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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.5 no.3 Ribeirão Preto dez. 1997

 

PROCESSOS SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO

 

Desenvolvimento familiar: transição de um sistema triádico para poliádico1

 

 

Maria Auxiliadora Dessen2

Universidade de Brasília - UnB

 

 

A concepção de família hoje, do ponto de vista do desenvolvimento, é, sem dúvida, sistêmica. A necessidade de se adotar uma perspectiva sistêmica para estudar o desenvolvimento das interações e relações familiares só começou a ser amplamente difundida em meados da década de 1980 (Belsky, 1981; 1984; Bronfenbrenner, 1986; 1992; Furstenberg, 1985; Hodkin, Vacheresse e Buffet, 1996; Petzold, 1996; Schaffer, 1986).

Adotar essa concepção implica considerar que:

a) o sistema familiar é composto por vários subsistemas: mãe-criança, paicriança, irmão-irmão;

b) as relações desenvolvidas entre eles são únicas;

c) os processos pelos quais os padrões relacionais são estabelecidos, mantidos e como eles mudam em cada um dos subsistemas precisam ser comparados;

d) os subsistemas são interdependentes e, para compreendê-los, faz-se necessário considerar todos os subsistemas componentes da família;

e) as transições no desenvolvimento de qualquer membro da família constituem desafio para o sistema inteiro. Tais transições, quer sejam elas normativas, como a entrada na escola, puberdade e casamento, ou não normativas, como doenças, divórcio e mudanças, freqüentemente servem como um impulso direto para mudanças no desenvolvimento que, por sua vez, afetam os processos familiares. Localizar os pontos de transição e descrever a natureza das mudanças que eles introduzem, bem como identificar os mecanismos responsáveis pelas várias mudanças, são tarefas básicas da psicologia do desenvolvimento (Schaffer, 1986).

Portanto, a família não deve ser vista mais como um conjunto de díades separadas, nem o desenvolvimento da criança deve ser visto como um processo de aquisição de padrões sociais do ambiente externo. Isso requer focalizar como a criança é incorporada dentro do sistema familiar, como o sistema acomoda a criança e também como a criança influencia e altera o sistema como um todo. Um exemplo típico deste dinamismo ocorre quando se estuda como a criança ajuda a estabelecer as regras que operam dentro da família.

Dentro do sistema familiar, há numerosas relações recíprocas, exigências de papéis e expectativas, sendo a criança uma contribuidora ativa na interação. Cada membro do sistema influencia e é influenciado por todos os outros. O grau relativo de influência que um exerce sobre o outro variará com a tarefa, o contexto, o estágio de desenvolvimento e uma quantidade imensa de variáveis históricas e de atitudes (Parke, Power e Gottmann, 1979) e, sobretudo, com as interações desenvolvidas pelos membros familiares ao longo do tempo (Hinde, 1992).

A influência da criança nas suas relações com os genitores é amplamente reconhecida pelos estudiosos do desenvolvimento e o temperamento foi a característica da criança que mais recebeu atenção dos pesquisadores até a década passada (Belsky, 1984; Stoneman, Brody e Burke, 1989). O desenvolvimento da criança vem sendo também interpretado como intervindo nas interações e relações familiares, criando não só uma dinâmica familiar específica aos diversos pontos críticos, como também desencadeando mudanças familiares que, por sua vez, podem influenciar o próprio curso de desenvolvimento da criança (Kreppner, Paulsen e Schuetze, 1982).

Dentre as principais mudanças no desenvolvimento da criança, que desempenham um papel importante na dinâmica familiar, encontram-se aquelas referentes ao crescimento físico, desenvolvimento da linguagem, concepção do eu e do outro, desenvolvimento cognitivo e de autonomia; todas exercendo uma influência particularmente notável durante os primeiros anos de vida. Por exemplo, quando a criança começa a andar, as interações mãe-criança e paicriança se alteram em função dessa nova competência adquirida pela criança. Assim, as variações nos comportamentos do bebê, devido ao seu desenvolvimento, exigem adaptações constantes por parte de toda a família. É preciso ressaltar aqui que as adaptações constantes da rede complexa de relações às necessidades e habilidades mutáveis de um membro familiar constituem uma das tarefas de desenvolvimento da família como grupo (Kreppner, 1991).

Os três principais determinantes que influenciam a maneira como os genitores lidam com suas crianças são: a personalidade e o bem-estar psicológico dos genitores, as características da criança e o contexto social mais amplo no qual as relações genitores-criança estão inseridas (Belsky, 1984). Assim, as relações maritais, a rede social de apoio e as experiências ocupacionais dos genitores são algumas das variáveis que exercem particular influência nas interações e relações desenvolvidas entre eles e suas crianças. Como os subsistemas são interdependentes, as relações genitores-criança e marido-esposa estão intimamente entrelaçadas e as evidências empíricas, teóricas e clínicas apoiam a suposição de que um relacionamento positivo entre o casal está ligado a características positivas no relacionamento dos genitores com a criança (Goldberg e Easterbrooks, 1984). Apesar de a qualidade das relações maritais se constituir um fator crítico para a explicação das relações pai-mãe-criança, os pesquisadores da área de desenvolvimento não têm dispensado atenção às influências do relacionamento do casal nas interações entre os genitores e suas crianças.

O apoio da rede social (amigos, vizinhos e parentes próximos) também exerce um impacto benéfico sobre as relações familiares; no entanto, parece haver consenso na literatura de que as relações maritais constituem fonte principal de apoio à mãe (Belsky, 1981; Bronfenbrenner, 1986; Levitt, Weber e Clark, 1986). Levitt e cois. (1986) compararam o apoio dos maridos com o apoio derivado de outras relações íntimas e verificaram que, para a maioria das mães, o apoio é fornecido, primeiro, por suas relações com o marido; segundo, por suas relações com sua própria mãe; e, finalmente, por um ou dois amigos ou membros familiares como o pai, sogro e/ou sogra.

Na verdade, ambos os genitores contribuem para o desenvolvimento psicológico de seus filhos, são afetivamente importantes, mas a interação entre cada um deles e a criança difere, tanto em conteúdo quanto em qualidade (Dessen, 1985; 1992). No entanto, foi somente na década passada que as pesquisas passaram a incluir efetivamente o subsistema pai-criança, começando a expandir o conhecimento para além da díade mãe-criança. Apesar do grande interesse pelo papel do pai, em parte atribuído ao aumento do número de mães que trabalham fora de casa, exigindo deles uma participação mais ativa na educação dos filhos (Easterbrooks e Goldberg, 1984), a maioria das pesquisas não tem integrado explicitamente o pai numa perspectiva sistêmica. A prevalência de estudos sobre interações mãe-criança, pai-criança e criança-irmão como subsistemas separados ainda continua vigorando até hoje, embora já se perceba uma tendência para focalizar outros subsistemas e suas interligações. Esta tendência pode ser observada em Bailon e Tomasello (1991), Jones e Adamson (1987), Kreppner (1988; 1989; 1991), VonEye e Kreppner (1989), dentre outros.

Em síntese, o ambiente no qual as crianças se desenvolvem representa mais do que ambientes físicos ou de relações mãe-criança isoladas. Além de incluir outras relações diádicas, tais como pai-criança e criança-irmão, inclui também relações que envolvem três, quatro e, às vezes, até mais membros familiares (Petzold, 1996). Esta rede complexa de relações precisa ser considerada como unidade de análise se quisermos compreender a dinâmica e os processos que regulam as relações desenvolvidas no sistema familiar. Considerai* a família como unidade de análise significa vê-la, primeiramente, como um grupo e, como tal, com seu próprio curso de desenvolvimento, tendo que realizar uma série de tarefas desenvolvimentais ao longo do tempo (Kreppner, 1991). O período de expansão familiar caracterizado pelo nascimento de uma segunda criança é considerado como uma fase específica do desenvolvimento da família; e é nessa fase que ocorrem as mudanças principais no sistema, afetando cada um de seus membros de forma distinta, especialmente as suas relações interpessoais.

As mudanças na família, provenientes do nascimento do segundo filho, têm sido vistas recentemente como integradas em uma estrutura de desenvolvimento mais ampla, envolvendo mudanças estruturais, tarefas familiares e desenvolvimento familiar. Kreppner, Paulsen e Schuetze (1982) descreveram esse período de transição em que a família muda de um sistema de três para quatro pessoas, observando 16 famílias alemãs de classe média, com primogênitos entre um e quatro anos de idade. As famílias foram visitadas em suas casas, uma vez por mês, durante dois anos após o nascimento do segundo filho. As observações foram gravadas em vídeo e realizadas em situações não estruturadas, quando um ou ambos os genitores estavam interagindo com uma ou com as duas crianças. As observações foram transcritas e analisadas com base nos aspectos estruturais e funcionais das interações desenvolvidas entre os genitores e suas crianças. Como resultado dessas análises, Kreppner e cois. (1982) propuseram um modelo de três fases para descrever o processo de adaptação das famílias após o nascimento do segundo filho.

Na primeira fase de desenvolvimento, que vai do nascimento até o bebê completar 8 meses de idade, a família tem que integrar o novo membro, passando de um sistema triádico (mãe-pai-criançal) para um sistema poliádico (mãe-paicriançal-criança2). As tarefas desenvolvimentais desse período são: introdução do novo membro na família, distribuição de atenção aos filhos, envolvimento do pai e manutenção da relação marital. Mas, a tarefa principal consiste na distribuição de atenção dos genitores entre as duas crianças. Nessa ocasião, os genitores tendem a formar um "grupo de trabalho", dividindo entre eles as várias tarefas de cuidados com as crianças e de manutenção da casa, criando, assim, uma nova "economia" de interações genitores-crianças dentro da família. Nesse contexto, a participação do pai mostra-se fundamental para a dinâmica intrafamiliar e varia muito de família para família. Os primogênitos, por sua vez, têm que se ajustar à nova situação e suas reações são diversificadas: ora tentam demonstrar a diferença entre eles e o irmão (ex: "eu já sou grande"), ora sinalizam que têm as mesmas necessidades e desejos do bebê (ex: "eu ainda sou pequeno e preciso de atenção como minha irmã"). Quando o bebê se toma mais ativo, sentando-se e pegando objetos, o primogênito toma os objetos do irmão, demonstrando controle da situação. Nessa fase, ele costuma intervir mais abertamente quando os genitores estão interagindo com o bebê.

Na segunda fase, caracterizada pela negociação de posições entre os membros familiares, correspondendo ao período de 9 a 16 meses de idade da segunda criança, as tarefas consistem em: transmitir regras sociais, estabelecer sanções para transgressões de regras, treinar a linguagem e manipular a rivalidade entre irmãos. Nesta fase, quando o bebê começa a engatinhar e a andar e se torna capaz de interferir ativamente nas brincadeiras e jogos do primogênito, a tarefa principal da família passa a ser a manipulação da interação entre os irmãos. E, de acordo com Kreppner e cols. (1982), os genitores lidam com esse problema de diferentes maneiras. O estabelecimento de uma relação autônoma entre os irmãos é extremamente importante para o processo de integração geral da família. Se as relações são firmemente estabelecidas, os genitores passam a ter mais tempo para eles próprios. Caso contrário, a "crise" se prolonga e eles se tornam cada vez mais exaustos, tendo que interferir freqüentemente no relacionamento entre as duas crianças.

No começo da terceira fase, que inclui o período em que a segunda criança tem entre 17 e 24 meses, as posições entre os irmãos parecem se ajustar. As rivalidades e controvérsias podem ocorrer entre eles, mas esses eventos não têm o caráter de "medir forças", como na fase anterior. Nessa fase, os genitores se confrontam com uma nova situação, em que eles não têm mais que interagir com uma criança mais velha e um bebê, pois adquiriram a experiência de "ser pai ou ser mãe" de crianças. Ao mesmo tempo, o primogênito e o irmão começam a se ver como uma unidade - "as crianças". Portanto, a tarefa principal dessa terceira fase do desenvolvimento familiar, denominada de formação de diferenciação, é o estabelecimento de dois subsistemas bem definidos: genitores e irmãos. Além desses dois subsistemas principais, outros subsistemas envolvendo os genitores e as crianças são formados, por exemplo, em função do sexo ou de características de personalidade dos membros da família. Nesta fase, os genitores, quando interagindo com suas crianças, passam a diferenciá-las mais por suas características de personalidade do que por aspectos do seu desenvolvimento. Assim, o estabelecimento de relações individuais entre os genitores e as crianças constitui outra tarefa desta fase de desenvolvimento da família, que inclui também a afirmação do interesse individual dos genitores e o equilíbrio de interesses entre os genitores e entre as próprias crianças.

Os dados de Kreppner (1988) e Kreppner e cols. (1982) sugerem, portanto, que novos equilíbrios são formados durante o segundo ano após o nascimento do segundo filho. O estabelecimento de novas relações e a reorganização das já existentes, bem como o papel desempenhado pelo primogênito neste período de ampliação familiar precisam ser mais bem investigados, especialmente no contexto brasileiro, onde as pesquisas sobre relacionamento entre irmãos pequenos são quase inexistentes. Independente de suas tendências teóricas, os psicólogos têm enfatizado que as relações precoces entre irmãos são importantes para o desenvolvimento da criança. A compreensão da natureza destas relações, desde a mais tenra idade, e de como tais relações influenciam e são influenciadas por outras relações que a criança desenvolve na sua rede social, constituem o primeiro passo para descrever os processos que geram diferenças entre irmãos que crescem juntos em uma mesma família e, também, para avaliar a importância relativa de irmãos para o desenvolvimento infantil.

Em síntese, com o nascimento da segunda criança, aumentam acentuadamente as interações e as relações mútuas entre os membros da família, podendo haver um avanço nos velhos padrões de interação e na procura por novos equilíbrios. As mudanças na estrutura familiar podem não se tomar visíveis imediatamente após o nascimento da segunda criança, mas somente quando ela começar a se tomar mais competente cognitiva, social e emocionalmente. As tarefas de desenvolvimento descritas por Kreppner e cols. (1982) retratam os esforços da família em lidar com os problemas que emergem quando um novo membro é adicionado ao grupo familiar e, conseqüentemente, um novo equilíbrio tem que ser encontrado. Este processo de expansão familiar é diferente do processo que se desenvolve no início da formação da família. Quando nasce o primogênito, o casal tem que estabelecer novos papéis e relações; mas quando nasce a segunda criança, o sistema genitores-criança já existente tem que ser diferenciado e especificado de acordo com as relações genitores-criança 1 e genitores-criança 2, além de precisar ser hierarquicamente integrado. Por exemplo, a mãe passa a ser uma mãe de duas crianças, enquanto o pai tem que construir relações mais específicas com o primogênito, quando antes não era necessário.

Portanto, a introdução da segunda criança e sua integração dentro de uma estrutura de referência na qual a reorganização da família é vista como um processo de desenvolvimento "normal" implica considerar as "crises" deste período, freqüentemente atribuídas a fatores pessoais e/ou contextuais, a partir de uma perspectiva de relações mutáveis, em um sistema que se expande (Kreppner, 1988). A literatura sobre o impacto da introdução do segundo filho na família é relativamente escassa, considerando que os poucos estudos existentes são restritos às culturas inglesa, americana e alemã e às famílias de classe média. Embora os pesquisadores tenham, desde o início da década de 1980, começado a enfatizar a necessidade de se estudar as interações e relações familiares levando-se em consideração os seus vários subsistemas componentes, foi somente a partir de 1985 que esta idéia começou a ser amplamente difundida. No entanto, os estudos empíricos ainda são raros atualmente.

Mediante o quadro acima, propusemo-nos investigar algumas questões relativas a este período de transição familiar, com o objetivo de descrever as mudanças ocorridas em famílias brasilienses, focalizando o comportamento do primogênito e as suas interações e relações com os genitores e com o irmão recém-nascido (Dessen, 1992). Foram, então, selecionadas cinco famílias de classe média, compostas pelo pai, mãe (no 6o. ou 7o. mês de gravidez do segundo filho) e primogênito, com idade entre um ano e 3 meses e 6 anos e 11 meses. Essas famílias foram acompanhadas por um período de nove meses, até o bebê completar 6 meses de vida.

A coleta de dados foi efetuada na própria residência das famílias, em quatro momentos: no 3o. ou 2o. mês antes do nascimento e nos lo., 3o. e 6o. meses após o nascimento do bebê. Duas foram as técnicas empregadas: entrevista e observação. Foram realizadas 19 entrevistas semi-estruturadas (4 por família) com as mães. As 78 sessões de observação (17 por família) foram gravadas em videoteipe, totalizando 897 minutos de gravação. Os primogênitos foram observados durante o desenvolvimento de "atividades livres", em sete situações definidas de acordo com: presença de um ou ambos os genitores, presença ou ausência do bebê e presença do irmão, na ausência dos genitores.

A análise dos dados de entrevista focalizou a preparação do primogênito para o nascimento do irmão e para a hospitalização da mãe, as alterações de comportamento e de relacionamento do primogênito com os genitores, o irmão e as demais pessoas de sua rede social, bem como as alterações da rotina familiar, da rede de apoio e divisão de trabalho entre os membros da família. Os dados observacionais permitiram analisar a dinâmica familiar sob quatro aspectos: as atividades desenvolvidas, as transições de uma atividade para outra, as interações familiares e a socialização do primogênito no papel de irmão. Os resultados foram interpretados em função da presença e ausência de um, de ambos os genitores e do bebê e, também, em função dos sistemas diádico, triádico e poliádico relativos à participação dos membros familiares durante o desenrolar de suas interações.

Neste estudo (Dessen, 1992), o nascimento do bebê acarretou mudanças no modo de vida das famílias brasilienses e nas interações desenvolvidas entre os seus membros. A rotina da família, a rede de apoio, a divisão de trabalho entre os genitores, as atividades desenvolvidas, a dinâmica das interações e a socialização do primogênito foram alguns dos aspectos afetados pela introdução de uma segunda criança na estrutura familiar. Algumas das alterações ocorreram no lo. mês após o nascimento, tais como redução acentuada nas atividades de lazer, ampliação da rede de apoio para parentes, emissão de comportamentos contraditórios e perda de apetite por parte do primogênito; outras ocorreram no 3o. mês, especialmente em relação ao comportamento do primogênito, como aumento de emissão de comportamentos positivos dirigidos ao irmão, incluindo carícias e afagos, e também aumento de exigências feitas às mães. Já, o 6o. mês foi caracterizado por alterações principalmente relacionadas à diminuição da emissão de comportamentos afetivos e ao aumento da supervisão da mãe aos comportamentos do primogênito. No entanto, alguns comportamentos e aspectos da interação familiar permaneceram estáveis após o nascimento, bem como o relacionamento que o primogênito mantinha com parentes e companheiros.

Os dados mostraram que as alterações foram mais intensas por ocasião do 3o. mês após o nascimento. Neste período, as famílias ainda estavam sob o forte impacto da introdução do bebê na estrutura familiar. As alterações observadas refletiam as tentativas dos membros familiares para se ajustarem à nova situação. Já algumas das mudanças observadas por volta do 6o. mês pareciam estar mais diretamente relacionadas à participação e ao envolvimento do bebê nas interações e relações familiares. Portanto, os dados deste estudo apoiam as proposições de Kreppner (1988; 1991) e Kreppner e cols. (1982) a respeito do período de integração familiar e da influência poderosa do desenvolvimento do bebê nas interações e relações familiares durante este período.

Kreppner (1988), ao comparar as várias relações diádicas desenvolvidas entre os primogênitos alemães e seus genitores, durante os dois primeiros anos após o nascimento da segunda criança, observou que nos primeiros meses de vida do bebê, os primogênitos se voltaram em direção aos pais e se mostraram dispostos a aceitar a atenção dispensada pela mãe ao bebê. No entanto, esta situação mudou drasticamente quando o bebê começou a mostrar sinais de sua competência, especialmente para competir pela atenção dos genitores. Os dados do estudo de Dessen (1992) mostraram que o impacto do novo membro familiar na dinâmica das interações e relações entre o primogênito e os genitores era maior quando o bebê estava presente no local, embora não necessariamente interagindo com eles. Esse impacto foi maior ainda quando o bebê participava das interações entre o primogênito e os genitores. Portanto, a presença do bebê e/ou a sua participação nas interações determinam, em parte, as mudanças observadas nas interações e relações entre o primogênito e os genitores.

Esse impacto acentuado da presença e/ou participação do bebê nas interações parece ser decorrente da busca por um equilíbrio na distribuição de atenção entre os membros familiares, especialmente dos genitores em relação as duas crianças. Encontrar esse equilíbrio é uma das tarefas que os genitores têm que aprender durante o desenvolvimento do processo de paternidade e maternidade (Kreppner, 1988). A adaptação às exigências da nova situação depende, sobretudo, da complementaridade de papéis entre os genitores, não só no nível das interações como também das relações familiares mais amplas, incluindo a divisão de tarefas domésticas. A participação do pai como membro capaz de exercer o seu papel adequadamente, suprindo as deficiências naturais ocorridas no relacionamento da mãe com o primogênito, é fundamental para que o processo de adaptação seja bem-sucedido (Dessen, 1992).

Na verdade, o desequilíbrio na distribuição de atenção, quando persiste, reflete uma má adaptação às exigências da nova estrutura familiar que, por si só, pode ser capaz de acarretar e/ou desencadear problemas de comportamento e de relacionamento entre o primogênito, os genitores e o irmão. Se as interações e relações familiares já se mostram inadequadas antes do nascimento, o processo de adaptação neste período de "crise normal" pode levar a distúrbios no comportamento do primogênito e ao desenvolvimento de interações e relações pouco saudáveis entre os membros familiares, com efeitos prejudiciais para o relacionamento futuro entre irmãos (Dunn & Kendrick, 1982).

O nascimento do segundo filho provoca, portanto, redefinições na estrutura das relações familiares e o desenvolvimento saudável de tais relações depende da direção tomada pelas interações ocorridas neste período de transição, tanto nos sistemas diádico e triádico como no poliádico. Esses sistemas, por sua vez, são diretamente influenciados pelas características de desenvolvimento do primogênito e do bebê e pela rede de apoio das famílias e, indiretamente, por outros sistemas e relações. Em geral, o nascimento do irmão constitui uma fonte potencial de benefícios para o desenvolvimento socioemocional do primogênito e pode até facilitar algumas de suas mudanças desenvolvimentais. No entanto, tais benefícios dependem de como as famílias se organizam para a chegada de um novo membro, de suas expectativas e crenças a respeito das conseqüências benéficas e/ou prejudiciais do nascimento de uma segunda criança e, principalmente, de como as interações e relações são desenvolvidas entre os vários subsistemas que compõem a família. Obviamente, este período do desenvolvimento familiar só será mais bem compreendido se outras pesquisas forem implementadas em diferentes contextos socioculturais.

 

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(1) Este artigo foi adaptado da tese de Doutorado da autora, orientada pela Profa. Dra. Thereza Pontual de Lemos Mettel
(2) Endereço para correspondência: Universidade de Brasília-UnB; Instituto de Psicologia-IP/PED; Laboratório de Desenvolvimento Familiar; Campus Universitário; Brasília-DF; CEP: 70910-900; Fone: (061) 3482624; FAX: (061) 2730398; E.Mail: dessen@unb.br