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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.6 n.1 Itatiba jun. 2001

 

ARTIGOS

 

Adaptação académica em estudante do 1º ano: diferenças de gênero, situação de estudante e curso

 

The academic adjustment of the first-year college students: Differences by gender, student status and domain of graduation

 

 

Joaquim Armando FerreiraI, *; Leandro S. AlmeidaII, **, 1; Ana Paula C. SoaresII, ***

I Universidade de Coimbra
II Universidade do Minho

 

 


RESUMO

Num compromisso entre as abordagens desenvolvimentistas e contextuais (teorias de impacto) na adaptação, desenvolvimento psicossocial e rendimento académico dos estudantes universitários, os autores analisam as vivências de uma amostra de estudantes da Universidade do Minho (N=1273), a partir do Questionário de Vivências Académicas (QVA; Almeida & Ferreira, 1997), organizado em 17 subescalas que procuram avaliar dimensões pessoais, interpessoais e contextuais da adaptação e do sucesso académico. Os resultados sugerem algumas oscilações nas médias obtidas quando tomamos os estudantes da amostra em função do género, da situação de estudante e do curso frequentado, o que poderá vir a ser enquadrado nas políticas e práticas universitárias, tendo em vista a promoção do sucesso académico não circunscrito ao rendimento escolar obtido.

Palavras-chave: Ensino superior, Adaptação acadêmica, Rendimento acadêmico, Desenvolvimento psicossocial, Sucesso acadêmico.


ABSTRACT

Considering the developmental and contextual approaches in the study of academic adjustment, psychosocial development and academic achievement of first-year college students, the authors analyze the personal and academic experiences of a student sample from University of Minho (n=1273). It was administrated the Questionário de Vivências Académicas (QVA; Almeida & Ferreira, 1997), organized into 17 subscales considering personal, interpersonal and environmental dimensions of academic adjustment and success. The results present some mean differences between the groups by gender, student status and major in graduation. The conclusion is that these factors should be taken into account in college politics and practices if we want to produce an increase the chances of accademic success among students.

Keywords: Higher education, Academic adjustment, Academic achievement, Psychosocial development, Academic success.


 

 

Introdução

A presente investigação, sobre a adaptação psicossocial e o sucesso académico do estudante do 1º ano da Universidade enquadra-se, de forma mais abrangente, no estudo da dimensão psicossocial do jovem adulto (adoptando uma perspectiva desenvolvimentista) e, simultaneamente, no estudo da influência dos contextos de vida no desenvolvimento psicossocial e no sucesso académico dos estudantes universitários (numa perspectiva contextualista).

Nos últimos anos, um conjunto considerável de estudos têm evidenciado o impacto das instituições universitárias no desenvolvimento psicossocial (Chickering, 1969; Chickering & Reisser, 1993; Costa, 1991), no desenvolvimento cognitivo (Basseches, 1984; Baxter-Magolda, 1992; Lourenço, 1994; King, 1977; Kitchener, 1977; King & Kitchener, 1994; Pascarella, 1985; Pascarella & Terenzini, 1991; Perry, 1970), no rendimento académico (Pascarella, 1985; Pascarella & Terenzini, 1991), e no ajustamento à Universidade (Astin, 1975, 1984, 1993; Pascarella, 1985; Tinto, 1975, 1987; Russel & Petrie, 1992; Tomlinson-Clarke, 1998) dos estudantes. Este dados têm sido enquadrados numa grande diversidade de teorias e modelos. Pascarella e Terenzini (1991) organizam-nos em dois grandes grupos: por um lado as teorias e modelos estruturais e psicossociais do desenvolvimento e, por outro, os modelos de impacto do meio ambiente nas vivências do estudante.

As teorias e os modelos desenvolvimentais preocupam-se com o estudo d’o desenvolvimento do indivíduo, assim como com a natureza das mudanças internas operadas ao longo da vida nas suas várias dimensões como, por exemplo, ao nível cognitivo, ético-moral, da identidade e da intimidade. Os modelos de impacto, por sua vez, procuram explicar as mudanças que ocorrem nos estudantes a partir de variáveis externas ao indivíduo. Para esses investigadores, a influência da educação universitária não se reduz à acção pedagógica explícita, mas também à forma como as instituições universitárias se encontram organizadas (dimensão da instituição, presença de objectivos educativos claros e consistentes, qualidade da relação pedagógica, culturas estudantis, etc.). A Universidade emerge, assim, como um contexto facilitador do desenvolvimento pessoal dos jovens, promovendo a integração e o ajustamento académico, pessoal, social e afectivo do aluno, constituindo um suporte do desenvolvimento presente e de projecção futura, facilitando quer a transição do Ensino Secundário para o Ensino Superior quer do Superior para o mundo socioprofissional (Ferreira, 1999; Santos & Ferreira, 1999).

Apesar da relevância que nos merecem os factores contextuais, entendemos, do mesmo modo que Chickering (1969; Chickering & Reisser, 1993), que a faixa etária do jovem adulto, respeitante à freqüência do Ensino Superior, é um período de desenvolvimento próprio, com tarefas específicas, emergindo como vectores do desenvolvimento psicossocial mais relevantes o desenvolvimento da autonomia, a construção de uma identidade sólida, o desenvolvimento das relações interpessoais, o desenvolvimento de ideais e o desenvolvimento da integridade (últimos vectores propostos na teoria psicossocial de Chickering). Trata-se de um processo de elaboração e de construção desenvolvimental, para o qual contribui sobremaneira a riqueza do(s) contexto(s) vivenciais, nomeadamente o meio universitário, ou melhor, um meio universitário percepcionado pelo estudante como significativo, experiencialmente estimulante e com novos padrões de interacção psicossocial (Pascarella & Terenzini, 1991). Neste enquadramento, podemos afirmar a importância das duas linhas de investigação e, sobremaneira, realçar os estudos que integrem as duas perspectivas. Com efeito, o desenvolvimento não ocorre fora dos contextos de vida.

É de destacar que, nos últimos anos, uma grande parte das investigações que se tem debruçado sobre a influência da Universidade na aprendizagem e no desenvolvimento pessoal e social do aluno tem chegado a conclusões similares. Astin (1993) na sua obra “What matters in college?” aponta-nos para três aspectos fundamentais que têm resultado das suas investigações: “The student peer group is the most potent source of influence on growth and development during the undergraduate years” (p. 398). “Next to the peer group, the faculty represents the most significant aspect of the student´s undergraduate development” (p. 410). “One of the crucial factors in the educational development of the undergraduate is the degree to which the student is actively engaged or involved in the undergraduate experience” (p. 425). Em consonância com Astin, Ernest Pascarella e Patrick Terenzini (1991) no livro “How college affects students”, após uma revisão dos estudos que se debruçaram sobre os efeitos da educação no Ensino Superior, afirmam:

Our review indicates two persistent themes in the research literature on college effects. The first is the central role of other people in the student´s life, wether students or faculty, and the character of the learning environment they create and the nature and strength of the stimulation their interactions provide for learning and change of all kinds. The second theme is the potency of student´s effort and involvement in the academic and non-academic systems of the institution they attend. The greater the effort and personal investment a student makes, the greater the likelihood of educational and personal returns on that investment across the spectrum of college outcomes. (Pascarella & Terenzini, 1991, p. 648)

As pesquisas têm revelado que o sucesso académico é largamente determinado pelas experiências dos estudantes no primeiro ano do curso (Noel, Levitz & Saluri, 1985). Em nossa opinião, se se quiser promover o sucesso académico os responsáveis pelas instituições têm que: (i) perspectivar uma definição mais clara e abrangente do que é ter sucesso; (ii) desenvolver um projecto educativo que ofereça o máximo de oportunidades aos alunos; e (iii) conhecer e compreender os factores que promovem o sucesso, quer na sua dimensão mais lata quer na especificidade de cada instituição/curso.

Então, de que falamos quando falamos de sucesso académico? No âmbito desta visão mais abrangente, obviamente que a definição de sucesso académico ultrapassa a restritiva noção de rendimento escolar, traduzido numa nota numa disciplina ou na média no final do ano. A uma perspectiva centrada apenas na lógica do rendimento escolar, propomos uma visão mais contextualista — sistémica, ecológica, construtivista e desenvolvimentista. Isto é, que o sucesso académico do aluno seja avaliado através do progresso que o aluno vai realizando no sentido de atingir os seus objectivos educativos e pessoais, em vários domínios, tais como: (i) desenvolvimento de competências académicas e cognitivas (Almeida & Ferreira, 1999; Baxter-Magolda, 1992; Chickering & Reisser, 1993; Pascarella & Terenzini, 1991; King & Kitchner, 1994; Perry, 1970; 1981); (ii) estabelecer e manter relações interpessoais positivas e gratificantes (Almeida & Ferreira, 1999; Chickering & Reisser, 1993; Hood & Jackson, 1995); (iii) desenvolver a identidade (Bento & Ferreira, 1997; Chickering & Reisser, 1993; Costa, 1991; Costa & Campos, 1986); (iv) desenvolver a autonomia em direcção à interdependência (Chickering & Reisser, 1993; Hood & Jackson, 1995; Pinheiro & Ferreira, 1995); (v) desenvolver e manter uma vida emocional equilibrada (Chickering & Reisser, 1993; Hood & Jackson, 1995); (vi) desenvolver um projecto vocacional e definição de um estilo de vida próprio (Chickering & Reisser, 1993; Ferreira & Santos, 1998; Gordon, 1984; Soares, 1998); (vii) estabelecer e manter um estilo saudável de vida, contribuindo para o bem estar pessoal e físico (Almeida & Ferreira, 1997; Hettler, 1980); e (viii) desenvolver uma filosofia integrada de vida (Chickering & Reisser, 1993; Upcraft, 1984; Upcraft & Gardner, 1989).

Neste estudo, iremos reflectir sobre a influência da Universidade na promoção do desenvolvimento psicossocial e do ajustamento académico do estudante universitário, dimensões que têm sido tradicionalmente omissas nos estudos feitos sobre a universidade (em sentido geral) ou mesmo em estudos referentes ao estudante deste grau de ensino. Repare-se que só nos últimos anos é que se tem publicado em Portugal, estudos sobre o estudante do Ensino Superior (Abreu et al., 1996; Almeida & Ferreira, 1999; Bento & Ferreira, 1997; Costa, 1991; Dias & Fontaine, 1997; Ferreira & Almeida, 1997; Ferreira & Bastos, 1995; Ferreira & Castro, 1994; Hood & Ferreira, 1983; Menezes, Costa & Campos, 1989; Pinheiro & Ferreira, 1995; Soares, 1992; Soares, 1998; Tavares et al., 1996). Este facto indicia, concomitantemente, que as preocupações com o aconselhamento e acompanhamento psicológicos, no âmbito das universidades, são relativamente recentes no nosso País (Diaz, 1997; Ferreira, 1991; Gonçalves, 1997; Gonçalves & Bastos, 1996; Gonçalves & Cruz, 1988).

A presente investigação pretende contribuir para o estudo das dimensões mais relevantes que afectam a adaptação e o sucesso académico dos estudantes que frequentam o 1º ano da Universidade. Mais concretamente no presente trabalho, procura-se apreciar em que medida as vivências académicas dos estudantes universitários do 1º ano se diferenciam em função do género, da situação de estudante e do curso que é frequentado.

 

Método

Amostra

Responderam ao questionário 1273 estudantes do 1º ano da Universidade do Minho (UM). A maioria dos alunos era do sexo feminino (61.5%), oscilando as idades entre 17 anos (5 alunos) e 52 anos (1 aluno) (M=19.6; DP=3.11). A quase totalidade da amostra refere ser solteiro(a) (95,2%), e 78,6% referem estar a iniciar o Ensino Superior pelo curso que actualmente frequentam e pela primeira vez (os restantes estão em situação de repetição do 1º ano do curso, ou obtiveram transferência de curso e/ou estabelecimento de ensino). A larga maioria dos alunos reside em Braga ou nas suas rendondezas durante as aulas (apenas 6,2% explicitam residir a mais de 30 quilómetros). Situação bem diferente verifica-se em relação à residência no período de férias, onde 579 (45,5%) reside até 30 quilómetros, outros 478 (37,5%) entre 30 e 150 quilómetros, 124 alunos (9,7%) residem a mais de 150 quilómetros, havendo ainda 92 alunos que não assinalaram este item (7,2%). Somando os alunos a residirem a mais de 30 quilómetros, podemos antecipar que quase metade dos alunos do 1º ano não vive com as suas famílias de origem no período de aulas.

Caracterizando o agregado familiar, os valores sugerem uma relativa heterogeneidade da proveniência social e cultural dos alunos. Assim, olhando a profissão dos pais, predomina o nível social intermédio (42%) e as habilitações escolares até ao 6º ano de escolaridade (54,5%). Analisando alguns dados mais próximos da situação académica dos alunos, podemos salientar que 1.109 alunos referem apenas estudar (87,1%), contra 85 e 46 que apontam ter um part-time ou emprego, respectivamente (33 alunos não responderam a esta questão). O tempo semanal de trabalho destes dois pequenos grupos de alunos varia entre 2 (1 aluno) e 48 horas (2 alunos), situando-se a média de horas semanais de trabalho em 16,8 (DP=11.86).

Questionados em relação ao seu processo de acesso ao Ensino Superior, para 59% o curso que frequentam equivale à sua 1ª opção (69,6% escolheu a UM em 1º lugar), havendo 16,6% de alunos cujo curso não corresponde às três primeiras opções (7,8% em relação à universidade). Independentemente das suas respostas à questão anterior, 74,7% dos alunos mostram-se satisfeitos no momento presente com o curso que frequentam (84,8% têm essa mesma opinião em relação à Universidade).

 

Instrumento

Foi utilizado neste estudo o Questionário de Vivências Académicas (Almeida & Ferreira, 1997). Este questionário é formado por 170 itens em formato likert de 5 pontos, distribuídos por 17 subescalas (alguns itens repartem-se por duas subescalas), cobrindo dimensões pessoais, relacionais e institucionais da adaptação académica dos estudantes. No quadro I apresentam-se as subescalas que formam o questionário, assim como o respectivo coeficiente de consistência interna (coeficiente alfa).

Quadro I. Designação, número de itens e coeficiente alfa das 17 subescalas

Importa referir que, diante da organização das respostas item a item, níveis mais elevados de desempenho, melhores percepções ou auto-avaliações mais favoráveis dos alunos correspondem a notas mais elevadas nas subescalas. Esta lógica, no entanto, suscita alguma ambiguidade na leitura dos resultados na subescala "Gestão dos recursos económicos". As pontuações nalguns itens desta subescala reportam-se essencialmente a dificuldades na gestão das verbas auferidas, enquanto noutros se avaliam situações económicas difíceis por parte do estudante. Uma análise complementar dos itens deve ser feita nesta subescala para a compreensão do real significado das pontuações obtidas.

 

Procedimentos

A aplicação do questionário foi feita colectivamente durante as aulas teóricas. Os professores foram contactados para a cedência dos respectivos tempos lectivos. Após uma informação sobre os objectivos da investigação e assegurada a confidencialidade dos resultados, era solicitada a colaboração dos estudantes. A grande maioria colaborou. Outros por razões diversas, mas sobretudo invocando razões de transporte ou de tempo, não colaboraram (nalgumas turmas o seu número pode ter atingido 20% dos presentes, valor que, de algum modo, afecta a representatividade da amostra).

 

Resultados

No quadro II apresentam-se os valores descritivos dos resultados nas 17 dimensões para o total da amostra (N=1273).

Quadro II. Estatística descritiva dos resultados por dimensões

Os valores obtidos salientam um leque variado de resultados por subescalas, sugerindo a existência de al-guns alunos ao longo do contínuo da medida (amplitude dos resultados). Os coeficientes de assimetria e curtose permitem-nos falar numa distribuição gaussiana dos resultados.

No quadro III apresentam-se os resultados tomando os alunos diferenciados de acordo com o género e com a sua situação de estudante (só estudante ou estudante acumulando uma actividade profissional, ou seja, trabalhador-estudante).

Quadro III. Diferenças nos resultados em função do género e da situação de estudante

Os valores da média aproximam-se nos vários subgrupos constituídos. As maiores diferenças em função do género situam-se nas subescalas “Relacionamento com a família” e “Métodos de estudo” (médias mais elevadas nos estudantes do sexo feminino). Por sua vez, os alunos trabalhadores-estudantes apresentam menos dificuldades na subescala “Gestão dos recursos económicos”, como se poderia antecipar. Mais à frente, voltaremos à análise diferencial destes resultados.

Para uma análise dos resultados obtidos nas sub-escalas do QVA tomando a especificidade dos cursos, optou-se por dividir os alunos dos 41 cursos avaliados pelos 6 agrupamentos seguindo a lógica organizacional dos Conselhos de Cursos da Universidade do Minho. Assim, o Grupo 1 diz respeito às licenciaturas do Conselho de Cursos de Economia e Ciências Sociais, reunindo 10 cursos (30,0% dos alunos da amostra); o Grupo 2 é formado pelas licenciaturas integradas no Conselho de Cursos de Ciências e é formado por alunos de 9 dos cursos avaliados (17,4%); o Grupo 3 diz respeito ao Conselho de Cursos de Engenharia e integra alunos de 12 cursos (29,8%); o Grupo 4 é constituído pelos alunos das 5 licenciaturas que integram o Conselho de Cursos de Letras e Ciências Humanas (7,6%); o Grupo 5 é formado pelas 2 licenciaturas do Conselho de Cursos de Psicologia e Educação (7,8%); e o Grupo 6 é constituído pelas 2 licenciaturas (ex-bacharelatos) que integram o Conselho de Cursos de Educação Infantil e Básica (7,4%). Acrescente-se que apenas no Grupo 3 é superior a percentagem de rapazes (66,4%), verificando-se no Grupo 4 a sua percentagem menor (6,3%).

No quadro IV apresentamos os valores obtidos nas 17 subescalas do questionário tomando os alunos agrupados por licenciaturas de acordo com os "Conselho de Cursos" a que pertencem. Dado o volume de informação implicada, optou-se por apenas apresentar a média e o desvio-padrão dos resultados.

Quadro IV. Médias e desvios-padrão dos resultados por grupos de cursos

Os valores obtidos considerando a tipologia de cursos frequentados, apontam para uma mesma estrutura de valores com certas diferenças nas médias para algumas das subescalas. Tais diferenças são mais notórias, por exemplo, na subescala “Envolvimento em actividades extracurriculares” onde os estudantes dos grupos 4 e 6 (maioritariamente do sexo feminino) pontuaram mais baixo.

Para a apreciação da significância estatística das diferenças nos resultados considerando simultaneamen-te o género, a situação de estudante e o curso frequentado, procedeu-se a uma análise da variância (Anova) pelos três factores mencionados: género(1 e 2), situação de estudante (1 e 2) e o agrupamento de cursos (1 a 6). Observou-se um efeito significativo da variável género nas subescalas "Bem-estar psicológico" (F=5.74; p<.05), na "Auto-confiança" (F=13.67; p<.001), na "Percepção pessoal de competência" (F=10.82; p<.01), no "Envolvimento em actividades extracurriculares" (F=8.64; p<.01), nas "Bases de conhecimentos para o curso" (F=6.15; p<.05) e na "Realização de exames" (F=13.35; p<.001). Em todas essas subescalas o sentido da diferença sugere maiores dificuldades ou de percepções pessoais menos positivas por parte das raparigas.

O impacto da variável curso fez-se sentir, de forma estatisticamente significativa, na subescala "Bases de conhecimentos para o curso" (F=2.98; p<.5), no "Relacionamento com os professores" (F=6.27; p<.01) e na "Adaptação ao curso" (F=3.40; p<.01), tendo-se procedido a uma análise de contrastes (teste de scheffee). Quanto ao "Relacionamento com os professores" os resultados sugerem menos dificuldades nesse relacionamento por parte dos alunos de Psicologia e de Educação em relação aos de Economia e Ciências Sociais, aos alunos dos cursos de Ciências, de Engenharia, e de Letras e Ciências Humanas. Por sua vez, os alunos de Educação Infantil e Básica apresentam igualmente menos dificuldades no relacionamento com os professores quando comparados aos alunos de Letras e Ciências Humanas. Em relação à percepção de "Bases de conhecimentos para o curso" os alunos dos cursos de Engenharia auto-avaliam-se menos positivamente face às exigências do curso por comparação com os colegas dos cursos integrados no grupo de Economia e Ciências Sociais. Por último, em relação à "Adaptação ao curso", os alunos dos cursos de Psicologia e de Educação mostram menos dificuldades comparativamente aos colegas dos cursos de Ciências, de Engenharia, e de Letras e Ciências Humanas. Igualmente os alunos de Economia e Ciências Sociais mostram percepções pessoais de “Adaptação ao curso” superiores aos alunos dos cursos de Ciências.

Por sua vez, a variável situação de estudante diferencia os resultados na subescala de "Gestão dos recursos económicos" (F=5.29; p<.05) e no "Envolvimento em actividades extracurriculares" (F=14.77; p<.001). No primeiro caso, os alunos que apenas estudam apresentam maiores dificuldades, enquanto que na segunda subescala os alunos que acumulam o estudo com uma actividade a tempo inteiro ou parcial mostram menor grau de envolvimento em tais actividades. Julgamos que as diferenças nestas duas subescalas e o sentido dessas mesmas diferenças, nos parecem óbvias em face dos dois tipos de alunos em comparação. Finalmente, apenas na subescala "Relacionamento com os colegas" se observa um efeito significativo de interacção do género e curso (F=3.00; p<.05). Numa análise mais pormenorizada desta interacção, e numa lógica de percepções pessoais mais positivas no relacionamento com os colegas, verificámos que a significância de tal interacção se explica por uma maior diferença da média a favor dos rapazes perante as raparigas nos cursos de Letras e Ciências Humanas (diferença de 4.4 nas médias) e superioridade nas médias das raparigas em face dos rapazes nos cursos de Engenharias (diferença de 3.2 nas médias).

 

Discussão e Conclusões

Tomando algumas variáveis de caracterização dos estudantes do 1º ano avaliados, e partindo da plausível representatividade da amostra obtida, podemos apontar que os alunos do 1º ano da UM são maioritariamente do sexo feminino (62%). Tomando a diferença entre os que residem na zona de Braga durante as aulas (92%) e os que aí residem no período de férias (46%), podemos antecipar que cerca de 50% dos alunos não vivem com a sua família de origem durante o tempo de aulas. O maior número de alunos (40%) pertence ao estrato social médio, predominando nos pais (cerca de 55%) o nível de escolaridade básico (até ao 6º ano).

Descrevendo a actividade desses alunos, verifica-se que 87% apenas estudam. Aqueles que trabalham ou possuem um part-time dispendem, em média, por semana 17 horas na sua actividade profissional. Durante as aulas, e para a amostra total de estudantes, a média de horas de estudo situa-se em 6 horas por semana, subindo a 12 nos períodos de exames. A média das faltas às aulas no último mês situou-se em 3 nas teóricas e 1 nas práticas. Acrescente-se que, nestes aspectos, a variabilidade entre os alunos é bastante elevada.

Por outro lado, 59% referem frequentar o curso que correspondeu à sua 1ª opção (o mesmo acontece com 70% dos alunos em relação à Universidade). Os alunos que frequentam um curso que não corresponde a nenhuma das suas 3 primeiras opções representam 17% da amostra (havendo 8% em que a UM não fazia parte das suas três primeiras escolhas). No momento presente, 75% gostam do curso que estão a frequentar (contra 5% que declaradamente não gostam) e 85% gostam da Universidade (contra 3% que declaradamente não gostam). Os valores parecem sugerir que a Universidade "cativa" mais certos alunos do que o curso que frequentam.

Passando aos resultados do inquérito aplicado, e na falta de parâmetros de referência anteriores para interpretação dos valores agora obtidos, conclui-se com base numa distribuição das pontuações numa escala de cinco pontos, que os alunos apresentam menos dificuldades nas seguintes subescalas: “Relacionamento com a família”, “Adaptação à instituição”, “Bem-estar físico” e “Relacionamento com os colegas”. Podemos pensar que, após o processo mais ou menos atribulado de candidatura e de entrada no Ensino Superior, ante a política de “numerus clausus” existente em Portugal, os estudantes ao fim de 5 ou 6 meses na Universidade do Minho se encontram satisfatoriamente "enquadrados" do ponto de vista social e afectivo, incluindo-se também as vinculações com a família.

Os alunos apresentam índices mais baixos de satisfação e de compromisso (mesmo assim em torno do valor intermédio 3) nas seguintes subescalas: “Relacionamento com os professores”, “Envolvimento em actividades extracurriculares” e “Adaptação ao curso”. O fraco envolvimento dos alunos nas actividades extracurriculares pode estar associado a dois aspectos: tempo ainda insuficiente para um maior conhecimento e envolvimento neste tipo de actividades, ou algo menos agradável retido dos primeiros dias de entrada na Universidade dadas as tradicionais “praxes” de "recepção ao caloiro". A pontuação mais baixa nas subescalas do “Relacionamento com os professores” e de “Adaptação ao curso” pode explicar-se pela fase de adaptação em que se encontram, podendo também traduzir as suas críticas ante os problemas encontrados (e diferenças em face do Ensino Secundário). Não é de excluir, ainda, a possibilidade de apropriação "rápida" pelos alunos dos comentários de colegas mais velhos na Academia em relação a tais aspectos, por norma comentários negativos.

Os valores nas subescalas do QVA apresentam algumas oscilações com significado estatístico, considerando as médias dos alunos de acordo com o género, a situação de estudante e o curso que frequentam. No entanto, importa lembrar que a significância estatística das discrepâncias encontradas pode ser menos atribuível à grandeza das diferenças, e mais ao elevado número de sujeitos considerados nas análises (número elevado de graus de liberdade). Por este facto, e porque uma análise de acordo com o agrupamento de cursos requer um conhecimento aprofundado do funcionamento dos respectivos primeiros anos, opta-se por mencionar aqui algumas oscilações nos resultados tomando o género e a idade dos alunos.

Assim, as alunas apresentam uma média mais elevada na subescala “Relacionamento com a família” e mais baixa no “Envolvimento em actividades extracurriculares”, comparativamente aos rapazes. A “Adaptação à instituição” parece satisfatoriamente conseguida pelos alunos de ambos os sexos, sendo também comum as maiores dificuldades na subescala referente ao “Relacionamento com os professores”. Olhando à situação de estudante, os trabalhadores-estudantes (por norma alunos mais velhos), apresentam menor “Envolvimento em actividades extracurriculares” e, também, menos dificuldades no “Relacionamento com professores”. Este último dado, poderá sugerir que as dificuldades percepcionadas no relacionamento com os professores por parte dos alunos do 1º ano poderá passar, bastante, pelas mudanças que a este nível ocorrem na transição do Ensino Secundário para o Ensino Superior (transição menos vivenciada pelos trabalhadores-estudantes).

A terminar, o Ensino Superior tem a responsabilidade de proporcionar uma educação que permita a cada geração concretizar os seus projectos e, assim, servir a sociedade da melhor forma possível. Em nossa opinião, a educação universitária deve promover o desenvolvimento de competências académicas, cognitivas e pessoais. Estas competências devem ser promovidas através de actividades curriculares e extracurriculares, tendo em vista a preparação dos alunos para a vida activa, considerando as coordenadas histórico-sócio-culturais e geográficas em que vivem. Neste sentido, importa que a Universidade encare o sucesso académico dos seus estudantes para além dos resultados obtidos em cada disciplina, devendo tomar isso em consideração desde o 1º ano dos seus cursos. Reduzir o sucesso académico dos estudantes às suas classificações curriculares é, muitas vezes, querer desenvolver competências nos alunos para reproduzir informação e enfatizar pouco a preparação dos estudantes para se entenderem a si próprios e integrarem-se, de forma adequada, nos ambientes profissionais e sociais com os quais terão que lidar ao longo da vida.

 

Referências

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Recebido em 13/08/2000
Revisado em 10/10/2000
Aceito em 15/03/2001

 

 

* Joaquim Armando Ferreira é Doutor em Psicologia (Univ. Iowa, USA). Professor Associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Várias publicações nacionais e estrangeiras na área do desenvolvimento vocacional e da maturidade de jovens universitários, orientando vários estudantes de mestrado e de doutoramento neste domínio.
** Leandro S. Almeida é Doutor em Psicologia (Univ. Porto, Portugal). Professor no Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Várias publicações nacionais e estrangeiras na área do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem. Coordena um projecto de investigação sobre a transição e a adaptação acadêmica dos alunos ingressados no Ensino Superior, e seu impacto no desenvolvimento e rendimento académico. Actualmente exerce funções de Pró-Reitor para as questões pedagógicas.
*** Ana Paula C. Soares é Mestre em Psicologia da Educação (Univ. Minho, Portugal). Assistente no Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Realiza o seu doutoramento sobre as vivências académicas, projectos vocacionais e rendimento escolar em estudantes universitários.
1 Endereço para correspondência: Departamento de Psicologia. Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710, Braga – Portugal. E-mail: leandro@iep.uminho.pt

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