Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia Escolar e Educacional
versão impressa ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. v.7 n.2 Campinas dez. 2003
ARTIGOS
Avaliação da validade do questionário de estilo de atribuição para crianças (CASQ)
Validity evaluation of the children's attributional style questionnaire (CASQ)
Lidia Natalia Dobrianskyj Weber1; Paulo Müller Prado2; Olivia Justen Brandenburg3; Ana Paula Viezzer4
UFPR
RESUMO
O Questionário de Estilo de Atribuição para Crianças (CASQ) é amplamente usado para medir o otimismo de crianças americanas. Pesquisadores têm mostrado a importância de estudar o otimismo para prevenir doenças mentais e físicas. Este trabalho explorou a validade do CASQ para crianças brasileiras. Após a tradução e adaptações, 410 estudantes (9 a 12 anos) de quatro escolas de Curitiba responderam ao CASQ; 280 delas também completaram duas escalas de responsividade e exigência parental, para a classificação dos estilos parentais – autoritativo, autoritário, indulgente, negligente. As análises revelaram que a versão brasileira apresentou baixa confiabilidade de consistência interna, mas demonstrou validade na comparação com as duas escalas de responsividade e exigência parental, pois pais autoritativos foram associados a maiores escores de otimismo, e pais negligentes o foram com menores escores de otimismo. Mais estudos sobre este questionário são necessários, e ele deve ser usado cautelosamente em outras amostras.
Palavras-chave: Estilo explicativo, Questionário de otimismo, Propriedades psicométricas, Validade.
ABSTRACT
The Children’s Attributional Style Questionnaire (CASQ) is a widely used measure of optimism in American children. Researches have showed the importance of studying children’s optimism to prevent mental and physical illness. This study explored the validity of the CASQ for Brazilian children. After the translation and adaptations, 410 students (9 to 12 years) from four schools in Curitiba answered the CASQ; 280 of them also completed two scales of parental responsiveness and demandingness, for the parenting styles classification – authoritative, authoritarian, indulgent, neglectful). Analyses revealed that the Brazilian version had low internal consistency reliability, but demonstrated validity when compared with the two scales of parental responsiveness and demandingness, since authoritative parents were associated to higher optimism scores and negligent parents were associated to lower optimism. More studies must be done about this questionnaire and it must be used carefully in others samples.
Keywords: Explanatory style, Optimism questionnaire, Psychometric properties, Validation.
INTRODUÇÃO
Seligman (1995) professa: Queremos mais para nossas crianças do que corpos saudáveis. (...) Nossa maior esperança é que a qualidade de vida delas seja melhor do que a nossa, o nosso maior desejo é de que elas aprendam todos os nossos pontos fortes e pouco de nossas fraquezas. (p. 6)
Pesquisadores brasileiros têm se voltado para o estudo de aspectos positivos do comportamento humano, como a resiliência, o bem-estar subjetivo, o coping, a empatia e assim por diante. Esta tendência se iniciou há algumas décadas nos Estados Unidos com o nome de “Psicologia Positiva”, tendo Martin E. Seligman como um de seus grandes defensores. A psicologia positiva vem chamar a atenção para uma mudança de foco. Além de a psicologia ter como objeto de estudo a patologia e seu tratamento, buscou-se abrir espaço para o estudo de habilidades positivas do ser humano, levando o enfoque para promoção da qualidade de vida e prevenção de doenças (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).
Nesta tendência da psicologia positiva se enquadram os estudos de Seligman (1995) sobre otimismo, estudos estes que se desenvolveram a partir de investigações sobre como prevenir a depressão em adultos e crianças. Nas pesquisas a respeito do desamparo aprendido, Seligman descobriu que pessoas pessimistas eram mais propensas ao desamparo e tinham maior risco de entrar em depressão. Já as pessoas otimistas não desistiam diante de problemas sem solução e resistiam ao desamparo (Seligman, 1995).
Qual a definição de otimismo? Na literatura sobre o tema, este conceito encontra-se relacionado à expectativa de eventos que ocorrerão no futuro (Bandeira, Bekou, Lott, Teixeira & Rocha, 2002). A definição de Seligman (1995) é baseada no “estilo explicativo” (explanatory style), ou seja, na forma de se explicar a causa de eventos ruins ou bons que aconteceram no passado.
Há três dimensões para explicar o porquê da ocorrência de um evento bom ou ruim: a permanência (o quanto os efeitos do evento se prolongam no tempo); a difusão (o quanto os efeitos do evento se propagam para outras situações); a personalização (o quanto a causa é atribuída a fatores externos ou internos) (Seligman, 1995). Otimistas atribuem explicações permanentes, difundidas e internas para os eventos bons, e explicações temporárias, específicas e externas para eventos ruins. O contrário acontece para os pessimistas. Os eventos bons são vistos como temporários, específicos, e externos (externo porque o indivíduo acredita que o evento bom nunca foi determinado pelo seu próprio esforço). Os eventos ruins são vistos pelo pessimista como permanentes, difundidos e internos (internos porque a pessoa se culpa sempre pelos acontecimentos ruins).
Se a criança acredita que os problemas vão durar para sempre e que vão determinar tudo na sua vida, isso faz com que ela pare de fazer novas tentativas. Assim, a permanência e difusão de eventos ruins deixam a criança sem esperanças (hopelessness), ela pára de tentar, desiste de novas oportunidades e fica passiva diante da derrota. Isto representa um passo rumo à depressão; tal relação entre passividade e depressão tém sido provada em pesquisas como de Kamen e Seligman (1987).
O estilo explicativo pessimista tem sido apresentado como um fator de risco para a depressão. Pesquisas empíricas com diferentes idades e em diferentes culturas têm sempre encontrado a depressão associada ao pessimismo: em crianças americanas (Kaslow, Rehm & Siegel, 1984; Robins & Hinkley, 1989), em crianças chinesas (Yu & Seligman, 2002), em estudantes universitários (Suraskv & Fish, 1985), em adultos (Peterson, Bettes & Seligman, 1985). Outros tipos de metodologia de estudos também comprovam esta associação, como meta-análise (Gladstone & Kaslow, 1995) e estudo longitudinal em período de um ano e de cinco anos (Nolen-Hoeksema, Girgus & Seligman, 1986, 1992).
Portanto, a forma de o indivíduo explicar as causas de eventos bons e ruins (estilo explicativo) está associada com a saúde futura dele (Kamen & Seligman, 1987). Uma pesquisa retroativa, com pessoas com idade média de 72 anos, encontrou que o estilo explicativo para eventos ruins dessas pessoas permaneceu estável por mais de 52 anos. Assim, pôde-se afirmar que o estilo explicativo para eventos ruins pode persistir durante a vida, constituindo um fator de risco para a depressão, baixos desempenhos e doença física (Burns & Seligman, 1989).
As conseqüências do pessimismo podem ser extensas e desastrosas: humor depressivo, resignação, menos sucessos nos empreendimentos, saúde física frágil e depressão (Seligman, 1995). Pesquisas têm relacionado o pessimismo com o aumento do risco de contrair doenças infecciosas e saúde frágil (Kamen & Seligman, 1987); com mortalidade e morbidade, mediado por variáveis como retração social, depressão, dificuldade em resolução de problemas e resposta fisiológica ao estresse (Peterson & Seligman, 1987).
Assim, parece que ensinar um estilo explicativo otimista para as crianças pode ser uma forma de prevenir algumas doenças. Seguindo este raciocínio, surgiu o programa The Penn Prevention Program para crianças de idade escolar. A aplicação deste programa apresentou o aumento do otimismo e a redução de sintomas depressivos em crianças com risco de depressão (Seligman, 1995), resultado que se repetiu em amostras de crianças latinas (Cardemil, Reivich & Seligman, 2002) e chinesas (Yu & Seligman, 2002).
Numa tentativa de prevenção em outro nível, este programa foi estendido a pais e educadores, pois são eles os principais responsáveis pelo aprendizado do estilo explicativo das crianças. É importante ressaltar este ponto, pois ninguém nasce otimista ou pessimista. A partir da forma como os pais (e mais tarde outros educadores) explicam os erros e acertos da criança ou deles próprios, se desenvolve o estilo explicativo dos filhos (Seligman, 1995). Pesquisas, como a de Seligman, Peterson, Kaslow, Tanenbaum, Alloy e Abramson (1984), encontraram correlação significativa entre o otimismo ou pessimismo das mães com o de seus filhos.
Até aqui, procurou-se compreender o conceito de otimismo e como ele é importante por afetar a saúde do indivíduo. Agora é preciso mostrar um pouco como se pode medir o otimismo de uma criança. A forma mais utilizada nos Estados Unidos é o Questionário de Estilo de Atribuição para Crianças (Children’s Attributional Style Questionnaire - CASQ). Tal instrumento foi validado por Seligman e outros colaboradores, com aplicação em mais de 5000 crianças (Seligman, 1995). Diversos estudos realizaram avaliação psicométrica do CASQ (Nolen- Hoeksema & cols., 1986; Panak & Garber, 1992; Seligman e cols., 1984), encontrando índices moderados de consistência interna para eventos positivos e negativos, além de o índice de confiabilidade de teste-reteste após 6 meses ser adequado (0,71 e 0,66 para eventos negativos e positivos). Além disso, diversos estudos têm encontrado convergência do CASQ com outros instrumentos, como o Children’s Depression Inventory – CDI (Nolen- Hoeksema & cols., 1992), indicando a validade do instrumento.
O objetivo geral deste trabalho foi o de avaliar a validade do CASQ em amostra brasileira. Especificamente, visou-se verificar as propriedades psicométricas do instrumento, sua estrutura, consistência e concorrência com outro instrumento.
MÉTODO
Participantes:
410 crianças de 4ª série (idades entre nove e doze anos) de três escolas municipais e uma escola particular da região de Curitiba. Para o processo de validação do Questionário de Estilo de Atribuição Comportamental de Crianças (CASQ), participaram as 410 crianças. Uma parte das crianças (130) respondeu apenas ao CASQ, e outra parte (280) respondeu tanto ao CASQ quanto às escalas de Responsividade e Exigência.
Instrumentos:
Questionário de Estilo de Atribuição Comportamental de Crianças (Children’s Attributional Style Questionnaire - CASQ) de Seligman (1995), para medir o otimismo da criança (ANEXO 1). Este questionário contém 48 questões, cada uma apresentando situações hipotéticas e duas opções (letra “A” e “B”) de possíveis explicações para a causa da situação. As 48 questões avaliam seis dimensões (cada uma contendo oito questões): ERPm - eventos ruins permanentes (questões 13, 18, 24, 28, 31, 33, 35 e 36); EBPm -eventos bons permanentes (5, 9, 23, 39, 40, 41, 42 e 43); ERD - eventos ruins difundidos (12, 15, 20, 21, 27, 46, 47 e 48); EBD - eventos bons difundidos (1, 3, 17, 25, 30, 32, 34 e 37); ERPs - eventos ruins pessoais (6, 7, 10, 11, 14, 26, 29, e 38); EBPs - eventos bons pessoais (2, 4, 8, 16, 19, 22, 44 e 45).
A pontuação deste instrumento consiste em atribuir valor 0 ou 1 para as respostas (A ou B) escolhidas pelo participante. Nas questões 1, 4, 6, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 22, 23, 26, 30, 33, 34, 35, 38, 39, 40, 43, 44, 46, 47, 48, a letra A recebe 1 ponto e a letra B recebe 0 ponto. Nas questões 2, 3, 5, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 19, 20, 21, 24, 25, 27, 28, 29, 31, 32, 36, 37, 41, 42, 45, a letra B recebe 1 ponto, e a letra A recebe 0. Cada grupo de dimensões (ERPm, EBPm, ERD, EBD, ERPs, EBPs) deve ter sua soma individual para obter-se o total de pontos para os eventos ruins (Total R) e o total de pontos para os eventos bons (Total B). O escore final advém de B – R, ou seja, da subtração dos eventos ruins dos bons, portanto, quanto maior esse escore mais otimista é a criança. A soma dos eventos ruins permanentes (ERPm) e dos eventos ruins difundidos (ERD) fornece o escore de passividade (hopelessness).
Outro instrumento utilizado foram as escalas de Exigência e Responsividade, validadas no Brasil para adolescentes por Costa, Teixeira e Gomes (2000) e para crianças por Weber, Viezzer e Brandenburg (2002). São 16 questões divididas em duas escalas (a de exigência com 6 questões, e a de responsividade com 10), avaliadas por meio de um sistema Likert de 3 pontos. Estas duas escalas classificam estilos parentais da seguinte forma: escore alto (acima da mediana) em ambas as dimensões correspondem ao estilo autoritativo; escore baixo em ambas as dimensões, ao estilo negligente; escore baixo em responsividade e alto em exigência, ao estilo autoritário; escore alto em responsividade e baixo em exigência, ao estilo indulgente.
Procedimento:
Após autorização de tradução e utilização do CASQ, fornecida por Seligman, a tradução do CASQ para a língua portuguesa foi feita através do procedimento de back-translation, realizado por pessoas com proficiência em língua inglesa. Além desse processo de tradução, houve certas adaptações ao contexto brasileiro. Após a realização de um pré-teste individual com 20 crianças, os instrumentos foram aplicados em grupos contendo no máximo sete crianças.
Análise dos dados:
O processo de verificação da validade do CASQ no Brasil foi feito em diversas etapas. Após a tradução para a língua portuguesa, o CASQ submetido a testes estatísticos para análise da coerência estrutural do instrumento (Hierarquical Cluster) e da consistência interna das dimensões (Alfa de Cronbach). A opção por aplicar a Análise de Cluster sobre as variáveis foi feita por ser a escala essencialmente qualitativa. Foi aplicado o Método de Agrupamento de Ward com base em distâncias binárias euclidianas (Hair, Anerson, Tathan & Black, 1998). Por esta técnica, espera-se que os indicadores de uma dimensão fiquem agrupados num mesmo cluster (menores distâncias), e indicadores de dimensões diferentes estejam em grupos diferentes (maiores distâncias). Ainda como complementação de verificação da estrutura interna de cada dimensão, foi aplicado o Coeficiente Alfa de Cronbach, como em Costa e cols. (2000).
Por último, como mais uma forma de testar a validade do CASQ, foi testada a validade concorrente, ao se estabelecer uma comparação entre o instrumento CASQ e as escalas de Responsividade e Exigência. Este procedimento permitiu a avaliação da validade preditiva, havendo um resultado esperado: o de que escores mais altos de otimismo estivessem associados ao estilo parental autoritativo, pois a literatura demonstra que filhos de pais com este estilo se saem melhor em diversos aspectos (Lamborn, Mounts, Steinberg & Dornbusch, 1991; Steinberg, Lamborn, Darling, Mounts, & Dornbusch, 1994; Steinberg, Darling & Fletcher, 1995; Aunola, Sattin & Nurmi, 2000).
RESULTADOS
Análise da coerência estrutural. Visando buscar a confirmação da coerência estrutural das seis dimensões que compõem o Questionário de Estilo de Atribuição Comportamental de Crianças, todos os itens foram submetidos ao teste Hierarquical Cluster. Este teste calcula a distância euclidiana entre os grupos de itens. Desta forma, no dendograma, itens pertencentes a uma mesma dimensão deveriam estar nos mesmos ramos. A Figura 1 fornece a apresentação de como as 48 questões agruparam-se.
Através do dendograma, Figura 1, pôde-se analisar como as seis dimensões estão dispersas. Apenas os eventos ruins e os eventos bons se agruparam, mas não de forma homogênea. O que pôde demonstrar a diferença entre os eventos bons e os ruins foi a correlação entre os escores totais (Total B e Total R) que se apresentou negativa e significativa (r =-0,218; p < 0,001), além de muito baixa.
Análise da consistência interna. Foi calculado o Alfa de Cronbach de cada dimensão: 0,2905 para os eventos ruins permanentes e 0,1405 para os bons permanentes; 0,1006 para os eventos ruins difusos e 0,1438 para os bons difusos; 0,3687 para os eventos ruins pessoais e 0,2114 para os bons pessoais. O total de eventos bons apresentou um alfa de valor 0,3310, e o total de eventos ruins, 0,2581. Todos os valores encontrados são de baixa confiabilidade, pois o alfa é bom quando maior que 0,80; entre 0,70 e 0,80 é considerado razoável; entre 0,60 e 0,70 é razoável para pesquisas básicas; abaixo de 0,60 é um valor ruim.
Análise concorrente. Testes adicionais foram realizados para aprofundar a análise das propriedades metrológicas do CASQ, conforme será mais bem explicado adiante. Os dados do CASQ foram relacionados com dados das escalas de Exigência e Responsividade, as quais já foram validadas no Brasil para crianças (alfa 0,65 para escala de exigência e alfa 0,76 para a escala de responsividade) (Weber & cols, 2002). Por meio da análise de variância (Anova), pôde-se investigar se os estilos parentais relacionam-se com o grau de otimismo. A Tabela 1 apresenta os resultados deste teste, ou seja, as médias do escore de otimismo referentes a cada estilo parental.
A Tabela 1 demonstra como houve diferença significativa (p < 0,05) na distribuição dos escores entre os estilos autoritativo e negligente, o que não ocorreu para os estilos autoritário e permissivo (p > 0,05). O estilo parental autoritativo apresentou as maiores médias de otimismo (4,35; 4,50; 4,59); o estilo negligente, as menores (1,66; 1,77; 1,43).
Foi aplicado o mesmo teste para investigar a relação entre os estilos parentais e os escores totais dos eventos bons e dos eventos ruins. O escore total de eventos bons se apresentou estatisticamente relacionado com os estilos parentais (F=4,296; p<0,050): a maior média de eventos bons se associou ao estilo parental autoritativo; e a menor média, ao estilo negligente. O escore total de eventos ruins também se relacionou de forma significativa com os estilos parentais (F=3,596; p<0,050), sendo que o estilo autoritativo apresentou a menor média de eventos ruins e o estilo negligente a maior.
Para explorar mais a relação entre os dois instrumentos, foi investigado se o otimismo da criança possui relação com a responsividade e a exigência de seus pais. Para tanto, foi realizada a correlação entre os escores totais de otimismo, de eventos bons e de eventos ruins com os escores totais da escala de responsividade e da escala de exigência. Os resultados encontrados se apresentam na Tabela 2.
O escore total de otimismo esteve correlacionado de forma significativa e positiva com as duas dimensões (responsividade e exigência) tanto dos pais e das mães separados como combinados. O escore total de eventos bons também se correlacionou positivamente com a responsividade e exigência de pais, mães e de ambos combinados. Já o escore total de eventos ruins apresentou correlação significativa e negativa com as duas dimensões dos estilos parentais, com exceção da responsividade do pai. Apesar de significativas e na direção correta, estas correlações não apresentaram valores elevados pois existem outros fatores que poderiam estar intervindo nesta relação como nível socioeconômico, desempenho acadêmico, relacionamento com pares, entre outros.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Com a análise estrutural, percebeu-se que as dimensões (permanência, difusão e personalização para eventos bons e ruins) não estão demonstrando uma coerência quanto à estrutura das dimensões inicialmente propostas, o que se confirmou com os valores muito baixos dos alfas de cada dimensão. Um dos fatores que pode ter levado à baixa consistência foi o número de pontos da escala, já que o Alfa de Cronbach é bastante sensível ao número de itens da escala e ao número de pontos que esta possui (Nunnaly & Berstein, 1997).
Nolen-Hoeksema e cols. (1992) também encontraram valores de consistência interna muito baixos para cada uma das seis dimensões do Questionário de Estilo de Atribuição para Crianças, mesmo afirmando que estas dimensões sejam distintas teoricamente. No entanto, esses autores encontraram valores razoavelmente adequados para o total de eventos bons e total de eventos ruins (alfa do Total B=0,58; alfa do Total R=0,56), o que se repetiu em outras pesquisas (Seligman e cols., 1984; Panak & Garber, 1992). Em razão disso, os escores totais de eventos bons e ruins têm sido utilizados por esses autores para realizarem a análise de dados. Tanto os resultados da presente pesquisa quanto os de Nolen-Hoeksema e cols. (1992) demonstram que o instrumento não está condizente com a teoria. O CASQ não demonstra medir o otimismo através das seis dimensões, as quais são a base para a definição de otimismo de Seligman (1995).
Na presente pesquisa os valores do alfa para o total de eventos bons e total de eventos ruins foram baixos, e o valor da correlação também, apesar de ser significativa e negativa. O valor muito baixo da correlação pode ser interpretado como comprovação de que as dimensões eventos ruins e eventos bons não são opostas, e sim, independentes (quase ortogonais). Isso significa que os sujeitos que responderam ao questionário não possuem pontuação apenas para eventos bons ou apenas para ruins, mas sim, para os dois eventos. Tanto isso acontece que, para cálculo do escore total, deve-se subtrair o valor de eventos ruins do valor dos eventos bons. Assim, a correlação indica conformidade com o esperado. Por estas razões e pela sustentação das outras pesquisas já mencionadas anteriormente, os escores totais para os dois tipos de eventos foram utilizados na análise concorrente, guardadas as limitações da escala aplicada.
O Questionário de Estilo de Atribuição para Crianças original passou por processo de avaliação psicométrica (Nolen-Hoeksema & cols., 1986; Panak & Garber, 1992; Seligman e cols., 1984), encontrando índices moderados de consistência interna para eventos positivos e negativos, além de o índice de confiabilidade de teste-reteste após 6 meses ser adequado (0,71 e 0,66 para eventos negativos e positivos, respectivamente). Além disso, diversos estudos têm encontrado convergência do CASQ com outros instrumentos, como o Children’s Depression Inventory – CDI (Nolen-Hoeksema & cols., 1992), provando a validade do instrumento.
Mesmo que a análise de Cluster e os alfas tenham sido dois elementos muito consistentes e fortes para interpretar que o questionário necessita de revisões profundas, optou-se por dar continuidade às análises do instrumento através da análise concorrente. Pôde-se verificar que os resultados obtidos na amostra desta pesquisa responderam às expectativas: os filhos de pais autoritativos são mais otimistas, e os filhos de pais negligentes são menos otimistas, enquanto os filhos de pais autoritários possuem os mesmos escores de otimismo que os filhos de pais permissivos. Esse resultado possui o mesmo padrão de outras pesquisas realizadas dentro do estudo de estilos parentais, como a pesquisa de Lamborn e cols. (1991): adolescentes que perceberam seus pais como autoritativos foram associados a aspectos positivos, enquanto os que perceberam seus pais negligentes o foram a aspectos negativos; adolescentes que vêem seus pais como autoritários ou como permissivos estão associados a traços tanto positivos quanto negativos, ou seja, estão numa faixa intermediária.
O fato de os filhos de pais autoritativos terem apresentado melhores resultados quanto ao otimismo e os filhos de pais negligentes, os piores, condiz com o esperado. Em todas as pesquisas na área de estilos parentais, o estilo autoritativo é aquele que aparece como sendo o que produz melhores efeitos em seus filhos (Dornbush, Ritter, Leiderman, Roberts, & Fraleigh, 1987; Lamborn e cols., 1991; Steinberg & cols., 1994; Steinberg & cols., 1995; Cohen & Rice, 1997; Kerka, 2000).
Essa associação entre crianças otimistas e pais autoritativos foi confirmada pela relação entre pais autoritativos com maiores escores de eventos bons e menores escores de eventos ruins. E também pelas correlações significativas e positivas entre o escore total de otimismo com as dimensões de responsividade e de exigência, e também pelas correlações significativas entre eventos bons e ruins e as duas dimensões de estilos parentais.
O resultado positivo, referente à análise preditiva, indica que o instrumento possui alguma propriedade metrológica, o que é de extrema importância para os estudos sobre otimismo. Isso justifica e permite a continuidade dos estudos sobre este instrumento para revisão profunda dos itens e melhoramento de sua estrutura e consistência internas.
Nesta continuidade de estudos, seria muito importante rever com maiores detalhes o sentido das frases do questionário para as crianças brasileiras. A presente pesquisa preocupou-se não apenas com a tradução, mas também com a adaptação das frases. Esta adaptação, porém, pode não ter sido suficiente. Na pesquisa de Weber, Brandenburg e Viezzer (2003), encontrou-se valores muito mais baixos de otimismo para as crianças brasileiras, quando comparados com os valores do otimismo das crianças americanas. Isso comprova como deve-se enfatizar a diferença cultural e socioeconômica entre as amostras original e a utilizada na presente pesquisa pode ter se apresentado como uma variável interveniente importante para dificultar a validade do instrumento aqui demonstrada.
Apesar de os resultados não terem sido muito satisfatórios, a presente pesquisa teve sua importância por dois grandes motivos. Em primeiro lugar, chama a atenção para os cuidados que devem ser tomados e para as dificuldades que acarretam a tradução e adaptação de instrumentos estrangeiros. Deve-se incentivar e ressaltar a importância de os pesquisadores elaborarem instrumentos a partir da realidade cultural e socioeconômica brasileira.
Em segundo lugar, ressalta a importância de se pesquisar e estudar sobre o otimismo das crianças, tendo em vista a possibilidade de promoção de um desenvolvimento mais saudável e de uma melhor qualidade de vida. A tentativa de validação do Questionário de Estilo de Atribuição para Crianças da presente pesquisa representou um interesse por um assunto que se insere dentro da perspectiva da psicologia positiva, pois promover otimismo em crianças significa prevenir doenças (como a depressão) e favorecer a saúde delas.
REFERÊNCIAS
Aunola, K., Stattin, H., & Nurmi, J. E. (2000). Parenting styles and adolescents’ achievement strategies. Journal of Adolescence, 23 (2), 205-220.
Bandeira, M., Bekou, V., Lott, K S., Teixeira, M. A., & Rocha S. S. (2002). Validação transcultural do teste de orientação da vida (TOV-R). Estudos de psicologia (Natal), 7 (2), 251-258. [ Links ]
Burns, M. O., & Seligman, M. E.P. (1989). Explanatory Style across the life span, evidence for stability over 52 years. Journal os Personality and Social Psychology, 56 (3), 417-477. [ Links ]
Cardemil, E. V., Reivich, K. J., & Seligman, M. E. (2002). The prevention of depressive symptoms in low-income minority middle-school students. Prevention and Treatment, 5. [ Links ]
Cohen, D. A., & Rice, J. (1997). Parenting styles, adolescent substance use, and academic achievement. Journal of Drug Education, 27 (2), 199-211. [ Links ]
Costa, F. T., Teixeira, M. A. P., & Gomes, W. B. (2000). Responsividade e Exigência: Duas escalas para avaliar estilos parentais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13 (3), 465-473. [ Links ]
Dornbusch, S. M., Ritter, P. L., Leiderman, P. H., Roberts, D. F., & Fraleigh, M. J. (1987). The relation of parenting style to adolescent school performance. Child Development, 58, 1244-1257. [ Links ]
Gladstone, T. R. G., & Kaslow, N. J. (1995). Depression and attributions in children and adolescents: A meta-analytic review. Journal of Abnormal Child Psychology, 23 (5), 597-606. [ Links ]
Hair, J. F., Anerson, R. E., Tathan, R. L., & Black, W. C. (1998). Mutivariate Data Analysis. Nova York: Prentice Hall. [ Links ]
Kamen, L. P., & Seligman, M. E. (1987). Explanatory style and health. Current Psychology: Research and Reviews, 6 (3), 207-218. [ Links ]
Kaslow, N. J., Rehm, L. P., & Siegel, A. W. (1984). Social-cognitive and cognitive correlates of depression in children. Journal of Abnormal Child Psychology, 12 (4), 605-620. [ Links ]
Kerka, S. (2000). Parenting and Career Development (ERIC Digest No. 214). ERIC Clearinghouse on Adult, Career, and Vocational Education, Columbus, OH. Office of Educational Research and Improvement (ED). Washington, DC. [ Links ]
Lamborn, S. D., Mounts, N. S., Steinberg, L., & Dornbusch, S. M. (1991). Patterns of competence and adjustment among adolescents from authoritative, authoritarian, indulgent, and neglectful families. Child Development, 62, 1049-1065. [ Links ]
Nolen-Hoeksema, S., Girgus, J. S., & Seligman, M. E. P. (1986). Learned helplessness in children: A longitudinal study of depression, achievement, and explanatory style. Journal of Personality and Social Psychology, 51 (2), 435-442. [ Links ]
Nolen-Hoeksema, S., Girgus, J. S., & Seligman, M. E. P. (1992). Predictors and Consequences of Childhood Depressive Symptoms a 5-Year Longitudinal Study. Journal of Abnormal Psychology, 101 (3), 405-422. [ Links ]
Nunnaly, J. P., & Berstein, C. F. (1997). Psychometric Theory. New York: McGraw-Hill. [ Links ]
Panak, W. F., & Garber, J. (1992). Role of aggression, rejection, and attributions in the prediction of depression in children. Development and Psychopathology, 4, 145-165. [ Links ]
Peterson, C., Bettes, B. A., & Seligman, M. E. (1985). Depressive symptoms and unprompted causal attributions: Content analysis. Behaviour Research and Therapy, 23 (4), 379-382. [ Links ]
Peterson, C., & Seligman, M. E. (1987). Explanatory style and illness. Journal of Personality, 55 (2), 237-265. [ Links ]
Robins, C. J., & Hinkley, K. (1989). Social-cognitive processing and depressive symptoms in children: a comparison of measures. Journal of Abnormal Child Psychology, 17 (1), 29-36. [ Links ]
Seligman, M. E. P., Peterson, C., Kaslow, N. J., Tanenbaum, R. L., Alloy, L. B., & Abramson, L. Y. (1984). Explanatory style and depressive symptoms among school children. Journal of Abnormal Psychology, 93, 235 - 238. [ Links ]
Seligman, M. E. P. (1995). The optimistic child: a proven program to safeguard children against depression and build lifelong resilience. New York: Harper Perennial. [ Links ]
Seligman, M. E. P., & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive Psychology: an introduction. American Pscyhologist, 55, 5-14. [ Links ]
Steinberg, L., Darling, N., & Fletcher, A. C. (1995). Authoritative parenting and adolescent adjustment: An ecological journey. Em P. Moen, G. H. Elder, Jr., & K. Luscher (Orgs.), Examining lives in context: Perspectives on the ecology of human development (pp. 423-466). Washington, DC: APA Books. [ Links ]
Steinberg, L., Lamborn, S. D., Darling, N., Mounts, N. S., & Dornbusch, S. M. (1994). Over-time changes in adjustment and competence among adolescents from authoritative, authoritarian, indulgent, and neglectful families. Child Development, 65, 754-770. [ Links ]
Suraskv, J., & Fish, J. M. (1985). Cognitive distortion in depression: a comparative experimental analog test of the beck and reformulated seligman models. Estudos de Psicologia, 2 (2-3), 51-80. [ Links ]
Weber, L. N. D., Brandenburg, O. J., & Viezzer, A. P.(2003) A relação entre o estilo parental e o otimismo da criança. Psico-USF, 8 (1), 71-79. [ Links ]
Weber, L. N. D., Viezzer, A. P., & Brandenburg, O. J. (2002). Adaptação e validação de duas escalas (exigência e responsividade) para avaliar estilos parentais [Resumo]. Em Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (Org.), Anais, XI Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental (p. 208). Londrina: ABPMC. [ Links ]
Yu, D. L., & Seligman, M. E. P. (2002). Preventing depressive symptoms in Chinese children. Prevention and Treatment, 5. [ Links ]
Recebido em: 20/05/03
Revisado em: 17/09/03
Aprovado em: 04/11/03
1 Professora do Departamento de Psicologia e do Mestrado em Psicologia da Infância e da Adolescência da UFPR
2 Professor do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas e do Mestrado em Administração da UFPR.
3 Acadêmica do Curso de Psicologia da UFPR, com bolsa de Iniciação Científica do CNPq.
4 Acadêmica do Curso de Psicologia da UFPR, com bolsa de Iniciação Científica do CNPq.
ANEXO 1
QUESTIONÁRIO DE ESTILO DE ATRIBUIÇÃO PARA CRIANÇAS
1. Você tira nota 10 em uma prova. A) Eu sou inteligente. B) Eu sou bom na matéria que caiu na prova.
2. Você joga um jogo com alguns(mas) amigos(as) e você ganha. A) As pessoas com quem eu joguei não jogavam bem o jogo. B) Eu jogo este jogo muito bem.
3. Você passa a noite na casa de um(a) amigo(a) e se diverte muito. A) Meu amigo estava de bom humor nesta noite. B) Todo mundo na família do meu amigo estava de bom humor nesta noite.
4. Você sai de férias com um grupo de pessoas e se diverte muito. A) Eu estava de bom humor. B) As pessoas com quem eu fiquei de férias estavam de bom humor.
5. Todos os seus(suas) amigos(as) pegaram uma gripe, menos você. A) Ultimamente eu ando saudável. B) Eu sou uma pessoa saudável.
6. Seu bichinho de estimação é atropelado por um carro.A) Eu não cuido bem dos meus bichos de estimação. B) Os motoristas não são muito cuidadosos.
7. Alguns de seus(suas) colegas dizem que não gostam de você. A) De vez em quando as pessoas são ruins comigo. B) De vez em quando eu sou ruim para outras pessoas.
8.Você tira notas muito boas. A) Os trabalhos da escola são fáceis.B) Eu sou muito esforçado.
9. Você encontra um(a) amigo(a) e ele diz que você está bonito(a). A) Neste dia meu amigo quis elogiar a aparência de muitas pessoas. B) Muitas vezes meu amigo elogia a aparência das pessoas.
10. Um(a) bom(a) amigo(a) diz que odeia você. A) Meu amigo estava de mau humor naquele dia. B) Eu não fui legal com meu amigo naquele dia.
11. Você conta uma piada e ninguém ri. A) Eu não conto piadas muito bem. B) A piada é tão conhecida que não tem mais graça.
12. Seu(sua) professor(a) passa uma lição e você não entende. A) Eu não prestei atenção em nada naquele dia. B) Eu não prestei atenção quando meu professor estava falando.
13. Você vai mal em uma prova. A) Meu professor faz provas muito difíceis. B) Nas últimas semanas, meu professor tem feito provas difíceis.
14. Você ganha muito peso e começa a engordar. A) A comida que eu tive que comer engorda muito. B) Eu gosto de comida que engorda.
15. Uma pessoa rouba dinheiro de você. A) Esta pessoa é desonesta. B) As pessoas são desonestas.
16. Seus pais elogiam alguma coisa que você fez. A) Eu sou bom em certas coisas. B) Meus pais gostam de algumas coisas que eu faço.
17. Você joga um jogo e ganha algum dinheiro. A) Eu sou uma pessoa de sorte. B) Eu tenho sorte quando eu jogo.
18. Você quase se afoga ao nadar em um rio. A) Eu não sou uma pessoa cuidadosa. B) Algumas vezes eu não sou cuidadoso.
19. Você é convidado para muitas festas. A) Muitas pessoas têm sido legais comigo ultimamente. B) Eu tenho sido legal com muitas pessoas ultimamente.
20. Um adulto grita com você. A) Aquele adulto gritou com a primeira pessoa que ele viu. B) Aquele adulto gritou com muitas pessoas naquele dia.