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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.21 no.2 Ribeirão Preto dez. 2013

https://doi.org/10.9788/TP2013.2-06 

ARTIGOS

 

Comportamento tabágico: um estudo com fumantes, ex-fumantes e não fumantes

 

Smoking behavior: a study with smokers, abstinents and non-smokers

 

Tabaquismo: un estudio con fumadores, fumadores que dejaran de fumar y no fumadores

 

 

Fernanda Afonso; M. Graça Pereira

Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Braga, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo avaliou sintomas de transtornos psicológicos, qualidade de vida, suporte do parceiro, coping familiar, ajustamento de casal e representações do tabaco em fumantes, ex-fumantes e não fumantes. Participaram no estudo 224 fumantes, 169 ex-fumantes e 173 não fumantes. A duração do consumo de tabaco no grupo de fumantes era de pelo menos 3 anos e a duração de abstinência superior a 3 meses. Os resultados mostraram que os ex-fumantes, quando comparados com os não fumantes e fumantes, revelaram representações cognitivas face ao tabaco mais ameaçadoras, mais ansiedade, mais coping familiar, mais suporte positivo e negativo do parceiro e mais qualidade de vida mental. Os não fumantes, apresentaram representações emocionais mais ameaçadoras e menor compreensão face ao seu comportamento de fumar e mais coesão. Os fumantes, interessantemente, reportaram mais qualidade de vida física. Este estudo enfatiza a importância das representações do tabaco, morbidade psicológica e do suporte do parceiro.

Palavras-chave: Consumo de tabaco, sintomas de transtornos psicológicos, qualidade de vida, suporte parceiro, representações do tabaco.


ABSTRACT

This study evaluated psychological morbidity, quality of life, partner support, family coping, couple adjustment and tobacco representations in smokers, abstinents and non-smokers, as well as the predictors of partner support and quality of life in smokers and abstinents. Participated in the study 224 smokers, 169 abstinents and 173 non-smokers. The timeline of tobacco consumption in the smoking group was at least 3 years and in the abstinents for at leat 3 months. Results revealed that abstinents, when compared with non-smokers and smokers, showed more threatening cognitive representations in relation to tobacco, more anxiety, more family coping, more partner positive and negative support and mental quality of life. Non-smokers revealed more threatening emotional tobacco representations, less comprehensibility towards their smoking habit and more cohesion. Smokers, interestingly, showed more physical quality of life. This study emphasizes the importance of representations related with tobacco, psychological morbidity and partner support.

Keywords: Smoking, psychological morbidity, quality of life, partner support, tobacco representations.


RESUMEN

Este estudio evaluó los síntomas de trastornos psicológicos, calidad de vida, apoyo de la pareja, el coping familiar y las representaciones del consumo de tabaco en fumadores, abstinentes y no fumadores. También se evaluó los preditores del apoyo de la pareja y calidad de vida entre los fumadores y los abstinentes. Participaron en la investigación 224 fumadores, 169 abstinentes y 179 no fumadores. Los fumadores llevaban fumando por más de 3 años e los que habían dejado de fumar hacia 3 meses. Los abstinentes, cuando comparados con los fumadores y no-fumadores, mostraron representaciones cognitivas del tabaco más amenazantes, más ansiedad, más coping familiar, más apoyo positivo e negativo de la pareja y más calidad de vida (performance emocional). Los no-fumadores mostraron representaciones emocionales del tabaco más amenazantes, menor comprensión de su comportamiento de fumar e más cohesión. Los fumadores, interesantemente, mostraron más calidad de vida física. Este estudio señala las representaciones del tabaco, la morbilidad psicológica y el apoyo de la pareja.

Palabras clave: Tabaquismo, morbilidad psicológica, calidad de vida, suporte de la pareja, representaciones del tabaco.


 

 

O consumo de tabaco se caracteriza por ser um comportamento aditivo diferente de outros consumos de substâncias psicoativas devido à sua elevada morbidade e mortalidade a longo prazo, à ausência de morte ou de patologia mental imediata. Nos países desenvolvidos, o consumo de tabaco é responsável pela morte de muitos fumantes, mortes que poderiam ser prevenidas se o tabaco não fosse consumido (World Health Organization [WHO], 2008). Em Portugal, segundo a Direção Geral de Saúde (DGS, 2009), no período entre 2005 e 2006 cerca de 19,6% da população de Portugal Continental era fumante, dos quais 28,7% eram homens e 11,2% eram mulheres, havendo maior incidência entre as pessoas com idades compreendidas entre os 35 e os 44 anos. Por sua vez, os ex-fumantes representavam cerca de 15,4% da população portuguesa, sendo que 24,9% eram homens e 6,6% eram mulheres.

A relação entre o consumo de tabaco e sintomas de transtornos psicológicos tem demonstrado que o uso da nicotina se associa com uma redução da ansiedade, stress e depressão (Machain et al., 2008). Existem evidências que revelam uma alta prevalência de transtornos psicológicos entre a população que consome substâncias psicoativas, dando ênfase ao consumo da nicotina e álcool (Aubin et al., 2008). Há evidência de comorbidade entre consumo de tabaco e sintomas depressivos, ou seja, é possível que fumantes utilizem o tabaco para alívio dos sintomas relacionados com depressão (Rondina, Gorayeb, & Botelho, 2007). O uso da nicotina tem sido relacionado com uma redução da ansiedade (Machain et al., 2008). Os fumantes mais ansiosos, por sua vez, demonstraram maiores dificuldades de adaptação à cessação tabágica quando comparados com indivíduos menos ansiosos, em condições semelhantes, percebendo obstáculos a médio e longo prazo, considerando a cessação tabágica uma tarefa difícil de concretizar (Becoña, 2003).

A qualidade de vida, se denomina um construto multidimensional relativamente recente que, em contexto de saúde e doença, engloba uma análise subjetiva do bem-estar na qual a saúde é considerada como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença (McClave et al., 2009). Ao nível físico, a qualidade de vida piora conforme se verifica um aumento do número de cigarros consumidos, sendo que esta relação se torna mais forte nos fumadores que são mais dependentes da nicotina (McClave et al., 2009). Uma maior duração do hábito tabágico, associado a um maior número de cigarros consumidos, permite uma redução da qualidade de vida (Sarna, Bialous, Cooley, Jun, & Feskanich, 2008). Em contrapartida quanto menos cigarros consumidos diariamente melhor a perceção do estado de saúde do indivíduo (Sarna et al., 2008). A literatura revela assim uma relação negativa entre o nível de qualidade de vida e o aumento do número de cigarros consumidos. Neste sentido, pode-se considerar que a qualidade de vida nos fumantes é inferior à dos não fumantes e à dos ex-fumantes (Garces et al., 2004). Contrariamente a estes resultados, surgem investigações que sugerem um aumento dos índices de qualidade de vida junto dos fumantes quando comparados com ex-fumantes e não fumantes. J. Ferreira, Silveira, e Marques (2008) avaliaram uma amostra de 826 asmáticos fumantes, e ex-fumantes, e verificaram que os fumantes apresentaram melhor qualidade de vida face aos ex-fumantes. Também Pinto, González, Arenillas, Nogueras, e Gómez (2010) não encontraram diferenças significativas nos domínios da qualidade de vida entre fumantes e ex-fumantes.

No que se refere ao suporte do parceiro, este se revela como o apoio dado pelo parceiro, ao fumante, para deixar de fumar e se mostra um elemento importante nas diferentes fases do comportamento tabágico (Park, Tudiver, Schultz, & Campbell, 2004; Rüge et al., 2008). O parceiro pode influenciar a intenção do fumante para deixar de fumar (Rüge et al., 2008) ou mesmo ter um papel decisivo na mudança de comportamento tabágico e manutenção da abstinência tabágica (Homish & Kenneth, 2005). O suporte recebido do parceiro pode ser do tipo positivo (reforço do tipo positivo ao fumante para deixar de fumar) ou negativo (constante alerta por parte do parceiro, ao fumante, para os perigos do tabaco, bem como reforço negativo em relação a fumar), no entanto ambos são importantes para apoiar o fumador a deixar de fumar (Mermelstein, Lichtenstein, & McIntyre, 1983). Estudos referem que ter um parceiro que fumar pode ser um risco acrescido para continuar a fumar e falhar em tentativas para deixar de fumar (Ferguson, Bauld, Chesterman, & Judge, 2005; Homish & Kenneth, 2005). Também se verifica que fumantes, casados com não fumantes, têm maior probabilidade de deixar de fumar face aos que têm um parceiro fumante (Park et al., 2004). Por exemplo, verifica-se que as mulheres que continuam a fumar, apesar de ter problemas de saúde, recebem menos suporte dos seus parceiros para deixar de fumar, comparadas com os homens, quer seja um apoio negativo ou positivo (Rohrbaugh, Shoham, & Dempsey, 2009). Por exemplo as esposas que nunca fumaram fornecem mais apoio do que as que já fumaram (Thomas et al., 2009). Afonso (2008) verificou, em fumantes e ex-fumantes, uma relação positiva entre o suporte do parceiro e a dependência nicotínica, ou seja, maior dependência nicotínica estava associada a maior suporte do parceiro para deixar de fumar. Parceiros que não fumam podem influenciar o fumante a deixar de fumar, enquanto os que fumam parecem ser pouco encorajadores (Dobkin, Civita, Paraherakis, & Gill, 2002). No que diz respeito ao ajustamento de casal, se pode referir que a satisfação marital do cônjuge tem sido associada a uma melhor recuperação do paciente e no caso do consumo tabágico é reconhecida a importância do parceiro (Afonso, 2008). Estes resultados sugerem que o ajustamento de casal é importante na relação intrínseca entre o comportamento tabágico e as relações entre os membros familiares, na manutenção da resistência a não fumar, e, na inclusão dos parceiros, ou outros membros familiares, no tratamento não apenas como promotores de suporte mas com um papel mais dinâmico naquilo que implica a mudança do comportamento tabágico. Outros autores (Wenner, Rohrbaugh, Shoham, & Trost, 2004) também reforçam que os membros do casal devem ser envolvidos no processo de desabituação tabágica como intervenientes ativos de modo a ajudar o fumante a deixar de fumar. Ainda no domínio familiar, o coping familiar se carateriza pela capacidade que a família possui em lidar com as exigências, pelos recursos familiares e os significados associados à situação de doença e de mudança (Montagnino & Mauricio, 2004). A adaptação da família a uma situação crónica, como é o caso do consumo de tabaco, se relaciona com a procura de suporte social e o uso de uma comunicação aberta entre os seus membros (Kershaw, Northouse, Kritpracha, Shafenacker, & Mood, 2004). A família pode apaziguar os efeitos negativos de acontecimentos adversos promovendo o bem-estar físico e emocional dos seus membros (Jackson et al., 2009). Ao nível do coping familiar, em particular, a procura de suporte espiritual é indicada como uma estratégia de coping, bem como a mobilização da família para procurar e aceitar ajuda na comunidade. A procura de ajuda médica para o tratamento do consumo de tabaco, bem como a avaliação passiva, são também estratégias de coping que podem ser adotadas no seio familiar. McDaniel, Campbell, Hepworth, e Lorenz (2005), sublinham que as fases do comportamento tabágico (iniciação, manutenção e cessação) poderão ser fortemente influenciadas pela família. Neste sentido, o coping familiar pode ser importante para o fumante conseguir lidar com a mudança de comportamento e, ao abstinente, a manter-se sem fumar.

As representações se referem modo como o indivíduo percebe a sua doença/problema de saúde (Broadbent, Petrie, Main, & Weinman, 2006). No caso específico do tabaco se refere ao modo como o fumante, ou ex-fumante, percebe o consumo de tabaco. As representações se organizam em: consequências do tabaco (grau em que o tabaco afeta a vida do fumante), duração do tabaco (quanto tempo o fumante pensa que vai durar o seu consumo), controlo pessoal (qual o grau de controlo que o fumante sente que tem sobre fumar), controlo do tratamento (até que ponto o fumante pensa que o tratamento para deixar de fumar o pode ajudar), identidade (qual o grau de sintomas o fumante sente por fumar), preocupação acerca da doença (qual o grau de preocupação o fumante sente por fumar), compreensão (até que ponto o fumante compreende porque fuma) e resposta emocional (até que ponto fumar afeta emocionalmente o fumante). Segundo os autores estas dimensões são posteriormente reorganizadas e avaliam três dimensões: representações cognitivas de doença, representações emocionais e compreensão. Segundo a literatura, muitos fumantes não reconhecem ter um problema de saúde, minimizam a importância da sua dependência tabágica, recusam a sua própria vulnerabilidade ou evocam exemplos de pessoas conhecidas que adoeceram sem nunca terem fumado (representações desajustadas acerca do consumo de tabaco; Trigo, 2005). Afonso (2008) verificou que os fumantes apresentaram, mais representações negativas face às consequências do comportamento tabágico quando comparados com os ex-fumantes. Assim, os fumantes que continuavam a fumar percebiam as consequências negativas do seu comportamento e dos riscos associados a fumar. Trigo (2005) refere um fenómeno cognitivo designado de "duplo nó psicológico" que se verifica em fumantes regulares em que a gratificação imediata pelo uso do cigarro é confrontada pela "escolha de um prazer que provoca dependência mortal". Assim, apesar do uso do cigarro oferecer sensações de prazer e bem-estar, do controlo que o fumante sente, por outro lado existe a noção dos seus malefícios reais em relação à saúde. No que respeita à abstinência, o tipo de representações é alterado assistindo-se a uma mudança de papéis em relação à passagem do estatuto de fumante, para ex-fumante, com uma visão mais realista dos malefícios do tabaco. De acordo com estudos de Afonso e Pereira (2011) e Puschel et al. (2006), os ex-fumantes podem perceber que o tabaco é nocivo para a sua saúde revelando, em particular, representações mais ameaçadoras associadas com o seu hábito de fumar (mais consequências associadas ao tabaco, mais duração do seu hábito tabágico, menos controlo pessoal quando fumavam, mais sintomas relacionados com fumar e preocupação).

O presente trabalho teve por objetivo analisar as diferenças entre fumantes, ex-fumantes e não fumantes ao nível dos sintomas de transtornos psicológicos, qualidade de vida, suporte do parceiro, coping familiar, ajustamento de casal e representações do tabaco.

 

Métodos

Participantes

Para este estudo foram selecionados 224 fumantes diários, 169 ex-fumantes há pelo menos 3 meses e 173 não fumantes.

Procedimento

Tratou-se de uma amostra de conveniência. Os participantes foram recrutados na consulta médica (hospital central e empresa privada) em que os médicos informaram os indivíduos sobre a natureza e finalidade do estudo. Na universidade os docentes foram contatados e solicitado que informassem os seus alunos acerca do estudo. Posteriormente os participantes inscreveram-se para o estudo. O período de coleta dos dados teve a duração de um ano e o preenchimento dos instrumentos efetuou-se num momento único. A participação dos participantes foi voluntária sendo o seu consentimento de resposta precedido de informação sobre o âmbito e finalidade do estudo. Os critérios de inclusão para a amostra foram: ser maior de 18 anos, ser fumante diário ou ser abstinente há pelo menos 3 meses.

Sem conflito de interesse, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética de cada local de coleta dos dados recebendo aprovação.

Medidas

Questionário Sociodemográfico. Tinha como objetivo recolher informações para caracterizar os participantes da amostra ao nível de: estado civil, gênero, grau de escolaridade, tipo e quantidade de cigarros consumidos (fumante), duração da abstinência (ex-fumante).

Brief Illness Perception Questionnaire (Broadbent et al., 2006; versão portuguesa de Figueiras et al., 2010). Avalia as representações emocionais (compostas pelos itens consequências (item 1), duração (item 2), controlo pessoal (item 3), controlo do tratamento (item 4) identidade (item 5); representações cognitivas (compostas pelos itens preocupação (item 6) e resposta emocional (item 8) e compreensão (item 7). Um valor elevado representa maior intensidade no tipo de crença avaliada, ou seja, representações cognitivas e emocionais mais ameaçadoras e menor compreensão (item invertido). Originalmente o instrumento avalia as representações associadas à doença, mas para este estudo foi elaborada uma versão de investigação onde se substituiu o termo "doença" por "hábito de fumar" para os fumantes, ex-fumantes e não fumantes para efeitos da investigação pois o objetivo passou por avaliar as representações associadas ao consumo de tabaco.

Partner Interaction Questionnaire (Cohen & Liechtenstein, 1990, Versão de Investigação de Pereira & Afonso, 2006). Este instrumento é constituído por uma escala positiva e uma negativa que avaliam o suporte recebido, positivo e negativo, nos últimos três meses para deixar de fumar. Um resultado elevado significa maior suporte, positivo ou negativo, por parte do parceiro.

Depression Anxiety Stress Scale (Lovibond & Lovibond, 1995; Versão Portuguesa de Pais-Ribeiro, Honrado, & Leal, 2004). Este instrumento é constituído por 21 itens organizados em três subescalas: ansiedade, depressão e stress. Quanto mais elevada a pontuação, maior o índice de sintomas de transtornos psicológicos.

Family Crisis Oriented Personal Scales (McCubbin, Olson, & Larsen, 1987; Versão Portuguesa de Mendes et al., 1999). Este instrumento avalia estratégias utilizadas por famílias em situações difíceis ou problemáticas. É composta por 29 itens agrupados em cinco subescalas: obtenção de suporte social, reenquadramento, procura de suporte espiritual, mobilização da família para obtenção e aceitação de ajuda e, avaliação passiva. Um resultado elevado está associado a maior utilização global das estratégias de coping.

Revised Dyadic Adjustment Scale (Busby, Christensen, Crane, & Larson, 1995; Versão de Investigação de Pereira, 2003). Este instrumento é constituído por 14 itens subdivididos em três subescalas: satisfação (entre o casal), coesão (ao nível do casal) e consenso (ao nível do no funcionamento marital). Quanto maior o resultado, maior o índice de ajustamento de casal.

Medical Outcomes Study Short Form 36(Ware & Sherbourne, 1992; Versão Portuguesa de P. L. Ferreira & Santana, 2003). É constituído por oito subescalas de resposta tipo Likert que avaliam Função Física, Desempenho Físico, Dor Corporal, Saúde Geral, Vitalidade, Função Social, Desempenho Emocional e Saúde Mental. Não se obtém um valor total da escala, mas dois valores sumários das subescalas anteriores correspondentes a Saúde Física e Saúde Mental.

Teste de Dependência da Nicotina de Fagerström (Heatherton, Kozlowsk, Frecker, & Fagerstrom, 1991; Versão Portuguesa de P. L. Ferreira, Quintal, Lopes, & Taveira, 2009). Avalia o nível de dependência à nicotina. É composto por seis itens e o somatório dos itens indica-nos a presença de dependência leve (0-4 pontos), moderada (5-7 pontos) e elevada (7-10 pontos).

Análise de Dados

Com o objetivo de averiguar a existência de diferenças entre sintomas de transtornos psicológicos, qualidade de vida, suporte do parceiro (positivo e negativo), coping familiar, ajustamento de casal e representações do tabaco, entre os grupos, recorreu-se ao uso da Ancova (escalas totais) e Mancova (subescalas). Foram controladas as variáveis idade, grau de escolaridade, géner o e número de cigarros dado os grupos apresentarem diferenças entre si. De referir que a subescala ansiedade (EADS) e saúde geral (SF36) foram eliminadas no grupo dos não fumantes, dados o seu valor de consistência interna ser baixo (0,54 e 0,53 respetivamente; Nunnally & Bernstein, 1994). Para este grupo, também não foi considerado o suporte do parceiro dado não se avaliar o suporte para deixar de fumar.

 

Resultados

Caraterização da Amostra

Da amostra dos 224 fumantes, 52,7% eram homens, 47,3% eram mulheres, 49,1% eram solteiros e 61,6% tinham o 3º ano do ensino médio. A idade dos fumantes variou entre os 18 e 58 anos com uma média de idades de 28,58 anos (DP=8,69). A maioria dos fumantes fumava há mais de 3 anos e a idade de início situou-se entre 14 e os 18 anos. Dos fumantes, 60% efetuaram, pelo menos, uma tentativa para deixar de fumar mas sem sucesso. De referir que 96% nunca frequentaram qualquer tratamento ou programa para deixar de fumar e 56,7% dos fumantes tinham um parceiro/a que não fumava. Dos 169 ex-fumantes, 68,6% eram homens e 31,4% eram mulheres, 72,8% eram casados e 39% tinham o 3º ano do ensino médio. A idade variou entre os 19 e 63 anos com uma média de 43.10 anos (DP=13,02). A maioria dos inquiridos começou a fumar entre os 12 e os 18 anos. Os ex-fumantes efetuaram pelo menos uma tentativa para deixar de fumar sendo que 32% tinham procurado tratamento para deixar de fumar.

O grupo de fumantes e ex-fumantes foram comparados com um grupo de não fumantes (n=173) ao nível das variáveis psicológicas. Neste grupo, 26% eram homens e 74% eram mulheres, 64,7% eram solteiros, 46,8% tinham o 3º ano do ensino médio. A idade variou entre os 18 e 57 anos com uma média de 27,69 anos (DP=8,98).

Diferenças ao Nível de Sintomas de Transtornos Psicológicos, Qualidade de Vida, Suporte do Parceiro, Coping Familiar, Ajustamento de Casal e Representações Face ao Tabaco entre Fumantes, Ex-Fumantes e Não Fumantes

Os resultados mostraram (Tabela 1) que os ex-fumantes (quando fumavam) apresentaram representações cognitivas face ao tabaco mais ameaçadoras, mais ansiedade, mais coping familiar (obtenção e aceitação de ajuda), mais suporte do parceiro (positivo e negativo) para deixar de fumar e mais qualidade de vida mental (desempenho emocional) quando comparados com os fumantes e não fumantes. Os testes de Scheffé indicam que as diferenças são estatisticamente significativas nos ex-fumantes, quando comparados com os fumantes, ao nível das representações do tabaco (representações cognitivas e emocionais, p<0,05), ao nível da ansiedade (p=0,006), coping familiar (p<0,000), suporte do parceiro (p<0,000) e qualidade de vida (p<0,000); bem como ao nível da ansiedade (p=0,004) e representações cognitivas do tabaco (p<0,000) quando comparados com os não fumantes. Ao nível do coping familiar, ansiedade e suporte do parceiro não se verificaram diferenças significativas entre os ex-fumantes e os não fumantes.

Os não fumantes, por sua vez, apresentaram representações emocionais mais ameaçadoras face ao tabaco, menor compreensão e mais ajustamento de casal (coesão). Os testes de Scheffé indicam que as diferenças são estatisticamente significativa quando comparados com os ex-fumantes, ao nível das representações emocionais (p<0,000), compreensão (p<0,000) e ajustamento de casal (p<0,000). Quando comparados com os fumantes, as diferenças são, também, estatisticamente significativas nas mesmas varáveis ticamente significativas nos fumantes, quando respetivamente (p<0,000; p<0,000; p<0,000). comparados com os ex-fumantes, ao nível da das representações emocionais (p<0,000), compreensão (p<0,000) e ajustamento de casal (p<0,000). Quando comparados com os fumantes, as diferenças são, também, estaComportamento Tabágico: Um estudo com Fumantes, Ex-Fumantes e Não Fumantes 385 tisticamente significativas nas mesmas varáveis respetivamente (p<0,000; p<0,000; p<0,000).

Os fumantes revelaram mais qualidade de qualidade de vida física (p<0,000), função física vida física (mais função física, menos dor cor-(p<0,000) e dor corporal (p<0,000, bem como poral e mais desempenho físico). Os testes de com os não fumantes ao nível da qualidade de Scheffé indicam que as diferenças são estatis-vida física (p=0,022), função física (p=0,022) e dor corporal (p<0,000).

 

Discussão

Os ex-fumantes comparados com os fumantes e não fumantes, apresentaram representações cognitivas face ao tabaco mais ameaçadoras, mais ansiedade, mais coping familiar (ao nível da obtenção e aceitação de ajuda), mais suporte do parceiro, positivo e negativo, e mais qualidade de vida ao nível do desempenho emocional quando comparados com os fumantes e não fumantes. Os ex-fumantes reportaram mais suporte do parceiro, positivo e negativo, indicando que receberam mais suporte por parte do parceiro para deixar de fumar. De acordo com a literatura, o suporte fornecido pelo parceiro é importante nas várias fases do comportamento tabágico, não só na fase em que o individuo fuma como também em fases posteriores, i.e., quando quer deixar de fumar (Homish & Kenneth, 2005; Nollen et al., 2005; Rüge et al., 2008). Estudos têm revelado também uma relação positiva entre o suporte do parceiro e a dependência nicotínica, ou seja, o fumante, e ex-fumante, que apresentem dependência ao tabaco têm mais suporte do parceiro para deixar de fumar (Afonso, 2008). A literatura também refere que parceiros que não fumam podem influenciar o fumante a deixar de fumar, enquanto os que fumam parecem ser pouco encorajadores (Dobkin et al., 2002) e serem um risco acrescido para continuar a fumar e falhar em tentativas para deixar de fumar (Ferguson et al., 2005; Homish & Kenneth, 2005).

Assim, estes resultados sugerem que o suporte do parceiro parece ser considerada uma variável importante junto de quem deixou de fumar remetendo para a importância de incluir os parceiros nas intervenções para a cessação tabágica dado que este estudo se refere ao período em que os ex-fumantes ainda fumavam.

Ao nível da qualidade de vida, os ex-fumantes, não revelaram alterações no desempenho emocional sugerindo que o seu trabalho, ou atividades diárias, não foram afetadas devido a problemas emocionais relacionados com o facto de já não fumarem. Estes resultados sugerem que pelo facto de os ex-fumantes não fumarem a sua qualidade e vida melhorou. Estes resultados vão ao encontro da literatura que refere quantos menos cigarros consumidos diariamente melhor a perceção do estado de saúde do indivíduo (Sarna et al., 2008). A literatura revela assim uma relação negativa entre o nível de qualidade de vida e o aumento do número de cigarros consumidos.

Em relação às representações, os ex-fumantes apresentaram representações cognitivas mais ameaçadoras relacionadas com o tabaco. Estes resultados indicam que os ex-fumantes, quando fumavam, tinham a perceção que o seu hábito tabágico afetava a sua vida, que era um hábito de longa duração, sentiam menos controlo sobre fumar, consideravam que o tratamento para deixar de fumar não era eficaz e identificavam mais sintomas relacionados com o consumo de tabaco. De acordo com Afonso e Pereira (2011), os ex-fumantes apresentaram representações mais ameaçadoras associadas ao seu hábito de fumar (mais duração, mais consequências associadas a fumar, menos controlo pessoal, mais identidade, menos compreensão e mais resposta emocional).

Em relação à ansiedade, os ex-fumantes apresentaram resultados mais elevados, quando comparados com os fumantes e não fumantes, o que pode ser explicado pelo facto de uma percentagem dos ex-fumantes, no nosso estudo, estar sem fumar há relativamente pouco tempo (cerca de três meses). Segundo a literatura, mesmo após três meses podem verificar-se níveis de ansiedade relacionados com o facto de já não fumar e com a ausência de nicotina no organismo (American Psychiatric Association [APA], 2002; Becoña, 2003). Ao nível do coping familiar, os ex-fumantes, comparados com os fumantes e não fumantes, revelaram mais obtenção/ aceitação de ajuda. Estes resultados sugerem que os ex-fumantes, em termos de coping, procuram mais ajuda interpessoal e talvez este tipo de coping tenha sido instrumental na manutenção da cessação tabágica. De fato, alguns estudos revelam que a vinculação e o envolvimento com terceiros estimulam a realização de atividades em comunidade, existindo alguma relação inversa com o comportamento de fumar (Turner-Musa & Lipscomb, 2007), mas só futuras investigações poderão aprofundar este aspecto.

Os não fumantes apresentaram representações emocionais relacionadas com o tabaco mais ameaçadoras, menos compreensão e mais ajustamento de casal (coesão) comparados com os fumantes e ex-fumantes. Estes resultados sugerem que os não fumantes podem ter se sentido afetados emocionalmente se fumassem, e não compreenderiam porque o fariam. Revelaram também melhor ajustamento ao nível da coesão do casal, indicando que por não fumarem a dinâmica de casal não é afetada. Estes resultados sugerem, de acordo com a literatura (Jackson et al., 2009) o efeito apaziguador da família em relação e eventuais efeitos negativos de acontecimentos adversos.

Os fumantes apresentaram diferenças significativas ao nível da qualidade de vida física, em particular, mais desempenho físico e menos dor corporal quando comparados com os ex-fumantes e não fumantes. Estes dados indicam-nos que os fumantes percecionam a sua saúde como boa não reportando limitações relacionadas pelo facto de fumarem. A literatura em geral destaca o hábito tabágico como um comportamento de risco e com grande impacto na saúde do fumantes de acordo com as consequências associadas o consumo de tabaco (Miller, 2004). A diminuição da qualidade de vida está relacionada com uma maior duração do hábito tabágico, e mais cigarros consumidos e, por sua vez, quantos menos cigarros consumidos melhor o estado de saúde do indivíduo (Sarna et al., 2008). Na literatura, os estudos apontam no sentido da qualidade de vida nos fumantes ser inferior à dos não fumantes e à dos ex-fumantes (Garces et al., 2004). Curiosamente, o nosso estudo não corrobora estes dados, i.e., a associação entre menor qualidade de vida e um maior consumo de tabaco. Pode-se interpretar estes resultados pelo facto de a nossa amostra de fumantes, quase na sua totalidade (94,2%), não reportarem doença relacionada com o consumo de tabaco (e.g., doença respiratória), nenhum dos fumantes foi internado no hospital devido a problemas associados com o tabaco e 77,2% apresentaram dependência nicotínica leve (<10 cigarros/dia). Assim, os fumantes do nosso estudo não consideraram a sua qualidade de vida física diminuída por fumar. Estes resultados vão ao encontro do estudo de J. Ferreira et al. (2008) em que se verificou fumantes com um consumo moderado de cigarros/dia apresentavam melhor qualidade de vida quando comparados com indivíduos que nunca tinham fumado e com ex-fumantes. Os autores justificaram estes resultados com o facto dos fumantes, apesar de saberem dos efeitos prejudiciais do tabaco, não se sentirem afetados fisicamente por fumarem, ao passo que os ex-fumantes apresentaram pior qualidade de vida relacionada com o agravamento da condição de saúde depois de terem deixado de fumar embora o estudo de J. Ferreira et al. (2008) tenha sido realizado com uma amostra clínica, ao contrário da presente amostra em estudo.

 

Considerações Finais

O estudo sugere que a intervenção ao nível do consumo de tabaco deve ser diferenciada tendo em conta a presença de sintomas de transtornos psicológicos, qualidade de vida, suporte do parceiro, coping familiar, ajustamento de casal e representações do tabaco em fumantes, bem como o facto de se tratar de fumantes, ex-fumantes e não fumantes. O estudo sublinha ainda a importância do controle das representações do tabaco, sintomas de transtornos psicológicos e suporte do parceiro no comportamento tabágico.

O facto de a amostra ser de conveniência, recolhida apenas na zona Norte de Portugal limita a generalização dos resultados bem como a aplicação de medidas de autorrelato. Os ex-fumantes responderam aos instrumentos de forma retrospetiva, em relação ao seu comportamento de fumar, o que também deve ser considerada uma limitação. Investigações futuras devem avaliar as perceções do próprio parceiro no que respeita ao consumo de tabaco. O facto deste estudo ser de natureza transversal não permite a inferência sobre relações de natureza causal entre as variáveis, permitindo apenas associações. Desta forma as associações apresentadas fruto dos resultados obtidos devem ser consideradas como suposições, não devendo, no entanto, ser desconsideradas em termos de interesse científico.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Fernanda Afonso
Departamento de Psicologia Aplicada, Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar
Braga, Portugal 4710-057
E-mail: fernandafonso@gmail.com e gracep@psi. uminho.pt

Recebido: 15/02/2013
1ª revisão: 26/03/2013
Aceite final: 25/04/2013