Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.54 no.1 Canoas jan./jun. 2021
https://doi.org/DOI10.29327/226091.54.1-8
DOI 10.29327/226091.54.1-8
ARTIGOS EMPÍRICOS
O crime de feminicídio sob o olhar da psicologia forense
The crime of femicide from the perspective of forensic psychology
Carine Pires da Silva 1,I; Luciana Azambuja Schermann 2,II
IFaculdade Mario Quintana - FAMAQUI
IIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS
RESUMO
O crime de feminicídio é caracterizado pelo assassinato de mulheres em razão do gênero. Este estudo visa compreender o papel do psicólogo forense nos casos de feminicídio, os desafios encontrados para desempenhar um trabalho de qualidade, bem como identificar o perfil mais comum do agressor. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório, tendo como instrumento a entrevista semiestruturada. A amostra foi constituída por quatro psicólogos que atuam na área forense e classificadas por categorias. Dentre os principais resultados, destaca-se a grande demanda de trabalho, que afeta a qualidade das atividades técnicas. Sobre o perfil do agressor, são indivíduos com traços de sociopatia, assim como sujeitos com intenso sentimento de posse e ciúme patológico, características que desencadeiam o comportamento violento. Foi enfatizado também a importância de se ter profissionais mais bem capacitados para atuar nos crimes de feminicídio.
Palavras-chave: Crime de Feminicídio; Psicólogo Forense; Perfil do Agressor.
ABSTRACT
The crime of femicide is characterized by the murder of women on the grounds of gender. This study is to understand the role of the forensic psychologist in the cases of femicide, the challenges encountered to perform quality work, as well as identify the most common profile of the aggressor. This is a qualitative research of exploratory nature, having as instrument the semi-structured interview. The sample consisted of four psychologists working in the forensic area and classified by categories. Among the main results, we highlight the high demand for work, which affects the quality of technical activities. Regarding the profile of the aggressor, they are individuals with traits of sociopathy, as well as subjects with intense feelings of possession and pathological jealousy, characteristics that trigger violent behavior. It was also emphasized the importance of having better trained professionals to act in crimes of feminicide.
Keywords: Femicide crime; Forensic Psychologist; Aggressor Profile.
Introdução
Por muitos anos a mulher enfrentou a violência de gênero como um acontecimento natural, fator que era encarado com naturalidade nas relações conjugais e no ambiente familiar, reforçando uma cultura baseada no patriarcado (Schmitt, 2016). Para abordar o assunto violência de gênero, faz-se necessário retomar conceitos importantes que reforçam tal fenômeno, como por exemplo, a associação em relação à condição de poder do homem sobre a mulher, bem como o papel de autoridade que exerciam na relação com o núcleo familiar, assumindo o papel de provedor e chefe de família, enquanto a mulher ficava encarregada de desempenhar as tarefas domésticas e a educação dos filhos (Monteiro, 2012).
Até pouco tempo a violência contra a mulher era vista como um enigma da esfera privada, em que o Estado não poderia intervir, predominando a ideia e o senso comum que: "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher" (Monteiro, 2012). Por conta de uma cultura enraizada no patriarcado, num cenário tão fortemente marcado pela desigualdade hierárquica entre gêneros, em que se desenvolve a violência doméstica, o poder que o homem exerce sobre a mulher, a vendo muitas vezes, como um objeto de sua "propriedade", uma violência que se caracterizava, a partir da violação da integridade da vítima, seja de forma psicológica ou física (Santos, 2014).
Por essas e outras condições, as mulheres tornaram-se, por muitos anos, economicamente dependentes de seus parceiros, condição que fortaleceram e aumentaram o poder dos homens, reforçando a dependência e impotência das mulheres na sociedade. No decorrer da década de 1970, por conta dos movimentos feministas, a violência de gênero ganhou notoriedade, sendo de responsabilidade do Estado propor ações e medidas de proteção para punir os agressores (Fon, 2014). De acordo com Schmitt (2016), a violência contra a mulher ocorre, a partir de ações do homem e assume diferentes formas: psicológica, sexual, moral, patrimonial e física. As agressões começam de forma mais sutil com xingamentos, humilhações e ameaças, a frequência desses atos se intensificam e resultam na agressão física. A violência doméstica pode acarretar consequências na saúde mental da mulher, como intenso sofrimento psicológico, isolamento social e emocional, medo, vergonha, culpa, desconfiança, depressão, baixa autoestima, ideação suicida; sequelas que provavelmente serão levadas por um longo período, ou por toda uma vida e que poderá provocar danos mentais e prejuízos na personalidade (Echeverria, 2018).
Cabe ressaltar que o sentimento do agressor em relação a sua vítima, a mulher, por vezes perpassa ainda mais o contexto da agressão que gera o dano físico, e o crime de homicídio motivado pela "paixão" interrompe a vida de mulheres que se calam diante de um crime de violência e comprova que a violência doméstica é um caminho para o crime passional (Marrafão & Martins, 2018).
O crime passional é caracterizado pelo assassinato que teve como motivação a paixão, em que, de forma exacerbada, o agressor dá fim à vida de uma mulher, a quem está vinculado por uma relação afetiva - que pode ser sexual ou não, apoiado em sentimento passional e ciúme excessivo. Esses crimes estão comumente relacionados com a violência contra a mulher, e ilustra uma relação conjugal que mistura desejo sexual frustrado com rancor e ódio, uma ação violenta que se instaura no âmbito de uma relação conjugal, em que sentimentos de amor e ódio se misturam e, possivelmente, as agressões começam tendo, muitas vezes, como desfecho o homicídio (Evangelista, Kaneta, Olavo, Silva & Chaves, 2015). Importante destacar que este crime é caracterizado por associações aos estudos da área da Psicopatologia, reforçando que tais crimes se associam aos quadros clínicos como a erotomania e o delírio ou paranoia de ciúme, nas chamadas psicoses passionais (Campos, 2015).
O crime passional sempre esteve presente em nossa sociedade e não pertence unicamente a uma classe social (Evangelista et al., 2015). A dor de uma traição, de uma separação, muitas vezes, decorre ao sentimento de ódio, influenciado por uma sociedade patriarcal, na qual o homem precisava "lavar sua honra", matando a parceira, pois dessa forma mostraria à sociedade que sua reputação estava intacta (Campos, 2015). Nos dias de hoje ainda se perpetuam pensamentos arcaicos enraizados de que a mulher é considerada sexo frágil, inferiorizada perante o sexo masculino, prevalecente de uma cultura masculina (Santos, 2014).
Por conta de uma cultura patriarcal, no decorrer da história, em diversos contextos socioculturais, mulheres e meninas estão sendo assassinadas pelo único fato de serem mulheres, este fenômeno reforça parte de um contínuo de violência de gênero propagada em estupros, torturas, mutilações genitais, infanticídios, violência sexual nos conflitos armados, exploração e escravidão sexual, incesto sexual dentro e fora da família (Bianchi, Marinela & Medeiros, 2015).
O tema violência de gênero pode ser encontrado na literatura com diferentes terminologias, de acordo com a complexidade dos atos, bem como do crime, como por exemplo, violência doméstica contra a mulher, violência de gênero, crime passional, entre outros. Neste estudo estaremos optando por usar o termo feminicídio, caracterizado pelo homicídio de mulheres com traços de crueldade. A partir das manifestações feministas, iniciadas na década de 1970, a mulher vem conquistando seu espaço, com a criação de leis que promovam garantia de proteção e punição aos agressores que cometem crimes de feminicídio (Guimarães & Pedroza, 2015).
Foi sancionada, em 2006, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340, 2006), a qual estabeleceu marcos legais para punição dos crimes de gênero, desmistificando a ideia de que esse tipo de violência era caracterizado como um crime de menor potencial ofensivo, sendo conceituada, tipificada e consequentemente, conhecida e incorporada no discurso das mulheres do país, independentemente de posição social (Meneghel, Mueller, Collaziol & Quadros, 2013). A partir da Lei Maria da Penha (Lei 11.340, 2006), as mulheres passaram a denunciar os diversos tipos de violência de gênero (assédio verbal, psicológico, agressões físicas, entre outros), muitos dos quais podem resultar em homicídio, o que demonstra o quanto essa lei serviu para que as mulheres pudessem romper o silêncio, realizar a denúncia, na esperança de que se possa reconstruir suas vidas. Esta lei tem como objetivo punir o agressor de forma mais rígida e severa, inclusive, nos casos mais graves pode acarretar na prisão em flagrante (Meneghel et al., 2013).
Em decorrência a Lei Maria da Penha, no ano de 2015, a Lei 13.104 implantou no Código Penal o crime de feminicídio, caracterizado como homicídio qualificado, baseado no gênero, tendo como punição de 12 a 30 anos de reclusão (Lei 13.104, 2015). Um crime hediondo em que o assassino age, geralmente, de forma premeditada, fria e vingativa. O feminicídio significa a manifestação mais extrema da violência machista, estabelecidas de relações desiguais de poder entre gêneros.
O feminicídio é caracterizado pelos assassinatos de mulheres em razão do gênero e significa um avanço na compreensão política do fenômeno que recentemente passou a ter visibilidade e sensibilidade coletiva, por outro lado, há muito ainda a ser feito sobre este tema, pois essa violência apoia-se, intensamente, na cultura patriarcal e na desigualdade de gênero (Mello, 2014). Apesar de leis terem sido criadas para proteção da mulher e punição de seus agressores, o feminicídio tem números significativos e alarmantes em nosso país. De acordo com o Monitor da Violência (2020), o Brasil teve um aumento de 7,3% nos crimes de feminicídio no ano de 2019, em comparação com o ano de 2018. Foram 1.314 mulheres mortas, em 2019, pelo fato de serem mulheres – uma média de uma mulher a cada sete horas, enquanto no ano anterior o registro ficou em 1.225 mortes.
Os números ressaltam que tais crimes não estão sendo reprimidos com eficácia e que se faz necessário repensar as medidas de punição, mas principalmente uma intervenção para a prevenção desses crimes (Machado & Elias, 2018).
O crime de feminicídio pode ser classificado de diferentes formas: o feminicídio íntimo é caracterizado quando a vítima tem ou teve relação afetuosa com o agressor, sendo este companheiro, marido, namorado, e não somente relacionado à união matrimonial; o feminicídio não íntimo acontece quando a vítima não possui qualquer relação afetiva, familiar e de convivência com o agressor, o crime ocorre por homens no qual a vítima possui alguma relação de confiança, seja na vida familiar, social e/ou no meio organizacional, podendo ser ainda, um indivíduo totalmente desconhecido; e o feminicídio por conexão que é caracterizado quando a mulher é assassinada por cruzar o caminho de um homem que tenta matar outra mulher (Menezes, 2015). O feminicídio é o capítulo final de um histórico de violência, o rompimento de uma vida que sofreu todo o tipo de violência em razão do gênero, e não conseguiu interromper este ciclo de agressões.
Na tentativa de minimizar os crimes contra a mulher, a Psicologia Forense surge para contribuir e dar suporte, a partir de sua ciência, estuda os processos comportamentais do indivíduo infrator, em interface com o Direito, porém de forma autônoma, considerando que a psicologia tem como objeto de estudo o comportamento humano (Anton & Toni, 2014). As mesmas autoras reforçam que a psicologia forense é uma ciência que visa realizar estratégias que possam contribuir para reduzir o comportamento criminoso, bem como identificar indivíduos com transtorno de personalidade antissocial (Anton & Toni, 2014).
Segundo Oliveira (2016), a Psicologia Forense deriva da palavra "foro", profissionais atuantes em instituições judiciárias de administração da justiça, é considerada uma subespecialidade da Psicologia Jurídica, com atuação nas seguintes demandas: atendimento e orientação a detentos e seus familiares, acompanhamento a detentos em liberdade condicional, na intervenção em hospital penitenciário, bem como no apoio psicológico as famílias, realiza orientação psicológica para casais antes das audiências de conciliação, orienta a administração do sistema penitenciário sob o olhar psicológico, utiliza-se de métodos e técnicas adequadas de acordo com a demanda, assessora a administração penal na formulação de políticas penais, etc.
Os autores Santos e Silva (2018) esclarecem que o termo "forense" propõe uma relação errônea e direta com o tribunal, onde o trabalho do psicólogo forense vai além deste espaço e contribui em diversos contextos: instituições ou locais de serviços específicos do sistema judiciário, centros de tratamento para infratores, unidades de pesquisas do Ministério da Justiça, serviço de apoio as crianças ou as vítimas, estabelecimentos de saúde mental e prisional. Este profissional envolve-se em atividades periciais tais como: perfil psicológico de prováveis criminosos, avaliação de testemunho e credibilidade, constatação de danos psíquicos e demais práticas de risco que envolvam alguma sentença (Anton & Toni, 2014). O psicólogo forense conta com o instrumento de avaliação psicológica, tal instrumento de acordo com Alchieri e Cruz (2003) é considerado um procedimento científico, fundamentado em teorias psicológicas com a finalidade de mensurar e descrever as qualidades ou o valor dos fenômenos psicológicos, visa em uma técnica, por vezes, complexa, com finalidade de produzir hipóteses e diagnósticos de um indivíduo ou um grupo. Tais hipóteses ou diagnósticos podem estar relacionadas com a personalidade e funcionamento intelectual deste sujeito e também na capacidade para desempenhar atividades.
Na avaliação psicológica, o profissional utiliza testes psicológicos validados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) no Brasil, no entanto, tais testes não foram desenvolvidos com objetivo principal e direcionados ao perfil de indivíduos que estão inseridos no sistema prisional, evidenciando que a influência do ambiente carcerário pode comprometer a eficácia dos testes, pois necessitam de um ambiente neutro para a sua aplicação (Lâmego, Magalhães & Souza, 2015). As avaliações são solicitadas pelo Poder Judiciário aos psicólogos forenses, para fins de elaboração de parecer psicológico, restritas tão somente para auxílio do juiz em pronunciar determinada decisão judicial (Lâmego et al., 2015).
Buscou-se entender um pouco mais sobre os traços comportamentais e psicológicos desses criminosos, utilizando como objeto de saber a psicologia forense. Assim esta pesquisa teve como finalidade compreender o papel do psicólogo forense nos casos de feminicídio, os desafios encontrados para desempenhar um trabalho de qualidade, bem como identificar o perfil mais comum do agressor. O estudo se justifica em função do crescente número de crimes de feminicídio registrados na atualidade.
Método
Foi realizado um estudo qualitativo, de natureza exploratória, com o propósito de ampliar conhecimento acerca do assunto. De acordo com Gil (2017), o objetivo da pesquisa exploratória é prover maior interação com o problema, contribuindo para melhor esclarecimento do assunto.
Utilizou-se como instrumento de pesquisa a entrevista semiestruturada, desenvolvida de acordo com os objetivos da pesquisa. Conforme Neves e Domingues (2007) a entrevista é uma das principais técnicas utilizadas para coleta de dados, com foco na obtenção de informações entre pesquisador e entrevistado, sobre um determinado assunto, é uma prática discursiva que busca construir versões daquela realidade. O instrumento constituiu-se de questões relacionadas ao papel do psicólogo na área forense, o trabalho do psicólogo nos casos de feminicídio, as principais dificuldades nessa prática, como se caracteriza a avaliação realizada em indivíduos que cometem crime de feminicídio, como funciona este processo, quais os pontos positivos e negativos e qual o perfil mais comum do indivíduo que comete esse tipo de crime.
O instrumento de pesquisa desenvolvido contribuiu para a análise qualitativa, e apresentou resultados, a partir das respostas, com análise de conteúdo. Conforme Bardin (2015) a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas e prevê três fases fundamentais: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados.
A amostra foi constituída por quatro psicólogos forenses, de ambos os sexos, com idades entre 30 e 48 anos, vinculados às delegacias regionais do estado do Rio Grande do Sul, que atuam nos crimes de feminicídio (Tabela 1). A seleção dos participantes deu-se por conveniência, de forma que os profissionais que preencheram os critérios para participar do estudo foram incluídos. Os critérios de inclusão para os profissionais participarem da amostra foram os seguintes: ter ensino superior completo em psicologia, registro junto ao Conselho Regional de Psicologia (CRP), do estado do Rio Grande do Sul, ter cinco anos ou mais de experiência como psicólogo forense e já ter atuado nas demandas de feminicídio.
Todos concordaram em colaborar com a pesquisa e responderam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Inicialmente o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da UNIRITTER. Após a aprovação do CEP, através do Parecer nº 3.250.716, a pesquisadora realizou contato telefônico com os psicólogos, apresentando a proposta do projeto. A partir da aceitação, foi marcado dia, local e horário para aplicação presencial do instrumento de pesquisa. Foi entregue aos profissionais o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após análise e assinatura do referido documento, foram realizadas as entrevistas. As entrevistas foram realizadas nos meses de abril e maio de 2018, gravadas e posteriormente transcritas pela pesquisadora.
Resultados e Discussão
Foram analisados, a partir das entrevistas realizadas com os psicólogos que atuam na área forense, como é desenvolvido o trabalho desses profissionais nos crimes de feminicídio, como ocorre o processo de avaliação desempenhado nos postos de trabalho, as dificuldades encontradas e perfil mais comum desses agressores, buscando uma compreensão da rotina de trabalho desses profissionais. De acordo com os resultados expressos a partir da experiência dos entrevistados, as contribuições foram dispostas e agrupadas em cinco categorias.
Categoria 01: papel do psicólogo na área forense: a partir da narrativa dos entrevistados:
Psicólogo 1 ...eu vejo o papel do psicólogo forense muito pequeno, por ser uma ciência ainda muito nova no Brasil, a falta de conhecimento e entendimento em relação a área faz com que nosso trabalho fique limitado e com uma prática muito pequena do que se pode trabalhar e contribuir nos espaços atuantes e também para a sociedade... espero que muito em breve seja dada a devida importância para essa ciência... o psicólogo forense pode atuar com perícias, avaliações para o processo de alienação parental, estudos familiares, nas avaliações para fins de progressão de regime e para concessão da liberdade condicional....
A fala vem ao encontro com as autoras Anton e Toni (2014) as quais confirmam que a Psicologia Forense é uma área considerada nova no Brasil, que visa dar suporte técnico ao sistema judiciário de acordo com a demanda solicitada, envolve atividades periciais tais como: perfil psicológico de provável criminoso, avaliação de testemunho e credibilidade, constatação de danos psíquicos entre outras e utilizam como recurso, de acordo com a demanda, instrumentos de avaliação, parecer técnico e de acompanhamento psicossocial.
Psicólogo 2 ...historicamente, nós psicólogos forenses, atuamos no sistema prisional a partir das demandas do judiciário... estamos aqui para atuar de forma neutra com nossos clientes, sem julgamentos....
No que refere os autores Costa, Lima, Souza, Barbosa e Moura (2015) o psicólogo forense deve ter uma postura neutra e imparcial, com foco na solicitação feita pelo juiz, fornece em seu trabalho técnico, indícios mais acurados sobre as defesas psicológicas, prejuízos psíquicos e demais características do indivíduo.
Psicólogo 3 ...trabalho com o processo de avaliação junto aos custodiados para fins de progressão de regime, esse trabalho, no meu ponto de vista é uma desconstrução desse saber, a psicologia... estamos aqui para garantir direitos e não para subsidiar o judiciário de uma forma equivocada já que a Lei de Execuções Penais (LEP) prevê esses benefícios..."; Psicólogo 4 "...o trabalho do psicólogo visa contextualizar com o Judiciário e Ministério Público a história de vida do apenado e o quanto o sistema prisional potencializou algo nesse indivíduo....
A partir da fala dos entrevistados pode-se observar que a atuação e trabalho do psicólogo forense vem crescendo, estes podem atuar em atividades ligadas aos tribunais de justiça, aplicação de exames psicológicos tanto para autores do delito quanto das vítimas, avaliações e acompanhamento dos períodos de detenção, pós-detenção, avaliação dos danos psíquicos e neuropsicológicos, exames das famílias em conflitos e de menores, processos de alienação parental, menores em risco, assistência às vítimas, bem como em processos de perícias e contra perícias (Anton & Toni, 2014).
Categoria 02: trabalho desempenhado nos casos de feminicídio: de acordo com os relatos dos profissionais:
Psicólogo 1 ...trabalho para fins de acompanhamento junto aos apenados que cometeram o crime de feminicídio, trabalho contínuo e com intervenções em grupo e individual, visando a reinserção do indivíduo na sociedade, aplicação de avalição realizada no sistema prisional, para fins de benefícios e direitos desses agressores..."; Psicólogo 2 ...trabalhamos de acordo com as demandas do judiciário para tal delito... o trabalho se resume, muitas vezes, na aplicação do instrumento de avaliação para fins de tratamento do custodiado, uma ferramenta padrão e utilizada nos diversos tipos de crimes, inexistindo a personalização do instrumento, neste caso para os crimes de violência contra a mulher e feminicídio... documento que é preenchido a partir de quesitos solicitados pelo juiz, somos proibidos de realizar diagnóstico de personalidade nos processos de progressão de regime e livramento condicional, sendo considerado e visto como não ético psicologicamente... nossa rotina se presume numa demanda imensa de trabalho para poucos psicólogos darem conta...; Psicólogo 3 ...o psicólogo não fecha diagnóstico / prognóstico, deixamos subentendido que aquele indivíduo tem características de algum transtorno de personalidade, considerando sua história de vida pregressa e atual, características muitas vezes encontradas em agressores que cometeram crime de feminicídio..."; Psicólogo 4: ...os profissionais tomam tais medidas para se preservar, considerando a briga que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) teve com o Judiciário, nos proibiram de falar sobre diagnóstico, prognóstico e reincidência....
Nessa categoria os psicólogos tiveram relatos compatíveis, nos quais foram evidenciados que o trabalho desempenhado nos casos de feminicídio pelos psicólogos forenses, muitas vezes, se resume na aplicação do instrumento de avaliação junto aos custodiados, que busca dar suporte técnico e apoio ao judiciário, nos processos para fins de progressão de regime, liberdade condicional e de individualização da pena. Estes profissionais também podem auxiliar tecnicamente, se solicitado pelo juiz, em determinados processos criminais, onde será requerido ao psicólogo forense credenciado, um parecer a partir de uma avaliação psicológica, apresentando um documento que subentenda que o apenado possa se enquadrar em algum transtorno de personalidade, quando houver (Lâmego et al., 2015). O psicólogo forense não disponibiliza laudo com diagnóstico fechado, este realiza uma "perícia psicológica", de acordo com os parâmetros técnico-científicos e éticos da profissão, sendo vedado a elaboração de prognóstico e reincidência (Lâmego et al., 2015). Nos casos em que são solicitadas as avaliações psicológicas, muitas vezes, o sistema judiciário requere o recurso, busca-se este suporte técnico para que o juiz possa conhecer a história de vida daquele indivíduo antes e depois do crime de feminicídio, podendo este criminoso apresentar possíveis traços de transtorno antissocial, por conta dos requintes de crueldade encontrados na vítima. Importante ressaltar que esses casos são pontuais, são poucos os juízes que solicitam o recurso para auxiliar e subsidiar sua decisão nos processos de condenação. De acordo com os psicólogos entrevistados:
...o poder judiciário não solicita mais a avaliação psicológica para sentenciar a condenação por falta de conhecimento e entendimento do recurso... o conhecimento precisa circular, o juiz não tem obrigação de saber deste recurso, ele é juiz e sua área de domínio é o direito.
Embora seja um crime específico, o agressor não recebe uma avaliação e acompanhamento específico para este delito. A avaliação psicológica forense visa fornecer parecer e sugestões junto ao sistema judiciário como elementos relevantes para a compreensão do caso (Melo, Silva, Moura & Barbosa, 2017).
No sistema prisional, o psicólogo forense atua também no desenvolvimento de projetos voltados ao público carcerário, que visa proporcionar conhecimento das leis, de acordo com o delito, e reflexão aos custodiados. Conforme relato dos entrevistados:
Psicólogo 1: ... é nossa responsabilidade trabalhar com o agressor...; Psicólogo 2 ...estamos implantando o projeto "metendo a colher", um projeto que visa trabalhar com agressores que cometeram crime de feminicídio... é realizada uma pesquisa no presídio, para identificar os custodiados que cometeram o crime de feminicídio, após convidamos esses indivíduos a participarem do projeto, seja de maneira individual ou em grupo... os encontros acontecerão uma vez por semana, onde será trabalhado a troca entre o grupo com dinâmicas, vídeos, filmes, proporcionando momentos de reflexão, bem como conhecimento dos crimes de gênero e as leis que enquadram esses criminosos...; Psicólogos 3 e 4: "...a adesão desse público é vista como uma dificuldade por conta de suas características, indivíduos violentos, fechados, desconfiados, com traços de sociopatia....
A psicologia forense tem como grande desafio discutir novas práticas de atuação, como por exemplo, serem produtores de conhecimento, de acordo com os aspectos sócio históricos, de personalidade e biológicos que compõem o indivíduo, como também contribuir com políticas preventivas e determinações das práticas jurídicas sobre a subjetividade e comportamento do indivíduo (França, 2004). Se faz necessário repensar e discutir políticas de ações à vítimas, desenvolver um campo de trabalho mais específico e assertivo, de responsabilização e tratamento junto aos agressores, onde as intervenções técnicas para este público sejam aplicadas com autonomia, de modo mais amplo, e que dessa forma o psicólogo possa pensar e contribuir em políticas públicas que envolvam o tema feminicídio.
Categoria 03: dificuldades encontradas pelos psicólogos forenses nos crimes de feminicídio: a partir das narrativas dos técnicos:
Psicólogo 1...geralmente o psicólogo que atua na área forense hoje tem uma vinculação com o estado, e é o mesmo estado que tantas vezes acabou negligenciando aqueles indivíduos envolvidos, tanto o agressor mas principalmente a vítima... quantos serviços do próprio estado não deram conta de prevenir, sanar e atender esses pedidos para se tentar evitar a violência contra a mulher e o crime de feminicídio, uma série de negligências, de fracassos do próprio estado... uma outra dificuldade que enfrentamos é a relação da população carcerária baseada na desconfiança, inexistindo o vínculo, prejudicando o trabalho para fins de promoção da autonomia do indivíduo;
Psicólogo 2 ...muitos psicólogos atuam nas demandas de feminicídio e de outros crimes, sem conhecimento na área e qualificação para contribuir de forma adequada junto ao judiciário, pois para trabalhar nessa área o Estado não solicita especialização fim e não subsidia cursos para fins de qualificação e especialização....
Psicólogo 3 ...nosso trabalho é, muitas vezes, desconexo dos demais procedimentos e áreas envolvidas, por exemplo, a partir do trabalho do psicólogo forense se poderia desenvolver ações, políticas de ações à vítimas... ter um trabalho mais específico de responsabilização dos agressores, seja para fins de encaminhar esse sujeito para um tratamento ou para fins de condenação mesmo, no sentido da perícia propriamente dita... pensar políticas públicas, políticas mais amplas junto a sociedade, que envolva esse tema do feminicídio, da violência contra a mulher... entendo que esse trabalho, muitas vezes desconectado com essas tantas possibilidades, acaba se tornando algo que desvaloriza e limita o trabalho do psicólogo forense...;
Em relação a dificuldade apresentada sobre a falta de conhecimento e qualificação dos psicólogos forenses, Santos e Silva (2018) externam que o psicólogo, para atuar nessa área deve possuir graduação em Psicologia e inscrição regularizada no seu Conselho Regional de Psicologia, a lei não exige do psicólogo ter especialização, basta que este profissional tenha habilidade técnica para responder as questões solicitadas pelo setor judiciário, mas é necessário reforçar que o psicólogo que possui especialização na área forense é visto como melhor preparado e qualificado para responder as demandas do judiciário.
Ainda na fala do Psicólogo 2 ...outro ponto negativo é em relação a avaliação realizada junto aos agressores de feminicídio, ao mesmo tempo que se tem toda uma preocupação com a questão ética em relação ao CFP, pois nós psicólogos forenses, somos proibidos de fazer uma avaliação psicológica de verdade, o que se faz hoje é um parecer psicológico, um dos documentos oficiais que o Conselho admite... entendemos que o trabalho fica muito superficial... muitos juízes já referiram que as avaliações são superficiais, que o psicólogo não fala nada com nada, dando a entender que somos incompetentes, onde na verdade estamos de mãos amarradas....
Os psicólogos trouxeram diferentes pontos considerados como dificuldades enfrentadas em seu dia a dia, bem como as falhas que acontecem, as quais ocasionam ineficácia às práticas de prevenção, um trabalho muitas vezes desconectado dos demais, que deixa o trabalho do psicólogo forense limitado e pouco valorizado.
Outro ponto de dificuldade referido, foi em relação a falta de conhecimento e de qualificação desses profissionais, em que para concorrer a uma vaga, na grande maioria, acontece via concurso, o candidato só precisa ter a formação em psicologia, ressaltando ainda que, os órgãos públicos não subsidiam verbas para cursos e/ou especializações na área de atuação, por conta disso diversos profissionais atuam em demandas sem conhecimento e, muitas vezes, causam prejuízo junto ao processo de trabalho e suporte ao judiciário. A falta de qualificação por parte desses profissionais para atuar nos diversos contextos de complexidade no sistema judiciário, bem como a limitação desses profissionais em reproduzir documentos que possam contribuir e fornecer subsídios na decisão da autoridade solicitante, pode acarretar prejuízos ao processo (Lamare, 2018).
Categoria 04: processo de avaliação realizado com custodiados que cometeram crime de feminicídio: de acordo com a fala dos psicólogos:
Psicólogo 1 ...não se tem um modelo de avaliação psicológica específica para aplicar nos apenados que cometeram crimes de feminicídio, o documento se baseia na resposta de quesitos elaborados pelo Juiz e Ministério Público... a escrita do psicólogo é direcionada por esses quesitos... o juiz analisa critérios objetivos (critérios matemáticos) e subjetivos (questionados na avaliação)... o juiz pode conceder a progressão de regime somente com os critérios objetivos, sem a avaliação... eu entendo que na maioria dos casos ocorre sem avaliação, sem a verificação dos quesitos subjetivos... com isso, entendo que o processo de avaliação se desvaloriza, a própria atuação da psicologia nesse meio também é desvalorizada, porque o juiz pode fazer o que bem entende, independente do processo de avaliação, o juiz tem autonomia para isso...; Psicólogo 2 ...a avaliação é um documento padrão, elaborada pelo juiz, constando seis quesitos onde questionam se o apenado recebeu atendimento ou se está em atendimento psicológico, descrever a personalidade desse indivíduo, o comportamento deste custodiado durante a entrevista, sua posição com relação ao delito pelo qual cumpre pena, quais as reflexões que ele faz sobre o seu aprisionamento, qual a interpretação do avaliador sobre tais reflexões, descrevendo ainda os planos extramuros do apenado e o grau de consistência destes, dadas as suas condições pessoais, descrevendo se a perspectiva é condizente com sua realidade... a avaliação é finalizada com quesito não específico para que o psicólogo descreva considerações que entenda ser pertinentes e que possam auxiliar tecnicamente na decisão do juiz... somos proibidos de realizar diagnóstico de personalidade para progressão de regime e livramento condicional, sendo visto de forma não ética pelo CFP...; Psicólogo 3: ...na avaliação trabalhamos com o agressor a sua perspectiva de vida, o significado em que o cárcere trouxe para a sua vida... não nos compete fazer qualquer prognóstico ou qualquer tipo de avaliação que possa trazer prejuízo ao apenado...; Psicólogo 4: ...entendo que a avaliação que ocorre atualmente no sistema prisional é de grande valia, e mesmo que o nosso trabalho se limite em responder os quesitos definidos pelo judiciário, conseguimos promover uma reflexão sobre a vida daquele apenado e, dessa forma, dar suporte ao juiz solicitante... o CFP proíbe o psicólogo de se posicionar favorável ou não favorável à progressão de regime, por exemplo, deixando a decisão final ao juiz... eu particularmente concordo com essa decisão do Conselho, uma forma do psicólogo se proteger ...a avaliação não deve ser utilizada no sentido de produzir algum documento que subsidie o judiciário na negação de algum direito do custodiado....
Os relatos em relação ao processo de avaliação estão condizentes, e evidenciam que a avaliação realizada no sistema penitenciário é padronizada, indo ao desencontro do ideal de individualização que deveria permear a execução da pena (Lamare, 2018). Alguns dos entrevistados ressaltaram ainda, que o último quesito da avaliação é de grande relevância, pois será neste que o psicólogo poderá solicitar que o judiciário determine ao custodiado um acompanhamento psicossocial e/ou psiquiátrico, independentemente de ser beneficiado ou não com a progressão de regime.
Embora o parecer não tenha o caráter de ter um posicionamento favorável ou desfavorável, ele auxilia indiretamente nas decisões do juiz sobre a progressão de pena, sendo uma ferramenta útil, utilizada como subsídio e recurso que contribui na decisão judicial. Na visão do Conselho Federal de Psicologia (CFP), em relação a avaliação/exame criminológico, a ideia de os psicólogos realizarem um prognóstico de reincidência seria algo inviável, onde esses profissionais teriam que ter uma capacidade para prever o comportamento do avaliando, neste caso, serem capazes de dizer se o custodiado poderá fugir, cometer novos delitos, reincidir ou cumprir adequadamente o regime ou benefício discutido e recuperar-se (Wrubel, 2016).
Categoria 05: perfil dos agressores que cometem crime de feminicídio: conforme as falas dos profissionais:
Psicólogo 1 ...baseado nos estudos de transtornos de personalidade, um número considerável desses criminosos possuem traços de sociopatia, o criminoso sabe das consequências para a vida dele cometendo o crime, tem noção que a vítima vai sofrer, que os filhos sofrerão com a perda, mas ele comete o crime de forma cruel... esses custodiados são frios, não demonstram nenhum tipo de sentimento ou arrependimento, são manipuladores, tentam na avaliação influenciar possíveis resultados buscando garantir algum benefício... o sociopata caça sua vítima perfeita, neste caso, mulheres frágeis, vulneráveis e com baixa autoestima, conquistam sua "presa" a ponto de manipular sua vida, suas escolhas....
A partir da fala da profissional e de acordo com os estudos do autor Huss (2011) a sociopatia é um construto clínico de suma importância nas discussões dentro do sistema de justiça criminal, sendo fundamental o olhar da psicologia forense.
O sociopata não demonstra preocupação em relação a sua ação sobre o outro, se declara com tranquilidade que não sente nenhuma culpa e nem mesmo arrependimento pela dor e pela destruição que causou (Hare, 2013).
Psicólogo 2 ... os agressores que cometem crime de feminicídio possuem, na maioria dos casos, um perfil que está associado aos antigos crimes passionais, um tipo machista, possessivo, manipulador e ciumento, entendendo que ao matar a vítima estão limpando a honra.
A referida verbalização é compatível com as autoras Meneghel & Portella (2017) as quais referem que o assassinato de mulheres é habitual no regime patriarcal, vítimas submetidas ao controle de homens, tendo como causas destes crimes o desejo de posse, o ciúme patológico e domínio de sua "presa".
Psicólogo 3 ...na grande maioria são presos primários, presos em função do crime de feminicídio, pessoas com uma vida social dentro de um padrão de normalidade, cidadãos considerados comum, trabalhavam, não viviam do crime... particularmente eu vejo não só um perfil do indivíduo mas um perfil dos relacionamentos em que acontece a violência contra a mulher ou o próprio feminicídio, características peculiares dos relacionamentos, como por exemplo, histórias muito intensas de paixões, aventuras e impulsividade entre o casal... ao mesmo tempo que esses relacionamentos eram muito bons eram também muito ruins, com picos de brigas, ciúmes, controle, cobranças, desprezo, agressões, humilhações, despertando o sentimento de ódio.... Psicólogo 4 ...é um indivíduo com perfil de superioridade sobre a mulher, que exerce poder sobre suas companheiras, muitas vezes, vítimas submissas, com autoestima muito baixa... um crime que acontece em todas as classes sociais... geralmente é um homem que já vem de uma situação familiar desfavorável, na sua família de origem, onde já existia questões de violência, de uso de álcool e de outras drogas ilícitas... um homem que não aceita o sucesso profissional de sua companheira ... são dois perfis que identifico nos crimes de feminicídio, os chamados antigos crimes passionais, mas também existe um número considerável de agressores que possuem traços de sociopatia, não demonstram sentimentos e nem afeto, são inteligentes, dissimulados e manipuladores.. esses são os perfis mais encontrados nos casos de feminicídio....
A partir dos relatos dos psicólogos entrevistados constatou-se dois perfis mais comuns dos agressores que cometem crime de feminicídio, agressores com características relacionadas ao antigo crime passional, bem como indivíduos com traços de sociopatia.
Tais achados estão de acordo com o estudo da autora Caldeira (2014) a qual esclarece que os agressores possuem um perfil dominante e hostil, com pouco controle da sua expressão externa de raiva e dos impulsos em geral, presença de ciúmes patológico, ódio, podendo apresentar ainda, determinados tipos de traços de personalidade, como o transtorno antissocial. Assim pode-se resumir que as características psicológicas, trazidas nesse estudo, indicaram a presença de um modelo de relação possessiva, manipuladora, violenta e de dependência por parte da vítima.
Considerações Finais
Este estudo propôs compreender o papel do psicólogo forense nos casos de feminicídio, os desafios encontrados para desempenhar um trabalho de qualidade, bem como identificar o perfil mais comum do agressor, de acordo com o crescente número de crimes de feminicídio em nossa atualidade. A partir dos resultados encontrados, constatou-se que o papel do psicólogo forense visa atender as demandas de acordo com as solicitações do judiciário, em especial no suporte junto aos processos de progressão de regime, liberdade condicional e tratamento penal.
Averiguou-se também que são diversos os desafios encontrados pelo psicólogo forense, desde dificuldades nos processos de vinculação com a população carcerária, por conta de um perfil violento, frio e desconfiado, muitas vezes, prejudicando o trabalho para fins de promoção da autonomia desses indivíduos, desenvolver práticas mais específicas de responsabilização junto aos agressores, assim como pensar políticas mais amplas junto à sociedade, um trabalho que atualmente está distante de alcançar o que realmente se pretende, enquanto prática e ciência. A grande demanda de trabalho é outro fator visto como desafio, pois prejudica a qualidade dos processos na rotina dos profissionais.
Outro desafio referido nos resultados foi em relação a avaliação realizada pelos psicólogos forenses, um processo padrão, constituído a partir de quesitos elaborados pelo judiciário, ferramenta utilizada para todos os tipos de crimes, sem personalização, sendo vista como um processo superficial, fazendo com que os profissionais repensem alternativas para contribuir de forma subjetiva e assim, proporcionar ao judiciário um olhar não somente da relação deste custodiado com o crime, mas também, enquanto sociedade, grupo familiar e demais fatores do seu desenvolvimento e personalidade.
Em relação ao perfil mais comum dos agressores que cometem crime de feminicídio, constatou-se dois tipos, indivíduos com características relacionadas ao antigo crime passional, bem como indivíduos com traços de sociopatia, considerando a história pregressa desses agressores, personalidade e desenvolvimento até o momento do crime. Além disso, o forte sentimento de posse, ciúme patológico e ódio também foram relatados como causas do comportamento violento do agressor.
O feminicídio representa um problema social, onde precisa-se dar apoio e suporte a vítima e tratar o agressor, buscando reduzir os números de um crime extremamente violento e cruel, sendo necessário repensar a prática do psicólogo forense, desmistificando pontos de total relevância na atividade, os quais percebe-se prejuízo, por conta da grande demanda de atendimento. Constata-se que o tema é complexo e envolve uma série de fatores culturais, emocionais, sociais e jurídicos.
Os achados deste estudo reforçam a importância da prática desenvolvida pelos psicólogos, que buscam promover um suporte efetivo ao custodiado, proporcionando a esta reflexão e conhecimento de toda a problemática do crime cometido, bem como prover a partir de seu saber medidas preventivas e de garantia de direitos.
Percebe-se a necessidade de que mais pesquisas neste campo sejam realizadas, visto que a psicologia forense pode colaborar muito mais para o entendimento dessa problemática e contribuir na formulação de estratégias preventivas para tratar o tema feminicídio.
Referências
Alchieri, J. C., & Cruz, R. M. (2003). Avaliação psicológica: conceito, métodos e instrumentos. Temas em avaliação psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]
Anton, J., & Toni, C. G. S. (2014). A psicologia forense e a identificação de indivíduos psicopatas. Revista Faz Ciência, 16(24), 189-207. [ Links ]
Bardin, L. (2015). Análise de Conteúdo. In: L. Bardin, Análise de Conteúdo (p. 288). Editora Almedina. [ Links ]
Bianchini, A., Marinela, F., & Medeiros, P. P. (2015). O Feminicídio. JusBrasil. Recuperado em: <http://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/171335551/o-feminicidio> [ Links ].
Caldeira, C. T. M. (2014). Perfil Psicopatológico de Agressores Conjugais e Fatores de Risco. Acesso em: 10 de abril de 2019, disponível em: <https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/3891/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf> [ Links ].
Campos, R. C. (2015). Os crimes passionais na visão da psiquiatria forense e da psicopatologia. Dissertação de mestrado, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal. [ Links ]
Costa, J. K. N., Lima, L. D., Souza, V. R. S., Barbosa, C. L., & Moura, G. C. (2015). Avaliação Psicológica no Contexto das Instituições de Justiça. 3(1), 149-166. [ Links ]
Echeverria, G. B. (2018). A Violência Psicológica Contra a Mulher: Reconhecimento e Visibilidade. Cadernos de Gênero e Diversidade. 4(1), 131. [ Links ]
Evangelista, R., Kaneta, C. N., Olavo, D. M., Silva., E. U. C., & Chaves, J. C. (2015). Até que a morte nos separe: um olhar para o criminoso passional sob o aporte psicanalítico. Psicologia.pt. ISSN 1646-6977. Acesso em: 20 de março de 2019, disponível em: <https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0976.pdf> [ Links ].
Fon, L. C. F. (2014, novembro). Violência contra a mulher: notas sobre o feminicídio em Salvador/BA. [Resumo]. (Org.), 18ª Conferência da Rede Feminista Norte e Nordeste (Redor), Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PB, Brasil. [ Links ]
França, F. (2004). Reflexões sobre a Psicologia Jurídica e seu panorama no Brasil. Psicologia: Teoria e Prática, 6(1): 73-80. [ Links ]
Gil, A. C. (2017). Como elaborar projetos de pesquisa (6a ed.). São Paulo: Atlas. [ Links ]
Guimarães, M. C., & Pedroza, R. L. S. (2015). Violência contra a mulher: problematizando definições teóricas, filosóficas e jurídicas. Psicologia & Sociedade, 27(2), 256-266. [ Links ]
Hare, R. D. (2013). Sem Consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós. Tradução: Denise Regina de Sales; Revisão técnica; José G. V. Taborda Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Huss, M. T. (2011). Psicologia Forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa; revisão técnica: José Geraldo Vernet Taborda. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Lamare, B. J. (2018). Exame Criminológico e Progressão de Regime: as causas sociológicas da divergência entre os discursos do Direito e da Psicologia e o seu impacto na expansão do poder punitivo. A exigência de exame criminológico como condição subjetiva para progressão de regime da pena privativa de liberdade (p. 87-89). Porto Alegre: Elegantia Juris. [ Links ]
Lâmego, M. C. A., Magalhães, V. E., & Souza, R. R. (2015). Avaliação Psicológica no contexto prisional: compartilhando saberes e fazeres. In: Barroso, S. M.; Nascimento, Elizabeth; Scorsolini-Comin, Fábio (org.). Avaliação Psicológica: da teoria às aplicações (pp. 271-304). Petrópolis: Vozes. [ Links ]
Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Recuperado em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> [ Links ].
Lei n. 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Recuperado em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm> [ Links ].
Machado, I. V., & Elias, M. L. G. G. R. (2018). Feminicídio em cena: da dimensão simbólica à política. Tempo Social, revista de sociologia da USP, 30(1), 283-304. [ Links ]
Marrafão, C. S., & Martins, R. (2018). Violência Doméstica Contra a Mulher e o Crime Passional. Jusbrasil, disponível em: <https://carladesalesmarrafao.jusbrasil.com.br/artigos/641514366/violencia-domestica-contra-a-mulher-e-o-crime-passional> [ Links ].
Melo, D. G. S., Silva, H. F., Moura, I. T. T., & Barbosa, S. S. (2017). Avaliação Psicológica Forense na Capacidade Civil. Psicologia.pt. O portal dos Psicólogos ISSN 1646-6977. Acesso em: 9 de maio de 2019, disponível em: <http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1136.pdf> [ Links ].
Mello, A. R. (2014). Femicídio: uma análise sócio-jurídica do fenômeno no Brasil. Acesso em: 28 de março de 2019, disponível em: <www.compromissoeatitude.org.br/wpcontent/uploads/2013/07/ADRIANARAMOSDEMELLO_FEMICIDIO.pdf> [ Links ].
Meneghel, S. N., Mueller, B., Collaziol M. E., & Quadros M. M. (2013). Repercussões da lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero. Ciências & Saúde Coletiva, 18 (3), 691-700. [ Links ]
Meneghel S. N., & Portella A. P. (2017). Feminicídios: conceitos, tipos e cenários. Ciência & Saúde Coletiva, 22 (9), 3077-3086. [ Links ]
Menezes, A. C. R. (2015). A tipificação do feminicídio sob a ótica do homicídio de mulheres no estado de Roraima. Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Acesso em: 1 de junho de 2019, disponível em: <http://ufrr.br/direito/index.php?option=com_phocadownload&view=category&download=106:a-tipificacao-do-feminicidio-sob-a-otica-do-homicidio-de-mulheres-no-estado-de-roraima-autora-adahra-catharinie-reis-menezes-orientadora-prof-msc-ilaine-aparecida-pagliarini&id=17:2015-2&Itemid=314> [ Links ].
Monitor da Violência. (2020). Taxa de Feminicídio no Brasil. Acesso em: 05 de agosto de 2020, disponível em: <https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/03/05/mesmo-com-queda-recorde-de-mortes-de-mulheres-brasil-tem-alta-no-numero-de-feminicidios-em-2019.ghtml> [ Links ].
Monteiro, F. (2012). O papel do psicólogo no atendimento às vítimas e autores de violência doméstica. Acesso em: 01 de maio de 2019, disponível em: <https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2593/3/20820746.pdf> [ Links ].
Neves, E. B., & Domingues, C. A. (2007). Manual de Metodologia da Pesquisa Científica. (p. 62), Rio de Janeiro: EB/CEP. [ Links ]
Oliveira, E. A. (2016). Psicologia Jurídica, Forense e Judiciária: relações de inclusão e delimitações a partir dos objetivos e da imposição de imparcialidade. Tese de doutorado, Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, SP, Brasil. [ Links ]
Santos, C., & Silva, V. L. C. (2018). Perícia psicológica forense: contextualização e métodos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5311. Acesso em: 03 de maio de 2019, disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61689> [ Links ].
Santos, J. R. (2014). O fenômeno da violência contra a mulher na sociedade brasileira e suas raízes histórico-religiosas. 258 f. il.; grafs. Acesso em: 7 de março de 2019, disponível em: <http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/bitstream/tede/766/1/JEOVA%20RODRIGUES%20DOS%20SANTOS.pdf> [ Links ].
Schmitt, N. G. (2016). A influência da cultura patriarcal na produção de violências e na construção das desigualdades entre homens e mulheres: um olhar dos profissionais que atuam na rede de proteção social no município de Araranguá/sc. Acesso em: 10 de março de 2019, disponível em: <http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/wp-content/uploads/2017/02/Artigo-Nayara.pdf> [ Links ].
Wrubel, R. (2016). Avaliação psicológica no sistema prisional: o exame criminológico. Psicologado. Acesso em: 9 de maio de 2019, disponível em: <https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-juridica/avaliacao-psicologica-no-sistema-prisional-o-exame-criminologico> [ Links ].
Endereço para correspondência
E-mail:carine.pires.silva@gmail.com
Recebido em: setembro de 2019
Aceito em: agosto de 2020
1 Carine Pires da Silva: Psicóloga formada pela Universidade Luterana do Brasil, ULBRA-Guaíba. Pós-Graduanda em Terapia Sistêmico-Cognitivo de Famílias e Casais pela Faculdade Mario Quintana, FAMAQUI- Porto Alegre.
2 Luciana Azambuja Schermann: Psicóloga. Doutora em Neurociências pela PUC-RS. Endereço: Avenida Ipiranga, nº 6690. Bairro Jardim Botânico. CEP 90.160-090.