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Psicologia Escolar e Educacional
versão impressa ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. v.3 n.2 Campinas 1999
SUGESTÕES PRÁTICAS
Roteiro de observação e análise de material escrito
Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla; Isabel Cristina Dib Bariani; Maria Silvia Pinto de Moura Librandi da Rocha1
- "Olha só este cadernoO que você acha?"
Esta pergunta tem sido feita por professores de diferentes séries a psicólogos que atuam no contexto educativoE o que se tem verificado de forma assistemática é que a grande maioria não sabe o que dizer aos docentes argüi doresMuitos devolvem com uma resposta do tipo: - "Muito interessante", deixando o professor na dúvida se esta foi uma avaliação positiva ou negativa do material daquele aluno, sobre o qual ele está pedindo orientação a respeito de como seria a melhor forma de proceder para promover o processo de ensino-aprendizagem
"Que informações extrair do material escolar de alunos" tem sido uma das perguntas mais freqüentes nos cursos que temos ministrado tanto a docentes como a psicólogos de diferentes regiões do paísPensando nisso é que resolvemos publicar este roteiro de análise de escrita e de leitura de crianças/adolescentesEle não foi planejado para que se responda a cada um dos itens, mas deve servir para auxiliar o olhar sobre o material escolar de aprendizesHá alguns aspectos importantes que devem ser observados antes de se realizar a análise:
• É fundamental olhar para o material da criança como um todo, do começo ao fim, folheando-o de forma cuidadosa para que se tenha uma idéia de sua completude antes de se realizar uma análise pontual;
• O ideal é pedir para que a própria criança "apresente" seu material, solicitando que vá "explicando" algumas situações - atividades repetitivas; atividades sem realização; "bilhetes" da professora; o que pensa, enfim, sobre o seu caderno/material escolar; atividades que se sente competente ao fazer, atividades completas/incompletas (motivos), de que gosta e de que não gosta. Este é um procedimento especialmente importante, uma vez que pode dar à criança/adolescente a oportunidade de justificar uma série de aspectos do seu material, desde situações vivenciadas na sala de aula, bem como seus pensamentos a respeito da escola e da professora, além da dinâmica familiar em momentos de realização de lições de casa, por exemploApesar de sua relevância, temos tido oportunidade de observar negligência em relação a esta proposta, visto que tradicionalmente a voz da criança tem sido pouco valorizada neste tipo de análise
Se for possível, solicitar ao professor que nos possibilite a análise de material de outras crianças da classe (uma que esteja "mais adiantada" no processo de aprendizagem, outra "mais atrasada" e também, outra que tenha um desenvolvimento semelhante) para que se faça uma análise comparativa. Este dado pode nos fazer compreender melhor como o docente localiza seu aluno em termos de progressos/retrocessos na aquisição de determinados conhecimentos.
1. Observações gerais
• houve progressos no desenvolvimento da escrita da criança?
• houve regressões? Pode-se supor quando e por que ocorreram?
• como era sua escrita no início do processo de aprendizagem e como é agora? (do ponto de vista formal e qualitativo)
• há indícios de que ela esteja compreendendo o que a professora solicita?
• seu caderno é organizado? (tem capa? "orelhas"?) Que tipo de atividade predomina (cópia, jogos, palavras soltas, ditado) as atividades estão separadas?
• As atividades estão em seqüência (português, matemática, estudos sociais etc)? Há cadernos separados para cada disciplina?
• ilustra o que escreveu?
• escreve sobre o que desenhou?
• as atividades estão corrigidas?
2. Escrita:
• a criança tenta se expressar por escrito? Com rabiscos? Com pseudo-letras? Inventa e/ou usa marcas, sinais, símbolos?
• qual é a hipótese da criança sobre a escrita? reconhece e escreve o próprio nome? reconhece e escreve o nome dos colegas?
• combina letras tentando formar palavras? forma palavras? copia palavras dando indícios de que não sabe o que escreveu?
• copia um texto cometendo erros, mas dando indícios de que sabe o que copiou?
• copia corretamente um texto?
• há "escritas autônomas/independentes" (realizadas por iniciativa própria) no seu material?
• omite letras em "escritas espontâneas"?
• Quais? troca letras em "escritas espontâneas"?
• Quais? inverte direção e posição de letras?
• Quais? como processa a nasalização (põe "til" em tudo? Dobra "m" ou "n"? Omite "m" ou "n")?
• escreve sem separar palavras? escreve com a separação baseada no modo como fala?
• escreve com a separação convencional? usa acentuação?
• usa pontuação? Faz parágrafos?
• faz auto-correção?
• uso de borracha e/ou corretor é excessivo? Apaga várias vezes o que escreveu?
• pode-se dizer que a pressão do lápis é adequada? escreve com letra de imprensa ou manuscrita?
• sua letra é legível?
• Compreensível? sua letra é grande? Pequena? Trêmula?
• Firme?
• diferencia letras altas (b, d, h, 1, t) e baixas (g, j, p, q, z)?
• diferencia letras maiúsculas e minúsculas? há erros de concordância nominal e verbal?
• há mais erros quando escreve à caneta do que a lápis? faz registros de eventos vivenciados?
• gosta de mostrar seu material/texto?
• que comentários fez durante a apresentação do seu material?
3. Correção da professora:
• é possível compreender os critérios de correção da professora? a professora faz as correções por cima do que a criança escreveu?
• as correções são feitas no local do "erro" ou ao final da atividade?
•assinala mais erros do que acertos?
• escreve bilhetes no caderno?
• Que tipo?
• as anotações da professora auxiliam a criança?
• as correções são pontuais?
• se houve possibilidade de análise comparativa entre outros cadernos, pode-se dizer que a professora utiliza os mesmos critérios de correção para todas as crianças? No caderno da criança considerada "mais adiantada" há muitas diferenças daquele agora analisado? E em relação ao caderno da criança "atrasada"? Quanto ao caderno daquela com desenvolvimento semelhante, pode-se dizer que as observações que a professora faz se parecem com aquelas realizadas no caderno da criança analisada aqui?
• a professora dá pistas, sugestões para a própria criança proceder a auto-correção?
• as auto-correções são suficientes? Em caso negativo, o que é possível observar?
4. Leitura: Neste item pode-se observar a leitura da criança/adolescente em situações formais ou informais, de modo individual ou quando inserida num grupoO importante é que a situação de leitura possibilite compreender o conhecimento do aluno a respeito do código escrito Deve-se, entretanto, diferenciar atividades de:
• oralização: atividades em que se constitue uma cadeia oral a partir do escrito, atribuindo-se sentido ao que ainda não tem;
• leitura: atribuição de um significado ao texto escrito, sendo que este sentido pode ser obtido de informações visuais provenientes do texto, de informações que provêm do leitor, e o resto é informação sonora; e leitura em voz alta: é um comportamento enxertado à leitura, defasado em alguns segundos (é a opção de traduzir oralmente o que já foi compreendido na leitura).
Além disso, deve-se ter em mente que aprende-se a ler com textos, lendo textos que não se sabe ler, mas de cuja leitura se tem necessidade, sendo portanto, uma negociação entre o conhecido, que está na nossa cabeça, e o desconhecido, que está no papel e entre o que está atrás e o que está diante dos olhos.
Pode-se observar se a criança: (baseado no roteiro elaborado por Ana Luiza Bustamante Smolka):
• pergunta, responde ou interpreta símbolos não alfabéticos (relógios, mapas, numerais, gráficos, calendários etc, enfim, a que tipos de representação gráfica)? Com que tipo de representação gráfica trabalha/opera?
• identifica rótulos, logotipos? Quais?
• demonstra interesse em ler? O que?
• decora o texto de um livro ou história lida pelo o adulto e o repete?
• "adivinha" o texto (sem ter necessariamente o conhecimento da leitura convencional)?
• tenta decodificar coisas escritas?
• identifica letras? Quais?
• identifica palavras? Quais?
• tem conhecimento sobre o alfabeto? (Nenhum/parcial - somente na ordem ou em indicações alternadas)
• sabe ler vários tipos de letras (imprensa, cursiva)?
• conhece letras maiúsculas e minúsculas? Sabe usá-las? lê silabando e perde o sentido daquilo que lê?
• lê silabando e consegue apreender o sentido do que lê?
• gosta de ler para si (leitura silenciosa)?
• gosta de ler para os outros?
• é capaz de interpretar o texto a partir de seus elementos centrais?
• quando interpreta, prende-se a detalhes pouco relevantes?
5. Outras observações que julgar importantes:
6. Observações finais:
• o que se pode dizer sobre o material analisado?
• o que se pode dizer a respeito do investimento intelectual e afetivo desta criança em direção à aprendizagem de leitura/escrita?
• o que está havendo com esta criança?
7. Data e nome de quem fez a análise:
Como ficou evidenciado, este é um roteiro extremamente detalhado, que não deve ser utilizado para que se assinale cada um dos itens com respostas do tipo "sim" ou "não", mas para que se possa analisar as competências acadêmicas de crianças/adolescentes. Deve-se ter clareza das possibilidades e limites deste tipo de análise, buscando inseri-la em um processo de avaliação que pretenda aprofundar o seu conhecimento sobre a rede de multi-determinações do processo de ensino aprendizagem de leitura e escrita.
1 Docentes do Departamento de Psicologia Escolar e da Aprendizagem do Instituto de Psicologia e fonoaudiologia da Pontiticia Universidade Católica de Campinas, Rodovia D. Pedro I, C. Postal 317