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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. v.15 n.1 Ribeirão Preto jun. 2007
ARTIGOS
As novas diretrizes curriculares: uma reflexão sobre a licenciatura em Psicologia
The new syllabus policies: Pondering psychology teacher education program
Sérgio Dias CirinoI; Danielle Fanni Dias KnuppI; Letícia Siqueira LemosI; Sérgio DominguesII
IUniversidade Federal de Minas Gerais e GENPSI/LAPED
IIUniversidade Federal de Minas Gerais, GENPSI/LAPED e UNIPAC - Barbacena/MG
RESUMO
Nos últimos anos, os cursos de graduação no Brasil têm passado por importantes reformas estruturais. Desde sua regulamentação, o curso de Psicologia é oferecido nas modalidades de Bacharelado, Licenciatura e Psicologia. O presente trabalho discute a formação específica da Licenciatura em Psicologia, buscando analisar a posição desta modalidade no contexto geral brasileiro. Foi realizada uma reflexão sobre o perfil da Licenciatura, discutindo a formação e a atuação do licenciado, bem como seu real campo de trabalho. Evidenciou-se a relação desta formação com a Educação, uma vez que há possibilidade de atuação do licenciado na educação básica, principalmente em nível médio. Com este trabalho foi possível confirmar que existem direitos garantidos ao licenciado para atuar na docência. No entanto, para estes profissionais ocuparem o espaço reservado pela LDB, é necessária uma formação mais aprimorada e sintonizada com o atual campo de trabalho.
Palavras-chave: Licenciatura em Psicologia; Formação do licenciado; Atuação do licenciado.
ABSTRACT
Undergraduate education in Brazil has been going through important structural changes in the last years. Since the regularization of psychology degree, it comprises the following: Bachelor of psychology, professor education program and psychology degree. This current paper aims to discuss the specific psychology professor education program, analyzing the status of this degree within the Brazilian general context. A reflection was made about the professor education program profile, approaching the course syllabus and the professors´ performances as well as their real status in the labor market. It was evident the relation between the mentioned program with education system, once there´s the possibility that the future professor have a role in the basic education, mainly in high school. This study enabled us to a conclusion that has guaranteed rights to a teacher work. Nevertheless, in order to occupy the educational positions reserved for those professionals by the enforcement of the LDB - national law for education base and policies - it is necessary an improved level of preparation of these professors compatible with the demands from the current labor market.
Keywords: Psychology Professor Education Program, Psychology Professor Education, Professor´s Performance.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996, indica a necessidade de reformulações curriculares das instituições universitárias. Devido a estas indicações, o Ministério da Educação (MEC), em 1997, por intermédio da Secretaria de Educação Superior (SESu), convocou as Instituições de Ensino Superior a apresentarem propostas para as novas Diretrizes Curriculares dos cursos superiores, que seriam elaboradas pelas Comissões de Especialistas desta mesma Secretaria.
Segundo o Edital no 4/97 do MEC/SESu, o objetivo das diretrizes é nortear o caminho que os cursos de graduação deverão percorrer, para garantir a qualidade da formação em nível superior, substituindo os antigos currículos mínimos1. No âmbito dessas transformações, após consulta à comunidade acadêmica e profissional, de acordo com Yamamoto (2000), a Comissão de Especialistas em Ensino de Psicologia, instituída pela SESu/ MEC, apresentou, em maio de 1999, a minuta de resolução com as diretrizes curriculares para a Psicologia (Yamamoto, 2000). Desde então, as propostas de diretrizes para os cursos de graduação em Psicologia sofreram algumas modificações até sua aprovação pela Resolução CNE/CES no 8, em 2004.
Este artigo objetiva analisar a formação específica da Licenciatura em Psicologia. Como é a formação em Licenciatura? Há uma preparação específica para um professor de Psicologia? A formação de psicólogo integra os conhecimentos e práticas que viabilizam a atuação de um professor? Qual o valor dado à Licenciatura nos Cursos de Graduação?
Para que se possa compreender as mudanças trazidas para este tipo de qualificação, em decorrência das novas diretrizes, é importante que se faça um breve resgate histórico da presença da Licenciatura nos cursos de Psicologia.
A especificidade da Licenciatura em Psicologia
A Licenciatura é uma habilitação possível nos cursos de Psicologia desde a implantação da lei no 4.119, de 27 de Agosto de 1962, que os regulamenta no Brasil. Essa lei disserta em seu Art.1o que "a formação em Psicologia far-se-á [...] em cursos de Bacharelado, Licenciatura e Psicologia" (Brasil, 1962).
Como campo introdutório deste estudo, analisar-se-á o capítulo III desta lei, em que são explicitados os direitos conferidos aos diplomados. É observado que:
Art. 11º Ao portador do diploma de Bacharel em Psicologia é conferido o direito de ensinar Psicologia em cursos de grau médio2 nos termos da legislação em vigor.
Art. 12º Ao portador de diploma de Licenciado em Psicologia é conferido o direito de lecionar Psicologia, atendidas as exigências legais devidas (Brasil, 1962).
Nos dois artigos a função de ensinar é atribuição tanto do bacharel como do licenciado em Psicologia. O que os diferencia é a menção ao ensino médio para os bacharéis e a não-menção de um local de atuação específico para o licenciado. Tal atribuição torna-se mais compreensível ao examinarmos a Lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), que ajuda a esclarecer uma das especificidades do licenciado em Psicologia na época da regulamentação dos cursos de Psicologia. O Art. 59º desta lei reza que "[...] a formação de professores para o ensino médio será feita nas faculdades de Filosofia, Ciências e Letras [...]" (Brasil, 1961). Desta forma, percebe-se que não era necessário ser licenciado para dar aulas no ensino médio. Ao passo que, no Art. 62º, é postulado: "nas faculdades de filosofia será criado, para a formação de orientadores de educação de ensino médio, curso especial a que terão acesso os licenciados em Pedagogia, Filosofia, Psicologia e Ciências Sociais [...]" (Brasil, 1961). Isto significa que, além de lecionar, o licenciado habilitava-se, por lei, a exercer a orientação escolar.
Neste sentido, quando foram implantados os cursos de Psicologia no Brasil (1962), a lei que regulamentava a educação brasileira (LDB de 1961) tinha uma demanda diferente da atual LDB, cujo ano de publicação é 1996. Segundo o Art. 62º da nova LDB:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (Brasil, 1996).
Este artigo, diferente da LDB de 1961, estabelece que apenas os licenciados estão aptos a lecionar Psicologia no nível médio, não mais sendo lícito ao bacharel exercer essa função. Ainda nesse documento, o Art. 64º diz que: "[...] A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será feita em cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-graduação [...]" (Brasil, 1996). Isto mostra que a Licenciatura em Psicologia não é mais uma habilitação que dá direito à atuação como Orientador Educacional, como previa a LDB de 1961.
Portanto, a Licenciatura em Psicologia forma profissionais que atuam na Educação Básica, no exercício do magistério.
O campo de trabalho do professor de Psicologia
Inicialmente, deve-se ressaltar o compromisso histórico do profissional de Psicologia com a docência, para que entendamos melhor a atual situação da Licenciatura nesta área de conhecimento.
As primeiras décadas do século XX foram marcadas pela preocupação do governo com a qualidade do ensino e, conseqüentemente, com a tendência de se "formar homens para o progresso social" (Boschi, 2000, p. 23). A proposta de Francisco Campos (1928) - Secretário do Interior e, posteriormente, Ministro da Educação - para a reforma do ensino acompanhou esta tendência, visando à melhoria efetiva da qualidade da educação, como o aprimoramento do professorado. Nesta perspectiva, a Psicologia trouxe à pedagogia "[...] um método objetivo de investigação para seus fins educacionais, podendo esta ser diretamente percebida a partir da criação das Escolas Normais [...]" (Boschi, 2000, p. 19). Em conseqüência disso, os cursos de Magistério se tornaram um campo de atuação natural para os professores de Psicologia.
Com a nova LDB (1996), porém, os cursos de Magistério estiveram ameaçados de extinção, tendo em vista o prazo de dez anos (década da educação, 1997-2007) para que fossem substituídos pelo Curso Normal Superior. Contudo, a sua continuidade foi assegurada pela Resolução CNE/CEB 01, de 20 de agosto de 2003, que suspendeu, por tempo indeterminado, a obrigatoriedade da formação no Curso Normal Superior para professores do ensino fundamental, visto a precariedade e baixa qualificação em algumas regiões do país. Desta forma, o curso de magistério continua sendo um lugar de inserção do licenciado em Psicologia, uma vez que a legislação educacional em vigor exige a formação em Licenciatura para atuar na educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). De acordo com essa exigência, o Ensino Médio também se torna uma possibilidade de atuação para o licenciado em Psicologia.
Quando a LDB (1996) trata do Ensino Médio, no parágrafo primeiro do art. 36, enfatiza a importância de conhecimentos das Ciências Humanas como necessários ao exercício da cidadania.
Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: [...] § 1º. Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: [...] III domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania (Brasil, 1996).
A Psicologia não foi incluída no texto da lei entre os conhecimentos necessários ao exercício da cidadania. Dentre os conteúdos específicos das Ciências Humanas para a construção da cidadania, acredita-se que a Psicologia também possa auxiliar nesta formação. Diversas questões, muito comuns e de grande relevância para os jovens, podem ser trabalhadas, tais como: ética, sentimentos, valores morais, cidadania, limites comportamentais, uso de drogas, dúvidas sobre sexualidade, violência doméstica, estrutura familiar, consciência social, etc.
A Psicologia no Ensino Médio não está ainda incorporada em todo o país. Porém existe um projeto de lei (PL-105/2007) tramitando no Congresso Nacional para que essa realidade seja inserida nas escolas brasileiras. Todavia, é possível encontrar no Estado de Minas Gerais a disciplina de Psicologia no nível técnico.
Os licenciados em Psicologia estão habilitados - respaldados por lei - a se tornarem integrantes do corpo docente de cursos de nível técnico, como por exemplo o de Enfermagem. Na sua maioria, estes cursos técnicos trazem, em suas ementas, conteúdos relativos à Psicologia, tais como motivação humana, afetividade, trabalho em equipe, ética, psicologia do trabalho, saúde mental, dentre outros.
Evidencia-se no decreto federal no 2.208/97, Art. 9º, que:
As disciplinas do currículo do ensino técnico serão ministradas por professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional, que deverão ser preparados para o magistério, previamente ou em serviço, através de cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais de formação pedagógica (Brasil, 1997).
A partir deste decreto, é interessante notar que o professor de Psicologia deve ter uma experiência profissional, além da formação específica em Licenciatura. Este fato ressalta a especificidade do trabalho do professor de Psicologia, assim como os saberes docentes relacionados à sua prática. Ao mesmo tempo, faz com que se questione, com mais veemência, a falta de artigos e estudos que abarquem a formação e a atuação deste profissional, bem como a situação do seu campo de trabalho.
O processo de construção das Diretrizes Curriculares da Psicologia
Do início da tramitação das propostas para as Diretrizes Curriculares Nacionais de Psicologia até a aprovação das diretrizes de 2004, houve a homologação de três pareceres que discorriam sobre o tema.
O parecer CNE/CES 1.314/2001 e o parecer CNE/CES 072/2002 mantinham a separação dos três perfis de formação profissional (Bacharel, Licenciado e Psicólogo), entendendo haver uma "diferenciação e domínio de conhecimentos psicológicos de áreas afins, e na capacitação para utilizá-los em diferentes contextos de atuação" (Brasil, 2002). De acordo com o Art. 3º da proposta de 2002, "o curso de graduação em Psicologia tem como meta central a formação para a pesquisa em Psicologia, para o ensino de Psicologia e para a atuação do psicólogo [...]" (Brasil, 2002). Assim, define-se cada perfil como um conjunto de habilidades e competências específicas, ao qual se somam as habilidades conferidas aos outros perfis por meio de um núcleo comum de formação.
Apesar da possibilidade de formação ampla em três diferentes perfis, garantida pela lei n. 4.119 e proposta pelas Diretrizes Curriculares da Psicologia em 2002, os cursos de Psicologia no Brasil têm enfatizado apenas a formação do perfil de psicólogo. Esta ênfase pode ser verificada, analisando-se os currículos destes cursos em escolas brasileiras, em que se percebe uma predominância de disciplinas propedêuticas para a atuação clínica, em detrimento da formação em bacharelado3 e Licenciatura (Cirino e Martinelli, 1995; Hoff, 1999; Castelo Branco, 1998; Assunção, 1999).
Como uma objeção à proposta de Diretrizes do Parecer CNE/CES 1.314/2001, ocorreu em janeiro de 2002 o Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB). Este Fórum foi instituído na década de 1990, com o objetivo de suprir a lacuna relativa à organização da Psicologia Brasileira, visando definir políticas e projetos voltados à melhoria da qualificação profissional dos psicólogos. Atualmente, o FENPB está composto por 20 entidades nacionais4 científicas, profissionais, sindicais e estudantis. Algumas iniciativas de repercussão nacional do FENPB foram: a criação da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) e o estabelecimento de uma proposta de Diretrizes para o Ensino da Psicologia.
O FENPB, em janeiro de 2002, questionou a separação da formação do profissional dessa área em três perfis. Sugerindo um único perfil, como pode ser visto no Art. 3º de seu projeto de Resolução:
O Curso de Graduação em Psicologia tem como meta formar o psicólogo com o perfil de um profissional com conhecimento da diversidade da ciência psicológica, comprometido com necessidades sociais, capaz de um desempenho qualificado do ponto de vista científico e técnico, pautado em princípios éticos, preparado para a atuação interdisciplinar, com competência para produzir, difundir e utilizar conhecimentos e procedimentos da Psicologia em diferentes contextos, que demandem a análise, avaliação e intervenção em processos psicológicos e psicossociais, na promoção da qualidade de vida e na construção de uma sociedade mais justa (Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia, 2002).
Esta idéia de um único perfil fica ainda mais clara no Art. 5º do mesmo documento: "O Curso de Graduação em Psicologia deverá garantir o desenvolvimento de competências e habilidades de múltiplas dimensões, a serem integradas no processo de formação de psicólogo [...]" (Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia, 2002). Assim, o Fórum abandona as competências e habilidades específicas de cada perfil para propor dimensões múltiplas, que deveriam fazer parte da formação de todo profissional desta área, no caso o psicólogo, excluindo, portanto, os outros dois perfis. Para o Fórum a formação de todo psicólogo deveria contemplar as seguintes dimensões: histórica, filosófica, antropológica, social, política, ética, científica, profissional, pedagógica e técnica.
Ressalta-se que a dimensão pedagógica proposta neste fórum não abrangeu a especificidade do exercício do magistério, na Educação Básica e no Ensino Técnico, envolvendo apenas "avaliação das necessidades de aprendizagem; planejamento, desenvolvimento e avaliação de programas de ensino; avaliação das possíveis influências do sistema de ensino sobre os processos e fenômenos psicológicos, propondo intervenções" (Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia, 2002).
Em oposição às diretrizes de 2002, que explicitaram a formação de um profissional específico para ensinar Psicologia, o Fórum eliminou o perfil Licenciatura, mas manteve o compromisso com a educação, ao propor uma dimensão pedagógica que todo profissional psicólogo deveria ter. No entanto, o alcance pedagógico abordado no Fórum pôde ser útil quando se discutem a Psicologia escolar e a educacional, possíveis interfaces do campo da Psicologia com a Educação. Mas este enfoque não resguarda a formação do professor desta área nos diversos níveis da educação, sintonizado com as tendências atuais da formação docente.
Os atuais estudos, no campo de formação de professores, constituem uma vasta literatura sobre a profissão e os saberes docentes (Gadotti, 1987; Geraldi, Fiorentini & Pereira, 1998; Marcelo, 1999; Melo, 2003; Nóvoa, 1995; Tardif, 2002). Uma área como a Psicologia, que admite que seus profissionais atuem também como professores, não pode desconsiderar tais reflexões.
As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Psicologia
No âmbito desta discussão torna-se importante destacar que houve várias discordâncias entre a proposta do Fórum de Entidades e a das Diretrizes 2002. Desta forma, esta última foi abandonada após ter sido realizada uma nova audiência pública com a participação de diversas entidades da área da Psicologia no Brasil. Como resultado deste encontro, foi elaborado o Parecer no CNE/CES 0062/2004, e este originou a Resolução CNE/CES no 8 de 7 de maio 2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia.
Na citada audiência destacaram-se posições divergentes, principalmente no que concerne à divisão em três diferentes perfis de formação, como previsto desde a aprovação da Lei no 4.119, de 1962. Uma das correntes favoráveis às diretrizes do Fórum de Entidades propôs uma terminalidade única de formação, a de psicólogo. A outra manteve a proposta anterior. Diante do impasse, fez-se um acordo para a elaboração de um documento comum. Portanto, a Resolução CNE/CES no 8 de 2004 pode ser vista como o resultado de um consenso das principais entidades que representam a Psicologia no país.
No que diz respeito à formação do professor, as novas diretrizes destacam um artigo que merece ser reproduzido:
Art. 13º- A formação do professor de Psicologia dar-se-á em um projeto pedagógico complementar e diferenciado, elaborado em conformidade com a legislação que regulamenta a formação de professores no país.
Parágrafo 1º. O projeto pedagógico para a formação do Professor de Psicologia deve propiciar o desenvolvimento das competências e habilidades básicas constantes no núcleo comum do curso de Psicologia e daquelas previstas nas Diretrizes Nacionais para a formação do professor da Educação Básica, em nível superior (Brasil, 2004)
Ao sugerir uma formação complementar, as diretrizes da Psicologia evidenciam um desacordo com as regulamentações da educação, como por exemplo a Resolução CNE/CP no1 de 18 de Fevereiro de 2002, que institui as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores na educação básica, em nível superior, em cursos de Licenciaturas. Esta resolução recomenda uma articulação curricular que permita a formação de profissionais do ensino desde o início do curso. Em seu Art. 12º, ela estabelece que:
§ 2º A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor.
§ 3º No interior das áreas ou das disciplinas, que constituírem os componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática (Brasil, 2002).
Esta é a direção que todos os cursos de formação de professores devem seguir. A proposta de formação complementar, prevista pelas diretrizes da Psicologia, perpetua o modelo "três mais um"5, extensamente criticado e revisto por vários cursos que formam professores no Brasil. Sendo assim, a omissão das diretrizes com relação à formação do professor de Psicologia pode deixar a impressão de que ele, atuando no ensino médio, não necessite de habilitar-se como os demais professores de outras áreas - como o de História ou o de Biologia, por exemplo.
A idéia de complementação no lugar de articulação manifesta-se, nas diretrizes de 2004, somente quando o assunto é formação de professor. Ao salientar o oferecimento de ênfases e de um núcleo comum no curso, a regra é a de que estes "não deverão constituir momentos estanques no processo de formação, mas, compreendendo a aprendizagem como processo, as atividades práticas e os estágios devem se distribuir ao longo de todo o curso" (Brasil, 2004)
Uma vez que a aprendizagem do graduando, nestas diretrizes, é vista como um processo, uma formação pedagógica complementar, com estágios concentrados em um único período, não irá capacitar o psicólogo a ser um professor de Psicologia com as habilidades e competências necessárias para atuar na educação básica. Este contra-senso ocorre, provavelmente, porque não se discutiu o assunto em profundidade; e esta formação complementar pode ter sido proposta apenas para manter uma parcela do campo de trabalho no Ensino Médio, campo de atuação ainda pouco explorado e historicamente pouco valorizado pelos psicólogos, como o Magistério e o Ensino Técnico.
Então, o que faz pensar que uma formação complementar em Licenciatura, desarticulada do restante do curso, seja suficiente para preparar um professor de Psicologia? Na formação do psicólogo já estaria embutido o desenvolvimento da habilidade de ensinar?
Ter uma formação teórica dos pressupostos da Psicologia, bem como de sua aplicação, não garante que estes conhecimentos sejam trabalhados com os alunos do ensino básico de forma compreensível, tampouco assegura a aplicabilidade desses conhecimentos pelos sujeitos.
A Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em Cursos de Nível Superior, aprovada em maio de 2000, traz uma passagem de Werebe (1970), que ajuda a refletir o posicionamento atual das diretrizes da Psicologia:
Em poucas palavras, o sistema que admite a concomitância de duas finalidades - a da formação de cientistas e a da preparação de professores secundários - na realidade, persegue uma só, a primeira. Os que ficam para a segunda são os que fracassam em relação à primeira. Fracassam noventa, triunfam dez. É desumano para os alunos; é um desperdício para a sociedade (Werebe , 1970, p. 225)
O mesmo documento aponta a importância da dimensão teórica do conhecimento de determinada área e a mobilização deste conhecimento em situações concretas, o que permitirá a construção de competências para a atuação do professor. Isto se dá desde o início do curso, cujos pontos de partida e chegada são a atuação profissional de professor. A construção destas competências será possibilitada somente se fizer parte dos objetivos da formação. Estes objetivos podem ser averiguados por meio dos conteúdos escolhidos, da organização institucional, da abordagem metodológica e da invenção de diferentes espaços de vivência para os professores em formação. Contudo, o planejamento, a delimitação de objetivos e o comprometimento em desenhar um plano pedagógico que abarque a formação do professor de Psicologia não se fazem presentes nas novas diretrizes de 2004.
Na resolução de 2004 está previsto o exercício da docência. Mas não se discute como deverá se dar essa formação, ressaltando apenas que esta deverá seguir as Diretrizes Nacionais para a formação do professor da Educação Básica. Além disso, a resolução não propõe uma articulação da formação do professor com o restante do curso, embora mencione que o projeto pedagógico deva conciliar-se com as competências do núcleo comum.
É importante ressaltar que o núcleo comum do curso de Psicologia não viabiliza um contato do graduando com aspectos relacionados à educação, tais como a docência, a compreensão da dinâmica escolar e os problemas práticos que surgem no processo de ensino-aprendizagem. Também os conteúdos de base científica, importantes para a formação de quaisquer dos perfis, não são articulados de forma a permitir que o aluno de Psicologia possa, posteriormente, em sua atuação como professor, fazer uma aproximação destes conteúdos com sua prática em sala de aula. Diante disso, Hoff (1999) levanta as seguintes questões:
As habilidades e competências básicas vinculadas ao núcleo comum serão suficientes para um exercício docente apoiado numa atitude científica? Uma habilitação que não aprofunda a formação científica não é uma forma de fortalecer uma docência apenas reprodutora de conhecimento? Ou não seria desejável que o professor fosse também um profissional cientista? (Hoff, 1999, p. 25)
Tais questões merecem a atenção dos que se preocupam com os rumos da Psicologia. É necessário considerar um perfil de formação nesta área, próximo ao que se espera de um profissional engajado e ciente das demandas da sociedade.
Assunção (1999), ao refletir sobre a relação dos graduandos de Psicologia com a Licenciatura, conclui que:
De modo geral, a questão da docência (Licenciatura) não é tratada no decorrer do Curso, até mesmo porque as matérias relacionadas à Educação, além de serem em um número reduzido no currículo, em sua maioria são de caráter optativo. Além disso, essas disciplinas enfocam, de acordo com o depoimento dos (as) alunos (as), a Psicologia Escolar e não a docência em Psicologia, e são, ainda tratadas como disciplinas de menor importância (Assunção, 1999, p. 52)
Nesta reflexão percebe-se que a falta de debates a respeito da formação do professor de Psicologia está intrinsecamente ligada à desvalorização deste profissional no meio acadêmico, o que acaba por prejudicar a visão de estudantes e docentes, no que tange a esta modalidade de formação.
Considerações finais
Ao analisar o perfil Licenciatura em Psicologia no contexto geral brasileiro, nota-se que existem direitos garantidos ao licenciado para atuar na docência, desde a regulamentação do curso de Psicologia até as atuais diretrizes.
As Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Psicologia, ao tratarem da formação do licenciado, devem apontar para uma articulação dos conteúdos de base científica presentes no núcleo comum do curso de Psicologia com aspectos relacionados à educação (docência, compreensão da dinâmica escolar, processo de ensino-aprendizagem). Esta articulação permitirá que o graduando faça uma aproximação destes conhecimentos às diferentes realidades em que estiver atuando como professor de Psicologia.
Para a melhora na qualidade da Formação do Professor de Psicologia, o primeiro passo é conhecer este profissional, saber como e para qual finalidade ele está sendo formado, assim como seus possíveis campos de atuação.
Assim, é necessário que mais pesquisadores se debrucem sobre o tema, para que a formação em Psicologia seja cada vez mais aprimorada e sintonizada com as mudanças dos novos tempos.
O debate sobre a formação do professor de Psicologia está aberto.
Referências
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Enviado em Novembro/2007
Aceite em Abril/2008
Publicado em Junho/2009
Nota dos autores:
Sérgio Dias Cirino - Psicólogo, Doutor em Psicologia pela USP. Professor da Faculdade de Educação da UFMG. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Ensino de Psicologia do Laboratório de Psicologia e Educação (GENPSI/LAPED) - FAE/UFMG. E-mail: sergiocirino99@yahoo.com. Danielle Fanni Dias Knupp - Psicóloga, formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, Licenciada em Psicologia pela Faculdade de Educação da UFMG. Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Psicologia do Laboratório de Psicologia e Educação (GENPSI/LAPED) - FAE/UFMG. E-mail: fanidias@yahoo.com.br. Letícia Siqueira Lemos - Mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG. Psicóloga e Licenciada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2005). Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Psicologia do Laboratório de Psicologia e Educação (GENPSI/LAPED) - FAE/UFMG. E-mail: lecivia@yahoo.com.br. Sérgio Domingues - Mestrando em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG. Psicólogo pela UFMG. Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Psicologia do Laboratório de Psicologia e Educação (GENPSI/LAPED) - Professor na UNIPAC - Barbacena /MG . E-mail: sdufmg@yahoo.com.br
1 No sistema de currículos mínimos há um conjunto regulamentado de disciplinas detalhadas que devem compor cada curso. As diretrizes curriculares devem propor linhas gerais capazes de definir quais as competências e habilidades que se deseja desenvolver nos cursos, permitindo uma flexibilidade na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do conhecimento a serem consideradas. (Edital no 4/97 do MEC/SESu).
2 A LDB de 1996 divide o sistema educacional em ensino básico e ensino superior. O ensino básico, por sua vez, é sub-dividido em ensino fundamental e ensino médio. O termo "grau médio", referido na lei, diz respeito ao ensino médio.
3 Foge ao escopo do presente texto uma discussão sobre o bacharelado. O leitor interessado poderá encontrar informações sobre o tema no site do Conselho Federal de Psicologia http://www.pol.org.br/ e da ABEP http://www.abepsi.org.br/.
4 Composto atualmente pelas seguintes entidades: ABEP - Associação Brasileira de Ensino de Psicologia; ABOP - Associação Brasileira de Orientadores Profissionais; ABPJ - Associação Brasileira de Psicologia Jurídica; ABRANEP - Associação Brasileira de Neuropsicologia; ABRAPEE - Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional; ABRAPSO - Associação Brasileira de Psicologia Social; ANPEPP - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia; ASBRo - Associação Brasileira de Rorschach; CFP - Conselho Federal de Psicologia; CONEP - Conselho Nacional de Entidades Estudantis de Psicologia; FENAPSI - Federação Nacional dos Psicólogos; IBAP - Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica; SBPD - Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento; SBPH - Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar; SBPOT - Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho; SBPP - Sociedade Brasileira de Psicologia Política; SOBRAPA - Sociedade Brasileira de Psicologia e Acupuntura. Ver o endereço na Internet: <http://www.fenpb.org.br/>.
5 Modelo "três mais um" se refere a uma estrutura de formação de professores na qual o licenciando tem a formação específica de conteúdos da sua área (por exemplo, na Biologia, na História, na Química, etc.) por três anos. Depois, mais um ano de formação nas áreas didático pedagógicas, em geral, oferecidas por Faculdades de Educação.