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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.52 no.2 Canoas jul./dez. 2019
ARTIGOS EMPÍRICOS – PSICOLOGIA
Empatia e práticas parentais: a importância dos pais se colocarem no lugar dos filhos
Empathy and parental practices: the importance of parents putting themselves in their children's shoes
Glenda dos Santos Kusiak1; Luana Thereza Nesi de Mello2; Ilana Andretta3
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
RESUMO
A empatia está ligada à aproximação afetiva, menor utilização de comportamentos agressivos e melhores condições de saúde mental, apontada de forma positiva às práticas parentais (PP). Objetivou-se identificar a associação entre empatia dos pais e as PP utilizadas pelos mesmos na educação dos filhos, em 231 pais e mães de diversos estados brasileiros. Responderam online, ao Questionário Sociodemográfico, à Escala de Práticas Parentais (EPP) e Inventário de Empatia (IE). Os resultados mostraram que a tomada de perspectiva esteve associada com o apoio emocional, incentivo à autonomia, intrusividade e supervisão do comportamento; a sensibilidade afetiva associou-se com o apoio emocional e supervisão do comportamento. Entretanto, flexibilidade interpessoal se correlacionou negativamente com todos os fatores da EPP e, também, com a escala total. Os resultados demonstram que baixos escores no IE, principalmente relacionada à regulação emocional dos pais, indicam que os mesmos se veem menos engajados em PP saudáveis.
Palavras-chave: Empatia; Práticas parentais; Estilos parentais.
ABSTRACT
Empathy is connected to affective approach, fewer aggressive behaviors and better mental health conditions. The aim was to identify an association between empathy in both parents and their parental practices in their children's education, in 231 fathers and mothers from several Brazilian states. Participants responded online to a sociodemographic questionnaire, to the Parental Practices and Styles Scale (PPSS), and to the Empathy Inventory (EI). The results showed that perspective taking was associated with emotional support, autonomy incentive, intrusiviness and behavioral supervision. Likewise, affective sensibility was associated with emotional support and behavioral supervision. However, interpersonal flexibility was negatively correlated with each of the PPSS factors and, also, with the total scale. The results show that low scores on EI and on factors related to parents emotional regulation indicates that parents see themselves less engaged in healthy PP.
Keywords: Empathy; Parental practices; Parental styles.
Introdução
A relação que os pais constituem com os filhos é essencial para o desenvolvimento humano, pois é nela que criamos nossa identidade. Desse modo, o papel da família é fazer com que a criança desenvolva as habilidades e estratégias essenciais para que cresça e conviva de maneira saudável na sociedade (Toni & Pazzetto, 2019). Estudos como os de Mondin (2008), Rocha (2016) e Weber (2017), têm buscado compreender os efeitos da parentalidade sobre os filhos, com o objetivo de elucidar quais são as práticas e estilos parentais relacionados à formação saudável dos indivíduos e quais estão associados a problemas externalizantes, como transtornos disruptivos, de conduta ou de personalidade antissocial, além de comportamentos agressivos, hiperatividade, entre outros.
As práticas parentais são estratégias utilizadas pelos pais para lidar com situações do cotidiano, o conjunto dessas táticas irá definir o estilo parental adotado. Tais estilos são os padrões de interação e comunicação familiar, e Baumrind (1966) foi pioneiro no estudo sobre o assunto, definindo que eles podem ser pensados em três modelos: autoritário, permissivo e autoritativo. McCoby e Martin (1983) reformularam a teoria estabelecendo duas dimensões norteadoras dessas práticas: a exigência (supervisão e disciplina) e a responsividade (apoio). Combinadas, elas definiram quatro estilos parentais: autoritário, autoritativo, negligente e indulgente (Macarini, Martins, Minetto, & Vieira, 2010).
O estilo autoritário diz respeito a pais que demonstram altos níveis da dimensão de exigência e pouco de responsividade; são rígidos e inflexíveis, têm diálogo pobre e, geralmente, utilizam métodos punitivos (Cecconello, Antoni, & Koller, 2003; Justo, Carvalho, & Kristensen, 2014; Macarini et al., 2010; Rocha, 2016). O autoritativo demonstra ambas as dimensões em maior grau, estabelecendo regras e monitorando, corrigindo e recompensando comportamentos, interagindo de maneira afetuosa e flexível. Este seria o estilo parental ideal, uma vez que impõe autoridade sem barrar a livre expressão emocional das crianças. Os negligentes não seriam nem exigentes nem responsivos, sem estabelecer limites, sem se envolver na vida dos filhos ou manifestar afetividade. Por fim, pais indulgentes apresentam baixos níveis de exigência e altos níveis de responsividade, não estipulando regras e deixando sob responsabilidade da própria criança o controle de seus comportamentos. Tais cuidadores, por vezes, acreditam, erroneamente, que os filhos se sentem amados por terem a liberdade de fazer o que querem (Cecconello et al., 2003).
Considerando a importância que as práticas educativas dos pais têm no desenvolvimento dos filhos, Casali-Robalinho, Del Prette e Del Prette (2015) dizem que o estudo das habilidades sociais dos cuidadores vem se mostrando cada vez mais necessário. As habilidades sociais, conforme os mesmos autores são as condutas utilizadas nas interações sociais e que são aprendidas e adquiridas na medida em que nos relacionamos com as pessoas. Entende-se que um ambiente com padrão adequado de diálogo, afeto e expressão das emoções, propicia uma melhor interação social entre os membros da família, fazendo com que as crianças repliquem isso nas demais relações, diminuindo as chances de problemas de comportamento (Casali-Robalinho et al., 2015). Se as habilidades sociais dos pais estabelecem a interação que terão com os filhos, então elas influenciam nas práticas e estilos parentais que eles adotam (Pinheiro, Haase, Del Prette, Amarante, & Del Prette, 2006). Nesse sentido, cuidadores empáticos utilizam estratégias menos controladoras e autoritárias, fazendo uso de práticas de incentivo à compreensão e respeito aos sentimentos do outro (Rocha, 2016).
A aprendizagem social e o desenvolvimento socioafetivo são processos psicológicos que influenciam no desenvolvimento das habilidades sociais dos indivíduos (Casali- Robalinho et al., 2015). Cuidadores com habilidades sociais educativas, que as utilizam com afeto, limites, firmeza e instigando autonomia, aumentam as chances de desenvolvimento de responsabilidade, confiança e assertividade nos filhos (Coelho & Murta, 2007; Squefi & Andretta, 2016).
Por outro lado, a falta de habilidades sociais educativas e utilização de práticas parentais com muita autoridade, ou carentes de afeto, limites e firmeza, podem elevar os riscos de desenvolvimento da agressividade, impulsividade e retraimento nas crianças e adolescentes (Coelho & Murta, 2007; Pires, Roazzi, Nascimento, Souza, & Mascarenhas, 2018; Squefi & Andretta, 2016). Nesse sentido, a empatia pode ser vista como fator de proteção, pois demonstra ter um papel importante no desenvolvimento das habilidades de interação social, promovendo cuidados e atitudes que visam o bem do outro e influenciando positivamente na saúde mental, além de estar fortemente ligada a um menor repertório de comportamentos agressivos (Justo et al., 2014).
A empatia, que para Rogers (1985/2001), é uma capacidade passível de ser desenvolvida e está relacionada à formação de vínculo, sensibilização e envolvimento entre duas ou mais pessoas, mostra-se como um fator protetivo para problemas comportamentais (Justo et al., 2014). Um estudo português feito por Rocha (2016) indicou existência de correlação negativa entre o estilo parental autoritário e a empatia, e positiva entre esta e o estilo autoritativo, portanto, ser empático não seria compatível com ter estilos parentais que utilizam de punição física e atitudes autoritárias (Rocha, 2016).
A empatia é um construto multidimensional que abrange componentes cognitivos (entendimento intelectual das emoções, relacionado com a tomada de perspectiva), afetivos (capacidade de se preocupar com o bem-estar de terceiros e buscar compreender o que sentem) e comportamentais (atitudes que farão com que o seu próximo se sinta compreendido) (Falcone et al., 2008). Desse modo, a empatia pode ser compreendida como a interpretação da perspectiva do outro, experimentando, de modo vicário, os seus sentimentos e emoções, reconhecendo-os e validando-os (Falcone et al., 2008; Justo et al., 2014; Rocha, 2016).
Falcone et al. (2008) complementam esta ideia ao falar em quatro características representativas da empatia que abarcam os três aspectos do construto: tomada de perspectiva, flexibilidade interpessoal, altruísmo e sensibilidade afetiva. O primeiro seria a capacidade do sujeito em ''se colocar no lugar do outro", isto é, conectar-se com as circunstâncias em que a outra pessoa se encontra e buscar experimentar como ela pode estar se sentindo em relação ao ocorrido. Assim, pode-se expressar ao outro sua própria perspectiva da situação. O segundo fala de uma facilidade em se relacionar, ou seja, compreender e tolerar o que não é seu, mesmo que seja uma opinião diferente da sua, e conseguir administrar isso. Portanto, está fortemente ligado à regulação emocional. O terceiro diz da habilidade em auxiliar o outro em suas necessidades sem esperar uma compensação, isto é, ajudar sem o objetivo de ser recompensado materialmente. Por último, o quarto tem relação com estar atento às necessidades do outro (compaixão) (Falcone et al., 2008; Justo et al., 2014).
Dessa forma, é importante para os pais compreenderem a situação em que a criança se encontra, entendendo a perspectiva dela e separando o que é dos cuidadores e o que é do filho, criando uma melhor interação ao reconhecer suas necessidades e auxiliála com estas. Isso cria uma maior vinculação entre pais e filhos, proporcionando um ambiente saudável para o diálogo e, para que isso se desenvolva, a regulação emocional é imprescindível (Anastácio, 2013; Franco, Costa & Santos, 2015).
A regulação emocional diz respeito à modulação da intensidade e duração dos estados emocionais, com finalidade de atingir algum propósito. Saber identificar emoções, anto suas quanto dos outros, e a melhor maneira de lidar com elas é fundamental no processo de socialização das pessoas, e está intimamente relacionado com o fator de sensibilidade afetiva da empatia (Falcone et al., 2008; Franco et al., 2015). Uma pesquisa realizada por Cumberland-Li, Eisenberg, Champion, Gershoff e Fabes (2003), indicou que a regulação emocional parental está ligada ao engajamento em condutas parentais positivas e regulação e ajustamento social das crianças.
Há evidências de que existe correlação entre a facilidade no processamento de emoções por parte dos pais e seu relacionamento com os filhos, bem como entre transmissão de sensibilidade dos cuidadores às crianças e um melhor funcionamento cognitivo nestas (Kliewer et al., 2016; Mills-Koonce et al., 2015). Portanto, acreditase haver uma forte correspondência entre a regulação emocional dos pais e um bom ajustamento psicológico dos filhos, mostrando que a reatividade interpessoal daqueles é um fator que influencia no desenvolvimento destes (Rocha, 2016).
O empobrecimento, ou até inexistência, de repertório de práticas educativas por parte dos pais é apontado como um dos motivos do surgimento e continuidade de problemas nas relações familiares, além de questões comportamentais e emocionais na sua prole (Coelho & Murta, 2007). Desse modo, mostra-se importante a identificação das características dos pais mais suscetíveis de estarem relacionados a uma prática parental positiva ou negativa, uma vez que a parentalidade é afetada diretamente pelas questões individuais dos mesmos (Rocha, 2016).
Estudos brasileiros e portugueses vêm procurando compreender as práticas parentais que estão relacionadas (ou não) ao desenvolvimento de empatia nas crianças e adolescentes (Garcia-Serpa, Del Prette & Del Prette, 2006; Motta, Falcone, Clarck & Manhães, 2006; Anastácio, 2013; Anastácio & Lima, 2015; Mota & Matos, 2010; Silva, 2015). Os efeitos da empatia dos pais sobre as suas próprias práticas utilizadas na educação dos filhos também têm sido investigados em Portugal, como o trabalho de Rocha (2016), mas no Brasil não se encontrou estudos semelhantes.
A partir desta revisão de literatura, entende-se que a empatia é um processo passível de desenvolvimento, e que está relacionada a estilos e práticas parentais mais saudáveis (Rocha, 2016). Assim, realizou-se uma pesquisa com cuidadores (que a partir de agora serão referidos neste artigo como pais e mães) de filhos em idade escolar, com o objetivo de identificar seus fatores de empatia e práticas parentais.
Método
O presente estudo é descritivo e correlacional, de caráter quantitativo e transversal (Gerhardt & Silveira, 2009).
Participantes
Participaram deste estudo 231 pais e mães com idade entre 23 e 57 anos (M=39,05 anos; DP=6,71 anos), de crianças e/ou adolescentes que estivessem cursando a partir do primeiro ano do ensino fundamental (seis anos de idade) até os 18 anos. A maioria era do sexo feminino (n=213, 92,2%), tinha ensino superior completo (n=139, 60,2%), afirmou estar casado (n=161, 69,7%), ter uma renda de até um salário mínimo (n=95, 41,1%) e residir no estado do Rio Grande do Sul (n=155, 67,1%).
Excluíram-se pessoas sem filhos ou com filhos fora da idade escolar, isto é, a partir dos seis anos de idade, conforme estabelecido pela Lei nº 11.274 de 2016 (Lei nº 11.274, 2006; Favero, Guerra, Santos, & Delazeri, 2017), dado que a escala de Estilos e Práticas Parentais possui questões que dizem respeito às atividades acadêmicas das crianças. Os filhos tinham idade média de 10,51 anos (DP=3,51 anos), sendo 128 (55,4%) estudantes da rede privada de ensino e 103 (44,6%) estudantes da rede pública de ensino.
Instrumentos
Questionário sociodemográfico: Desenvolvido pelas autoras, buscou identificar as características principais dos pais como sexo, idade, cidade, estado, situação conjugal, escolaridade, renda, quantidade de filhos, se estudam em rede de ensino pública ou privada.
Escala de Práticas Parentais (EPP): Proposta por Teixeira, Oliveira e Wottrich (2006), a escala, em sua versão original, tem a finalidade de que os filhos deem sua percepção a respeito dos comportamentos dos pais. Desse modo, ela foi adaptada para autorrelato de pais em relação às suas práticas com os filhos num estudo de mestrado (Mosmann, Costa, Silva, & Luz, 2018). A EPP é composta por 27 itens que procuram investigar as práticas parentais através da percepção dos próprios pais por meio de seis dimensões: apoio emocional (envolvimento com os filhos), controle punitivo (autoridade e imposição de regras por parte dos pais), incentivo à autonomia (incentivar os filhos a terem suas próprias ideias e opiniões), intrusividade (violação da individualidade e privacidade dos filhos), supervisão do comportamento (monitoramento das atividades dos filhos) e cobrança de responsabilidade (que os filhos tenham comprometimento com o que fazem). As alternativas de resposta são apresentadas em formato Likert (1 – quase nunca ou bem pouco e 5 – geralmente ou bastante) (Teixeira et al., 2006). No formato original proposto pelos autores, o instrumento obteve consistência interna favorável (Alpha de Cronbrach 0,93) e no estudo em questão, o alfa foi de 0,57.
Inventário de Empatia (IE): Desenvolvida por Falcone et al. (2008), trata-se de um instrumento de autorrelato que tem por objetivo medir o nível de empatia dos sujeitos. O inventário é composto por 40 itens, com formato Likert (1 – nunca a 5 – sempre), os itens foram divididos em quatro fatores que melhor representaram a estrutura interna da escala: tomada de perspectiva (se colocar no lugar do outro), flexibilidade interpessoal (diz respeito á regulação emocional), altruísmo (ajudar sem esperar nada em troca) e sensibilidade afetiva (proporciona maior vinculação) (Falcone et al., 2008). O instrumento obteve consistência interna favorável (Alpha de Cronbach entre 0,72 e 0,85) e no presente estudo o alfa foi de 0,74.
Procedimentos
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, seguindo as exigências éticas previstas nas resoluções 510/2016 do Conselho de Saúde, sendo aprovado sob o nº 2.447.013. A amostra deu-se por conveniência através da técnica de amostragem bola de neve, que consiste na indicação sucessiva de participantes.
Os indivíduos foram convidados a participar e receberam um link para o site Formulários Google com informações sobre a pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em formato eletrônico. Os que deram seu consentimento foram direcionados aos instrumentos, enquanto os que não o fizeram apenas fechavam a aba ou clicavam em ''estou impossibilitado de participar". O convite foi divulgado em redes sociais, como o Facebook e WhatsApp, através da lista de contatos das pesquisadoras, a qual também compartilhou e divulgou o estudo para seus próprios conhecidos e, assim, sucessivamente. O período de coleta foi de fevereiro de 2018 à abril de 2018.
Os dados foram analisados por meio do Statistical for the Social Sciences (SPSS 22.0), adotando o nível de significância de 5% (p≤0,05). Por meio da análise descritiva, aferiram-se frequências, porcentagem, média e desvio padrão da amostra. Através da análise da distribuição de dados verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov com correlação de Lillifors, definiu-se a utilização de testes paramétricos e não paramétricos. Para a análise do EPP e do IE utilizou-se o teste de Spearman, por não se configurarem uma amostral normal. Para mensurar as correlações, utilizaram-se os seguintes intervalos: 0,1 – 0,3 (correlação fraca); 0,4 – 0,6 (moderada) e 0,8 – 1 (forte).
Resultados
Ao identificar as variáveis de práticas parentais e de empatia, pode-se perceber que a amostra manteve maiores médias em fatores como: prática parental de apoio emocional, tomada de perspectiva e sensibilidade afetiva. Por outro lado, alguns fatores apresentaram menores médias incluindo prática parental de controle punitivo, prática parental de cobrança e responsabilidade e, principalmente, flexibilidade interpessoal, cuja média foi menor que a metade da pontuação máxima do instrumento, como pode ser visto na Tabela 1.
Para avaliar a relação entre as práticas parentais e a empatia, analisou-se como os fatores apoio emocional, controle punitivo, incentivo à autonomia, intrusividade, supervisão do comportamento e cobrança de responsabilidade da EPP se correlacionam com os fatores tomada de perspectiva, flexibilidade interpessoal, altruísmo e sensibilidade afetiva do IE. Todas as associações encontram-se na Tabela 2.
Discussão
O estudo teve por objetivo identificar se os fatores de empatia dos pais e as práticas parentais utilizadas por estes na educação dos filhos estão associadas. Com relação à tomada de perspectiva dos pais, quanto maior o nível, maior é o apoio emocional que os mesmos consideraram dar aos filhos. Também, quanto maior a tomada de perspectiva dos cuidadores, maiores são os comportamentos que estes disseram ter em relação ao incentivo à autonomia das crianças, ou seja, quanto mais os pais estão envolvidos nas vidas de sua prole, mais aqueles poderão incentivar a autonomia destes, já que também estarão reconhecendo com maior facilidade suas necessidades.
A expressividade emocional dos cuidadores os leva a responder à experiência emocional das crianças além de fornecer uma base segura aos outros, o que depende, em grande parte, da capacidade de reconhecer as necessidades deste outro, proporcionando uma relação segura para o desenvolvimento das crianças (Cumberland-Li et al., 2003). Nesse sentido, os resultados aqui obtidos corroboram com a visão de outros estudos e autores na medida em que aponta que pais mais incentivadores e que propiciam apoio emocional também são os que mais se colocam no lugar dos outros. Desse modo, quanto mais os cuidadores empatizam com os sentimentos dos filhos, melhores são as interações entre os mesmos, o que auxilia a criança na aprendizagem da regulação de suas próprias emoções (Kochanska, 1997).
Os dados também referiram que quanto mais os pais se envolvem na vida dos filhos e conhecem as necessidades dos mesmos, melhores são as condições de atuar no incentivo à autonomia, ajudando as crianças a tomarem suas próprias decisões e emitirem suas opiniões acerca das coisas, estabelecendo uma vinculação saudável entre as partes (Cumberland-Li et al., 2003; Mota & Matos, 2010). Da mesma forma, outros resultados obtidos indicaram que quanto maior a tomada de perspectiva dos cuidadores, mais eles acreditavam monitorar os comportamento das crianças. Isso pode ser explicado se partirmos do pressuposto que participar ativamente da vida dos filhos permite com que os pais conheçam e monitorem as atividades dos mesmos, ao invés de criarem regras ou limitações explícitas (Teixeira et al., 2006). Sendo assim, melhora-se a comunicação e relação, aumentam-se as habilidades sociais, criando um ambiente familiar saudável, podendo evitar o desenvolvimento de transtornos psicológicos na vida adulta das crianças (Santos & Wachelke, 2019).
Ainda em relação à tomada de perspectiva dos pais, quanto mais altos os escores nesta dimensão mais eles mencionaram violar a individualidade e privacidade de sua prole (intrusividade). Entende-se que, por vezes, os pais não recebem preparação para os cuidados e educação dos filhos e acabam baseando-se na tentativa e erro com os acontecimentos do cotidiano e, também, nas experiências que tiveram em sua família de origem, o que pode explicar tais dados aqui encontrados (Coelho & Murta, 2007). Além disso, tem-se a noção de que mães com ansiedade de separação se mostram mais intrusivas nas interações com sua prole, podendo indicar que quando os pais tendem a colocar-se no lugar dos filhos e têm dificuldade em separar o que é seu e o que é deles, possivelmente tais cuidadores acabam por violar a individualidade de suas crianças (Silove, Manicavasagar & Pini, 2016). Considerando que dentre as questões da EPP que dizem respeito ao fator de intrusividade tem-se ''mexo em suas coisas sem pedir permissão" e ''intrometo-me em assuntos seus mesmo quando ele(a) não pede", podese entender que os pais, muitas vezes por acharem saber melhor das coisas, acabam invadindo a privacidade e individualidade dos filhos com o intuito de auxiliá-los, isto é, com a intenção de protegê-los ou de evitar sofrimento.
A sensibilidade afetiva dos pais e o suporte emocional que eles acreditavam dar aos filhos estiveram associados, bem como com a supervisão dos comportamentos das crianças. Pode-se entender tal dado pensando que o estreitamento da relação familiar, possibilitado pela sensibilidade afetiva, leva a um maior envolvimento na vida das crianças, inclusive nas questões afetivas (Justo et al., 2014). Do mesmo modo, um maior monitoramento dos comportamentos da prole, implica na capacidade dos cuidadores em conhecer as atividades dos filhos, podendo manter diálogo sobre as mesmas. Assim, a utilização minoritária de regras radicais e ''sem sentido" para a criança (Teixeira et al., 2006) faria com que os pais não tenham necessidade de utilizar agressões e atitudes autoritárias, corroborando com os achados de Rocha (2016) sobre cuidadores mais empáticos utilizarem menos controle e autoridade.
Mosmann et al. (2018), que também utilizaram a EPP de forma adaptada para autorrelato dos pais num estudo sobre sintomas psicológicos dos filhos e conjugalidade, coparentalidade e parentalidade, ressaltam que a intrusividade dos pais e estabelecimento de regras sem diálogo dificulta o desenvolvimento de autonomia nos filhos. Os resultados do presente estudo apontaram que a sensibilidade afetiva relacionada positivamente com as práticas de apoio emocional e supervisão do comportamento demonstram uma relação boa entre pais e filhos, que possibilita maior diálogo e menor rigidez por parte dos cuidadores. Assim, conforme Mosmann et al. (2018), quando não permeadas pela intrusividade, estes fatores auxiliam o incentivo à autonomia, corroborando com o dado obtido. No entanto, a tomada de perspectiva se correlacionou positivamente tanto com a intrusividade como com o incentivo à autonomia. Diante disso, entende-se que colocar-se no lugar do outro requer um grau de cuidado, ao passo que até certo ponto mostra-se saudável para práticas parentais de incentivo à autonomia e (indiretamente) para o processo de independência dos filhos. Por outro lado, mostra-se como um alerta quando relacionada à intrusividade, podendo interferir em questões importantes da criança.
Como dito inicialmente, a empatia é passível de desenvolvimento e, estudos apresentaram modelos de Treinamento para Pais que, dentre outros aspectos, buscaram promover o engajamento dos cuidadores em questões como prestar atenção aos sinais e emoções das crianças, ouvi-las, expressar apoio e compreensão e regulação emocional dos adultos para lidar com as questões dos filhos (Coelho & Murta, 2007; Toledo & Coser, 2015; Pinheiro et al., 2006). Estas estão relacionadas com os fatores de empatia utilizados neste estudo, como tomada de perspectiva, flexibilidade interpessoal e sensibilidade afetiva. Desse modo, a empatia se mostra como fator importante para a promoção de um ambiente familiar, com adoção de práticas parentais adequadas e desenvolvimento sadio das crianças.
Baixos níveis de empatia dos pais indicaram que os mesmos se viam menos engajados em práticas parentais compatíveis com o estilo autoritativo (Rocha, 2016). Acredita-se que a empatia dos pais pode influenciar nas práticas parentais utilizadas na educação dos filhos, no sentido de propiciar um desenvolvimento mais saudável da criança com menores chances de problemas comportamentais. Nesse sentido, quanto mais os cuidadores empatizam com o que outras pessoas e sua prole estão a sentir, melhores são as relações que mantém, baseadas em afeto e responsividade, o que promove a autorregulação e empatia nas crianças (Justo et al., 2014; Kochanska, 1997; Rocha, 2016).
Os resultados indicaram que quanto menor a flexibilidade interpessoal dos pais, mais estes referiram engajar-se nas práticas parentais de apoio emocional. Sabe-se que a regulação emocional seria a capacidade do indivíduo em monitorar, modificar e avaliar seus estados emocionais no que diz respeito à intensidade e tempo (Franco et al., 2015; Gaspar, Tomé, Simões & Matos, 2015). Saber lidar com as emoções ativadas por cada contexto e situação é de suma importância para pais, uma vez que a criança, ainda em formação, não tem o conhecimento de como enfrentar suas próprias emoções, expressandoas, muitas vezes, de maneira não assertiva, exigindo dos adultos calma e tranquilidade em controlar seus próprios sentimentos para poder ajudar o filho a compreender e lidar com suas frustrações (Falcone et al., 2008; Justo et al., 2014; Rocha, 2016). Embora pessoas com alta capacidade de regular suas emoções teriam facilidade em apoiar emocionalmente terceiros, incluindo seus filhos, os achados neste estudo apontam o contrário. Dessa forma, percebe-se que os pais não conseguem lidar assertivamente com suas próprias questões e, portanto, podem não saber como administrar as reações dos outros.
Os resultados indicaram que flexibilidade interpessoal dos pais e suas práticas parentais de incentivo à autonomia, controle punitivo, intrusividade, supervisão do comportamento e cobrança de responsabilidade, estiveram relacionadas neste estudo, sendo que quanto maior a flexibilidade interpessoal, menor os demais. Os cuidadores apresentaram maior flexibilidade interpessoal e menor engajamento nas práticas parentais em questão. No entanto, a literatura apresenta que pais com dificuldades em sua flexibilidade interpessoal apresentam déficits na regulação emocional, podendo ter seus estilos parentais afetados negativamente (Cumberland-Li et al., 2003; Falcone et al., 2008; Justo et al., 2014; Mills-Koonce et al., 2015; Rocha, 2016).
Considerações Finais
Este trabalho ofereceu dados para a compreensão da relação entre os níveis de empatia dos pais e as práticas parentais utilizadas pelos mesmos na educação dos filhos. Os achados indicam possibilidades de pesquisas futuras para melhor compreender a associação entre esses construtos e a relação da ansiedade, da regulação emocional e outras variáveis aqui não averiguadas com as práticas parentais.
Percebeu-se enquanto limitação a ausência da avaliação de variáveis a respeito da regulação emocional dos pais, visto que esta está intrinsecamente ligada a dois fatores de empatia (flexibilidade interpessoal e sensibilidade afetiva). Entende-se que a mensuração dessas variáveis psicológicas daria uma compreensão mais abrangente e diretiva com as práticas parentais. Sendo assim, compreende-se que os resultados encontrados podem ser de valia para pesquisas futuras, sabendo da importância de conhecer melhor os fatores envolvidos na empatia e suas correlações com práticas parentais saudáveis e como se relacionam.
Ademais, sugerem-se futuros estudos com amostra mais robusta para uma análise mais sensível da população, por meio da realização de estatísticas mais sofisticadas. Também se acredita serem necessárias pesquisas que busquem maior participação de pais homens, para poder-se realizar comparação entre os gêneros. Neste estudo foi utilizada uma adaptação da escala EPP, a qual não obteve validação científica até o momento. Sendo assim, é indicado mais estudos com tal instrumento a fim de melhor adequação deste para avaliar o autorrelato dos pais e melhor compreensão das práticas e estilos adotados pelos mesmos.
Acredita-se que estes resultados possam contribuir para a literatura a respeito da parentalidade, bem como para a reflexão da prática clínica. Pensa-se que os dados aqui obtidos têm o potencial de auxiliar na compreensão de como e por quais motivos os pais agem de determinados modos na educação dos filhos, sendo também colaborativos para criação de protocolos de Treinamento de Pais que visem trabalhar com habilidades específicas dos cuidadores. Espera-se que novos estudos neste campo sejam realizados, a fim de proporcionar maior conhecimento sobre o tema, considerando a importância de averiguar as habilidades dos pais envolvidas em práticas parentais saudáveis ou não na população brasileira, uma vez que nota-se maior domínio no assunto por parte da população portuguesa e percebe-se uma certa carência de trabalhos relacionado ao tema no Brasil.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail:glenda.kusiak@yahoo.com.br
Recebido em: junho de 2019
Aceito em: setembro de 2019
1 Glenda dos Santos Kusiak: Psicóloga; Graduada em Psicologia (UNISINOS), Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Pós-graduanda em Terapias Cognitivo-Comportamentais na Wainer Psicologia; Rua Ernesto da Silva Rocha, nº 266, Bairro Estância Velha, Canoas, Rio Grande do Sul, 92030-490; 51985459558.
2 Luana Thereza Nesi de Mello:Psicóloga; Graduada em Psicologia (UNISINOS); Doutoranda em Psicologia na Universidade do Algarve (UAlg); Rua Doutor Emílio Campos Coroa, Lote A, apto 4B, Faro, Portugal, 8005-218; 351919303262.
3 Ilana Andretta: Psicóloga; Mestre em Psicologia (PUCRS); Doutora em Psicologia (PUCRS); Professora do PPG em Psicologia (UNISINOS); Rua Honorio Silveira Dias 1483/1601. Higienópolis, Porto Alegre, 90540- 100; 51999136213.