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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.13 n.1 São Paulo  2005

 

 

Sobre Dona Carolina: de Lino de Macedo, seu orientando

 

 

Lino de Macedo

Instituto de Psicologia - Universidade de São Paulo - Brasil

 


 

D. Carolina foi minha orientadora no mestrado (1968-1969) e no doutorado (1970-1973). Também me orientou em projeto ao RDIDP na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do rio Preto (1969-1969) e depois no Curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (1970- 1973). Depois, nos reencontramos (1991- 1994) em projetos que desenvolvi, quando ela era Diretora da Estação Ciência. Há, 26 anos, portanto, sou seu orientando.

Dela tenho a imagem de uma pessoa séria, dedicada, serena, linda. Nunca me negou nada. Sempre torceu pelos meus projetos. Estimulou-me a publicar na revista que dirigia. Estimulou-me a propor projetos para CAPES ou CNPq. Ajudou-me a importar um "kit" dos Estados Unidos, para minha pesquisa de doutorado. Recebeu-me como orientadora, quando D. Anita Castilho Marcondes Cabral saiu do Departamento. Acompanhou minha carreira. Torceu por mim. Deu-me força. Acreditou. Suas críticas aos meus textos foram sempre positivas. Contei com ela. Foi minha aliada. Sempre foi "uma árvore que vê". Por que eu, "fruto cego", só agora me dou conta disso? Muito obrigado, D. Carolina.

 

Mestrado (1968-1970)

Fiz o Curso de Mestrado nos anos de 1968 e 1969 no, então, Departamento de Psicologia Social e Experimental do Instituto de Psicologia da USP. Minha primeira orientadora foi a Profª. Anita Castilho Marcondes Cabral. Não a conhecia. A carta de anuência, para a inscrição na pós-graduação, foi obtida, com ela, pela Profª. Zélia Ramozzi-Chiarottino. Lembro-me que, sendo eu já um "piagetiano", tive que fazer, de imediato, uma disciplina sobre o livro de Sidman, para ser testado, segundo as palavras de D. Anita. Mas, no primeiro semestre de 1968, ela saiu do Departamento, ficando eu sem orientador. D. Carolina me aceitou como seu orientando. Ela era um dos docentes naquela disciplina. Entre tantas outras coisas, devo-lhe isso. Meu trabalho de mestrado foi baseado em um experimento, sobre a exploração olfativa em ratos, desenvolvido no contexto de uma disciplina oferecida pelo Prof. César Ades. Eram tempos de adaptação a um novo regime (reforma universitária). Os alunos antigos, com dissertação de mestrado defendida até 1970, poderiam fazer um doutorado direto. D. Carolina, novamente, possibilitou-me isso. Com a informação do Prof. César sobre meu trabalho, aceitou-o como texto para a dissertação, estimulando-me assim passar direto ao doutorado.Eu morava no interior (era professor de Psicologia do Desenvolvimento, teoria de Piaget, no curso de Pedagogia da Faculdade Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto) e isso me facilitava muito. D. Carolina confiou em mim, facilitou-me a vida, no seu característico silêncio, entre delicado e firme, sempre carinhoso. O trabalho de mestrado foi publicado por mim em coautoria com o César.

 

Doutorado (1970-1973)

Minha tese de doutorado consistiu em adaptar o procedimento "matching-to-sample" ao contexto de uma prova clássica de conservação. A pergunta mais importante era: esse procedimento, adaptado, tem valor de aprendizagem para essa noção?

O Prof. Isaias Pessoti ajudou-me a criar, e ele mesmo construiu, um aparelho para essa intervenção. Tratava-se de uma prateleira, dividida em duas partes. A parte superior não tinha divisória. A parte inferior tinha três divisórias. Sustentando a prateleira, havia uma caixa que, manipulada convenientemente pelo experimentador, acendia lâmpadas nas porções correspondentes a cada uma das três divisórias. Tinham-se, assim, as condições necessárias para a referida adaptação ao procedimento "matching-to-sample" à prova clássica de conservação. Seja, por exemplo, uma das práticas utilizadas nessa intervenção.

O experimentador (eu) apresentava quatro copos iguais (um na parte superior e três na parte inferior). Dos três copos da parte inferior, um tinha o mesmo tanto de alpiste que o copo "modelo" (apresentado na parte superior), outro tinha mais, outro tinha menos. A criança deveria indicar o copo da parte inferior da prateleira, cuja quantidade de alpiste correspondia à mesma quantidade do copo de cima. Se a equivalência era correta, uma luz acendia na parte correspondente a esse copo da parte inferior da prateleira. O segundo momento da prática consistia em o experimentador substituir os copos por outros de dimensões diferentes, transvasando o alpiste para eles. Além disso, os copos da parte inferior da prateleira eram mudados de lugar. A tarefa era a mesma: a criança deveria indicar o copo que tinha o mesmo tanto que o de cima, sendo valorizada com o acendimento da lâmpada, quando essa comparação era acertada. O esquema geral do experimento foi o conhecido: pré-teste (avaliação de provas de conservação) no grupo experimental e controle / intervenção (matching-to-sample adaptado) no grupo experimental / pós-teste (re-avaliação de provas de conservação) em ambos os grupos. Os resultados foram significativamente favoráveis ao grupo experimental.

Mais tarde, quando eu já era professor e orientador na pós-graduação, este esquema foi adaptado para um procedimento “oddity learning” (com Maria Bernadete Amêndola Contart de Assis). Publiquei (publicamos) artigos sobre estes temas.

Devo a D. Carolina, como minha orientadora, a realização de um trabalho extremamente original e importante na época: a década de setenta foi a que mais pesquisas se realizaram sobre o tema “aprendizagem das provas operatórias de Piaget”. Além disso, ela me orientou no trabalho que deveria realizar como professor em RDIDP, agora no Curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia de Ribeirão Preto, onde trabalhei entre 1970 e 1975, na disciplina de Psicologia do Desenvolvimento, teoria de Piaget. A confiança, o carinho, a presença discreta, mas firme e delicada, sempre estiveram presentes nessas orientações de D. Carolina. Mais do que isso, o respeito por um trabalho teoricamente diferente de sua opção. Respeito e valorização. Quantos orientadores fariam, isso que D. Carolina fez?

 

Estação Ciência (1992 – 1994)

Em 1976 transferi-me para o Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, sempre como professor de Psicologia do Desenvolvimento, teoria de Piaget. Tornei-me, por isso, colega de D. Carolina. Um colega, ao menos de minha parte, algo distante, algo preocupado com os próprios orientandos, com a própria carreira.

Como diz o poeta, “o fruto é cego: é a árvore que vê”. No projeto de um orientador, no projeto de D. Carolina, seus orientandos – entre eles, eu – estavam incluídos. No projeto de um orientando, o orientador nem sempre está incluído. O orientando, formado, segue sua vida. O orientador, qual a\árvore que vê, o acompanha por onde ele anda; torce por ele (quando, por exemplo, ele já se tornou também árvore). E, se for o caso dele voltar, o recebe, como se nunca tivesse saído.

Acontece que, tantos anos depois (em 1991), procurei D. Carolina, agora Diretora da Estação Ciência, sobre um projeto de oficinas de jogos para crianças ou professoras de Escola de Primeiro Grau. E ela, como sempre, me acolheu. Realizamos várias oficinas com crianças. E, com os professores, ainda hoje fazemos isso. Nesse momento, Marta Rabioglio e Maria Carolina Villas Boas, integrantes do Laboratório de Psicopedagogia, coordenado por mim, dão um curso para sessenta professores. No mês anterior, Norimar Christe Passos e Ana Lúcia Petty, também integrantes do Laboratório, ministram um outro curso. Eu dou uma ou duas aulas nesses cursos. D. Carolina, tão ocupada, assiste minhas aulas. Guardarei dela essa imagem: no fundo da sala, com olhos brilhantes e com o gesto de quem acredita na importância da formação de professores, ouve minhas palavras e, no intervalo para o café, comenta alguma coisa sobre os alunos, sobre o tema etc. Ainda no final de agosto último isso se repetiu.

Muito obrigado, mais uma vez, D. Carolina.

 

São Paulo, 25 de outubro de 1994.
Lino de Macedo

 

Pós-escrito. O texto acima foi escrito para fazer parte de um número especial (9, 1), sobre Dona Carolina, da revista Psicologia-USP: Psicologia e Ciência no Brasil, publicada em 1998, tendo Maria Amélia Mattos como editora convidada. Mas, não foi publicado talvez porque eu o tenha enviado além do prazo definido para a entrega. Divulgo-o, agora, da forma como foi escrito, mal sabendo que eu só teria dez anos, ao menos para comunicar diretamente a ela esse relato, com minha mensagem de amor e gratidão. Mas esse prazo eu também o perdi. O que me consola é a confiança na compreensão, no respeito e carinho que ela teria por mim, apesar desses atrasos, que só nos lembram o irreversível da vida, pura afirmação, em seu eterno percurso de uma negação à outra.

 

São Paulo, 17 de novembro de 2006.
Lino de Macedo

 

 

Enviado em Novembro/2006
Aceite final em Novembro/2006

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