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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas jan./dez. 2018
ARTIGOS EMPÍRICOS - PSICOLOGIA
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e Transtorno de Conduta em adolescentes concluintes do ensino fundamental de Caxias do Sul
Attention Deficit Hyperactivity Disorder and Behavioral Disorder in adolescents who completed elementary education in Caxias do Sul
Juliana Chies Galvan1,I; Stefania Dall Agno Demori2,I; Lidiane Alli Feldmann3,II; Ricardo Halpern4,II; Luiz Carlos Porcello Marrone5, I, III
IULBRA
IIUniversidade Federal de Ciências de Saúde de Porto Alegre
IIIHospital São Lucas (PUCRS)
RESUMO
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma das comorbidades neuropsiquiátricas mais comuns entre crianças e adolescentes, e caracteriza-se por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade. O presente estudo tem por objetivo determinar a prevalência de TDAH em uma amostra de adolescentes na cidade de Caxias do Sul. Trata-se de um estudo transversal realizado com uma amostra de 272 escolares. Como instrumento para triagem do TDAH foi utilizada a versão brasileira do questionário Child Behavior Check List. A prevalência de TDAH foi de 3,7 %; nessa amostra também foi avaliada a prevalência do Transtorno de Conduta que foi de 6,2 %. O Transtorno de Conduta se mostrou mais prevalente em escolares com TDAH. (p=0,019). O presente estudo evidenciou que o TDAH é uma patologia comum entre os adolescentes, apresentando importante associação com Transtorno de Conduta.
Palavras-chave: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Transtorno de Conduta. Adolescentes.
ABSTRACT
Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) is considered one of the most common neuropsychiatric disorders among children and adolescents and is characterized by symptoms of inattention, hyperactivity and impulsivity. The present study aims to determine the prevalence of ADHD in a sample of adolescents in Caxias do Sul. A cross-sectional study was conducted in a sample of 272 students. The instrument used for screening ADHD was the Brazilian version of the questionnaire Child Behavior Checklist. The prevalence of ADHD was 3.7%; in this sample we also evaluated the prevalence of Conduct Disorder that was 6.2%. Conduct Disorder was more common in students with ADHD. (p = 0.019). The present study evidenced that ADHD is a common comorbidity in adolescents, presenting an important association with Conduct Disorder.
Keywords: Attention Deficit/Hyperactivity Disorder. Conduct Disorder. Adolescent.
Introdução
Em revisão de literatura, a prevalência de transtornos mentais em crianças e em adolescentes é de 15,8% (Roberts, Attkisson & Rosenblatt, 1998). No Brasil, estima-se que a prevalência varia de 7 a 12,7% (Paula, Duarte & Bordin, 2007). O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é considerado a comorbidade neuropsiquiátrica mais comum entre crianças e adolescentes, com prevalência mundial variando de 5 a 7% (Polanczyk, Willcutt & Salum, 2014). Em relação ao gênero, assume-se que seja cerca de duas a nove vezes mais prevalente em meninos, porém estudos sugerem que o número de meninas com TDAH pode ser maior do que se acredita atualmente (Staller & Faraone, 2006). Uma minoria das crianças diagnosticadas com TDAH apresenta remissão completa da doença, como mostrou um estudo de coorte realizado nos Estados Unidos, o qual acompanhou crianças com TDAH por 10 anos e evidenciou que 78% das crianças continuaram apresentando sintomas na vida adulta (Biederman, Petty, Evans, Small & Faraone, 2010).
O TDAH parece ser o resultado de fatores genéticos e ambientais que levam ao surgimento de anormalidades estruturais e funcionais no cérebro (Schuch, Utsumi, Costa, Kulikowski & Muszkat, 2015). Segundo o DSM V, o TDAH caracteriza-se por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e desenvolvimento do indivíduo. Os sintomas devem estar presentes antes dos 12 anos de idade e ocorrerem em dois ou mais ambientes que o indivíduo frequente, como em casa e na escola, por exemplo (American Psychiatric Association [APA], 2013). Pode manifestar-se de 3 maneiras: predominantemente desatenta, predominantemente hiperativa/impulsiva ou combinada (Albrecht, Sandersleben, Gevensleben & Rothenberger, 2015).
O diagnóstico do TDAH na infância e adolescência é feito com base nas informações colhidas durante anamnese detalhada dos sintomas, respondida pelos pais ou professores (Faraone et al., 2015). O tratamento pode incluir medidas farmacológicas e comportamentais, e seus objetivos são a melhora dos sintomas, manutenção da performance escolar, autoestima, interações sociais e aprendizado (O'Brien et al., 2013).
A coocorrência de TDAH e distúrbios disruptivos, como o Transtorno de Conduta, tem sua prevalência variando entre 25 e 75% (Reebye, 2008). O Transtorno de Conduta se caracteriza como um comportamento de descumprimento de regras e normas da sociedade, atos agressivos contra pessoas e animais e violação dos direitos dos demais ocorridos nos últimos 12 meses e antes dos 18 anos de idade (APA, 2013; Pringsheim, Hirsch, Gardner & Gorman, 2015). A prevalência do transtorno de conduta em crianças e adolescentes de 5 a 19 anos é de 3,6% no sexo masculino e 1,5 % no sexo feminino (Erskine, Ferrari, Nelson, Polanczyk & Flaxman, 2013).
Os sintomas de TDAH geralmente levam a prejuízo funcional e menor qualidade de vida, os quais são ainda mais significativos quando associados a outras comorbidades, como o Transtorno de Conduta (Shaw et al., 2012; Danckaerts et al., 2010). A presença do Transtorno de Conduta aumenta significativamente o risco do indivíduo apresentar distúrbios do humor e distúrbios por abuso de substâncias, além de estar associado com agressão e criminalidade na vida adulta (Gau et al., 2010; Klein et al., 2012). A alta taxa de associação faz com que o tratamento dessas afecções seja uma parte imprescindível do tratamento de crianças com TDAH (Wolraich et al., 2005).
O presente estudo tem como objetivos determinar a prevalência de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e do Transtorno de Conduta em uma amostra de escolares na cidade de Caxias do Sul. Além disso, como objetivo secundário será realizada uma avaliação para verificar se existe uma associação entre essas doenças.
Método
Foi realizado um estudo transversal com alunos do 9° ano do ensino fundamental de 18 escolas municipais na cidade de Caxias do Sul/RS, durante o período de maio a agosto de 2014. Foi utilizado um banco de dados que buscava verificar a possível associação entre TDAH e sobrepeso/obesidade em crianças que frequentam escolas municipais de Caxias do Sul. A amostra do presente estudo faz parte de uma coorte de escolares que se encontra em acompanhamento desde 2010. O presente trabalho está vinculado à amostra do estudo inicial de 2010, de 1263 estudantes. Através do software estatístico OpenEpi versão 2.31, estimou-se que seria necessária a avaliação de 272 alunos da amostra atual do banco de dados, sendo o critério de amostragem aleatório simples pelo número de identificação do estudo anterior.
Para participar do estudo, foi necessário o cumprimento dos seguintes pré-requisitos: ter feito parte da amostra do estudo inicial; ter idade de no mínimo 13 e no máximo 16 anos (na data da primeira avaliação); não ser portador de necessidades especiais; não ser portador de qualquer complicação que impeça a prática de atividades físicas; concordar em participar voluntariamente do estudo e apresentar o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis legais.
O instrumento utilizado foi o "Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência", a versão brasileira do "Child Behavior Checklist" (CBCL), um sistema de avaliação que contém 113 questões, que já foi traduzido para mais de 30 idiomas e que avalia a competência social e questões comportamentais da criança/adolescente (Biederman et al., 1993). Esse questionário foi preenchido pelos pais ou responsáveis, em suas respectivas residências. O estudo inicial teve sua aprovação concedida pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (número CAAE 30741814600005345).
Para o armazenamento dos dados foi utilizado o software Microsoft Excel e as análises realizadas com o pacote estatístico SPSS 21.0. Na análise descritiva, as variáveis contínuas foram representadas em forma de média e desvio padrão, e as variáveis categóricas através de frequência. O teste utilizado para comparar as médias foi o Teste T Student, e para verificar a associação entre as variáveis categóricas os Testes Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fischer. As análises foram realizadas considerando-se o nível de confiança de 95% (α = 5%).
Resultados
Foram analisadas 272 adolescentes, com média de idade de 14,8±0,6 anos, tendo variado de 13 a 16 anos. A maioria era do gênero feminino (61,4%). A prevalência de TDAH foi de 3,7% (n=10) e a prevalência do Transtorno de Conduta foi de 6,2% (n=17). O Transtorno de Conduta se mostrou presente em 30% dos escolares com TDAH e em 5.3% dos sem TDAH. (P=0,019). O transtorno de conduta mostrou-se mais frequente em adolescentes do sexo feminino, mas não mostrou diferenças com relação às idades (Tabela 1).
Discussão
No presente estudo, a prevalência de TDAH encontrado foi de 3,7%, o que concorda com a literatura, que estima prevalência em torno de 3 a 8,5% das crianças e adolescentes (APA, 2013; Barkley & Fischer, 2010). Já o transtorno de conduta teve uma prevalência de 6.2% na amostra avaliada. Acreditamos que outros estudos devem ser desenvolvidos para confirmar esse dado.
A maior parte dos estudos internacionais aponta para uma maior prevalência de TDAH em crianças do sexo masculino (Roberts et al., 1998; Erskine et al., 2013). Entretanto, estudos atuais levantam a hipótese de que o número de meninas com TDAH pode ser subestimado, devido aos sintomas iniciarem-se mais tardiamente quando comparados aos meninos, além dos sintomas de hiperatividade e impulsividade serem menos severos (Staller & Faraone, 2006; Korsgaard, Torgersen, Larsen & Ulberg, 2016). Os estudos realizados no Brasil não evidenciam diferença significativa entre os sexos (Pastura, Mattos & Araujo, 2007; Vasconcelos et al., 2003). No estudo atual não foi encontrada diferença na prevalência entre os sexos, o que concorda com os estudos nacionais. Existem algumas limitações no presente estudo referentes à ausência de algumas informações que poderiam caracterizar melhor a amostra em relação à sua situação socioeconômica.
Em relação à associação com o Transtorno de Conduta, a prevalência de 30% de associação encontrada no presente estudo ratifica que esta doença é uma das mais associadas ao TDAH, como já demonstrado em inúmeros estudos já realizados (Taurines et al., 2010). Conforme a literatura, o transtorno de conduta durante a adolescência afeta cerca de duas vezes mais os meninos, porém a prevalência no sexo feminino é alta, sendo a segunda comorbidade psiquiátrica mais comum em meninas (Loeber, Burke, Lahey, Winters & Zera, 2000; Erskine et al., 2013). Estudos sugerem que a prevalência atual de Transtorno de Conduta em meninas pode estar sendo subestimada devido ao uso de critérios diagnósticos equivocados, incorreta percepção dos adultos que reportaram os sintomas, além da existência de poucas publicações abordando o transtorno de Conduta em meninas. Uma grande parte dos dados utilizados nas pesquisas sobre Transtorno de Conduta é obtida do sistema criminal, o que acarreta menor número de meninas analisadas e, consequentemente, a prevalência é subestimada (Delligatti, Akin-Little & Litte, 2003).
O TDAH é associado com desfechos negativos tanto durante o desenvolvimento da criança/adolescente como na vida adulta, sendo sua detecção precoce fundamental para reduzir os danos causados aos indivíduos e familiares (Dias et al., 2013). O TDAH se associa frequentemente a outras patologias, como Transtorno de Conduta, sendo o tratamento dessa afecção fundamental para obter o melhor prognóstico ao paciente que apresenta esta ocorrência simultânea de transtornos (Gau et al., 2010).
Alguns preditores do transtorno de conduta em meninas são: altas taxas de doenças psiquiátricas na família, mães jovens, pais divorciados e baixo nível socioeconômico (Pajer et al., 2008). Os resultados discordantes da literatura encontrados no estudo sugerem uma necessidade de maior investigação do contexto social, familiar e acadêmico dessa amostra. Conhecendo-se os desfechos negativos que a presença desta patologia acarreta tanto na adolescência como na vida adulta, maior atenção deve ser dada ao Transtorno de Conduta em meninas.
O trabalho atual apresenta algumas limitações, entre elas em relação à escolha da amostra, por ter sido calculada para um estudo que relaciona TDAH com obesidade, imagem corporal e transtornos alimentares. É importante ressaltar também que os dados fornecidos por esse trabalho abrangem o período da adolescência, não sendo possível estimar os resultados em outras faixas etárias. Apesar das limitações apontadas, o presente estudo apresentou dados que vão ao encontro de publicações nacionais e internacionais.
O presente estudo demonstrou que na amostra estudada na cidade de Caxias do Sul há uma taxa de 6.2% de transtorno de conduta e de 3.7% TDAH, sendo que 30% dos pacientes com TDAH apresentavam transtornos de conduta associado, em comparação com taxas de transtorno de conduta de 5.3% nos adolescentes sem TDAH. Esses dados evidenciam a importância da identificação e tratamento das crianças e adolescentes, assim visando atingir o melhor prognóstico e qualidade de vida para os mesmos. A prevalência de transtornos de conduta (especialmente no grupo de adolescentes do sexo feminino) é um achado bastante interessante desse estudo; no entanto pensamos ser fundamental novos estudos de prevalência com metodologias diferentes da proposta aqui que confirmem esse achado. No caso desse percentual elevado for confirmado em outros estudos desenvolvidos para responder essa pergunta, torna-se importante o desenvolvimento de políticas públicas que avaliem a causa dessa maior prevalência e definam estratégias de abordagem desse distúrbio.
Conclusão
Os dados encontrados no presente estudo vão, em sua maioria, ao encontro da literatura. O trabalho confirma que o TDAH é um distúrbio de alta prevalência em adolescentes e aponta a importante associação entre TDAH e Transtorno de Conduta, sendo comum a apresentação conjunta destas duas comorbidades. A elevada prevalência do Transtorno de Conduta em meninas encontrada neste estudo mostra-se diferente do que é reportado em outras séries. Esse dado deve ser mais bem estudado em futuros trabalhos para tentar identificar as razões da diferença encontrada na população estudada em relação a outros dados disponíveis na literatura.
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Endereço para correspondência
E-mail: julianacgalvan@gmail.com
Recebido em dezembro de 2017
Aprovado em abril de 2018
1 Juliana Chies Galvan: Acadêmica de Medicina (ULBRA).
2 Stefania Dall Agno Demori: Acadêmica de Medicina (ULBRA).
3 Lidiane Alli Feldmann: Professora Universidade Federal de Ciências de Saúde de Porto Alegre.
4 Ricardo Halpern: Professor Universidade Federal de Ciências de Saúde de Porto Alegre.
5 Luiz Carlos Porcello Marrone: Professor do PPGProSaúde (ULBRA) e Neurologista do Hospital São Lucas (PUCRS).