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (WP – Centro de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental). Tutora qualificada COGMED – Treinamento de atenção e memória de trabalho. Professora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

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