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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.26 no.1 Ribeirão Preto jan./mar. 2018

https://doi.org/10.9788/TP2018.1-14Pt 

ARTIGOS

 

Infidelidade conjugal: a experiência de homens e mulheres

 

Infidelidad conyugal: la experiencia de hombres y mujeres

 

 

Patrícia ScheerenI; Iñigo de Alda Martínez de ApellánizII; Adriana WagnerIII

IOrcid.org/0000-0002-9829-278X. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
IIOrcid.org/0000-0002-6301-1052. Universidad del Pais Vasco, San Sebastián, Espanha
IIIOrcid.org/0000-0002-0629-2310. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo visa conhecer a vivência da infidelidade em homens e mulheres casados ou em coabitação em termos de frequência, tipos de comportamentos e motivos para ser infiel. Participaram da pesquisa 237 sujeitos, 106 homens e 131 mulheres com idades entre 21 e 73 anos (M = 38; DP = 11,22) que reportaram terem sido infiéis ao companheiro(a) atual. Os participantes responderam a uma ficha de caracterização sociodemográfica e de dados sobre o relacionamento, o Questionário de Infidelidade e a Escala de Ajustamento Conjugal Revisada. Os resultados revelaram a similaridade dos comportamentos de infidelidade entre homens e mulheres, ainda que os homens refiram mais comportamentos sexuais enquanto as mulheres maior envolvimento emocional nestes relacionamentos. O estudo identificou que o principal motivador para a traição em ambos os sexos é a insatisfação com o companheiro(a) ou com a relação. Esses achados evidenciam a importância de se considerar a infidelidade como um fenômeno relacional. Destaca-se a importância deste enfoque relacional no tratamento de casais que vivenciam esse fenômeno.

Palavras-chave: Infidelidade, relações conjugais, comportamentos de infidelidade, motivos de infidelidade.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo conocer la experiencia de infidelidad en hombres y mujeres casados o que cohabitan en términos de la frecuencia, tipos de comportamientos y motivaciones para ser infiel. Los participantes fueron 237 sujetos, 106 hombres y 131 mujeres con una edad entre 21 y 73 años (M = 38; DE = 11.22) que reportaron haber sido infiel a su pareja actual. Los participantes respondieron a una hoja de datos sociodemográficos y de caracterización de la relación, el cuestionario de comportamientos de infidelidad y de la Escala de Ajuste Marital revisado. Los resultados revelan la similitud de comportamientos de infidelidad de hombres y mujeres, aunque los hombres refieren más comportamientos sexuales mientras las mujeres refieren involucrarse de manera afectiva en estas relaciones. El estudio identificó que la principal motivación para la traición para ambos sexos es la insatisfacción con su compañero(a) o con la relación. Estos resultados ponen de relieve la importancia de considerar la infidelidad como un fenómeno relacional. Se destaca la importancia de este enfoque relacional en el tratamiento de las parejas que experimentan este fenómeno.

Palabras clave: Infidelidad, relaciones de pareja, comportamiento de infidelidad, motivos de infidelidad.


 

 

A infidelidade tem sido tema de discussão entre os pesquisadores da área há mais de 30 anos (Hertlein & Weeks, 2007). Pesquisas têm demonstrado que a infidelidade pode ter efeitos negativos no casamento, podendo ser a experiência mais temida e devastadora de um casamento (Pittman, 1994), inclusive, podendo levar à ruptura do vínculo (Zordan & Strey, 2011). Uma revisão sistemática da literatura (Scheeren, 2016) sugere prevalências de infidelidade entre 1,2% (Beaulieu-Pelletier, Philippe, Lecours, & Couture, 2011) a 89,4% (Zhang, Parish, Huang, & Pan, 2012). No Brasil, o estudo conduzido por Goldenberg (2011) com 1279 homens e mulheres das camadas médias urbanas do Rio de Janeiro mostrou que 60% dos homens e 47% das mulheres já foram infiéis.

No cenário internacional, a infidelidade é definida como um ato sexual e/ou emocional exercido por uma pessoa que está em uma relação de compromisso, sendo que este ato ocorre fora desta relação primária e constitui uma quebra de confiança e/ou violação das normas acordadas pelo casal, por um ou ambos os indivíduos numa relação de exclusividade emocional e/ou sexual (Moller & Vossler, 2015). Além da violação da regra de exclusividade, é comum que a infidelidade gere segredos entre o casal (Pittman, 1994). No contexto brasileiro, em uma pesquisa online na qual participaram 276 usuários da internet que estavam em um relacionamento amoroso heterossexual, 23,1% dos participantes definiram a infidelidade como uma quebra de contrato. Além deste, foram citados outros aspectos, tais como ter outra pessoa, mentir, manter contato físico com outra pessoa, ter desejo por outra pessoa, manter-se em um relacionamento sem sentimento e falta de respeito (Haack & Falcke, 2013). A partir desta perspectiva, mesmo aquelas pessoas que se encontram em um relacionamento aberto também buscam uma "monogamia amorosa", que se expressa em determinadas regras para o envolvimento com outras pessoas. Nestes casos, ainda que com maior flexibilidade, nestas relações amorosas abertas, também pode haver infidelidade na medida em que as regras estabelecidas não se cumpram, podendo ocorrer, por esse motivo, ruptura do vínculo (Goldenberg, 2010).

Ainda que as fronteiras estejam cada vez mais difusas no que se refere aos papeis de gênero na conjugalidade, pesquisas desde os anos 1980 têm apontado para diferenças entre homens e mulheres no que se refere à infidelidade, sendo as diferenças de sexo uma das maiores áreas de estudo dentro do campo da infidelidade (Glass & Wright, 1985; Greeley, 1994; Kemer, Bulgan, & Çetinkaya Yıldız, 2015). Pesquisas recentes têm revelado que homens demonstram maior necessidade de novas sensações e, consequentemente, são mais propensos a se engajarem em comportamento extraconjugal (Lalasz & Weigel, 2011). Além disso, os estudos também têm demonstrado diferenças entre a forma como homens e mulheres respondem a diferentes tipos de infidelidade. As mulheres tendem a apresentar mais ciúmes relacionados à infidelidade emocional enquanto os homens à infidelidade sexual (Guadagno & Sagarin, 2010). As mulheres consideram uma intensa relação emocional com pessoa fora da relação como um envolvimento infiel, mesmo que não tenha um componente físico. Para os homens, é prioridade ter contato físico, tipicamente sexual, para constituir infidelidade, dispensando o envolvimento emocional (Thornton & Nagurney, 2011).

As razões que levam as pessoas a se envolverem com alguém fora do relacionamento são as mais variadas e complexas ao longo do tempo. Nos anos 1990, Lusterman (1998) apontou que as pessoas são infiéis por diversas razões, podendo ter relação com a família de origem, com as crenças a respeito do sexo oposto ou com a um sentimento de vulnerabilidade em algum momento do ciclo vital, como o nascimento de um filho. As primeiras pesquisas científicas a respeito dos motivos de infidelidade foram realizadas por Glass e Wright (1992). Preocupadas em explicar o comportamento infiel, as autoras propuseram 17 justificativas para a infidelidade derivadas da prática clínica e de pesquisa bibliográfica. A análise dos dados indicou quatro justificativas: (a) sexual, relacionada à curiosidade, excitação e variedade de parceiros sexuais; (b) amor romântico, busca de afeto e paixão; (c) intimidade emocional, procura de uma companhia compreensiva e respeitosa, refletindo em um aumento da autoestima; e (d) motivação extrínseca, sentimento de vingança da traição sofrida ou busca de ascensão da carreia profissional. Os resultados do estudo apontaram para diferenças entre homens e mulheres, sendo que os homens apresentaram mais justificativas sexuais enquanto as mulheres justificativas relacionadas a intimidade emocional.

Outros estudiosos propuseram categorias a partir de revisão da literatura. Drigotas, Safstrom e Gentilia (1999) apresentaram cinco categorias para justificar a infidelidade: (a) satisfação sexual, onde há busca pela variedade sexual ou devido incompatibilidade sexual com o parceiro(a); (b) satisfação emocional, na qual o foco é a satisfação emocional com um novo relacionamento; (c) contexto social, incluindo variáveis como oportunidade ou separação física do companheiro(a); (d) normas e atitudes, relacionadas a normas sociais, como permissividade sexual; e (e) por fim, vingança/hostilidade associadas ao desejo de revidar a traição sofrida.

No ano de 2005, Barta e Kiene publicaram os resultados de uma investigação sobre as motivações para a infidelidade em uma amostra de 451 estudantes universitários norte-americanos, encontrando quatro justificativas: (a) insatisfação com o parceiro(a); (b) negligência e falta do parceiro(a) no relacionamento; (c) raiva, desejo de punir o parceiro(a); e (d) sexo, interesse em variedade e maior frequência sexual. A insatisfação foi o motivo mais apontado pelos participantes como justificativa para infidelidade, seguido por negligência, sexo e raiva. Os resultados também mostraram que mulheres eram mais motivadas por questões emocionais (insatisfação, negligência e raiva) enquanto os homens pela motivação sexual. Os achados vão no sentido de que as mulheres são mais suscetíveis que os homens a se engajar em infidelidade devido a uma insatisfação com o parceiro no relacionamento primário. Ao contrário, os homens são mais suscetíveis a se engajar em infidelidade motivados por fatores sexuais, contudo, essa motivação sexual normalmente não ocorre de forma isolada, mas sim num contexto de insatisfação conjugal e negligência emocional da parceira. Nestes casos, a infidelidade pode se dar como uma resposta possível a uma situação de insatisfação com o relacionamento.

Buscando verificar se os resultados para estudantes na Turquia se assemelhavam aos resultados norte-americanos, Yeniçeri e Kökdemir (2006) investigaram as razões para 404 jovens universitários turcos se engajarem em infidelidade. A análise dos resultados indicou seis motivos: (a) legitimidade, relacionado à vingança, ou seja, o parceiro(a) merece ser traído; (b) sedução, implica em seduzir ou ser seduzido por uma terceira pessoa; (c) normalização, a infidelidade é vista como um ato normal; (d) sexualidade, onde alguma lacuna na vida sexual do casal explicaria a infidelidade; (e) contexto social, está relacionado a atos como ter casado cedo, crescer numa cultura conservadora; e por fim, (f) procura de novas sensações, busca de diversão, paixão e sair da rotina. Os resultados demonstraram que homens tendem a dar mais importância para a sedução como causa da infidelidade enquanto as mulheres atribuem ao contexto social. Os resultados demonstram que a legitimidade foi percebida como uma razão de infidelidade se o traidor fosse uma mulher. Entretanto, se o traidor fosse um homem, sedução, sexualidade e contexto social foram componentes mais citados como causa de infidelidade (Yeniçeri & Kökdemir, 2006).

Este aspecto também foi pesquisado em um contexto latino, numa amostra de 1200 mexicanos com idade média de 25 anos que estavam numa relação amorosa no momento da coleta dos dados (Palencia, Rivera-Aragón, & Díaz-Loving, 2007), a qual revelou sete motivos para infidelidade: (a) insatisfação com a relação primária, no qual atribui a infidelidade a problemas de comunicação, atenção e interesses; (b) sexualidade, a infidelidade motivada pela busca de satisfação de necessidades sexuais; (c) instabilidade emocional e social, a infidelidade relacionada a problemas do tipo pessoal, principalmente de ordem emocional; (d) ideologia e normas, justificando a infidelidade a partir da educação, valores e ética individual do sujeito; (e) impulsividade, a infidelidade como consequência de comportamentos impulsivos; (f) apatia, a infidelidade relacionada ao desamor e a apatia na relação primária; e (g) agressão, que atribui a infidelidade a sentimentos de vingança frente à infidelidade do companheiro(a).

Buscando investigar as razões da infidelidade no contexto Europeu, mais recentemente Martins (2012) avaliou 495 portugueses questionando sobre os motivos para a infidelidade. O motivo mais citado para os homens foi a oportunidade, enquanto que para as mulheres a infelicidade na relação. Além disso, já ter sido infiel a um parceiro e uma menor satisfação com a conjugalidade foram variáveis preditoras da infidelidade. No Brasil, o estudo online realizado por Haack e Falcke (2013) com 276 brasileiros usuários da internet, os participantes justificaram seus atos de infidelidade por motivos tais como: curiosidade para experimentar outros relacionamentos, desgaste no relacionamento primário, carência, falta de comprometimento, antecipação de uma possível traição do parceiro(a) e vingança.

Ainda com uma amostra brasileira, Goldenberg (2011), encontrou diferenças no posicionamento de homens e de mulheres quanto aos motivos de traição. Os homens se justificaram por terem uma natureza/essência propensa à infidelidade. Já as mulheres, responsabilizaram seus parceiros pelo fato de elas cometerem infidelidade. Homens disseram trair por atração física, vontade, tesão, oportunidade, "galinhagem", natureza masculina e instinto. Já nas respostas femininas, insatisfação com o parceiro, falta de amor, para levantar a autoestima, vingança, além de não se sentirem desejadas pelos parceiros.

As razões para a infidelidade são as mais variadas, mas percebe-se um ponto em comum entre os estudos. Na sua grande maioria, as pesquisas apontam para fatores relacionados à insatisfação com o relacionamento conjugal e/ou com o parceiro(a) ou busca de amor romântico; aspectos relacionados à sexualidade, como busca de novas experiências sexuais ou insatisfação sexual com o parceiro(a); busca de liberdade e quebra da rotina; infidelidade como uma resposta à traição sofrida; e oportunidade ou um contexto propício à traição. Apesar de os resultados das pesquisas não serem conclusivos, percebe-se, de maneira geral, fatores de ordem pessoal, relacional e contextual implicados na busca pela infidelidade.

Embora a infidelidade seja um fenômeno prevalente nos relacionamentos e acarrete altos níveis de sofrimento, inclusive culminando em divórcio conjugal, ainda percebem-se os esforços empreendidos para conhecer melhor essa temática que carece ser examinada mais profundamente e de forma mais sistemática. A partir da perspectiva ecológica (Brofenbrenner, 1994), entende-se que a infidelidade é permeável e relacionada por fatores de nível pessoal, relacional e contextual. Desta maneira, este artigo visa contribuir de forma a conhecer a vivência da infidelidade em uma amostra brasileira ao descrever como homens e mulheres coabitando ou casados vivenciam a infidelidade, com relação a frequência, tipos de comportamentos e motivos da busca de uma relação fora do relacionamento primário.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 237 pessoas, 131 mulheres (55,3%) e 106 homens (44,7%) de orientação heterossexual casados ou que coabitavam com seu(a) parceiro(a). A pesquisa foi divulgada a nível nacional através de convite online para e-mails de Universidades Brasileiras. Desta forma, a pesquisa teve participantes de todas as cinco regiões do Brasil, havendo uma maioria de participantes da Região Sul (63,8%). As idades variaram de 21 a 73 anos, sendo a idade média dos participantes de 38 anos (DP = 11,22). Foram incluídos no estudo somente os participantes que tinham idade acima de 21 anos e que viviam junto com seu companheiro(a) por no mínimo seis meses. Todos os participantes haviam respondido afirmativamente a pergunta: "Você já traiu seu companheiro(a) atual?". Nesta amostra, 51,1% estavam casados oficialmente, 26,2% tinham união estável e 22,8% moravam junto. O tempo médio em que os participantes estavam morando com o companheiro(a) atual foi de 12 anos (DP = 10,6), variando de menos de um ano até 49 anos de coabitação. Dos respondentes, 62% tinham filhos e destes, em 74,8% dos casos os filhos habitavam com os participantes. Com relação ao nível de escolaridade, 62,7% estavam cursando ou já haviam finalizado um curso de pós-graduação, 33% tinham nível de escolaridade superior e 4,3% nível médio. Sobre a renda pessoal, 42,5% tinham renda pessoal de até cinco salários mínimos, 13,2% entre 5 e 7 salários e 44,3% mais de 7 salários. No que se refere à prática religiosa, 36,5% relataram não ser praticantes enquanto que 8,2% se disseram muito praticantes.

Instrumentos

Questionário de Dados Sociodemográficos e do Relacionamento. Desenvolvido para esta pesquisa a fim de caracterizar a amostra investigada quanto a variáveis relativas as características pessoais (idade, escolaridade, religião, etc), do casamento (informações sobre infidelidade no relacionamento atual e em relacionamentos anteriores) e informações relativas a infidelidade (como vivência de um relacionamento aberto, frequência da infidelidade e características que encontram no relacionamento e na relação de infidelidade). Esse questionário teve uma pergunta aberta para avaliar as razões da infidelidade: "Descreva o motivo que fez você trair seu companheiro(a)".

Questionário de Comportamentos de Infidelidade - QCI (Scheeren, 2016). Avalia 23 comportamentos de infidelidade e sua incidência no relacionamento atual, tais como "Trocar carícias sexuais com aquela pessoa", "Estar apaixonado por aquela pessoa", "Flertar/paquerar aquela pessoa". Os itens foram codificados em um formato binário (0 = não aconteceu; 1 = aconteceu) e o total foi calculado ao somar o número de respostas "aconteceu".

Escala de Ajustamento Conjugal Revisada -RDAS-P (Revised Dyadic Adjustment Scale de Busby, Christensen, Crane, & Larson, 1995) traduzida e adaptada para o português Brasileiro por Hollist et al. (2012). O RDAS-P é um instrumento composto por 14 itens medidos em uma escala do tipo Likert de 6 pontos, que compõem três subescalas: satisfação, consenso e coesão. A satisfação avalia a estabilidade percebida no relacionamento e como os conflitos são encaminhados. O consenso mede o grau de concordância sobre assuntos de casal. E por fim, a coesão avalia a frequência de interações positivas no casal. As subescalas podem ser somadas para formarem um escore total representativo do ajustamento conjugal que varia de 0 a 69, com maiores valores indicando melhores níveis de ajustamento. Os alfas de Cronbach do estudo de validação americano foram de 0,85 para satisfação; 0,81 para consenso e 0,80 para coesão. Neste estudo, a análise fatorial exploratória manteve a mesma estrutura fatorial da escala original, com alfas de Cronbach de 0,83 para satisfação; 0,70 para consenso e 0,82 para coesão, demonstrando bons índices de validade interna.

Procedimentos de Coleta de Dados

Visando garantir a confidencialidade e anonimato dos dados, os participantes receberam um convite para participar da pesquisa online através da base de dados Qualtrics (www.qualtrics.com). O chamamento foi realizado pelas redes sociais, Twitter e Boletim informativo da Universidade e envio de e-mails para listas de contatos. Além disso, esta pesquisa contou com o efeito bola de neve, pedindo que os próprios participantes encaminhassem e divulgassem o link da pesquisa. No convite, os participantes tiveram informações a respeito dos objetivos da pesquisa e os critérios de inclusão. Aqueles que aceitaram participar, ao acessar o link, leram e aceitaram o Termo de Consentimento e Livre e Esclarecido.

Procedimentos de Análise de Dados

Os dados foram analisados a partir de análises descritivas de frequência, médias e desvio-padrão das variáveis coletadas na pesquisa considerando os resultados para homens e mulheres. Para averiguar as relações e diferenças entre os grupos, foram realizadas correlações de Spearman, análises de variância (ANOVA) e Qui-quadrado. Referente aos dados qualitativos, procedeu-se com análise de conteúdo (Olabuenaga, 2003) partindo de categorias estabelecidas a posteriori a partir da leitura dos dados e da revisão de categorias publicadas em artigos da área. As unidades de análise passaram pela concordância entre juízes, mantendo-se as unidades que apresentaram um índice Kappa de concordância superior a 80%. O índice Kappa foi mensurado a partir da soma de respostas da mesma categoria dividido pelo número de juízes e multiplicado por 100. Nesta etapa, participaram como juízes uma doutora em Psicologia, duas doutorandas em Psicologia e uma Psicóloga. As respostas que não obtiveram esse índice de concordância, passaram pela avaliação de um juiz com expertise na área.

Procedimentos Éticos

Este estudo foi conduzido respeitando as diretrizes de pesquisa com seres humanos de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 196/1996 e da Resolução 16/2012 do Conselho Federal de Psicologia. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob o registro CAAE 23718014.4.0000.5334.

 

Resultados

Infidelidade: Incidência e Frequência

Para compreender como a infidelidade é vivenciada nos casais desta amostra, a Tabela 1 apresenta os valores para as variáveis relativas a infidelidade com cálculos de diferenças para homens e mulheres.

Conforme os resultados apresentados na Tabela 1, as análises de variância não demonstraram diferenças significativas em nenhuma das variáveis que avaliava a infidelidade no comportamento de homens e mulheres. Os dados revelaram que na grande maioria, homens (50%) e mulheres (45,9%) que foram infiéis conversam com o parceiro(a) a respeito de fidelidade/infidelidade e concordam com seu companheiro(a) sobre quais comportamentos são considerados infiéis (68,5% das mulheres e 74,5% dos homens). Em torno de 15% das mulheres e 20% dos homens possuem um contrato com o companheiro no qual é possível se envolver com pessoa fora do relacionamento. Não houve associação entre ter um relacionamento aberto (combinação no qual é possível se envolver emocional/sexualmente com outras pessoas) e a condição amorosa (X2 = 0,14; p = 0,93). Os níveis de ajustamento conjugal também não diferiram entre aqueles que têm um relacionamento aberto daqueles que não têm [t(235) = 1,63; p = 0,66]. A média do ajustamento conjugal da amostra feminina foi de 32,30 (DP = 5,75) e masculina de 33,90 (DP = 4,31), sendo que a diferença entre homens e mulheres não foi significativa [t(235) = -2,39, p = 0,07].

Sobre a primeira infidelidade no relacionamento atual, 29,2% revelaram que ocorreu no primeiro ano de convivência com o companheiro; 36,7% entre o segundo e o quinto ano de convivência, 13,7% entre o sexto e o décimo ano; 9,3% entre o 11º e 15º ano de convivência; e por fim, 11,1% a partir do 15º. Ressalta-se, que nesta amostra, a média de tempo de convivência com o companheiro foi de 12,01 anos (DP = 10,6), observando-se que os maiores índices de infidelidade ocorreram nos cinco primeiros anos de relacionamento, havendo uma diminuição da incidência a partir dos 15 anos de convivência.

A frequência dos comportamentos de infidelidade não mostrou associação significativa com a condição amorosa (X2 = 5,91; p = 0,66), idade que foram morar juntos [t(235) = 1,06, p = 0,60] e tempo que os parceiros moram juntos [t(235) = 0,44, p = 0,28]. Entretanto, a frequência com que as pessoas traíram seu companheiro teve diferença significativa com relação ao ajustamento conjugal F(3, 208) = 9,37; p < 0,001, sendo que o teste Post-Hoc de Bonferroni mostrou diferença de valores para o RDAS-P entre os grupos que traíram no último ano (M = 34,67, DP = 4,85) com aqueles que traem todos os dias (M = 30,33, DP = 3,86). Ou seja, as pessoas que traem com maior frequência (todos os dias) apresentaram menores níveis de ajustamento conjugal que aquelas que traíam com menor frequência (no último ano).

Ao agrupar as pessoas que cometeram infidelidade por faixas de idade, pode-se perceber a seguinte incidência de infidelidade: 21 a 30 anos (25,7% da amostra), 31 a 40 anos (35,4%), 41 a 50 anos (22,4%) e acima de 51 anos (15,5%). Nesta amostra, a maior parte dos respondentes que cometeram infidelidade concentra-se na faixa de 31 a 40 anos. A frequência com a qual traía o companheiro(a) não teve diferença em função dos grupos de idade analisados (X2 = 15,08; p = 0,24), entretanto, observa-se uma gradual diminuição de tais episódios com o aumento da faixa etária.

Infidelidade: Comportamentos Infiéis

Com relação aos comportamentos de infidelidade, os participantes assinalaram a partir da lista de 23 comportamentos mensurados pelo QCI aqueles que ocorreram na sua relação atual. Aqueles que aconteceram receberam o valor 1 e aqueles que não ocorreram o valor 0. A média de comportamentos de infidelidade ocorridos nesta amostra foi de 11,6 (DP = 6), com mínimo de 1 e máximo de 23.

Na Tabela 2 é possível ver as médias para homens e mulheres.

Os comportamentos de infidelidade mais frequentes para as mulheres foram "14. Arrumar-se mais e vestir roupas melhores para encontrar aquela pessoa" (84,8%), "12. Flertar/paquerar aquela pessoa" (78,8%), "22. Esconder do seu companheiro(a) mensagens que trocou com aquela pessoa" (75,8%), "9. Manifestar atração sexual por aquela pessoa e não por seu companheiro(a)" (69,7%), "1. Trocar carícias sexuais com aquela pessoa" (68,2%), "2. Estar apaixonado por aquela pessoa" (68,2%) e "20. Beijar na boca daquela pessoa" (68,2%). Em média, as mulheres tiveram 11,20 (DP = 6) comportamentos de infidelidade.

Para os homens, os comportamentos mais frequentes foram "1. Trocar carícias sexuais com aquela pessoa" (100%), "12. Flertar/paquerar aquela pessoa" (92,3%), "20. Beijar na boca daquela pessoa" (92,3%), "22. Esconder do seu companheiro(a) mensagens que trocou com aquela pessoa" (92,3%), "18. Fazer sexo com aquela pessoa" (76,9%), "11. Buscar realizar atividades para passar mais tempo na presença daquela pessoa" (69,2%), "14. Arrumar-se mais e vestir roupas melhores para encontrar aquela pessoa" (69,2%) e "19. Apagar mensagens de conteúdo sexual que trocou com aquela pessoa" (69,2%). Em média, os homens tiveram 13,61 (DP = 5,63) comportamentos de infidelidade.

Ao considerar os 23 comportamentos, encontrou-se diferença significativa entre homens e mulheres para dois dos comportamentos: "1. Trocar carícias sexuais com aquela pessoa" X2(1, 79) = 5,63; p = 0,01 e "21. Masturbar-se na presença daquela pessoa pela internet" X2(1, 79) = 4,16; p = 0,05, sendo que para ambos os comportamentos, a média maior foi para os homens quando comparado com as mulheres.

Infidelidade: O que Eu Procuro em Outra Relação?

Apresentou-se uma lista de aspectos, proposta por Goldenberg (2006), definida por: carinho, compreensão, atenção, companheirismo, interesse/desejo, sexo, atração, amizade, romantismo, dinheiro, status/poder, bens materiais, luxo e glamour que fez parte do Questionário do Relacionamento, apresentado na sessão Instrumentos deste artigo. Solicitou-se que os sujeitos que traíram avaliassem, entre os aspectos apresentados, o que buscavam na relação extraconjugal e o que reconheciam ter em seu relacionamento.

Dentre as variáveis avaliadas, o que as mulheres mais buscaram na relação de traição foi interesse/desejo (61,1%) e atração (53,4%). Já para os homens, os maiores índices de busca na relação de infidelidade foram de sexo (81%). Ambos os sexos relataram que o que mais encontram na relação atual é companheirismo (74,5% dos homens e 67,9% das mulheres) e amizade (67% dos homens e 64,1% das mulheres).

Ao analisar as diferenças entre homens e mulheres quanto ao que eles buscaram na relação de traição, encontrou-se diferença significativa em carinho X2(1, 237) = 9,441; p = 0,002, atenção X2(1, 237) = 20,152; p = 0,01, interesse/desejo X2(1, 237) = 7,349; p = 0,007, sexo X2(1, 235) = 44,356; p = 0,01, e romantismo X2(1, 237) = 7,574; p = 0,006, sendo que carinho, atenção, desejo/interesse e romantismo foram mais procurados pelas mulheres enquanto que sexo pelos homens. Com relação às características que homens e mulheres encontram no seu relacionamento, observou-se diferença significativa quanto à atenção X2(1, 237) = 4,281; p = 0,039, sexo X2(1, 237) = 4,469; p = 0,035, e atração X2(1, 237) = 7,703; p = 0,006, sendo que para as três variáveis os homens referiram encontrar mais no relacionamento quando comparado com as mulheres.

Infidelidade: Motivos que Levaram a Traição

Os sujeitos foram questionados quanto ao motivo de terem sido infiéis. Foram analisadas 210 respostas, sendo que estas se desmembraram em 308 unidades de análises (177 respostas femininas e 131 masculinas). As categorias foram estabelecidas a posteriori a partir da leitura das informações dadas pelos sujeitos que responderam ao questionário e dos artigos publicados na área. Tendo como base a perspectiva ecológica (Brofenbrenner, 1994), partiu-se de três eixos que compõem a relação conjugal, isso é: os cônjuges individualmente, a relação e o contexto. A falta de motivos para a infidelidade foi referida por apenas 7 dos participantes.

Eixo 1: Motivos Pessoais.

Este eixo reúne respostas que dizem respeito ao sujeito envolvido numa relação de infidelidade. Isto é, aqueles conteúdos que referem aspectos que o sujeito reconhece em si, individualmente, independentemente do outro. Este eixo da análise agrupou sete categorias:

Carência afetiva, solidão e insegurança: nesta categoria, a pessoa atribui a infidelidade a sentir-se carente, solitário ou inseguro. Os participantes referiram "carência"; "carência afetiva"; "me sentir sozinho"; "dúvida", "insegurança". Nesta amostra, 22 (7,1%) dos participantes atribuíram as características desta categoria à infidelidade, sendo 14 (7,9%) das mulheres e 8 (6,1%) dos homens.

Características pessoais: esta categoria abarca motivos para infidelidade relacionados a determinadas características próprias do sujeito que cometeu a traição, tais como imaturidade, doenças mentais, impulsividade. Exemplo de respostas desta categoria foram "Considero como imaturidade da minha parte", "Eu sou bipolar, foi numa fase maníaca. Depois que iniciei tratamento correto não houve mais". Nesta categoria, dez (3,2%) participantes perceberam características pessoais como razão de infidelidade, sendo cinco (2,8%) mulheres e cinco (3,8%) homens.

Necessidade sexual: as respostas desta categoria estão relacionadas a suprir uma necessidade indiscriminada de sexo, a ter um impulso para trair e sentir tesão. Alguns dos exemplos de respostas para esta categoria foram "O fogo da carne", "Necessidade sexual", "Tesão", "Impulso". Dezoito (5,8%) participantes perceberam a necessidade sexual como motivo de infidelidade, dos quais 4 (2,3%) mulheres e 14 (10,7%) homens.

Desejo ou atração física: encontram-se respostas relacionadas a atração e desejo por uma pessoa em específico, assim como necessidade de sentir-se atraente para outra pessoa. Alguns dos exemplos desta categoria são "Sentir atração", "Sentir atraente para outra pessoa. Avaliar meu poder de sedução, atração e conquista". Nesta pesquisa, foi atribuição de 34 (11%) participantes, 18 (10,2%) mulheres e 16 (12,2%) homens.

Busca de liberdade, aventura e de valorização: as pessoas atribuem como motivo para a infidelidade a busca por seu próprio espaço ou a procura por se sentir valorizado por meio de outro relacionamento, buscando um aumento da autoestima e autoconfiança, além da busca de novas experiências, busca de novidade, curiosidade e aventura. A exemplo desta categoria, pode-se citar as respostas: "Ter minha vida privada também no lado sexual, sem que a companheira esteja em todos os lugares da minha vida", "Fuga em busca de valorização", "Vontade de experimentar sexo com outra pessoa, sem comprometer meu relacionamento", "Viver um relacionamento excitante". Trinte e um (10,1%) dos participantes perceberam esta a causa de infidelidade, sendo 14 (7,9%) mulheres e 17 (13%) homens.

Envolvimento emocional: a pessoa atribui a infidelidade a um envolvimento emocional extra conjugal, buscando amor e afeição nesta nova relação, além de sentir-se apaixonado por esta outra pessoa. Muitos dos participantes deram testemunhos referindo o envolvimento emocional como um dos motivos para a infidelidade. Exemplos de respostas: "Me apaixonei por outra pessoa, mas continuo apaixonada também pelo meu marido", "Me encantei loucamente por outra pessoa", "... fui pega, fisgada por um outro homem ...", "Reencontrei um amor do passado mal resolvido". Nesta amostra, 31 (10,1%) participantes perceberam o envolvimento emocional como causa de infidelidade, sendo 17 (9,6%) mulheres e 7 (5,3%) homens.

Crenças e regras: a pessoa que comete infidelidade atribui o ato a crenças pessoais sobre poligamia ou normas que o casal acorda sobre relacionamento extraconjugal. Por exemplo: "Não acredito na monogamia". Sete (2,3%) participantes atribuíram crenças e regras à infidelidade.

Este eixo contou com 47,3% das respostas dos participantes. A categoria "desejo ou atração física" foi o motivo de infidelidade mais utilizado como justificativa pelas mulheres, seguido por "envolvimento emocional". Para os homens, "busca de liberdade, aventura e de valorização" foi o maior motivo de infidelidade, seguido por "desejo ou atração física/emocional". Ao comparar os resultados para homens e mulheres, encontrou-se diferença significativa na categoria necessidade sexual X2(1, 308) = 1,23, p = 0,002, sendo mais frequente nos homens quando comparado com as mulheres.

Eixo 2: Motivos Relacionados à Conjugalidade.

Este eixo abrange conteúdos que se referem a aspectos do companheiro(a) e da relação de conjugalidade que estabelece com o mesmo.

Vingança, raiva ou hostilidade: as pessoas nomeiam a raiva, a hostilidade ou a vingança pela infidelidade cometida pelo companheiro(a) como motivos para eles próprios traírem. Por exemplo: "Porque ele me traiu primeiro", "Porque ele não consegue manter-se fiel, eu entristeço e busco tirar a forra", "raiva". Nesta amostra, oito (2,6%) participantes, dos quais 6 (3,4%) mulheres e 2 homens (1,5%) apontaram a vingança, raiva ou hostilidade como causa da infidelidade.

Insatisfação com o companheiro(a) e/ou com a relação: a pessoa atribui a infidelidade a uma insatisfação com a conjugalidade ou com o parceiro(a), percebe que a relação está em crise, se sente desvalorizado na relação ou sente falta de carinho. A presença de comportamento violento, grosserias, excesso de ciúmes, insatisfação com o físico ou pouca empatia por parte do companheiro(a) são outros dos comportamentos que fazem parte desta categoria, na qual a infidelidade está atribuída a forma como o companheiro(a) trata a pessoa que cometeu infidelidade. Dentre os motivos dados pelos participantes, encontramos respostas tais como "Em um momento de descrença/crise no relacionamento", "Desgaste do relacionamento", "Distanciamento e desinteresse", "Excesso de desentendimento", "Falta de companheirismo", "A grosseria dele, falta de diálogo, carinho ...", "... certa insatisfação com as mudanças no corpo da companheira [gravidez, variações de peso etc.]", "Porque ele me bate e me trata mal ...", "Problemas de saúde da parceira, tais como depressão e síndrome do pânico". Nesta categoria, 72 (23,4%) participantes, dos quais 53 (29,9%) mulheres e 19 (14,5%) homens atribuíram como causa de infidelidade.

Insatisfação sexual: a infidelidade está relacionada a uma insatisfação sexual com o companheiro(a). Algumas das respostas dos participantes para esta categoria foram: "Falta de desejo/estímulo por parte dele", "Carência sexual", "Falta de afinidade no desejo sexual", "Falta de sexo", "Discordâncias sexuais", "Frequência de sexo abaixo do desejado. Desejos distintos em relação à sexualidade, maiores meus do que dela". Vinte e quatro participantes (7,8%), dos quais 9 (5,1%) mulheres e 15 (11,5%) homens citaram esta causa como motivo de infidelidade.

Nesta pesquisa, a categoria "insatisfação com o companheiro(a) e/ou com a relação" foi a mais citada por homens e mulheres como justificativa para a infidelidade, totalizando 33,8% da amostra total. Mesmo tendo sido a mais frequente em ambos os sexos, percebem-se diferenças nas médias de respostas de homens e mulheres. Para as mulheres, foi mais frequente o motivo "Insatisfação com o companheiro(a) e/ou com a relação" quando comparado com os homens X2(1, 308) = 10,02, p = 0,002. Entretanto, a categoria "insatisfação sexual" foi apontada como motivo mais frequente entre os homens X2(1, 308) = 4,25, p = 0,039.

Eixo 3: Motivos Relacionados ao Contexto.

Este eixo abrange conteúdos nos quais a infidelidade está relacionada a um contexto/ambiente que leva à infidelidade.

Uso de álcool: estar embriagado ou sob efeito do uso de álcool ao cometer o ato de infidelidade. Por exemplo: "Porque eu havia bebido bastante". Seis participantes (1,9%) atribuíram este motivo como causa da infidelidade.

Fuga de problemas: as pessoas cometem a infidelidade como uma forma de fugirem dos problemas do cotidiano, como por exemplo problemas relacionados ao trabalho: "Fuga frente aos problemas [principalmente financeiros], acúmulo de stress", "Diversos problemas externos". Duas participantes do sexo feminino atribuíram este motivo como razão da sua infidelidade.

Oportunidade de trair: as pessoas atribuem como motivo para a infidelidade estarem em um contexto/ambiente que oportuniza a traição, ambiente de festa ou a oportunidade é devido a estar fisicamente distante do parceiro. Os respondentes citaram "Oportunidade", "Ocasião". Por exemplo: "Relacionamento estava no início, ainda era instável. Período de distância física (moramos por longo período em cidades diferentes por questões profissionais)", "Devido a ele viajar muito a trabalho e eu ficar sozinha em casa", "Viagem sozinho, uma saída à noite e eu havia bebido bastante". Com relação a este motivo, 25 (8,1%) participantes, dos quais 13 mulheres e 12 homens o atribuíram como motivo de infidelidade.

Os motivos relacionados ao contexto foram os menos citados pelos participantes como razões de infidelidade (10,6%) ao comparar com os Eixos 1 e 2. Inclusive, o motivo "fuga de problemas" foi citado apenas por duas mulheres. Neste eixo, não houve diferença entre homens e mulheres em nenhuma das categorias.

 

Discussão

Os achados desta pesquisa indicam uma mudança na vivência da infidelidade por homens e mulheres ao comparar com estudos da década de 80 e 90 que demonstravam que homens eram mais infiéis que as mulheres e apresentavam mais comportamentos de infidelidade sexual enquanto as mulheres de infidelidade emocional (Glass & Wright, 1985; Wiederman, 1997). Os resultados denotam que, ao considerar todos os relacionamentos amorosos, homens e mulheres traem na mesma medida, evidenciando determinadas mudanças com relação ao fenômeno nos tempos atuais. No que ser refere aos comportamentos sexuais, emocionais e virtuais vinculados à quebra de um contrato de exclusividade, os resultados também revelaram não haver muitas diferenças entre homens e mulheres, salvo um comportamento de infidelidade sexual e um de infidelidade virtual sexual. Nestes casos, os homens revelaram mais comportamentos de troca de carícias sexuais e masturbação pela internet quando comparados as mulheres. Contudo, nos demais 21 comportamentos sexuais, emocionais e virtuais não encontrou-se diferença entre os sexos. Desta forma, se no passado, falava-se em maiores índices de infidelidade sexual para homens e emocional para mulheres, esses dados mostram outro cenário onde homens e mulheres têm apresentado comportamentos de traição semelhantes.

Um olhar mais cuidadoso para os resultados da amostra feminina revela que os comportamentos de infidelidade mais frequentes entre as mulheres são mais subjetivos e discretos e podem, por vezes, nem serem percebidos como infidelidade. Enquanto para os homens, os comportamentos foram mais explícitos, existindo maior protagonismo dos sujeitos, ou seja, são mais claramente considerados infidelidade, tais como beijar, trocar carícias sexuais, paquerar; as mulheres, demonstraram maior discrição nas suas condutas de infidelidade tais como mudar o vestuário e esconder determinadas mensagens do companheiro.

No que ser refere aos comportamentos sexuais, homens e mulheres não se queixam da falta de sexo na sua relação e não buscam sexo no relacionamento extraconjugal. Pelo contrário, tanto os homens como as mulheres revelaram buscar carinho, compreensão e atenção na relação de infidelidade e relatam não encontrar esses afetos na sua relação conjugal. Desta forma, tanto homens como as mulheres desta amostra não tiveram como principal motivação para a infidelidade a necessidade ou a insatisfação sexual no seu relacionamento. Ambos referiram a insatisfação com a relação, ainda que a média das mulheres para insatisfação com o companheiro ou com a relação tenha sido superior a dos homens na explicação de seu comportamento infiel ao parceiro. Considerando que as fronteiras entre os comportamentos de infidelidade entre homens e mulheres estão cada vez mais difusas, as ideias de senso comum de que quando o homem não encontra sexo em casa, ele busca fora, estão desatualizadas.

Assim, mesmo que os homens estejam satisfeitos com sua vida sexual com a companheira, eles podem cometer infidelidade pela busca de algo novo, de liberdade e de aventura, podendo inclusive ser uma forma de compensar uma insatisfação afetiva no seu relacionamento. As mulheres, por sua vez, também são motivadas por fatores de ordem sexual como desejo e atração pelo outro.

Nesta amostra, tanto homens como mulheres foram motivados por fatores da insatisfação com a relação e buscaram carinho, compreensão e atenção, expressando que seu companheiro(a) não estava provendo níveis satisfatórios de atenção e intimidade. Os maiores níveis de infidelidade iniciaram entre o segundo e o quinto ano de coabitação e foram diminuindo ao longo do relacionamento. Além disso, perceberam-se menores níveis de ajustamento conjugal naqueles com maiores frequências de infidelidade. Esses resultados levam à associação entre a infidelidade e o nível de maturidade que se expressa na idade e no tempo de relacionamento que pode fazer diminuir o comportamento de infidelidade. Desta forma, quando os casais aprofundam seu nível de conhecimento, tanto pessoal como relacional, podem apresentar maiores recursos para o enfrentamento das dificuldades do relacionamento, o que reverbera em melhores níveis de ajustamento conjugal. Desta forma, pode-se pensar que a infidelidade possa ser usada por alguns como forma de encaminhar dificuldades do relacionamento, como uma fuga dos problemas e busca de satisfação em outra relação, levando a ideia da infidelidade como um sintoma do baixo ajustamento conjugal. Esses dados reafirmam a importância de perceber o fenômeno como relacional, o que é corroborado pela baixa representatividade dos fatores contextuais nessa amostra, no qual apensas 10% dos sujeitos explicaram a infidelidade por motivos do contexto.

Percebe-se que os estudos dos anos 80 e 90 tendiam para uma dicotomia entre infidelidade sexual e emocional e resultados diferentes para homens e mulheres. O que os resultados atuais demonstram é que estamos tratando de um fenômeno que abrange uma complexidade de comportamentos: emocionais, virtuais, sexuais. Contudo, fala-se de um único fenômeno que é difícil de ser partilhado em tipologias. Apesar de homens e mulheres não terem resultados idênticos, e os homens se destacarem pela busca e motivos relacionados ao sexual, na essência ambos têm motivações vinculadas à insatisfação com a relação e buscam tanto comportamentos emocionais como sexuais. Desta forma, talvez o que diferencie os sexos esteja mais relacionado ao que a infidelidade representa para cada um deles.

Ainda que se perceba a importância da temática para a conjugalidade, os dados apontam que a maioria das pessoas não conversam a respeito do tema com seu companheiro(a) e 44,4% não concordam com o parceiro(a) sobre o que é ser infiel. Como a infidelidade diz respeito a uma quebra de contrato, e como cada casal estabelece esse contrato, existe uma margem para a subjetividade de cada relação amorosa. Desta forma, é importante que os casais se sintam estimulados a comunicarem seus desejos e expectativas na sua relação, até porque simplesmente optar por um relacionamento aberto não garante maiores níveis de ajustamento conjugal, conforme os resultados deste estudo.

Este trabalho buscou descrever os comportamentos de infidelidade para uma amostra brasileira em geral. Entretanto, a temática é muito instigante e merece ser estudada a vivência da infidelidade em outras amostras com peculiaridades específicas, tais como pessoas solteiras, na fase de namoro e de diferentes orientações sexuais, não com o intuito de conhecer as diferenças, mas com a hipótese de que o fenômeno da infidelidade não é exclusividade de determinado tipo de configuração conjugal.

 

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Endereço para correspondência:
Patrícia Scheeren
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia, Sala 126
Rua Ramiro Barcelos, 2600
Porto Alegre, RS, Brasil 90035-003
E-mail: pscheeren@gmail.com

Recebido: 1º/11/2016
1ª revisão: 07/03/2017
Aceite final: 13/03/2017
Apoio Financeiro: Esta pesquisa recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) através de auxílio de Bolsa de Doutorado.

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