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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.19 no.1 Ribeirão Preto jun. 2011

 

SEGUNDA PARTE: O GRUPO DE TRABALHO "REPRESENTAÇÕES SOCIAIS" DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA - ANPEPP

 

Representações antecipatórias em situações de pressão social, segundo grupo étnico-racial autodefinido

 

Anticipatory representations in situations of social pressure, according to ethnic-racial self-defined group

 

 

Edson Alves de Souza Filho

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Observamos representações antecipatórias como "guia-para-ação" e "transformação social" para enfrentar situações simuladas de pressão social. Participaram 185 estudantes de escolas públicas, autodefinidos como brancos, negros e morenos. Utilizamos um questionário simulando interações de pressão social recebida do pai, irmão, vizinho, amigo, professora, colega de escola, patrão e colega de trabalho; os participantes responderam o que esperariam que os outros fizessem para não pressioná-los e como eles agiriam. Os negros ressaltaram mais negociação entre iguais (do pai, colega de escola, professora, irmão, patrão e vizinho); os brancos, vantagem para o participante (colega de escola, professora, vizinho) e, brancos e morenos (colega de trabalho, irmão, patrão). Houve correspondências entre representações antecipatórias de negociação entre iguais e aceitação, bem como vantagem para o participante e recusa da pressão. Constatamos que as representações antecipatórias formam representações sobre objetos/assuntos quando interações estão ocorrendo. Isto implica em retomar o modelo sujeito-alter-objeto para estudar representações sociais.

Palavras-chave: Representações antecipatórias, Negociação, Grupos socioculturais.


ABSTRACT

We observed anticipatory representations as guides for action and social transformation to face situations of social pressure. 185 students from public high schools, ethnically self-defined whether as Whites, Blacks or Mixed people took part in this research. We drew upon a questionnaire simulating social pressure perpetrated by father, brother, neighbour, friend, teacher, schoolmate, workmate. They were also required to convey their expectancies regarding what others could do in order to spare them from pressure; and what would then their reaction be like. Blacks stressed negotiation among equals (with father, schoolmate, teacher, brother, boss and neighbour); whereas Whites advantage for the participant (schoolmate, teacher, neighbour); and Whites and Mixed-People (workmate, brother, boss). There was correspondence between anticipatory representations of negotiation among equals and acceptation, as well as between advantage for the participant and refusal of pressure. We noticed that anticipatory representations shape representations of objects/issues when interactions are taking place. This implies to take up the subject-alter-object model to study social representations.

Keywords: Anticipatory representations, Negotiation, Sociocultural groups.


 

 

Introdução

O estudo do fenômeno das representações sociais inicialmente focalizou a dinâmica de apropriação de um saber acadêmico (Moscovici, 1961/1976), o que foi ampliado posteriormente para outros âmbitos da experiência psicossocial. Tratar-se-iam de sistemas sociocognitivos produzidos para diferentes finalidades sociais, entre as quais destacaríamos antecipações e expectativas em relação às interações sociais.

Num mundo social marcado por clivagens e conflitos de interesse e luta por poder entre uns e outros, a forma como representamos a nós mesmos e aos demais personagens sociais certamente tem implicações no modo como negociamos as trocas e vice-versa. Podemos supor que a ação tenha um componente representacional antecipatório derivado tanto do histórico de interações mantidas previamente, quanto relacionada a aspirações de interação a ocorrerem no futuro (Moscovici, 1961/1976). Nesse sentido, o estudo de representações antecipatórias procurou considerar, numa primeira vertente, a sua função como "guias para ação", o que foi estudado experimentalmente. Nesses estudos, um dos objetivos foi verificar o papel da representação do outro para adoção de conduta do participante. Numa das pesquisas (Abric, Faucheux, Moscovici, & Plon, 1967), os participantes interagiram com um parceiro previamente denominado seja como "similar" a eles (estudantes de medicina) seja como "máquina", para verificar o aparecimento de condutas de cooperação ou não a respeito da distribuição de pontos entre si. Os autores constataram mais cooperação na situação de interação com parceiro "similar" do que na situação com "máquina". Eles atribuíram às diferenças observadas às representações sociais de uma "máquina", menos relacionadas às ideias de reciprocidade e cooperação. Por outro lado, em outro estudo (Faucheux & Moscovici, 1968), os participantes foram informados de que participariam de interações para decidir sobre a distribuição simultânea de pontos entre si, sendo o parceiro denominado de "jogo" ou "natureza"; o que era feito com cartas de baralho ou fichas, respectivamente. No primeiro caso, os autores constataram entre os participantes uma conduta de prestar mais atenção às cartas que saiam e menos atenção a respeito das alternativas de pontos a distribuir e estratégias de ação a seguir, se comparadas à última. Enfim, tendo em vista que o fenômeno de representações sociais ocorre em geral em situações envolvendo, real ou simbolicamente, três pólos, no caso sujeito-alter-objeto, caberia realizar mais pesquisas sobre antecipações de representações de interlocutores relevantes para a construção social de objetos e condutas.

Outra linha de estudos sobre representações antecipatórias foi a respeito de construções de realidades previamente inexistentes, constituindo a própria ação do sujeito (Philogène, 1999). Poderíamos considerar esse tipo de fenômeno como forma de realizar "transformação social", criatividade social diante de algo dado da "realidade". A questão que se coloca é saber até que ponto o repertório já existente historicamente num grupo e/ou sociedade pode fomentar/limitar as condições psicossociais da emergência de representações conservadoras (voltadas para manutenção de normas/ideologias) ou transformadoras (buscando realizar mudanças sociais). Para tanto, independentemente do mérito do conteúdo de cada posição, tratar-se-ia de conhecer as condições para o aparecimento e influência dessas representações na sociedade. Para Philogène (1999), "Embora todas as representações sociais sejam dinâmicas por natureza, as representações antecipatórias são especialmente assim. Tendo em vista que elas enfrentam o conflito, são, portanto, por definição, vetores de inovações, elas possuem poderes especiais de transformação da realidade" (p.28).

Em seu estudo sobre representações sociais de negros nos EUA, Philogène (1999) verificou que a criação e proposição da autodenominação African-American, em substituição à imposta por brancos de Black, estava associada à atitude mais favorável aos negros na sociedade americana. Segundo a autora, esse fenômeno estaria ligado à mudança efetuada pela ação do grupo negro para enfrentar dificuldades étnicas no âmbito do espaço público, com efeitos diversos.

Nesse sentido, na vida social as interações se dão em várias esferas, na vida familiar, de vizinhança, escolar, de trabalho, entre outras, onde modelos interativos são elaborados e postos em circulação por parte dos diferentes indivíduos e grupos com diferentes finalidades. Assim, supomos que essas esferas estejam interligadas no sentido de os indivíduos serem os conectores de propostas de ação. Parte do que ocorre na sociedade é organizado em termos do "drama humano", segundo papéis sociais, que desempenham funções sociais, exercidas segundo regras e costumes praticados, assim como idealizados, como personagens ideais, realizados ou não (Maisonneuve, 1977). A existência de normas para regular o desempenho de papel de pai/filho, professor/aluno, patrão/empregado, colega de turma/colega de turma, entre outros, tem sido alterada profundamente nas últimas décadas, obrigando a reformulação teórica para o conhecimento psicossocial adequado. O modo de interagir em situações em que existe conflito de metas/representações entre personagens se dá por meio de linguagens, que refletem posturas de aceitação da pressão como imposição, negociação/ruptura, explicitação/ ocultação de interesse, não decisão, entre outras. Enquanto em termos de expectativas em relação aos outros personagens sociais, podemos encontrar várias modalidades de enfrentamento da situação que confirmam e complementam as diversas posturas/metas esperadas para si mesmo mencionadas anteriormente, podendo variar de busca de múltiplas lateralidades ao mesmo tempo, considerando interesses/perspectivas das partes em conflito; de subordinação aos interesses/perspectivas de uma das partes de cada vez, considerando a relação mais como possibilidade de instauração de uma hierarquia do que um contrato entre iguais, entre outras.

Partimos da hipótese de que na sociedade brasileira existem três grupos étnicos importantes - ou pelo menos dois- que consolidaram padrões mais explícitos de interação social, ou seja, brancos, negros e, até certo ponto, morenos. Nossa suposição é de que os grupos étnicos minoritários ativos, como os negros, são os que têm uma autoconsciência mais clara das suas diferenças psicossociais, além de terem conseguido manter autonomia e fronteiras intergrupais mais nítidas por um longo período de suas histórias de interação com grupos mais poderosos. Os brancos, por sua vez, fazem parte de um grupo considerado mais legítimo e influente historicamente, e tendem a buscar assumir posições de liderança na sociedade nas várias esferas de interação, independente da situação material e política real desfrutada pelos mesmos. Tais fenômenos sociais têm componentes interpessoais e intergrupais que merecem ser analisados.

Nesse sentido, a situação mundial desde o advento da modernidade tem ocorrido aumento do papel formador de famílias e/ou de autoconstrução individual e grupal. Desse momento em diante, as relações familiares entre os brancos-cristãos passaram a ser objeto de culto, prejudicando a consolidação de posturas de autonomia e diferenciação interindividuais e intergrupais nesse âmbito (Souza Filho, 2000). Ao lado disso, haveria tendência geral de centralização de decisões e renúncia à autonomia individual, apesar de certa diferença de ênfase no controle social no âmbito das relações familiares; no sentido de nos meios populares persistirem relações de poder unilateral de autoridades sobre os demais e, nas classes médias, controles mútuos (Souza Filho, 2000). Tal situação tem levado ao bloqueio das formas de negociação mais livres, aumentado a frustração dos jovens nesse âmbito, levando-os seja a rupturas sociais por meio de "desvios", seja de reprodução de relações hierárquicas tradicionais vividas nas famílias em outros ambientes e interações, procurando compensações emocionais e outras. Parte dos chamados desvios são jogos de perda/renúncia de consciência através de consumo de drogas (Martins & Souza Filho, 2007).

Contudo, numa sociedade onde há uma desigualdade étnica muito pronunciada, no sentido de não reconhecimento de culturas não brancas, haveria uma tendência de fixação dos brancos naqueles padrões psicossociais e socioculturais herdados, inclusive por garantirem algumas vantagens em termos econômicos e de poder. Assim, supomos que muitos migrantes europeus podem ter passado por momentos de incerteza sobre a sua situação em termos de trabalho a partir do final do século XIX no Brasil, uma vez que vastas áreas agrícolas no estado do Rio de Janeiro, até então mais prósperas, entraram em franca decadência. Sabemos que a maioria dos brancos no país, em 1889, era composta por analfabetos (cerca de 80%) (Fausto, 1994), obrigando-os a buscar trabalho nas cidades e a competir interindividualmente (Lévi-Strauss, 1970), inclusive com grupos não brancos aí existentes. Nesse quadro, cresceu entre muitos deles um sentimento quase mítico (Barthes, 1957) de ser "branco" numa terra de não brancos, como se eles se distinguissem simbolicamente dos demais em termos físicos e comportamentais. Tal construção pode ter-lhes trazido alguma autovalorização diante da dúvida a respeito da sua capacidade de sobreviver naqueles ambientes urbanos. Mas é preciso ressaltar que tais fenômenos ocorrem numa sociedade onde foi possível promover desigualmente os grupos étnicos ao longo das últimas décadas. Assim, houve uma ascensão escolar importante dos brancos. O Censo de 2000 mostrou, entre outros fatos, que os brancos analfabetos eram 10,9%, de uma população de 82,4 milhões; enquanto os negros eram 23,2%, de uma população de 9,8 milhões; e os pardos de 21,1%, de uma população de 58,7 milhões. Ao lado disso, 9,9% dos brancos tinham obtido escolaridade de nível superior, em contraste com a proporção de 2,1% e 2,4%, de negros e pardos, respectivamente (IBGE, 2000).

No caso dos negros, a quase ausência de estudos traz uma dificuldade nessa pesquisa. É preciso dizer que boa parte da literatura brasileira e internacional tem dado mais ênfase a situações em que os negros aparecem no espaço público como vítimas (Moscovici & Pérez, 2007) de racismo, de desigualdades e de outras formas de opressão social. Antes de tudo, é preciso dizer que os negros foram beneficiados pela imensidão do território, que eventualmente ofereceu-lhes abrigo para reconstruir suas vidas antes e depois do fim da escravatura. Na situação urbana, a recriação de certa unidade entre afro-brasileiros deu-se em torno do Candomblé (Bastide, 1971).

Todavia, os morenos seriam grupos oriundos de miscigenação de brancos e indígenas e/ou negros (Schwartzman, 2004). Sabemos existir o fenômeno de branqueamento, que consiste em aquisição de traços físicos de brancos, mais valorizados positivamente, e ocultação dos não brancos. Contudo, é preciso enfatizar que tal processo de assimilação é mais importante em termos psicossociais e socioculturais.

Alguns estudos psicossociais procuraram levar em conta a dimensão étnica no Brasil e mostraram aspectos específicos dos mesmos (Oliveira, 1999). Em um estudo sobre representações sociais de autoridades familiares entre grupos étnicos autodefinidos, os brancos tenderam a ressaltar relações interpessoais e de poder na família, ao passo que os negros procuravam traçar perfis psicológicos individuais dos mesmos personagens, além de conteúdos socioculturais; tais resultados foram observados no mesmo estudo, entre alunos e professores, autodefinidos como brancos e negros, respectivamente (Souza Filho, 2004). Nesse sentido, em outro estudo feito sobre representações do corpo entre negros e brancos, de ambos os sexos e equilibrados quanto à escolaridade e faixa etária, mostrou que os negros tenderam a afirmar o eu, enquanto os brancos a normalidade (Souza Filho & Beldarrain-Durandegui, 2009). Em ambientes onde há menos liberdade individual, no sentido de se ter menos oportunidade de autonomia psicológica, diferenciação e espaço próprio, os jovens ficariam mais voltados para os interesses individuais, tanto de si, quanto do outro. Possivelmente, eles tenderiam a reproduzir modelos socioculturais de relações de poder, sem oportunidade de exercer a liberdade e reciprocidade (Souza Filho, Saltzstein & Scardua, 2010).

Supomos a existência de condições contextuais para a expressão de representações e formas de negociação. A literatura pertinente a respeito dos processos de socialização e interação dos grupos distingue os que têm primazia na vida social dos indivíduos, como a família, assim como os grupos de pares do mesmo ambiente social e cultural de origem. Em contraste, experiências de grupo posteriores poderiam ser consideradas mais forçadas e facilmente abandonadas no transcorrer da vida dos indivíduos, tais como a escola e o trabalho (Maisonneuve & Lamy, 1993). Assim, o objetivo principal deste trabalho foi verificar correspondências entre representações antecipatórias e decisões de ação em relação a diferentes personagens sociais.

 

Método

Os participantes foram alunos de ensino médio de escolas públicas, entre os quais 39 eram autodefinidos como negros (N), 74 brancos (B) e 74 morenos (M). No meio popular, a denominação racial-étnica de "moreno" foi estudada pelo IBGE (Schwartzman, 2004), constatando sua relação simbólica com etnias não brancas. Aplicamos um questionário (em anexo) com situações de interação interpessoal simuladas, diante das quais os participantes foram solicitados a responder como agiriam e como os outros com os quais estavam interagindo deveriam ter agido para evitar as situações de pressão sobre os participantes. Foram usadas situações em que o personagem fosse considerado de status superior ao dos participantes e outras quatro com personagens de status similar aos deles. Assim, os personagens foram os seguintes: pai, vizinho, professora, patrão, amigo, colega de trabalho, irmão e colega de escola. É preciso esclarecer que os itens do questionário foram criados para simular as situações de interação e não para comparar um item com o outro; mas oferecer certo realismo vivencial e permitir uma avaliação psicossocial particular e específica de cada situação. Trata-se de um estudo eminentemente qualitativo com algum tratamento estatístico. A participação foi livre e voluntária. Os questionários foram respondidos em sala de aula, conforme acordo com as direções dos estabelecimentos em diferentes pontos da cidade.

As respostas foram categorizadas (Bardin, 1994), tanto para a pergunta sobre como o personagem deveria agir para evitar a pressão sobre o participante, quanto sobre como agiria diante da pressão, segundo as definições abaixo, seguidas de frases ilustrativas usadas por participantes em função do personagem/situação, sexo, idade e autodefinição étnica-racial. Analisamos frequências de categorias por meio do qui-quadrado (Bio-statat versão 4,0: por meio de tabelas de contingência (conjunto geral de frequências dispostas em linhas e colunas) e partição (linha por linha) para comparar os grupos.

Representações antecipatórias sobre como outro deveria agir para evitar a pressão para o participante

Outro considera bilateralmente: visa construir critérios de negociação levando em conta ambos os lados, objetivamente, em detrimento de uso de apelo emocional: Patrão: "ter contatado mais funcionários para o serviço e assim não precisar explorar os outros" (f, 30, N); Colega de trabalho: "Pensar em melhorar sem me afetar" (f, 15, N); Patrão: "deveria ser menos exigente já que não pode contratar outra pessoa" (f, 16, M); Colega de trabalho: "Fazer o melhor que ele puder, sem prejudicar os outros" (m, 16, B). Outro age/partilha com participante: visa encontrar forma de ação comum que minimize a dificuldade do outro e o inconveniente da pressão: Vizinho: "tentar achar conosco uma solução para fazê-lo parar de incomodar" (f ,17, N); Patrão: "dividir o trabalho igual para todos" (m, 16, B); Pai: "Deveria ir comigo, para eu não comprar a peça errada" (f, 16, M). Outro considera o interesse/perspectiva do participante: visa levar em conta apenas os interesses/perspectivas do participante: Patrão: "olhando pra mim com mais respeito e quebrando meus galhos quando eu precisar" (m, 22, N). Outro justifica para o participante: visa expectativa de que o outro apresente justificativa para o participante decidir: Vizinho: "Conversando e me explicando a situação" (m, 30, M). Amigo: "como agiu porque mais vale namorada que amigo" (m, 15, B). Outro age normalmente: visa manter as convenções sociais, supondo que as do outro são as mesmas que as do participante: Colega de trabalho: "agir igual aos outros, normal." (f, 18, M); Colega de escola: "agir como se nada tivesse acontecido" (m, 15, B). Outro considera situação em geral: visa não levar em conta as perspectivas, apenas generalidades conhecidas/praticadas: Irmão: "se colocar no lugar dos outros" (f, 18 B); Patrão: "Talvez com um pouco de organização para poder contratar outro empregado" (f, 18, N). Outro sofre recusa do participante: visa comunicar a decisão de recusa: Amigo: "Não reclamar porque eu não vou" (f, 27, M). Outro mostra subordinação/sofrimento: visa apresentar expectativa de que o outro esteja numa posição subordinada e/ou situação de desvantagem/dor: Colega de trabalho: "ser mais humilde" (f, 17, M); Amigo: "Deveria me pedir desculpas" (f, 16, M); Irmão: "Chorar" (m, 16, B); "Deveria insistir no pedido para eu conhecer sua religião" (f, 16, B); Professora: "Ela tinha que me ensinar até 20 vezes" (m, 16, M). Outro recebe queixa, hostilidade/sem incomodar participante: visa manifestar agressão ao outro, sem incomodar o participante: Patrão: "se garantir mais" (m, 22, N); Irmão: "não se intrometer na minha vida" (f, 17, M); Vizinho: "incomodados que se mudem" (f, 15, M). Não sabe/não responde.

Em seguida, reagrupamos representações/retóricas esperadas da seguinte maneira: 1) negociação entre iguais (Outro considera bilateralmente, Outro age/partilha com o participante); 2) lado do participante (Outro justifica para o participante, Outro considera interesse do participante); 3) vantagem relativa do participante (Outro mostra subordinação/sofrimento, Outro recebe queixa, hostilidade/sem incomodar participante); 4) evita conflito de interesses entre as partes (Outro considera situação em geral, Outro age normalmente); 5) Outro sofre recusa do participante.

Representações ou estilos retóricos do participante para enfrentar situações de pressão social simulada

Aceita com cordialidade: procura aceitar a pressão, manifestando que quer agradar ou cumprir ordem: Patrão "como empregado obedeço" (m, 22, N); "faria esse favor de vez em quando de fazer hora extra"(f, 16, M); Pai: "Eu iria; primeiro meu pai" (m, 16, B); Amigo: "Iria ao tal encontro e tentaria ser simpática com a garota" (f, 16, B); Professora: "fingiria que entendi e pediria explicação para colega" (m, 16, B); Amigo: "faria de tudo para não arranjar confusão" (m, 16, B). Aceita simplesmente: aceita sem apresentar justificativa ou intenção, conduta: Patrão: "faria a hora extra" (f, 19, M); Pai: "Ajudaria meu pai" (f, 19, N). Aceita por interesse do outro: aceita argumentando que estão (o outro e participante) num campo de interesses e trocas, ou mesmo, que o outro está impossibilitado/comprometido: Irmão: "Conheceria a religião dele, caso ele pedisse" (f, 16, B). Aceita por interesse próprio: aceita para atender interesse do participante: Patrão: "faria se essas horas extras fossem remuneradas" (f, 17, N); "faria a hora extra se não atrapalhasse os meus outros afazeres" (m, 16, M). Recusa simplesmente: recusa sem explicitar as razões ou manifestar conduta: Vizinho: "Não ligaria para o vizinho" (m, 18, N). Recusa com hostilidade: recusa e manifesta hostilidade/agressão, física ou moral. Colega de escola: "falaria para o fofoqueiro se recolher em sua insignificância" (f, 15, M); Vizinho: "Digo que os incomodados que se mudem" (f, 15, N); Professora: "O dever dela é explicar quantas vezes forem necessárias; ela é paga para isso" (m, 16, B); Amigo: "Eu a menosprezaria" (m, 16, B); "Não sairia e diria que eu não gosto da insuportável namorada dele" (f, 17, N); "Diria a verdade que não gosto dela e não iria" (f, 18, M). Recusa por interesse próprio: recusa para atender interesse do participante: Pai: "compraria a peça outro dia, pois o meu passeio é mais importante" (m, 16, B); "mentiria para ele dizendo que estava doente" (m, 17, B). Recusa com cordialidade: recusa e manifesta que quer agradar o outro, usando de "boas maneiras": Amigo: "eu explicaria a situação para ele e não aceitaria o convite" (f, 17, N); Irmão: "pediria para respeitar minha religião" (f, 16, M); Colega de escola: "Eu explicaria que viva a vida dele e eu a minha" (m, 16, B). Não decide/Perplexidade/emoção: não decide e, no lugar disso, manifesta emoção pouco elaborada ou paralisação: Pai: "Ficaria chateada" (16, F, B); "Ficaria puto" (m, 34, M ); Amigo: "Ficaria sem graça" (m, 17, B); Colega de trabalho: "Acharia ele um tremendo puxa-saco" (m, 16, B). Não decide/evita: não decide para evitar, por razão de foro intimo: Patrão: "ficava quieto, sei que sou bom no que faço" (m, 22, N); Colega de escola: "depende de quem fez o comentário e de quem é o alvo dele, eu faria alguma coisa" (m,16, B); Professora: "sairia da sala para desestressar" (m, 22, N). Não decide/busca de acordo: não decide para buscar acordo entre as partes envolvidas: Pai: "diria que eu conserto depois, compro a peça, mas agora preciso sair" (m, 22, N). Não sabe/não responde: Colega de trabalho: "Sei lá. Só estando presente para saber" (f, 16, B).

 

Resultados

Vamos relatar os resultados referentes à pergunta de como o personagem que provoca a pressão deveria agir para evitar a pressão para o participante e, em seguida, sobre como agiria em cada uma das oito situações simuladas propostas.

Quanto ao que esperavam do Pai para evitar a pressão, houve grande convergência intergrupal sobre negociação entre iguais, porém os negros apresentaram frequências mais altas (χ2 = 5,4423; gl=1; p<0,0197). Enquanto em relação ao que esperavam do Irmão para evitar a pressão, houve diferenciação intergrupal (χ2 = 41,8786; gl=10; p<0,0001). As maiores diferenciações foram sobre negociação entre iguais entre os negros (B=1,3%; M=5,4%; N=33,3%) (χ2 =16,5211; gl=1; p<0,0001); vantagem relativa do participante (B=65,3%; M=66,2%; N=30,7%) (χ2 =20,82201; gl=1; p<0,0001) entre brancos e morenos.

Sobre o que esperavam da Professora para evitar a pressão sobre o participante, os grupos apresentaram diferenças de ênfase (χ2= 20,6811; gl= 8; p< 0,0080). Os negros e morenos enfatizaram mais negociação entre iguais (B=4,4%; M=29,4%; N=28,2%) (χ2 = 7,8188; gl=1; p<0,0052 e χ2 = 6,5474; gl=1; p<0,0105); os negros apresentaram mais o lado do participante (B=23,5%; M=19,1%; N=28,2%) (χ2 = 4,2681; gl=1; p<0,0388); os brancos, vantagem relativa do participante (B=67,6%; M=45,5%; N=38,4%) (χ2 = 4,2681; gl=1; p<0,03588). Igualmente, os participantes ao responderem sobre o que antecipavam do Colega de escola para evitar a pressão também mostraram diferenciação (χ2= 34,2595; gl= 10; p< 0,0002). Os negros tenderam a responder mais negociação entre iguais (B=5,4%; M=4,0%; N=28,2%) (χ2 = 15,2919; gl=1; p<0,001); os brancos ressaltaram vantagem relativa do participante (B=40,5%; M=21,6%; N=23,0%) (χ2 = 5,9230; gl=1; p<0,0149); brancos e morenos enfatizaram o lado do participante (B=13,5%; M=16,2%; N=7,6%) (χ2 = 3,7101; gl=1; p<0,0541); morenos evita conflito (B=28,3%; M=44,5%; N=25,6%) (χ2 =5,9230; gl=1; p<0,0149).

A respeito da expectativa de que o Vizinho deveria fazer para evitar a pressão, os grupos apresentaram diferenciação (χ2= 41,8786; gl= 10; p< 0,0001). Os negros tenderam a antecipar negociação entre iguais (B=5,2%; M=19,2%; N=41,0%) (χ2 = 15,5103; gl=1; p<0,0001); brancos enfatizaram vantagem relativa do participante (B=63,1%; M=46,1%; N=28,2%) (χ2 = 20,8220; gl=1; p<0,0001). Já sobre o Amigo, houve aproximação entre os grupos (χ2 = 9,3088; gl=10; p<0,5031). Mas, morenos se destacaram sobre negros em evita conflito (M=48%; N=30,7%) (χ2 =4,59; gl=1;p<0,03).

Em relação às representações antecipatórias sobre como o Patrão deveria agir para evitar a pressão sobre o participante, observamos grande diferenciação entre os grupos comparados (χ2=22,0697; gl= 10; p< 0,0148). Os negros tenderam a apresentar negociação entre iguais (B=13,3; M=28,7%; N=51,2%) (χ2=7,7245; gl=1; p<0,0054); os brancos apresentaram mais lado do participante (B=42,6%; M=31,2%; N=30,7%) (χ2= 4,6877; gl=1; p<0,0304); os brancos e morenos, por sua vez, manifestaram mais vantagem para o participante (B=16,0%; M=16,2%; N=5,1%) (χ2= 4,7734; gl=1; p<0,0289). A respeito do Colega de trabalho, a diferenciação intergrupal foi alta (χ2= 33,6037; gl= 10; p< 0,0002). Os brancos e morenos indicaram vantagem para o participante (B=65,3%; M=64,8%; N=28,2%) (χ2= 3,6222; gl-1; p<0,0570) e negros tenderam a evitar conflito (B=12%; M=12,9; N=46,1%) (χ2= 22,0394; gl=1; p<0,0001).

Sobre a pergunta de como agiria à pressão, primeiramente, apresentaremos dados da decisão geral de aceitação, rejeição ou não decisão, e, em seguida, a respeito da presença de ingrediente retórico/estilístico encontrado nas mesmas respostas.

Diante do Pai, todos os grupos étnicos tenderam a se aproximar (χ2= 2,9956; gl=4; p<0,5586). Mas, no conjunto, eles tenderam a rejeitar (B=48,6%; M=55,8%; N=46,1%) e, em menor medida, a aceitar (B=28,3%; M=31,1%; B=33,3%). Nesse sentido, a pressão do Irmão (χ2= 4,4460; gl=4; p<0,3490) foi ainda mais rejeitada (B=65,7%; M=63,2%; N=48,7%), se comparada à situação com o Pai, sobretudo por parte de brancos e morenos, mas os negros se destacaram em aceitação (B=9,2%; M=11,3%; N=20,5%) (χ2= 3,7695; gl=1; p<0,0522).

Em relação à pressão da Professora (χ2= 3,7371; gl=4; p<0,4875) e Colega de escola (χ2= 5,2116; gl=4; p<0,0457), houve rejeição por parte dos grupos (professora, B=73,9%; M=61,2%; N=71,4%; colega de escola, B=58,6%; M=48,1%; N=66,6%), mas os morenos se destacaram em não decisão na situação com colega de escola (professora, B=6,8%; M=12,5%; N=7,1%; colega de escola, B=25,3%; M=37,9%; N=23,0% - χ2= 3,9939; gl=1; p<0,0457).

Face à situação com Vizinho (χ2=9,8230; gl=4; p<0,0435) e Amigo (χ2= 10,6441; gl=4; p<0,0309), os grupos tenderam a rejeitar a pressão (vizinho, B=66,6%; M=62,5%; N=46,9%; amigo, B=52,4%; M=56,6%; N=28,2% - χ2= 3,9095; gl=1; p<0,0480), assim como os negros mais presença de aceitação de ambos os personagens (vizinho, B=10,6%; M=11,2%; N=28,5% - χ2= 8,1523; gl=1; p<0,0043; amigo, B=32,9%; M=26,5%; N=53,8% - χ2= 6,4711; gl=1; p<0,0110).

Enfim, a situação com Patrão (χ2= 2,9346; gl=4; p<0,5688) foi aceita por parte dos grupos (B=77,3%; M=66,6%; N=73,1%). Ao passo que a situação com Colega de trabalho (χ2= 14,7419; gl=4; p<0,0053) gerou mais rejeição dos grupos (B=55,4%; M=45,9%; N=20,0%), mas os negros tenderam a aceitar significativamente mais (B=20,2%; M=24,3%; N=45,0%) (χ2= 12,8106; gl=1; p<0,0003).

A seguir, apresentamos a tabela 1, que traz resultados sintetizados de relação entre representações antecipatórias e decisão de ação nas várias situações. Note-se que as abreviações das denominações dos grupos aparecem na tabela quando houve diferenciação estatística para um ou mais grupos étnicos (separados por barras se mais de um), tal como relatado acima; primeiro em termos de representação antecipatória e, separada por um traço, quando também houve destaque para grupos (entre parênteses), em termos de ação decidida de aceitação, recusa e não decide. Ocorreram mais correspondências entre representações antecipatórias de negociação e decisões de ação aceitação; e, em menor medida, entre vantagem do participante e recusa, assim como evita conflito e não decide, conforme a tabela informa.

Sobre as decisões de ação em termos de representações retóricas, encontramos os seguintes resultados, que complementam os relatados anteriormente:

Em relação à pressão do Pai, os grupos étnicos comparados tenderam a se aproximar (χ2 = 22,3071; gl=22; p<0,4417). Contudo, os morenos mostraram mais recusa por interesse próprio (B=24%; M=37,6%; N=12,8%) (χ2 =5,0639; gl=1; p<0,0244). Por outro lado, a pressão do Irmão também houve aproximação entre os grupos (χ2 = 19,2573; gl=20; p<0,5052), mas observamos entre brancos e morenos certa tendência de recusa por interesse próprio (B=10,5%; M=8,8%; N=0%) (χ2 =4,6965;gl=1; p<0,0302). Sobre a pressão do Irmão, cabe ressaltar que os grupos comparados apresentaram forte aproximação quanto a recusar com hostilidade (B=26,3%; M=15,1%; N=23,0%), recusar com cordialidade (B=19,7%; M=30,3%; N=17,9%) e não decide/evita (B=21,0%; M=22,7%; N=25,6%).

Sobre a pressão da Professora, houve diferenciação intergrupal (χ2 = 30,182; gl=18; p<0,0357), os negros tenderam a recusar com cordialidade (B=12,0%; M=2,5%; N=16,5%) (χ2 =3,944; gl=1; p<0,0471), enquanto morenos e brancos tenderam a recusar por interesse próprio (B=52%; M=56,2%; N=33,3%). Por outro lado, diante da pressão do Colega da escola, houve diferenciação intergrupal (χ2 =47,615; gl=18; p<0,0002). Mas houve destaque para recusar simplesmente para os negros (B=2,6%; M=5,0%; N=12,8%) (χ2=4,5506; gl=1; p<0,0329).

No caso da pressão do Vizinho, observamos diferenciação intergrupal (χ2 =37,898; gl=20; p<0,0091), os brancos tenderam a recusar simplesmente (B=24,0%; M=18,1%; N=7,6%) (χ2=13,5446; gl=1; p<0,0002), enquanto os negros tenderam a aceitar por interesse próprio (B=5,3%; M=7,7%; N=25,6%) (χ2 =5,7744; gl=1; p<0,0163). Além disso, os grupos comparados tenderam a se aproximar sobre recusar com hostilidade a pressão do Vizinho (B=31%; M=29%; N=20%). A respeito da pressão do Amigo, os grupos tenderam a diferenciar-se (χ2 =44,067; gl=22; p<0,0035). Os morenos tenderam a aceitar por interesse próprio (B=10,9; M=24,0%; N=7,6%) (χ2=4,8269; gl=1; p<0,0028), brancos e morenos, a recusar simplesmente (B=25,6%; M=24,0%; N=5,1%) (χ2=11,0692; gl=1; p<0,0009). Os negros, por sua vez, tenderam a responder não decide/evita (B=3,6%; M=7,2%; N=15,3%) (χ2 =4,7703; gl=1; p<0,0411).

Sobre a pressão do Patrão, os grupos étnicos comparados tenderam se aproximar (χ2 =23,2350; gl=22; p<0,3886). Contudo, os morenos apresentaram tendência de recusa por interesse próprio (B=2,6%; M=10,2%; N=0%) (χ2 =4,7939; gl=1; p<0,0286). Enquanto a pressão do Colega de trabalho, houve diferenciação entre os grupos étnicos (χ2=36,785; gl=20; p<0,0124). Os brancos mostraram mais recusa por interesse próprio (B=35,1%; M=21,6%; N=7,5%) (χ2 =7,9036; gl=1; p<0,0049); os morenos tenderam a recusar simplesmente (B=5,4%; M=9,4%; N=2,5%) (χ2=4,2137; gl=1; p<0,0401) e os negros a não decide/busca acordo (χ2=7,5120; gl=1; p<0,0061).

É bom notar que as retóricas ofereceram outro modo de verificar a hipótese principal da pesquisa. Assim, foram significativas estatisticamente as respostas de recusa por interesse próprio de brancos e/ou morenos em situações de interação com pai, irmão, professora, patrão, colega de trabalho.

 

Discussão

O principal achado da pesquisa relatada foi constatar, em situações mais próximas da vida cotidiana, o papel da representação antecipatória como "guia para ação", confirmando resultados obtidos por Abric et al. (1967) e Faucheux e Moscovici (1968). Em seguida, foi possível verificar, entre os grupos autodefinidos como negros, a presença de representação antecipatória como "transformação social", no sentido de busca de novas normas/ideologias em trocas em vários ambientes sociais simulados que investigamos. Diante de dificuldades para consolidar a democracia e as relações sociais em várias esferas, a proposta de negociação entre iguais apresentada pelos negros de modo destacado em muitos ambientes revelou-se quase uma surpresa desta pesquisa. Tratam-se, portanto, de representações antecipatórias que visam mudança, ainda que não possamos, no âmbito desta pesquisa, averiguar suas repercussões em termos de influência, tal como Philogène (1999) foi capaz de fazer. Infelizmente, ainda contamos com poucos trabalhos acessíveis sobre os fenômenos aqui estudados. Mesmo assim, procuraremos discutir os resultados a partir da literatura psicossocial produzida, inclusive de outros construtos e disciplinas próximas.

De modo resumido, podemos afirmar que a representação antecipatória de negociação entre iguais mostrou-se mais associada à ação de aceitação da pressão; assim como a de vantagem de interesse do participante esteve mais associada a recusas de pressão; e, enfim, a evitação de conflito esteve mais associada a não decisão. Como esses resultados foram sistemáticos no sentido de terem reaparecido em múltiplos contextos, conforme o grupo, podemos dizer que são modelos mais ou menos duráveis de interação existentes entre os jovens com nuances diferenciadas, segundo o personagem envolvido. Contudo, os estilos ou retóricas usadas tanto para aceitar, quanto para recusar, bem como para não decidir ofereceram pistas interpretativas importantes. Assim, as diferentes formas de reagir diante da pressão supõem interesses, legitimidade de expressão de recusa e manifestação de hostilidade nos vários ambientes. Uma primeira constatação é a de que os grupos tenderam a recusar a pressão de modo geral. Ou seja, o fato de o personagem ser alguém com poder sobre o participante não impediu a recusa, como se aspirassem a manter a autonomia; salvo para a situação com o Patrão, em que a maioria aceitou pronunciadamente mais, ainda que tenha sido mais rejeitada por negros e morenos. Além do poder, a solidariedade ou reciprocidade com Vizinho e Amigo entre negros foi outro conteúdo analisado.

Em relação aos estilos/retóricas usados pelos grupos de modo diferenciado, vamos avançar alguns comentários. Tivemos, como se sabe, respostas simples, outras de cordialidade, hostilidade, interesse, além de não decisões, todas cumprindo funções distintas ou próximas, conforme o caso. Poderíamos dizer que a aceitação/recusa simples pode ser uma resposta automática, podendo ser fruto de uma impregnação ou internalização de conteúdo normativo/ideológico. Todavia a cordialidade pode ser entendida como sinalização de obediência à convenção social. Mas a cordialidade parece ter dupla interpretação. Por um lado, expressão autêntica de pretender uma ordem real baseada em contrato social e não em caprichos/arbitrariedades de personagens, independente de poder do mesmo. Por outro lado, a premência de inserção, sobretudo na área escolar e do trabalho, os levaria à busca de imagem de aparente submissão, esperada por brancos, a ser mais compreendido no próximo conjunto de dados a serem discutidos.

Na esfera familiar com o Pai - e até certo ponto no trabalho com o Patrão - existiria legitimidade para usar o argumento do interesse. Contudo, nesse mesmo ambiente social encontramos sintomas de experiência de bloqueio e dificuldade de uma racionalidade interativa (não decidir/evitar), sobretudo no caso do Irmão. Mas surgiram outras condutas de interação, como a bilateralidade com Pai por parte de todos os grupos comparados, ainda que os negros tenham se sobressaído e, simultâneamente, mostrado a mesma antecipação em outras interações. No caso dos brancos, observamos expectativa de subordinação/sofrimento do outro - o que foi acompanhado por expectativa de atendimento dos próprios interesses e adoção de suas perspectivas.

As ações diante da pressão em geral foram pouco voltadas para busca de negociação ou de elaboração de algo que ultrapassasse o imediato, as quais foram variações de aceitações e recusas, simples ou seguidas de manifestação de interesse unilateral; outras vezes acompanhadas por hostilidade ou cordialidade. Acreditamos que existem normas e ideologias sobre o modo de responder à pressão, em termos de corpo a corpo, por exemplo, lembrando o interesse em jogo que pode ser uma forma de recuperação psicológica de autonomia, após alguém ter aceitado a pressão. Assim, eles estariam tentando justificar socialmente que existe um motivo, assim como recusar com hostilidade pode ser visto como autoafirmação, punição ou descarga catártica compensatória. Por outro lado, a recusa com cordialidade parece ser uma polidez para convergir em relação às normas sociais de tipo "boas maneiras" preconizadas por adultos, conforme mencionado anteriormente. Mas é preciso lembrar que a cordialidade pode ser um gesto de amabilidade mais "desinteressado" com Amigo (negros) e Irmão (todos os grupos étnicos). Nesse sentido, é bom notar que as relações familiares, sobretudo no caso de brancos e morenos, foi o ambiente onde mais encontramos busca de acordo ou evita enfrentar, possivelmente por ser algo melindroso. Com exceção dos negros, que tentaram evitar enfrentar a pressão com Amigo e buscar acordo com Colega de trabalho. Ou seja, podemos interpretar que existe entre alguns grupos, liderados por autodefinidos etnicamente como brancos, uma prática de negociação apenas no âmbito da família, as demais esferas sendo mais consideradas de modo simplificado e defensivo. Tratar-se-ia de procurar mais salvaguardar interesses pessoais.

A hipótese que podemos levantar para avançar no aprofundamento dos principais resultados é que a manutenção de uma hierarquia social interétnica poderia estar por detrás do projeto de interação adotado por grupos autodefinidos como brancos. A proposta desses últimos, de fato, tenderia a explicitar sua perspectiva/interesse em função da situação de maior legitimidade social, ao passo que a dos negros seria mais baseada na busca de relação de troca entre iguais, tendendo a se contrapor aos privilégios de outros indivíduos/grupos a esse respeito. Parte deste trabalho de buscar influência majoritária (Moscovici, 1979), no sentido de manter uma sociedade em que a expressão de interesses pode ser manifestada por alguns, mas não por todos, pode ocorrer diante da ameaça de proximidade e nivelamento social com relação a outros grupos considerados como devendo estar nos degraus inferiores da sociedade. Em parte, tal comportamento é similar ao de fazendeiros decadentes do sul dos EUA, antes dos movimentos por direitos civis, que, ao se descobrirem nivelados aos negros em termos socioeconômicos, começaram campanhas de desmoralização, acusando-os de estupro de mulheres brancas, entre outras, para justificar agressões e massacres (Cantrill, 1949). No Brasil, os jovens brancos ameaçados de perda de status social ou impedidos literalmente de realizar suas aspirações de ascendência social, ao invés de partirem para a agressão - tarefa que outros fariam na sociedade - procuraram criar encenações dramáticas em que representam o papel de um sujeito que ocupa posição de comando. Em parte, a busca de influência majoritária daria mais legitimidade para a explicitação de interesse nos argumentos usados para sustentar suas respostas.

Para atingir tal objetivo, os brancos tenderiam a difundir crenças a respeito da impossibilidade de autonomia e independência de indivíduos não brancos, assim como a respeito da ilusão de ser alguém que pode desenvolver uma distinção social positiva; senão aquelas diferenciações negativas, típicas de minorias vitimadas pelo infortúnio ou ação de terceiros poderosos (Moscovici & Pérez, 2007). O que seria acompanhado pela oferta de liderança ou comando de brancos, baseada em alguma ascendência social "histórica", traduzida em comportamentos como autoconfiança de assertividade verbal, etc., para a qual seria indispensável o outro "aparecer" socialmente como vivendo sofrimento, desvantagem ou dificuldade, para justificar a oferta (Moscovici & Paicheler, 1978). Assim, os novos "chefes" poderiam prescindir de negociar racionalmente os conflitos sociais.

O conjunto de dados que expusemos mostrou que não se trata de boas maneiras esperar que o outro lhe peça o favor, mas, sobretudo, de fazê-lo submeter-se ao líder. Trata-se também de expectativa de um "culto à personalidade", que é uma construção de uma imagem pública a partir de conteúdos considerados positivos gerais que justifiquem o comando e/ou obediência de subordinados. Trata-se de uma expectativa que tende a ser aplicada em interações de quase todo tipo. Contudo, no caso do Pai observamos dificuldade para negociar outras formas entre os jovens brancos que participaram da pesquisa, indicando que a aprendizagem desses modelos de interação/negociação de conflito ocorre em ambiente familiar e, possivelmente, é reforçada pelo ambiente social. Porém, a dimensão sofrimento que foi muito frequente indica uma dimensão emocional/sentimental que merece mais aprofundamentos (Souza Filho, 2008). Tratar-se-ia de um modelo de autoridade que pune, a ser assumido em momento propício. Embora possa parecer remoto ou desligado da vida atual, podemos afirmar que são modelos que atravessaram a história e tendem a reproduzir-se indefinidamente. É preciso lembrar que foi em países católicos, onde houve séculos de Inquisição, em que houve uma explícita intervenção para garantir o monoculturalismo na esfera pública, estabelecendo forte pressão sobre os grupos minoritários não brancos e cristãos. Em decorrência, os descendentes de grupos indígenas e africanos ainda hoje têm dificuldade de assumir suas posições próprias publicamente. Um fato importante daquele período, sobretudo para os grupos minoritários, mas também para os demais, é a adoção de práticas sádicas públicas de constrangimentos físicos (torturas) e morais (humilhações, descréditos, entre outros) de grupos "desviantes". Os protagonistas dessas práticas foram, obviamente, os brancos, com desdobramentos que repercutem na vida atual, uma vez que eles forjaram representações e práticas sociais que se difundiram na sociedade durante e após a escravatura (Novinsky, 1992; Moritz-Schwarcz, 1987) e favoreceram comportamentos de subordinação de grupos não brancos em vários espaços sociais. Nesse sentido, um estudo mostrou que jovens brancos de escolas públicas foram os que mais contavam piadas de conteúdo agressivo às minorias sociais (mulheres, homossexuais, entre outros), enquanto os negros se abstiveram significativamente de contar piadas (37,5%) (Souza Filho, 2008).

Outro caminho de investigação que os resultados sugerem, como já mencionamos, é o ambiente familiar como gerador de interações que seguem certos padrões. Sabemos que, em muitas famílias brasileiras, existe um padrão de educação em que os filhos cada vez mais passaram a ser os centros de cuidados/proteções prolongados, ocorrido possivelmente com a diminuição do tamanho das famílias, com a queda da taxa de natalidade e do trabalho barato de serviços doméstico. Tais fenômenos podem ser geradores de certo egocentrismo social, que tende a estar associado à centralização e autoritarismo. Assim, as formas de negociação complementares usadas por grupos brancos, como outro considera a situação em geral, representariam formas de evitar o conflito, explicitar as posições antagônicas, difíceis de serem enfrentadas pelos interlocutores.

Em contraste, os negros tenderam a uma forma complexa bilateral em que o outro e ele mesmo foram considerados, simultaneamente, em termos de possibilidade/consequência para as duas partes na situação de pressão surgida, tendência observada com destaque em praticamente todas as situações de suas respostas, inclusive com o pai. Trata-se de uma postura que poderíamos definir como de busca de relações sociais que se aproximam da reciprocidade, além de um conjunto de ações que se aproximam de busca de relações de solidariedade e envolvimento com a comunidade (Souza Filho, 1998). Em outro estudo sobre as representações sociais da pobreza-riqueza (Souza Filho, 2009), jovens brancos mostraram discursos que tenderam a dramatizar/emocionalizar o assunto, além de ressaltar aspectos materiais e de sobrevivência. Em contraste, os negros no mesmo estudo tenderam a considerar mais aspectos relacionados à ordem moral e política desfavorável, além de certa serenidade em termos psicológicos. Na realidade, acreditamos que os brancos podem até superar historicamente suas dificuldades materiais e de promoção social, mas eles têm tido dificuldade de aumentar autoconsciência de sua cultura e, mesmo, de criticá-la adequadamente, prolongando conflitos seculares, como os relativos aos direitos individuais, etc. Ou seja, os negros que investigamos teriam uma conduta ética diferenciada, possivelmente em decorrência de uma socialização comunitária e experiência do pluralismo cultural, que são intensificados pela falácia da democracia racial. Assim, tendo em vista a relativa estagnação das relações sociais no país para a perspectiva dos negros, a ruptura social seja um caminho provável, junto de outras tendências mais anômicas, uma vez que as propostas circulantes, religiosas, políticas e culturais, aparentemente não satisfazem muitas das suas aspirações. Tal quadro tem implicado também em várias iniciativas que fortalecem autonomia, diferenciação e delimitação de fronteiras sociais, tanto ao nível individual, quanto intergrupal. Para tal, os grupos étnicos minoritários tendem a transformar suas representações sociais relacionadas às identidades sociais históricas para adotar representações antecipatórias. Tais resultados indicam que os participantes negros apresentaram uma busca de influência social minoritária em vários contextos fora da sua vida familiar e comunitária, mostrando "consistência interindividual" (Moscovici, 1979) em vários contextos, o que merece mais estudos.

No caso dos morenos, primeiro cabe dizer que eles não apresentaram um padrão psicossocial próprio, mas oscilaram entre não decisão e outras respostas apresentadas pelos brancos de modo mais regular. A pesquisa, tal como foi formatada, não visou avaliar se, individualmente, houve oscilação, mas se pode dizer que o grupo usou de modo irregular ora padrões típicos de brancos, ora de negros. Uma peculiaridade psicossocial encontrada no mesmo grupo foi uma tendência mais pronunciada de não resposta/não decisão, que indica dificuldade de negociar, possivelmente devido a certa perplexidade de ser alguém fruto de grupos conflitantes.

Aqui cabem alguns comentários sobre a situação de liderança sociocultural branca na sociedade, com consequências para os demais grupos que se veem e dos quais são esperados comportamentos de subordinados. Como são os grupos majoritários, com ou sem recursos, que colocam as metas sociais, a questão de falta de reconhecimento étnico sociocultural fica sempre relegada ao secundário. Ora, a mendicância e os pedintes se espalham pelo país, de norte a sul, como uma prática cultural que supostamente provém dos grupos "marginais". Porém, nossos resultados foram bastante explícitos para indicar que esta é uma expectativa de brancos, a ser melhor estudada por psicólogos sociais. Acreditamos que os brancos têm reproduzido desde a época do Brasil colônia formas de negociação interpessoal/pública que se mantêm, sobretudo, entre eles, baseadas em relações que poderiam ser resumidas na equação "comandar ou obedecer". Daí a tendência de separar interesses das partes em negociação ou, mesmo, de adotar postura "despótica caprichosa", como ter satisfações secundárias de humilhação moral impostas ao sujeito que pressiona, entre outros resultados observados.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
edsouzafilho@gmail.com

Enviado em Dezembro de 2010
Aceite em Março de 2011
Publicado em Julho de 2011

 

 

ANEXO: Situações e perguntas usadas na pesquisa

- Imagine que você está pronto para sair e seus amigos já estão esperando você. Seu pai descobre que precisa comprar uma peça para terminar o conserto da TV que quebrou, e pede para você ir comprar, o que implicará em correr o risco de perder o passeio.

Como você agiria? O que você acha que o seu pai deveria ter feito para evitar essa situação para você?

- Você tem um cachorro de estimação que late e incomoda o vizinho, que está pressionando seus pais para vocês se desfazerem do animal.

Como você agiria? Como seu vizinho deveria agir para evitar a perda do seu cachorro de estimação?

- Você arrumou o seu primeiro emprego e seu chefe está cada vez mais exigente, precisando de horas extras, mas não pode contratar outro empregado.

Como você agiria? Como seu chefe deveria agir para evitar esse problema?

- Sua professora já explicou duas vezes o conteúdo da aula de matemática, ela já está impaciente com a situação, mas você continua sem entender o que ela quer dizer.

Como você agiria? Como você acha que ela deveria agir para facilitar sua aprendizagem?

- Seu amigo começou a namorar uma garota com quem você não se dá de jeito nenhum. Ele chamou você para saírem todos juntos (inclusive a dita garota), como costumavam fazer anteriormente, quando ele sabe que você não se dá com ela.

Como você agiria? Como você acha que ele deveria ter agido nessa situação?

- Um colega de trabalho, do mesmo nível e função que você, costuma mostrar para o patrão que o que ele faz sempre é melhor do que o que você faz, pois pensa que assim poderá se manter no emprego, quando as coisas piorarem na empresa.

Como você agiria? Como você acha que esse colega deveria fazer para ele se manter no emprego sem prejudicar você?

- Seu irmão mais novo mudou de religião e agora está sempre tentando convencer você de que ele está certo e que você está errado, pois ele acredita que está fazendo o bem.

Como você agiria? Como você acha que ele deveria agir?

- Seu colega de escola faz um comentário desabonador sobre outro colega - algo que é íntimo e pessoal - diante de outros colegas, inclusive você. Porém, ninguém se manifesta nem a favor, nem contra, nem confirma, nem desmente.

Como você agiria? Como você acha que seus outros colegas deveriam agir para mudar a situação?