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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.25 no.3 Ribeirão Preto set. 2017
https://doi.org/10.9788/TP2017.3-13Pt
ARTIGOS
Uso de internet e de jogos eletrônicos entre adolescentes em situação de vulnerabilidade social
El uso de internet y electrónicos juegos por los adolescentes en alto riesgo social
Maria Paula Magalhães Tavares de OliveiraI; Leticia Antunes Dias CintraII; Graziela BedoianII; Rosimeire do NascimentoII; Rodrigo Rodrigues FerréII; Maria Teresa Araújo SilvaIII
ISociedade Brasileira de Psicologia Analítica, São Paulo, SP, Brasil. Projeto Quixote, São Paulo, SP, Brasil
IIProjeto Quixote, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
IIIDepartamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
O domínio de ferramentas digitais pode ser importante via de inclusão social. O presente estudo visou investigar o uso que 60 adolescentes em situação de vulnerabilidade social, participantes das atividades do Projeto Quixote, fazem da internet e de jogos eletrônicos. Procurou-se caracterizar tipo de atividade, frequência, duração, companhia, local, finalidade do uso de internet e de jogos eletrônicos, incluindo dificuldades encontradas no manejo da rede. A maioria dos adolescentes entrevistados está na escola, usa internet e jogos eletrônicos, interagindo com amigos e familiares, principalmente para comunicação e entretenimento. Os participantes relataram que aprenderam a usar sozinhos e que sabem de riscos associados a essas práticas. Entretanto, os resultados mostram que eles se expõem a condutas de risco. Diferenças de gênero foram observadas. Discute-se a necessidade de capacitar pais e educadores para estimular uso que desenvolva competências visando inclusão social assim como a importância de acompanhar o uso para prevenir prática inadequada ou excessiva.
Palavras-chave: Adolescente, internet, jogos eletrônicos, vulnerabilidade social, risco.
RESUMEN
Manejo de herramientas digitales puede ser importante medio de inclusión social. El objetivo de este estudio fue investigar el uso de Internet y de los juegos electrónicos por 60 adolescentes en alto riesgo social, participantes en las actividades llevadas a cabo por el Projeto Quixote. Hemos tratado de caracterizar el tipo de actividad, la frecuencia, la duración, la compañía, la ubicación y la finalidad del uso de internet y juegos electrónicos, así como las dificultades encontradas en la gestión de la web. La mayoría de los adolescentes entrevistados estaban matriculados en la escuela, utilizan internet y juegos electrónicos para interactuar con amigos y familiares, sobre todo para la comunicación y el entretenimiento. Los adolescentes informaron que aprendieron a utilizar estos dispositivos por sí mismos y que conocían los riesgos asociados con estas prácticas. Sin embargo, los resultados muestran que se habían expuesto a diversos riesgos. Diferencias de género fueran observadas. Se discute la importancia de empoderar a los padres y educadores a desarrollar habilidades orientadas a la inclusión social así como de hacer el seguimiento del uso para prevenir la práctica inadecuada o excesiva.
Palavras-chave: Adolescentes, internet, juegos electrónicos, vulnerabilidad social, riesgo.
A tecnologia passou a fazer parte do cotidiano e trouxe benefícios nas mais diversas áreas. A internet permite forma de comunicação e interação com o mundo até então inédita. Seu uso tornou-se popular em todas as faixas etárias, especialmente entre crianças e adolescentes. Jogos eletrônicos e videogames passaram a ser a forma de entretenimento preferida por essa população. O mundo digital oferece novas formas de criatividade, aprendizagem, empreendimento e inovação, mas essas oportunidades exigem habilidades (Palfrey & Gasser, 2011). O acesso às tecnologias não é suficiente, é necessária uma alfabetização digital. Em população em situação de vulnerabilidade social, a internet pode ainda ser uma importante via de inserção social, educacional e no mercado de trabalho. No entanto, não é claro o quanto essas pessoas têm acesso e oportunidade para aprender a usar esses recursos, uma vez que são escassos os estudos específicos com essa população no Brasil. O termo vulnerabilidade social refere-se a toda população de comunidades desfavorecidas expostas a circunstâncias como baixa escolaridade, uso de drogas, delinquência, violência, falta de acesso à cultura e serviços de saúde de qualidade (Bedoian & Madalena, 2008).
Em 2013 foi realizada a segunda edição de pesquisa para investigar a natureza e as consequências dos riscos associados à exposição online de crianças e adolescentes no Brasil: TIC Kids Online Brasil, estudo que utiliza a mesma metodologia empregada na versão europeia, EU Kids Online (Barbosa, 2014). Em países europeus foram observadas evidências de desigualdade quanto a uso e oportunidades em consequência de diferenças socioeconômicas (Ponte, 2014; Ponte & Simões, 2013), levando a diferenças em relação à habilidade digital e à segurança (Livingstone, 2014). Na edição brasileira de 2012 constatou-se que crianças e adolescentes de classe social mais desfavorecida começam a usar a rede mais tarde e sabem mais sobre internet que seus pais (Guzzi, 2014).
No Brasil o acesso à internet vem se expandindo e tem sido acompanhado pela maior disponibilidade de recursos tecnológicos como computadores, tablets e celulares. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2012) apontam que em 2012 houve um avanço de 6,8% no uso de internet em relação ao ano anterior (5,3 milhões de novos internautas no intervalo de um ano), sendo mapeado um aumento progressivo ao acesso à rede nos últimos anos. Dentre os grupos etários analisados, a faixa de 15 a 17 anos apresentou maior percentual de pessoas que acessaram a rede (76,7%). Pesquisa recente (Queiroz, 2015) classificou o país como digitalmente maduro, uma vez que 63% dos seus 84 milhões de usuários de internet afirmam praticar pelo menos onze usos distintos da rede. No entanto, o estudo encontrou disparidade entre as atividades realizadas, estando no topo as redes sociais e, na outra ponta, atividades como cursos online, procurar emprego ou realizar compras pessoais.
Pesquisa por nós realizada com estudantes universitários em São Paulo constatou que é maior a porcentagem de estudantes que entram na internet todos os dias do que a porcentagem dos que assistem televisão diariamente, sendo que uma parcela significativa joga vídeo games com frequência elevada. A pesquisa alerta para a necessidade de mais estudos sobre prática excessiva de vídeo game em população estudantil (Suzuki, Matias, Silva, & Oliveira, 2009).
As atividades desenvolvidas através da internet podem exercer fascinação e o excesso ou uso inadequado podem trazer problemas (Abreu, Karan, & Spritzer, 2008, Hautefeuille & Vélea, 2010; Young & Abreu, 2011). Exposição excessiva e a conteúdos inapropriados para a idade, troca de relacionamento com pessoas reais por relacionamentos apenas virtuais, gasto excessivo de tempo em detrimento de outras atividades, formas de violência como bullying ou assédio sexual são exemplo de problemas associados ao uso indevido da internet (Abreu, Eisenstein, & Estefenon, 2013; Young & Abreu, 2011). Jogos eletrônicos, por sua vez, podem contribuir para o desenvolvimento de diversas habilidades, como raciocínio rápido, tomada de decisão, coordenação motora. Entretanto, em excesso, podem trazer consequências adversas tais como abandono de outras atividades - estudo, prática de esporte, contato social e/ou familiar - para jogar. Além disso, tanto o uso inadequado ou excessivo de internet quanto o de jogos eletrônicos podem trazer consequências para saúde como lesões relacionadas a má postura, sedentarismo e privação de sono. Esses comportamentos têm sido inclusive considerados passíveis de provocar dependência (Abreu et al., 2008; Young & Abreu, 2011), tendo sido objeto de discussão e de inclusão no setor III do DSM V (American Psychiatry Association [APA], 2013).
Saber como os adolescentes operam na rede e como lidam com jogos eletrônicos é importante para incentivar usos que contribuam para seu desenvolvimento. Além disso, a detecção precoce de uso excessivo ou inadequado permite intervenções preventivas. Considerando esses aspectos, o presente estudo teve como objetivo investigar o uso que adolescentes em situação de vulnerabilidade social, participantes das atividades do Projeto Quixote, fazem da internet e de jogos eletrônicos. O Projeto Quixote é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) sem fins lucrativos, que atua desde 1996 na missão de transformar a história de crianças, jovens e famílias em complexas situações de risco, através do atendimento clínico, pedagógico e social integrados, gerando e disseminando conhecimento. Ligado à Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, o Projeto Quixote investe em arte, educação e saúde como formas de aproximação e vinculação com estes jovens (Bedoian & Lescher, 2007). Do seu início até final de 2015, o Projeto Quixote atendeu mais de 11.000 crianças e adolescentes provenientes de comunidades carentes em que famílias disfuncionais, abuso de álcool, de drogas e violência fazem parte do cotidiano. O projeto conta com uma sede na Vila Mariana e já teve espaços para atendimento no centro da cidade de São Paulo, como Praça da República e região da Luz, além de manter um trabalho com educadores que abordam adolescentes que ficam perambulando pelas ruas da cidade.
O Projeto Quixote atua em duas áreas, Ensino e Pesquisa e Atendimento. Na área de Ensino e Pesquisa busca-se estudar a prática para produzir conhecimentos e subsidiar políticas públicas voltadas a crianças, jovens e famílias em situação de risco. Através de cursos, supervisões e consultorias para técnicos e educadores sociais de todo o Brasil, o Projeto viabiliza trocas e multiplicação de aprendizado. A presente pesquisa é uma atividade desse setor que visa colher informações sobre o comportamento dos adolescentes frente à internet e a jogos eletrônicos para subsidiar a prática de educadores. Na área de Atendimento, são construídos através de estratégias lúdicas vínculos afetivos que possibilitam o surgimento espontâneo de demandas que são respondidas pela equipe multidisciplinar. Fazem parte do Atendimento diversos programas como Pedagógico, Clínico, Educação para o Trabalho, Atenção à Família, Abordagem de Rua e Refugiados Urbanos (Bedoian, 2014; Bedoian & Fender, 2010; Bedoian & Madalena, 2008).
Entre as crianças e adolescentes que procuraram atendimento na sede do Projeto Quixote na Vila Mariana em 2012, ano em que foram colhidos os dados do presente trabalho, a maioria veio encaminhada por instituições, sendo que cerca de um terço já fez uso de alguma droga na vida, um quinto estava cumprindo ou já havia cumprido alguma medida socioeducativa (advertência, prestação de serviços, reparação, liberdade assistida, semi-liberdade...). Apesar de a maioria estudar, 38% passa tempo na rua e 13% relatou realizar algum tipo de atividade para ganhar dinheiro. A percepção de educadores do Projeto Quixote é de que vem aumentando ao longo dos anos o número de adolescentes que têm celular e que o utilizam principalmente para mandar mensagens e ouvir som alto. Quanto à internet, esses educadores têm a impressão de que é usada principalmente para comunicação através de redes sociais, ouvir música e compartilhar fotos. Notam que os jovens gostam muito de jogos eletrônicos, mas não sabem dimensionar o quanto, onde e com quem jogam. Entre os que frequentam as oficinas de Educação para o Trabalho foi observado que poucos têm e-mail, aspecto abordado visando mostrar a importância desse recurso para fins profissionais, como mandar currículo e trocar mensagens sobre vagas de emprego. Levando em consideração todas as questões acima discutidas, o presente projeto visou caracterizar tipo de atividade, frequência, duração, companhia, local, finalidade, do uso de internet e de jogos eletrônicos, incluindo dificuldades e facilidades encontradas no manejo da rede por uma amostra de adolescentes que frequentam as atividades na sede do Projeto Quixote.
Método
Participantes
Foram entrevistados 60 adolescentes com idade entre 14 e 18 anos que frequentaram as atividades oferecidas pelo setor Atendimento na sede do Projeto Quixote, entre e agosto e dezembro de 2012. Dez adolescentes frequentavam as oficinas de acolhimento (início do Atendimento) e o restante já participava de programas e oficinas específicas (grafite, break, futebol, capoeira, etc).
Instrumento
Foi utilizado um questionário visando caracterizar o uso que essa população faz da internet e de jogos eletrônicos. O questionário foi elaborado pelos pesquisadores e contem questões sobre dados sociodemográficos, questões específicas sobre uso de internet e de jogos eletrônicos e sobre outras atividades de lazer praticadas. As questões sobre o uso de internet versam sobre com quem aprendeu a usar, local, frequência, duração, finalidade, dificuldades encontradas no uso, entre outras. As questões sobre jogos eletrônicos versam sobre com quem costumam jogar, local, frequência, duração e tipo de jogos. Algumas das perguntas foram utilizadas em pesquisa anterior (Suzuki et al., 2009). Além disso, o questionário contou com quatro questões abertas: "Quais são os perigos da internet; o que faz para se proteger; o que acha mais bacana na internet; e tem alguma coisa que não goste na internet". O questionário foi testado em 10 adolescentes que participam das atividades do Projeto Quixote para verificação do tempo necessário para aplicação e da clareza e compreensão das questões. Adequações do questionário foram realizadas até chegar à versão final.
Procedimento
O questionário foi aplicado por pesquisadores treinados em dias que os adolescentes compareceram para suas atividades no Projeto Quixote. Os participantes foram convidados de forma aleatória a participar do estudo e, após uma breve explicação sobre objetivos e considerações éticas, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi assegurado que os dados seriam confidenciais. A aplicação se deu antes ou logo depois da atividade e levou em média 20 minutos.
Análise dos Resultados
Os dados colhidos foram digitados em um banco de dados e analisados com auxílio do programa SPSS. Na análise foram consideradas apenas as respostas válidas em cada questão. Assim, na confecção das tabelas e gráficos a porcentagem foi calculada com base no universo de respostas de cada questão, tendo sido descartadas respostas em branco. Na análise estatística para as variáveis categóricas foi o usado o teste do qui-quadrado ou, quando n < 5, utilizou-se o teste exato de Fisher. O Teste t de Student foi usado para variáveis contínuas. Todas as provas foram bicaudais. Para a análise das questões abertas, respostas semelhantes foram agrupadas de forma a identificar palavras-chave que posteriormente foram tabuladas e quantificadas, segundo procedimento anteriormente utilizado: (a) Identificação da ideia central do comentário; (b) Fragmentação em segmentos de comentários que expressem mais de uma ideia; (c) Registro do tópico principal de cada segmento em expressão-chave, correspondente à transcrição literal de parte do discurso; (d) Agrupamento das expressões-chave registradas em categorias de discurso tendo por base sua equivalência; (e) Classificação dos segmentos em categorias (Almeida, Bizeto, & Silva, 2007). Para avaliar o nível socioeconômico foi utilizado o Critério Brasil, definido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2012).
Resultados
A amostra foi composta por 60 adolescentes, sendo 34 do sexo masculino (57%) e 26 do sexo feminino (43%), e a idade média foi de 15 anos (DP = 1,12, variando entre 14 e 18). Cinquenta e três (88%) adolescentes relataram que estudam atualmente, sendo que a maioria cursa entre 8º. ano do ensino fundamental e 1º. ano do ensino médio (68%), como mostra a Tabela 1. Com relação à moradia, 73,3% relatou morar com os pais, 15% relatou morar em abrigo e 12% responderam outro, que corresponde principalmente a avós (6,7%) e tios (3,4%). Dez por cento dos adolescentes relataram que não vão à sua casa há mais de 6 meses. Questionados sobre a escolaridade dos pais, 10% relatou que eram analfabetos, 20% que o chefe da família tem fundamental completo e 27% ensino médio completo, sendo que 23% não soube informar. Ao calcular a classe econômica a que pertenciam, verificou-se que a amostra se distribuiu entre as classificações B1, B2, C1 e C2. Investigou-se também se esses adolescentes têm computador em casa e 27,8% afirmou que possui esse item e cerca de metade da amostra possui celular (48,9%). Não houve diferença significativa em nenhumas das variáveis sociodemográficas pesquisadas quando comparadas quanto ao gênero.
Uso de Internet
Apenas três (5%) participantes relataram não ter usado a internet nos últimos 12 meses. Um deles relatou que era porque era caro e outro relatou que era "porque achei que não era bom usar a internet". Questionados sobre terem dificuldades para usar a rede, a grande maioria disse que não tem dificuldade (90%). As dificuldades citadas foram "não saber escrever direito", "dificuldade em fazer download e upload", "não saber mexer direito", "tudo muito difícil de entrar na cabeça"e"várias coisas".
Questionados sobre onde ou com quem aprenderam a usar a internet, mais de metade dos adolescentes afirmou que aprendeu sozinho (61%). Houve uma diferença significativa quanto ao gênero: mais meninas aprenderam na escola [X2 (1, N = 57) = 4,403; p = 0,036], como pode ser observado na Figura 1.
A maioria dos entrevistados tem e-mail (96,5%), Facebook (94,7%) e MSN (86%), sendo que apenas uma menina da amostra não tem esse aplicativo. Cerca de metade tem Twitter (54,4%) e um quinto tem Blog (19,3%).
Como pode ser observado na Figura 2, as atividades realizadas na internet mais citadas, em ordem decrescente, foram: entrar em rede social (96,5%); baixar música (91,2%); estudar (86%); compartilhar fotos ou vídeos (84,2%); mandar e receber e-mails (84,2%); ver filmes, séries (84,2%); procurar informação ou notícias (78,9%). Não houve diferença significativa quanto a gênero. Analisando o número de atividades diferentes realizadas pelos participantes, observou-se que 18,8% realizou de 1 a 5 atividades, 61,7% de 5 a 10 atividades e 18,3% mais de 11 atividades. A média obtida foi de 7,6 (variando de 0 a 14, DP = 3.).
Questionados sobre quanto gastam em média por semana para usar a internet, observou-se que esse valor varia muito, mas que a grande maioria não gasta nada. A média obtida foi R$10,48 (DP = 23,6, variando de 0 a R$100,00) e a mediana foi R$ 0, não tendo sido observadas diferenças de gênero.
A Tabela 2 apresenta as respostas relativas às questões sobre frequência, dias, tempo em média, período e local de uso de internet e de prática de jogos eletrônicos. Com relação à frequência de uso, a maioria usa a internet mais de uma vez por semana (72 %), sendo que cerca de metade dos adolescentes usa todos os dias (54%). Alguns adolescentes usam a internet preferencialmente de 2ª a 6ª feira (17%) e outros usam geralmente nos fins de semana (23%), mas a maioria usa todos os dias (60%). O tempo médio que ficam online variou bastante, como pode ser visto na Tabela 2. Observou-se que os meninos ficam em média mais tempo online que as meninas [X2 (2, N = 57) = 8,52; p = 0,014].
Questionados sobre o maior tempo em que já passaram conectados sem parar, 37% respondeu que já ficou mais de 10 horas na internet, sendo que 10% relatou ter ficado pelo menos 24 horas. O maior tempo que já ficou online variou muito na amostra (M = 11,9h; DP = 13,7, variando de 2 a 72h) e a mediana obtida foi de 7 horas. A maior parte desses adolescentes entram na rede à tarde (67%) e à noite (70%). Pouco mais de um terço costuma entrar de madrugada (37%). Não foram observadas diferenças de gênero quanto a essas variáveis. Questionados sobre o local que usam, mais da metade dos adolescentes entrevistados relataram acessar a rede em casa (61%), como mostra a Tabela 2. A análise das respostas ao item "Outros" revelou que corresponde a casa de familiares (madrinha, avó, tia, 6,8%); celulares (2,4%); curso de computação (2,4%); SESC (2,4%); trabalho da mãe (1,7%) e abrigo (1,7%). Observou-se que menos meninos relatam usar internet no Projeto Quixote [X2 (1, N = 57) = 4,311; p = 0,038], quando comparados às meninas.
Mais da metade dos adolescentes já usaram a webcam (58,2%) e a grande maioria dos deles usa a internet para conversar com amigos (96,5%) quando entra em salas de bate-papo, MSN ou redes sociais, sendo que metade fala com seus familiares (50.9%). Cerca de um terço usa para conversar com namorado (36,8%), sendo esse comportamento mais comum entre as meninas [X2 (1, N = 57) = 4,397; p = 0,036]. Vinte e seis por cento relataram conversar com amigos virtuais e 8,9% com namorado(a) virtual 8,9%. Chama atenção o fato de 28% afirmar conversar com desconhecidos.
Nas salas de bate papo, MSN ou redes sociais, a maioria usa seu nome real (71,4%), 39,3% usa apelidos e 5,4% cria nomes fictícios. Observou-se que 14% às vezes fingem ser outra pessoa e 3% sempre fingem ser outra pessoa. Quanto a estabelecer contato com pessoas conhecidas pela rede, 44,6% relatou ter amigos virtuais e 18,2% namorado(a) virtual, sendo que 37,5% relatou ter conhecido pessoalmente e manter contato frequente como amigo, 5,4% como namorado(a), e 16,1% manteve contato eventual. Uma diferença significativa quanto a gênero foi encontrada: mais meninos que meninas mantiveram contato com amigos virtuais [X2 (1, N = 57) = 4,978; p = 0,026].
Interrogados sobre o que mais gostam na internet, as respostas foram bastante variadas. A possibilidade de interação social foi citada por 41,3% (redes sociais, 27%; e possibilidade de conversar com pessoas, 14,3%), seguida pela possibilidade de manter-se atualizado (20,6%). Quanto ao que não gostam, além da metade que afirmou que não há nada que desagrade na rede, os seguintes aspectos foram citados: pornografia (n=5); perfis "fakes" (n=3); propaganda (n=3); vírus (n=3); jogo (n= 2); gente intrometida ou curiosa (n=2); internet lenta (n=2); spam (n=2).
Foi questionado o que os adolescentes acham perigoso no uso da internet e o que fazem para se proteger. Os perigos relacionados ao uso da rede mais citados foram conversar com desconhecidos (25,6%), pedofilia (25,6%) e vírus (12%). Foram também mencionados: assédio e abuso (n=5); hacker (n=5); sequestro (n=4); sites impróprios para menores (n=3); perfil "fake" (n=3); compras (n=3); pornografia (n=2) e bullying (n=1). Quanto ao que fizeram para se proteger, a resposta mais frequente foi "não conversar com desconhecidos (37,5%), usar anti-virus (18%) e evitar sites considerados perigosos (13,9%). Foi também mencionado não passar dados pessoais (n=6); não fazer nada (n=6); não se encontrar com desconhecidos (n=4); sair da internet (n= 3); ter cuidado com quem conversa (n=2); não entrar em bate-papos (n=1).
Um terço dos entrevistados só para de usar a internet quando interrompido (33,3%) e cerca de um quarto da amostra (26,3%) relatou já ter tidos problemas devido ao uso da internet. Os problemas citados foram variados, sendo os mais citados brigas (n=4) e vírus (n=3). A grande maioria dos respondentes acha que a internet pode viciar (94,7%) e 33,3% relatou que teve um amigo que já sofreu bullying via internet, 12,3% relatou já ter sofrido e 15,8% admitiu já ter feito bullying pela internet, não tendo sido observadas diferenças de gênero nessas variáveis.
Jogos Eletrônicos e Vídeo Games
A grande maioria dos adolescentes entrevistados relatou ter utilizado jogos eletrônicos nos últimos 12 meses (93,3%), sendo que a maior parte relatou jogar em computador (71,9%), televisão em playstation, WII (71,9%) e celular (68,4%). Mais meninas que meninos (10,5% X 5,5%, respectivamente) jogam em tablets (p = 0,05). Jogar em aparelhos de jogos portáteis como PSP e DS foram citados por 28,1%, e fliperama por 26,8% dos adolescentes.
A maioria dos participantes afirmou que costuma jogar tanto com amigos (77,2%) quanto sozinho (73,7%), sendo que 35,1% joga com irmãos e 28,1% com os pais. Quatorze por cento relatou jogar com namorado e 5,3% com o monitor ou professor. Além disso, 10,5% afirmou jogar com desconhecidos, sendo esse comportamento exclusivo dos meninos.
Quase metade da amostra costuma jogar online (49,1%). A Figura 3 mostra os tipos de jogos eletrônicos que costumam jogar, sendo os preferidos jogos de ação/aventura (70,2%), de esporte (FIFA, PES, olimpíadas; 64,9%) e de aplicativos de celular (63%). Algumas diferenças significativas foram observadas quanto a gênero. Observou-se que jogos de esporte [X2 (1, N = 57) = 11,253; p = 0,001] e de estratégia e guerra [X2 (1, N = 57) = 14,760; p = 0,000] são mais populares entre os meninos, e houve uma tendência não significativa de meninos também jogarem mais jogos tipo multiplayer online (como Call of Duty, FPS First Person Shooter), RPG -Role-Playing Games (como Ragnarok, World of Warcraft MMOPRG, Hero of Newrth). Por outro lado, mais meninas relataram jogar jogos de humor (como Explosion Man) [X2 (1, N = 57) = 4,417; p = 0,036].
Diferentemente do uso de internet, a frequência de jogo variou bastante na amostra. Como pode ser observado na Tabela 2, a amostra foi distribuída nas categorias propostas revelando graus diferentes de interesse por essa atividade.
Com relação aos dias que costumam jogar, um quarto joga mais em dias da semana (24,6%), metade nos finais de semana (49,1%) e a outro quarto todos os dias (26,3%). O período que costumam jogar também variou: 26,3% costumam jogar pela manhã, 57,9% à tarde, 54,4% à noite e 24,6 % de madrugada. O tempo que jogam em média por vez também variou bastante, sendo que mais da metade (65,5%) afirmou jogar até 2 horas por episódio. Não houve diferença de gênero quanto a nenhuma dessas variáveis. Quanto ao local que costumam jogar, a maioria afirmou jogar em casa (70%). No entanto, diferenças de gênero foram notadas: mais meninas jogam na escola (p = 0,003), ao passo que mais meninos jogam em casa [X2 (1, N = 57) = 5,970; p = 0,015].
O maior tempo que os adolescentes já ficaram jogando sem parar variou muito (M = 7,55h, DP = 10,5 variando de 1 a 72h). A mediana obtida foi de 5 horas. Constatou-se que meninos ficaram mais horas jogando do que as meninas [t (40) = 1,97; p = 0,05). Questionados sobre o que mais os atrai no jogo, a maioria relatou que é a possibilidade de relaxar (78,9%) e o desafio em superar etapas (70,2%), seguido e poder jogar com amigos (64,9%); observar a arte do jogo (54,4%); poder jogar com outros jogadores virtuais (49,1%); extravasar a raiva no jogo (42,1%); poder entrar em um mundo de fantasia (35,1%); prazer em conseguir controlar um mundo simulado (29,8%). Mais meninos que meninas relataram que a possibilidade de jogar com outros jogadores virtuais [X2 (1, N = 57) = 5,388; p = 0,02] e observar arte do jogo [X2 (1, N = 57) = 5,973; p = 0,015], são fatores que os atraem.
Questionados como normalmente se sentem após jogar jogos com certo teor de violência, 28,1% relatou sentir-se indiferente; 26,3% respondeu que depende, pois se perdem ficam irritados, se ganham ficam felizes; 12,3% sente-se mais relaxados e 10,5% mais agressivos. Não jogam esse tipo de jogo 22,8% dos participantes.
Depois de começar a jogar videogames 57,8% relataram que esse tipo de jogo não interferiu nos seus relacionamentos, porém 15,8% relataram passar menos tempo com seus amigos "reais". Por outro lado, 21,1% relataram passar mais tempo com seus amigos "reais" após começar a jogar. Observou-se que 15,8% passaram a se relacionar mais com amigos virtuais.
Quase metade (42,1%) dos adolescentes entrevistados concordam que estão viciados em algum jogo ou conhecem alguém que não consegue parar de jogar; 29,8% que os jogos de videogames podem deixá-los violentos; 66,7% acha mais divertido jogar com alguém do que sozinho e a mesma porcentagem acha que os videogames permitem fazer coisas que não podem fazer na vida real.
Questionados sobre a frequência de outras atividades de lazer, constatou-se que as mais populares são ouvir música (92%) e ver televisão (85%), praticadas diariamente. A maioria pratica esporte pelo menos uma vez por semana (73%), mas 13,3% não pratica. Um quarto relatou ir a bar uma vez por semana e 16% a cada 15 dias e 41% sai com amigos diariamente. Por outro lado, 29% relataram ler diariamente e a mesma proporção relatou que nunca tem um "tempo para não fazer nada". Quase metade da amostra (41,7%) relatou deixar de fazer alguma coisa para ficar na internet.
Comparação entre Adolescentes que Relataram Ficar Mais de 4 Horas em Média por Dia na Internet com os que Ficam Menos Tempo do que Isso
Foi realizada uma análise comparando os participantes que relataram ficar em média mais de 4 horas na internet por vez com quem fica menos tempo que isso quanto a todas as variáveis pesquisadas e algumas diferenças significativas foram encontradas. Do grupo que usa mais de 4 horas por episódio, mais adolescentes relataram usar a internet para fazer trabalhos (p = 0,049), manter blog [X2 (1, N = 57) = 4,479; p = 0,034], conversar mais com namorado via rede (p = 0,033). Já menos adolescentes desse grupo saem da rede sozinhos [X2 (1, N = 57) = 4,776; p = 0,029], quando comparados aos que ficam menos que 4 horas na internet.
Quanto a jogar jogos eletrônicos, mais participantes que usam a internet por pelo menos 4 horas em média relataram jogar videogames portáteis [X2 (1, N = 57) = 5,608; p = 0,018]; jogaram mais RPG [X2 (1, N = 57) = 4,913; p = 0,027] e jogos tipo simulador [X2 (1, N = 57) = 4,24; p = 0,035]. Menos adolescentes desse grupo relataram jogar com monitores de escola ou de projetos que frequentam (p = 0,039). Esses adolescentes jogam mais de madrugada (p = 0,02), mas menos em lanhouses (p = 0,04), quando comparados aos que ficam menos de 4 horas na internet por episódio.
Discussão
Como observado, a maioria dos adolescentes entrevistados está na escola, usa internet, joga jogos eletrônicos e não relata dificuldades para entrar na rede. No entanto, três adolescentes alegaram não usar a internet por dificuldades financeiras ou porque achavam que não deviam. As dificuldades relatadas por alguns usuários estavam relacionadas a não saber escrever direito ou não saber mexer no computador. É importante destacar que como se trata de uma amostra de adolescentes que frequentam um projeto para crianças em situação de vulnerabilidade social, a escolaridade familiar é relativamente baixa. Além disso, apesar da maioria estar na escola, observou-se que parte está defasada em ano escolar. Coerente com essa realidade, constatou-se que não gastam dinheiro para entrar na internet, usam em casa, escola, curso ou projeto social. O conjunto dos dados chama a atenção para a importância de se disponibilizar o acesso à rede em escolas e locais que adolescentes frequentam como medida de inclusão digital, e de se ensinar a usar esse recurso com propriedade, como já apontado por Livingstone (2014). Os resultados mostraram que o uso da internet pode inclusive favorecer o contato entre adolescente e família, uma vez que se observou que metade usa a rede para esse fim. Dado relevante, uma vez que cerca de um quarto da amostra não mora com os pais. No entanto, chamou atenção a presença de classes A e B na amostra. Como o critério utilizado foi a Critério Brasil (ABEP, 2012) baseado na posse de bens, pode-se supor que esse dado esteja refletindo o momento que o país estava passando em 2012, marcado por uma ascensão de classe social devido à maior renda e incentivo para aquisição de bens de consumo. Além disso, é importante ressaltar que foram entrevistados jovens que frequentam as atividades na sede do Projeto Quixote e não os adolescentes que são abordados pelos educadores nas ruas.
A maneira como os participantes usam a rede denota um uso prioritário de comunicação e entretenimento: entrar em rede social, ouvir e baixar música; e o que mais gostam na internet é a possibilidade de interação social. Esses resultados coincidem com os obtidos pela pesquisa no Brasil Kids Online Brasil 2012 (Barbosa, 2013) e Brasil Kids Online Brasil 2013 (Barbosa, 2014) e com a pesquisa realizada pela comScore (Queiroz, 2015), o que sugere que o perfil de uso da presente amostra é condizente com a realidade nacional. A preponderância do uso social entre adolescentes brasileiros já foi apontada em estudo comparando brasileiros e europeus em que se observou que brasileiros usam mais redes sociais que europeus (Guzzi, 2014).
É importante ressaltar que, apesar de frequente, ainda foi baixo o índice de adolescentes que usa a rede para obter informações, como foi baixo o uso de aplicativos voltados à produção de conteúdo. Tendo em vista a necessidade de melhorar a educação no país, o uso da internet deveria ser incentivado nesse sentido. Adolescentes têm acesso à rede, mas a maioria aprendeu a usar sozinho ou com seus pares (irmãos e amigos). Assim, é importante capacitar adultos para despertar o interesse dos jovens para atividades online que estimulem o desenvolvimento de competências, como ler livros, produzir vídeos, redigir textos, fazer pesquisas, cursos, etc... Trata-se de atividades que propiciam domínio de ferramentas que vêm se mostrando importante via de inclusão social e no mercado de trabalho. A importância de preparar adultos para lidar com essa tecnologia já vem sendo discutida (Palfrey & Gasser, 2011). Alguns autores destacam a necessidade de educadores aprenderem a lidar com recursos digitais, uma vez que o foco da educação para o futuro é a aprendizagem e não o conteúdo em si. Ressaltam ainda que essas ações devem contribuir para a formação de uma ética e de cidadania digital (Barros, 2013; Pinheiro, 2013; Silva, 2013). Estimular diferentes atividades também contribuirá para maturidade digital. Apesar do brasileiro ter sido considerado maduro digitalmente, uma vez que a maioria referiu 11 tipos de uso ou mais (Queiroz, 2015), na presente amostra, caracterizada por vulnerabilidade social, apenas 18% entraram nessa categoria.
A pratica de jogos eletrônicos mostrou-se popular entre os adolescentes pesquisados. A maioria joga até 2 horas por episódio, em casa, nos finais de semana, à noite, referindo a possibilidade de relaxar, o desafio de superar etapas e jogar com amigos como os aspectos que mais agradam na atividade. Nota-se que se trata de atividade lúdica, bastante condizente com a forma de entretenimento da atualidade, tal como observado em estudo anterior com estudantes universitários (Suzuki et al., 2009). No entanto as respostas chamam atenção para a relação entre jogos e violência, tema controverso discutido na literatura. Há quem defenda que o jogo pode incitar violência (American Psychological Association [APA], 2015; Palfret & Gasser, 2011) ou, pelo contrário, ser forma estratégica capaz de contribuir para elaboração de conflitos, medos e angústias, proporcionando válvula de escape (Rosseti, Kuster, Sousa, & Leme, 2007). Nas respostas observamos a presença desses dois aspectos. Por um lado, um décimo dos adolescentes relatou ficar mais agressivo quando perde e um terço acredita que os jogos podem deixar mais violento, e por outro, uma parcela expressiva usa o jogo para extravasar raiva. A agressividade se fez mais presente nas respostas dessa amostra do que no estudo anterior acima citado (Suzuki et al., 2009). Pode-se supor que a diferença entre a realidade das duas amostras esteja refletida nessas respostas. Universitários são mais velhos e possuem nível educacional mais elevado, portanto, já tem mais maturidade para lidar com afetos negativos. Adolescentes são mais impulsivos pela própria fase de desenvolvimento em que se encontram (Casey & Caudle, 2013), o que favorece respostas mais susceptíveis ao calor da emoção. Além disso, pode-se se perguntar se respostas com maior teor de violência estão relacionadas ao ambiente caracterizado por vulnerabilidade social que essa amostra de adolescentes vive. Dessa forma, as respostas com maior índice de agressividade podem não ter sido provocadas pela atividade de jogar em si, mas o jogo pode propiciar a expressão de afetos que já estavam presentes. Nessa direção, o relatório da APA (2015), sobre influência de jogos violentos no comportamento, afirma que não há um único fator de risco que leve a pessoa a agir agressivamente ou violentamente. É o acúmulo de fatores de risco que tende a levar a comportamentos agressivos ou violentos. A pesquisa revista nesse relatório mostra que uso de vídeo games violentes é um desses fatores.
Uma série de outros riscos associados ao uso da rede e de jogos eletrônicos foram identificados nas respostas do questionário. A preponderância de uso noturno contribuiu para diminuição de horas de sono e pode trazer consequências como sonolência diurna, reflexo no desempenho escolar e impacto para a saúde. Além disso, são citados perigos associados à exposição excessiva (conversar com desconhecidos, pedofilia), agressão (bulliyng, como vítima ou autor) e vírus; cerca de um quarto relatou ter tidos problema decorrentes do uso da rede e quase metade acredita que a internet pode viciar. No entanto, nem sempre se protegem. Foi constatado que cerca de um quarto da amostra fala com desconhecidos, cerca de um terço conheceu pessoalmente e mantém contato com amigo virtual e mais da metade já usou a webcam. Esse dado é coerente com a pesquisa Kids Online que encontrou que 38% adicionou desconhecidos a seus contatos (Barbosa, 2014). Além disso, constatou-se também que 12% já acessou sites pornográficos. Esses resultados reforçam a necessidade de investimento em medidas de proteção para um uso seguro da rede. A dificuldade para usar ferramentas para usuário, dispositivos de segurança, políticas de uso e configurações de privacidade e mecanismos de denúncia foi constatada no estudo europeu (Livingstone, 2014) e se evidencia nas respostas dos adolescentes aqui entrevistados. Guzzi (2014) ressalta a importância da prevenção e da divulgação de sites que se propõem a isso, como www.google.com.br/safetycenter e a ONG Safernet. Procurando mitigar os riscos de segurança, Palfrey e Gasser (2011) sugerem a combinação de uma série de estratégias que envolvem ferramentas como educação, desenvolvimento de tecnologia, normas sociais e a lei.
Apesar de não ter sido aplicada nenhuma escala para rastrear dependência de internet ou de jogos eletrônicos, a análise comparando os participantes que usavam a rede mais de 4 horas com os demais parece indicar apenas eventual uso excessivo. Os adolescentes que ficam mais de 4 horas por vez usam a internet para fazer trabalhos, têm blog e conversam mais com namorado via rede, atividades comuns nos dias de hoje. Entretanto, menos adolescentes desse grupo saem da rede sozinhos, jogam com monitores de escola ou de projetos que frequentam, e, por outro lado, mais adolescentes desse grupo jogam de madrugada, videogames portáteis, RPG e jogos tipo simulador, dados que explicitam a importância da presença de adultos monitorando o uso de jogos e da internet. Há uma tendência de deixar adolescentes quer navegando na rede ou jogando em detrimento de relações pessoais presenciais. Porém, o contato com pais e adultos em geral é imprescindível para dar parâmetros. O que importa é a maneira como o indivíduo se relaciona com a rede ou os jogos, com percepção do tempo dispendido com esses recursos, crítica a respeito de como e para que os utiliza, sabendo se proteger e lidar com conteúdo inapropriado, de forma a se sentir seguro para denunciar abordagens indevidas. A convivência com o adolescente e o acompanhamento de suas atividades permitem que se identifique se há uso exagerado ou indevido, como risco de fuga de desafios da vida real pela alienação virtual. Pais e educadores muitas vezes tentam proibir o uso na tentativa de proteger os adolescentes, entretanto, como bem aponta Livingstone (2014), não adianta restringir o uso, o importante é ensinar a usar com segurança e promover cidadania digital. Nesse sentido, visando orientar pais, educadores e profissionais nessa tarefa, há iniciativas como o website psicoeducativo criado pelo Grupo de Estudos de Adições Tecnológicas (Pican, Moreira, & Spritzer, 2012).
Finalmente, analisando as respostas comparando diferenças de gênero, observou-se que meninos entram mais em contato com amigos virtuais e jogam mais com esses amigos; ficam em média mais tempo online; jogam por mais tempo; de madrugada; jogos de esporte e jogos de estratégia e guerra que as meninas. Estas apresentaram maior uso relacionado à instituição que frequentam e se destacaram dos meninos pelo uso mais frequente em conversas com namorado e por praticarem mais jogos de humor. Essas diferenças sugerem um perfil de maior uso de risco por parte dos meninos, principalmente com relação a jogos, já observado em outros estudos (Blinka & Smahel, 2011; Suzuki et al., 2009). Essa variável deve ser levada em consideração no planejamento de atividades com essa população, principalmente quanto à prevenção ao uso indevido dessas tecnologias.
Considerações Finais
Conforme constatado pelo presente estudo, adolescentes em situação de vulnerabilidade social têm acesso a jogos eletrônicos e à internet, sendo o uso prioritário relacionado a lazer e redes sociais. Os jovens sabem dos perigos relacionados a essas atividades, porém nem sempre tomam as devidas precauções. Os dados evidenciam a necessidade de capacitar professores e monitores, e orientar pais para que estimulem uso que contribua para desenvolvimento de competências e que acompanhem essas atividades para evitar utilização indevida ou inadequada. Essas recomendações se aplicam a adolescentes em geral, mas são ferramentas importantes quando se pensa em promover oportunidades para diminuir a desigualdade social prevalente no pais.
A importância da inclusão digital nesse sentido é indiscutível, e a exclusão digital não está relacionada somente ao acesso à tecnologia, mas também à falta de capacitação para usufruir de seu potencial. Como bem afirma Sorj (2003), autor que estuda o impacto da exclusão digital na desigualdade social e nas oportunidades e qualidade de vida, a exclusão digital possui forte correlação com as outras formas de desigualdade social, e, em geral, as taxas mais altas de exclusão digital encontram-se nos setores de menor renda. Segundo esse autor, a exclusão digital depende de cinco fatores que determinam a maior ou menor universalização da tecnologia de informação e comunicação: existência de infraestruturas físicas de transmissão; disponibilidade de equipamento/conexão de acesso; treinamento no uso dos instrumentos do computador e da online; capacitação intelectual e inserção social do usuário; produção e uso de conteúdos específicos adequados às necessidades dos diversos segmentos da população. Observa-se que no presente estudo evidencia-se a necessidade de investir principalmente nos três últimos aspectos, uma vez que os adolescentes encontram meios para acessar a rede, mas a utilizam de forma empobrecida.
A tecnologia pode propiciar incremento na qualidade de vida viabilizando o acesso a educação, cultura, saúde, comunicação, serviços, etc. Há inclusive iniciativa do governo brasileiro em disponibilizar serviços e informação visando facilitar a vida do cidadão, a participação popular e proporcionar prestação de contas e transparência de gestão. No entanto, Pinho (2008) constata como essa intenção ainda está longe da realidade. Em estudo que analisa portais governamentais de estados brasileiros visando verificar como esses governos estão avançando na construção e aperfeiçoamento da democracia usando os meios digitais, esse autor mostra como não basta a tecnologia, mas que falta mudança de cultura que propicie diálogo com a sociedade e verdadeira participação social.
Nesse sentido, iniciativas bem-sucedidas que promovam informatização junto a populações carentes deveriam ser incentivados. Sorj (2003) descreve um projeto no Rio de Janeiro, o Projeto Viva Rio, ressaltando a contribuição do mesmo na formação e educação, criação de emprego e fontes de trabalho, luta contra a violência e desenvolvimento de uma cultura de direitos humanos. Esse autor faz ampla discussão abordando as relações entre Estado, ONGs e políticas sociais, apontando desafios que impõem à exclusão digital a mobilização criativa das novas tecnologias da comunicação a serviço da luta contra a pobreza e a desigualdade social. Portanto, a apropriação da tecnologia deve ser utilizada a favor da cidadania e investir em capacitação para que adolescentes façam bom uso da tecnologia de informação e comunicação pode ser uma contribuição decisiva nesse sentido, uma vez que os adolescentes de hoje serão os adultos de amanhã.
Uma limitação deste estudo é o tamanho reduzido da amostra e sua restrição a um projeto desenvolvido na cidade de São Paulo. Além disso é importante considerar um viés de seleção, uma vez que não houve sorteio de amostra, mas foram entrevistados de forma aleatória os adolescentes que estavam presentes nos dias em que os entrevistadores podiam aplicar o questionário. Ainda uma limitação do estudo é o fato de ser baseado em relato dos próprios adolescentes, que apesar dos cuidados com garantia de sigilo, podem ter omitido ou exagerado respostas. Outra limitação decorre da rápida mudança na disponibilidade e acesso à rede e a dispositivos móveis, celulares, tablets, computadores. Os dados foram colhidos no 2º. semestre de 2012, de forma que seria importante realizar novos estudos, com população mais abrangente.
Referências
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Endereço para correspondência:
Maria Paula Magalhães Tavares de Oliveira
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Fone: (fax) 011 30635280
E-mail: mpm_fto@uol.com.br
Recebido: 15/12/2015
1ª revisão: 16/06/2016
Aceite final: 17/06/2016
Nota de agradecimento: Gostaríamos de gradecer a colaboração de Vinicius Magnum pelo auxilio na aplicação de questionários e digitação de dados.