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Psicologia Escolar e Educacional
versão impressa ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. v.9 n.1 Campinas jun. 2005
ARTIGOS
Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente
Sharing formation, practice and dillemas: a contribuition to the professor development
Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla I1; Mariana Wisnivesky 2; Paula Saretta2; Fernanda Costa Paulucci2; Carolina Pasquote Vieira2; Carolina de Aragão Escher Marques2
IDepartamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
RESUMO
O presente trabalho objetivou analisar momentos que caracterizam a prática, a formação e os dilemas cotidianos do profissional práticoreflexivo, buscando compreender suas crenças. Foram realizados 23 encontros entre seis professoras e uma psicóloga. As falas transcritas, divididas em 11 categorias, foram submetidas a entrevistas recorrentes. Os resultados indicaram a necessidade de vincular, na formação e no cotidiano do professor, teoria e prática, a partir da reflexão sistemática, cotidiana, democrática e compartilhada entre os pares. Isto tendo em vista a formação docente como um processo multifacetado, pautado em diversas dimensões, que acabam sendo edificadoras de muitos dos saberes docentes.
Palavras-chave: Reflexividade, Crenças Docentes, Formação de Professores.
ABSTRACT
This paper aimed to analyse the moments that characterize the practice, the formation and the quotidian dilemmas of the practical-reflecting professional on trying to understand his beliefs. Twenty-three meetings involving six teachers and one psychologist were held. The transcribed speech was divided into 11 categories and, then submitted to recuring interviews. The data analysis indicated the need of linking theory to practice in the teacher’s formation and daily routine, through a systematic, quotidian, democratic and shared reflection among the partners, understanding the teacher’s formation as a multifaceted process, based on many dimensions which end in being constructors of much of the teacher’s knowledge.
Keywords: Reflection, Teacher’s Belief, Teacher’s Formation
INTRODUÇÃO
Formação, prática e dilemas docentes: uma aproximação
A perspectiva da reflexão na formação dos professores
Quando se busca promover a reflexividade é importante que se considere o fato que ao se propor a um grupo de docentes que analise sua atuação profissional significa deflagrar uma discussão, preferencialmente coletiva, sobre determinados aspectos fundamentados teoricamente. O que ocorre a partir desta proposição é um fenômeno que não pode ser observado, uma vez que está diretamente relacionado ao pensamento docente. O grupo, por sua vez, permite que sejam esclarecidas suas dificuldades individuais, rompendo com estereótipos e possibilitando a identificação dos obstáculos que possam impedir seu desenvolvimento, além de auxiliar na resolução ou enfrentamento de seus próprios problemas, possibilitando a produção de conhecimento.
A linha de pesquisa sobre o pensamento do professor surgiu nos Estados Unidos em 1974, com o nascimento da ISATT (International Study Association on Teacher Thinking). Lee Shulman é considerado o “pai” dessa linha de investigações, a partir da coordenação de um dos dez painéis apresentados no Congresso do National Institute of Education, em 1975. O painel coordenado por Shulman denominavase “O ensino como processamento clínico de informação” e objetivava descrever a vida mental do professor, concebido como um agente que toma decisões, reflete, emite juízos, tem crenças e atitudes (Sadalla, 1998).
A pesquisa sobre as teorias implícitas dos professores constitui uma parte menor e mais recente da literatura sobre o pensamento do professor. Os estudos sobre as crenças e teorias do professor têm em comum a idéia de que a cognição docente é guiada por um sistema individual de crenças, valores e princípios.
Raymond e Santos (1995) apontam que as crenças são as idéias fundamentais das pessoas a respeito de suas experiências de vida, e afetam diretamente as suas ações, quer se admita conscientemente estas crenças, quer não. Esta é a definição aqui utilizada.
Neste cenário, passa-se a privilegiar o professor em sua própria formação, em um processo re-significação de saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada a partir de uma reflexão na e sobre a prática. Entretanto, refletir sobre a prática não é apenas analisá-la, mas buscar em teorias psicológicas e/ou educacionais os seus fundamentos. Ser um profissional prático- reflexivo significa, pois, apropriar-se de teorias que buscam analisar o fenômeno estudado, tomar consciência delas e debruçar-se sobre o conjunto de sua ação, refletindo sobre seu ensino e sobre as condições sociais nas quais suas experiências estão inseridas.
Desta forma, os pesquisadores desta linha de pensamento consideram que as premissas que fundamentam a racionalidade técnica (que consideram o professor como cumpridor de tarefas) desfavorecem uma conduta reflexiva dos profissionais diante das situações de conflito e de indagações que vão surgindo ao longo do desenvolvimento profissional.
A revisão bibliográfica a respeito das pesquisas referentes ao pensamento do professor mostrou-se especialmente importante ao revelar que numerosos estudos têm-se voltado para a investigação sobre as teorias e crenças que fundamentam o pensamento do professor e suas implicações para a ação docente (Flavell, Miller e Miller, 1999; Borsatto, 1999; Sadalla, 1998; Pacheco, 1995; Agne, Greenwood e Miller, 1994, Lynott e Folk, 1994; Agne, 1992; Sapon-Shevin, 1991; Kagan, 1991; Elbaz, 1990; Marcelo, 1987; Yinger, 1986; Marrero, 1986; Pérez, 1986). Estudos mais recentes foram desenvolvidos com o objetivo não só de compreender o sistema de crenças, mas também analisar suas implicações para o processo ensino-aprendizagem (Fregoneze, 2000; Martini, 1999; Sadalla, Davoli e Schmidt, 1999; Calderhead, 1996; Krüger, 1993).
As pesquisas enfocando o professor prático-reflexivo têm sido formas de desenvolver e aprofundar a compreensão sobre a prática educacional. Através de mudanças que ocorrem em suas crenças, professores e outros profissionais da educação podem produzir mudanças em suas práticas a fim de serem efetivamente mediadores de conhecimento, deste modo, podem, também, ser considerados professores-pesquisadores. Fischer (1996 apud Zeichner e Noffke, 1998) aponta que esses professores freqüentemente possuem seus próprios interesses em sua sala de aula. São sugeridas categorias para entender algumas razões que podem levar o docente a se engajar na pesquisa, tais como interesse em conhecer mais sobre como seus alunos estão aprendendo; tentativas de aplicar alguns conhecimentos novos para inovar seu conteúdo programático; desejo de mudança, deixando de ser um a mais a ensinar; e tentativas de conexões significativas entre os significados de seu trabalho.
Zeichner e Noffke (1998) acrescentam outros objetivos relacionados ao cotidiano do professor que busca pesquisar: aperfeiçoar a prática; compreender melhor um aspecto de sua prática; melhor compreender sua prática de um modo mais geral; promover, nos alunos, mais eqüidade em relação à participação; e, finalmente, influenciar as condições sociais nas quais aquela prática está inserida.
Schön (1987 apud Alarcão,1996) defende essa idéia afirmando que na medida em que o profissional conversa com a situação e ouve o que ela tem a dizer, verbalizaPartilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente os seus próprios processos de reflexão. Ao descrever o processo da reflexividade, Schön evidencia que o conhecimento produzido pelo profissional práticoreflexivo é um conhecimento baseado em sua prática individual e ultrapassa, portanto, os limites da investigação acadêmica.
Sadalla (1998) acrescenta que ao tomar decisões e escolher atitudes para resolver problemas, o professor faz mais do que escolher uma determinada forma de ação ou um caminho a seguir. Ele considera e avalia as alternativas estabelecendo critérios para selecionar a melhor opção. Faz-se, portanto, necessário que o professor esteja preparado para lidar com estas situações, pensando e analisando suas crenças, valores e teorias a respeito do processo de ensino-aprendizagem, o que lhe possibilitará reorganizar seu pensamento, fundamentado numa base sólida de conhecimentos.
Reflexão sobre dilemas docentes
O cotidiano do professor é constituído de uma sucessão de pequenas decisões mais ou menos importantes, as quais, muitas vezes, levam-no a deparar-se com situações a serem gerenciadas imediatamente, tendo pouco tempo para refletir simultaneamente à ação. Assim, o professor deve ter em mente que estas devem estar fundamentadas em algo que funcione como um eixo de ação, de postura em sala de aula, para que ele não fique agindo apenas nas situações de emergência. Nada deixa o professor mais perdido do que ter que tomar alguma decisão imediata quando ele não tem muita clareza de onde ele quer chegar. Deste modo, o docente deve ser auxiliado a refletir a respeito não só do que acontece naquele momento referido, mas, também, nos futuros acontecimentos que poderão surgir a partir da sua tomada de decisão.
Por mais que as estratégias de aula tenham sido previstas, os conteúdos organizados de forma a promover a aprendizagem dos alunos, a dinâmica dos grupos, as relações interpessoais dentro da sala de aula podem alterar completamente o que havia sido planejado, obrigando o professor a buscar meios de resolver os eventuais problemas. O docente serve-se, então, do conhecimento que tem sobre sua sala de aula, muito mais do que do raciocínio ou dos modelos de ação. Essas decisões nem sempre são conscientes para o professor.
Perrenoud (1993) acrescenta que o trabalho docente acaba seguindo uma rotina que o professor põe em ação de forma relativamente consciente e racional, mas sem precisar avaliar o seu caráter arbitrário; logo, ele nem sempre escolhe ou controla verdadeiramente sua ação. Este mesmo autor aponta que ao se fecharem as portas da sala de aula, 80% do que lá ocorre não foi planejado pelo professor, e, como já foi referido, ele deve tomar decisões importantes que muitas vezes produzem os chamados dilemas. Segundo Pacheco (1995) os dilemas são situações problemáticas que se apresentam às pessoas, constituindo-se como objeto de preocupação e de reflexão constantes.
A grande ênfase no surgimento dos dilemas é dada devido à dificuldade de o professor conseguir unir dois aspectos muito importantes: a teoria que possui e a sua prática cotidiana. O dilema surge quando esse profissional se defronta com a prática e absorve estas questões tão importantes quanto aquelas aprendidas em outros contextos. Esse profissional sente que tudo aquilo que foi concretizado como “a maneira correta de agir” está sendo questionado pelas questões com as quais se depara. Ao mesmo tempo em que luta para apreender estas informações, sente que a prática talvez não seja uma fonte confiável de aprendizado, por se caracterizar como sendo inconstante e individual. Então, busca um caminho que seja capaz de solucionar o dilema que está sendo vivenciado e descobre que a maneira ideal de unir as duas fontes é a teorização da prática. Isso implica na articulação dos saberes pessoais e dos outros, de reconhecimento das formas de atuação próprias e transformação das mesmas em esquemas de pensamento e de ação, surgindo então um novo procedimento (Perrenoud, 2001). Como o cotidiano do professor é algo inconstante, visto que este profissional depara-se com situações difíceis a cada dia, ocorre um questionamento intenso e contínuo sobre sua prática.
Não há como fazer da concepção teórica algo menos importante do que ela realmente é. O professor precisa de um embasamento, de um referencial que o guie nas suas atividades e durante o curso de seu papel profissional. Mas, apesar de necessária, não se pode considerar a teoria suficiente para a execução de uma prática adequada. Estudar concepções e aplicá-las é algo muito importante, pois pode modificar a ação docente. Mas a transformação da prática, bem como a modificação de uma realidade já estruturada só é possível através da atuação. Porque é durante a ação que surgem os obstáculos, que são passíveis de mudança somente através de tentativas.
Assim, busca-se transformar a relação do professor com a teoria que fundamenta suas idéias. Isto significa que não é possível que se possa formar o professor para que ele seja capaz de prever a conseqüência de cada um dos atos em sala de aula. Mas, ao contrário, pode-se contribuir para que ele, municiado de uma teoria com a qual comungue, seja capaz de atuar na direção daquilo que pretende alcançar.
A formação do professor prático-reflexivo tem apontado na direção de que ele deve ser auxiliado a ter consciência da fundamentação de suas ações. Isso não quer dizer que se volte a esquemas antigos de considerar que lhe devam ser administrados cursos de capacitação, reciclagem ou similares. Estudos têm demonstrado a ineficácia desses procedimentos (Gatti, 2000; Andaló, 1995). Alguns especialistas em educação têm oferecido ao professor teorias sobre temas específicos, que muitas vezes são até mesmo consideradas interessantes pelos docentes. Acontece que isso é só uma forma de dar uma roupagem nova a velhos esquemas de “capacitação”. Deve-se considerar que não é disso que o professor precisa, até porque ele muitas vezes detém as teorias. O que ele não sabe é como aplicá-las na hora em que necessita delas.
PARTILHANDO FORMAÇÃO, PRÁTICA E DILEMAS: UM ESTUDO DE CASO
As formas de pensar do professor e as ações que resultam dessas reflexões são o ponto de partida para esta pesquisa realizada com um grupo de professores da rede pública municipal, coordenado por uma psicóloga, tendo o seguinte objetivo: identificar, descrever e analisar os momentos que caracterizam a prática do profissional prático-reflexivo, buscando compreender as crenças a respeito de formação docente, bem como os dilemas cotidianos que permeiam sua atividade profissional. Além disso, objetivou-se promover, nas professoras, o reconhecimento de suas crenças a respeito dos temas emergentes. De modo mais detalhado, os objetivos específicos desta pesquisa foram buscar compreender de que forma se dá o processo de desenvolvimento do profissional prático-reflexivo, voltando-se para o reconhecimento de suas crenças a respeito de sua atividade profissional; o pensamento das professoras sobre formação docente em geral, reconhecendo-se como docentes que atuam na formação e desenvolvimento profissional de seus pares; os dilemas cotidianos do professor enquanto atuante na sala de aula junto a seus alunos, bem como naquelas situações em que é responsável pelo desenvolvimento profissional de seus pares.
É mister apontar que esta pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa dos dados desde a constituição do grupo de professores até a análise final. Na segunda etapa deste estudo, buscou-se promover junto às professoras o reconhecimento das crenças e teorias que foram surgindo a partir dos temas arrolados pelo próprio grupo.
MÉTODO
A constituição do grupo de participantes
A Rede Municipal de Ensino de Campinas possibilitava a alguns docentes, apontados por especialistas como competentes para auxiliar na formação de seus pares, o planejamento e a execução de cursos fornecidos a profissionais da Rede (equipe técnica, docentes e monitores) sobre temas considerados fundamentais para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.
No início do ano uma das autoras desta pesquisa foi procurada por um grupo de seis docentes da Rede Municipal de Ensino com a solicitação de que as auxiliasse no trabalho de Formação Profissional desenvolvido junto a seus pares. Deste modo, encontros semanais de duas horas de duração entre aqueles professores e a autora ocorreram no período de fevereiro a outubro daquele ano letivo.
Os docentes recebiam o que eles denominavam de assessoria técnica e neste grupo buscava-se conhecer suas experiências enquanto formadores de profissionais da educação, objetivando a sua própria formação enquanto um profissional prático-reflexivo. Dos seis docentes, cinco possuíam formação superior, sendo três em Psicologia e dois em Pedagogia, e um deles concluiu o Curso de Magistério. Sua idade variava de 25 a 30 anos.
Procedimento
A coleta de dados desta pesquisa foram utilizados dois procedimentos descritos a seguir.
Procedimento de áudio gravação
A opção pela gravação dos encontros com as Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente professoras deveu-se à possibilidade que as transcrições dessas gravações oferecem: ter em mãos um registro confiável ao qual o pesquisador retorna na medida em que desenvolve suas hipóteses (Silverman, 1994). Além disso, visto que os próprios sujeitos tiveram acesso às transcrições feitas, este método viabilizou o contato do profissional com suas próprias elaborações mentais ‘intuitivas’, permitindo-lhe confrontar aquilo que pensa com aquilo que realmente diz e faz . Este movimento é facilitado pelo procedimento em questão, na medida em que torna perene a fala, viabilizando assim a reflexão sobre crenças e ações.
Através da gravação de suas falas o sujeito tem a oportunidade de ouvir-se e avaliar-se como os outros o fazem, o que possibilita o aumento do nível de consciência nas tomadas de decisões que ocorrem durante o trabalho (Bhsher, Clarke, Taggart, 1988). Além disso, a linguagem não verbal e os dados extralingüísticos são deixados como fundo, trazendo-se ao primeiro plano as concepções, processos cognitivos e disposições atitudinais do docente, o que leva o sujeito a ter que construir verbalmente o objeto de discussão, de modo a poder compartilhá-lo.
Neste contexto, o diálogo é fundamental para tornar possível a reflexão, pois é na interlocução com os pares que o indivíduo se apropria de sua prática, construindo modelos para descrevê-la (Tickle, 1993).
Procedimento de entrevista recorrente
A entrevista recorrente é um procedimento descrito por vários autores, entre eles Tunes (1981), Simão (1982a, 1982b e 1989), Zanelli (1992) e Larocca (1999). Estes pesquisadores mostram que a utilização deste procedimento permite a construção do conhecimento sobre a situação referida.
A interação recorrente entre o pesquisador e o participante, em torno de um tema específico, tem como uma das resultantes o que Simão (1989, apud Zanelli, 1992), denomina construção de conhecimento, ou seja, transformação e modificação das informações sobre o tema, que ocorre na medida que as entrevistas vão sendo realizadas.
É mister apontar que este procedimento não tem um roteiro pré-estabelecido de perguntas. Quase sempre, a pergunta gira em torno de “O que você pensa acerca da forma como foi redigida esta crença?” ou algo similar, mas dando sempre ao participante a possibilidade de alterar a redação da crença e a interpretação que se faz de sua fala.
Zanelli (1992) afirma que esta postura frente ao ato de pesquisar assume a ausência de neutralidade, já que o conhecimento é gerado em um processo de participação mútua e em um contexto de forças sociais e valores individuais. A interação entre pesquisador e participante pressupõe também autonomia de ambos os interlocutores, que têm a possibilidade de transformação do fenômeno estudado. Esta mudança está relacionada, para esta autora, à produção desse conhecimento ativo. Conhecimento e ação, portanto, estão dialeticamente associados.
Simão (1982a) diz que este processo pode ser compreendido como uma interação planejada entre um “ator que pretende ‘conhecer’ o fenômeno e outro ator que detém a experiência cotidiana daquele fenômeno” (p.37), voltando-se à fonte original dos dados na medida da necessidade de sua consulta, até que ele seja considerado satisfatoriamente compreendido.
A partir da fala integral do participante, o pesquisador procede a busca de significado daquilo que foi relatado até que ambos concordem com o que foi discutido. É mister lembrar que à medida que o pesquisador categoriza o relato verbal do sujeito ele está operando sobre sua fala, incluindo elementos do universo daquele que está transcrevendo e categorizando (Zanelli, 1992).
Engelmann (1983 apud Zanelli, 1992) afirma que o significado é algo que se encontra por trás da fala em seu nível semântico e referir-se a este significado é fazer alusão a algo que acontece dentro do indivíduo. Assim, estudar a linguagem implica em tentar compreender eventos que são de natureza privada, através do exame exaustivo das verbalizações.
Zammumer (1981 apud Zanelli, 1992) relata que a produção lingüística pode ser analisada, entre outros itens, em termos da informação que expressa, a fim de descobrir os objetivos ou para detectar as crenças e atitudes da pessoa que fala ou escreve. Parte-se do pressuposto de que, na linguagem cotidiana, o discurso tem uma coerência possível de ser compreendida.
A linguagem, portanto, é um elemento central e permeia todo o processo que se estabelece na interação entre pesquisador e participante, até produzir um conhecimento significativo para o contexto em que foi construído (Zanelli, 1992).
Procedimento de organização dos dados 1ª etapa
No período de fevereiro a outubro daquele ano letivo, foram realizados 23 encontros semanais de duas horas de duração entre os docentes a psicóloga, que foram áudio-gravados e, em seguida, transcritos. Após as transcrições, realizadas à época por três auxiliares de pesquisa, as falas dos membros do grupo eram lidas, selecionadas e organizadas em categorias. Isto significa que ao início de cada reunião semanal era apresentada às professoras a síntese do encontro anterior para que a partir daí fosse iniciado o próximo. Além disso, a íntegra das falas transcritas também era fornecida para que os membros pudessem refletir sobre o que fora dito. Deste modo assegurava-se a possibilidade de os participantes manifestarem-se, reformulando suas falas de modo total ou parcial em relação à análise realizada pela psicóloga, bem como resguardava aos membros do grupo que não puderam comparecer àquele encontro, o direito de conhecer na íntegra o que fora discutido. É importante apontar que ao final dos 23 encontros obteve-se um total de aproximadamente 600 páginas transcritas de falas, tendo uma média de 25 páginas por encontro.
Este procedimento exigiu que, durante esta fase de coleta de dados, se procedesse uma análise prévia dos dados provenientes de cada encontro, organizando-os de forma a reapresentá-los aos membros do grupo no encontro seguinte. Fica pressuposto que ao transcrever e categorizar os conteúdos das falas dos participantes, a pesquisadora infere a respeito do que seus interlocutores verbalizaram, classificando-os dentro de seu próprio universo de teorias, crenças e valores.
2ª etapa
Buscando satisfazer os objetivos propostos, foi realizada a análise das falas representativas obtidas na primeira etapa. Estas falas representam as crenças ou teorias das professoras a respeito dos temas do presente estudo (formação, prática e dilemas docentes). Ao final da análise dos dados da primeira etapa, as verbalizações selecionadas foram categorizadas, buscando- se identificar o que estava subjacente a elas, ou seja, suas crenças e os elementos a elas relacionados. O resultado desta análise foi organizado em três matrizes referentes aos objetivos propostos que foram entregues às docentes para que procedessem a leitura.
Durante a leitura individual do material, foi resguardado às docentes a possibilidade de reformular ou concordar com a análise preliminar realizada pelas pesquisadoras. Após este momento, as seis professoras participantes se dividiram em dois grupos, de acordo com a disponibilidade de horários de cada uma delas, para a realização das entrevistas recorrentes. Nestas, as professoras foram solicitadas a opinar a respeito das três temáticas já apontadas. Ao término das entrevistas, procedeu-se a reformulação das matrizes e do início da análise final dos dados.
RESULTADOS
Os dados coletados foram analisados a partir do método de Análise de Conteúdo, que pode ser definido por Bardin (1979) como
um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (p.9).
Não se refere, portanto, a um instrumento, mas a um conjunto deles, que pode ser utilizado de várias formas para atingir o seu grande campo: as comunicações. Entretanto, há um fator comum a este conjunto de instrumentos- a inferência- oscilando entre “o rigor da objetividade e a fecundidade da subjetividade” (Bardin, 1979, p.9).
Este método implica em categorizar os dados (classificar elementos constitutivos do conjunto, reagrupando-os segundo um critério previamente definido), fazendo recortes das verbalizações dos sujeitos.
Além disso, como a descrição literal não esgota a análise, os elementos são ainda contextualizados no conjunto das reuniões realizadas, considerando-se eventos antecedentes e conseqüentes e, buscando-se assim, estabelecer relações que viabilizem a compreensão e interpretação dos dados.
As categorias de análise
Após a transcrição dos encontros foi realizada uma leitura detalhada dos mesmos, desconsiderando-se as verbalizações ininteligíveis (aquelas que não foram integralmente captadas pela gravação, ou que foram interrompidas sem que houvesse informações suficientes para apreender seu significado) e as verbalizaçõesparalelas (que não diziam respeito ao tema em pauta, nem introduziam nenhum assunto novo para discussão).
Em seguida, fez-se uma classificação das falas, separando-as em dois grandes grupos:
Falas descritivas: pertencem a este grupo todas as verbalizações em que se descrevia alguma situação tendo como objetivo levar o grupo a compreender o que havia ocorrido. Expressam, portanto, a ocorrência de fatos, ações ou situações.
Falas representativas: pertencem a este grupo todas as verbalizações que representavam as crenças das professoras a respeito de sua atividade profissional, a formação docente em geral e seus dilemas cotidianos enquanto atuantes na sala de aula junto aos alunos e demais envolvidos neste contexto.
A partir disso, as falas descritivas foram desconsideradas, já que não contribuíam para a análise das crenças implícitas das professoras. Por outro lado, as falas que versavam sobre a atividade profissional foram relidas e analisadas. A seleção destas obedeceu a um critério de recorte em que foram escolhidas as verbalizações que permitiam compreender o pensamento das professoras a respeito de sua atividade profissional. Estas foram, então, agrupadas segundo seu conteúdo, buscando evidenciar o sentido implícito do que estava sendo dito.
Foram realizadas várias tentativas de agrupamento, buscando-se respeitar ao máximo o conteúdo e sentido das falas, até que o sistema classificatório pudesse ser considerado adequado para a realização da análise.
DISCUSSÃO
Inicialmente, ao reler a totalidade das verbalizações, tudo parecia fundamental. Mas, o exercício de análise buscando realizar as entrevistas recorrentes permitiu desvendar e revelar muitos aspectos do pensamento das docentes. Há, contudo, a certeza de que alguns aspectos permanecem encobertos até mesmo após inúmeras leituras de todo o material. Não há um momento de esgotamento da análise quando se trabalha com análise qualitativa, o que há é um momento em que é necessário recortar a forma de olhar e buscar a satisfação e o gozo das descobertas.
Depois das entrevistas recorrentes, a análise inicial das crenças realizada pelas pesquisadoras foi repensada e/ou modificada e as categorias finais estão arroladas a seguir:
Prática do profissional prático-reflexivo (relações entre concepção teórica e prática; reflexão sobre papéis sociais; atuação docente; o grupo de discussão; contribuições dos encontros de desenvolvimento profissional; e reflexões sobre a atuação em sala de aula)
Formação docente (formação docente em geral; e formação de seus pares docentes)
Dilemas cotidianos (encontros de desenvolvimento profissional; concepção sobre ser docente; relações entre concepção teórica e atuação prática; e relações interpessoais)
A análise dos dados imbricados nas verbalizações das professoras promoveu, nas pesquisadoras, um movimento que ia de uma perplexidade inicial até a possibilidade de fazer inferências, buscando compartilhar com as docentes sua formação, sua prática e seus dilemas. No decorrer do desenvolvimento dos encontros de discussão quando as crenças das professoras iam sendo, de alguma forma, inferidas pela psicóloga que coordenava os grupos de reflexão, mas não do modo como surgem agora, a partir do desemaranhado dos dados.
Buscar-se-á, a seguir, apontar o pensamento das professoras acerca das três temáticas já referidas.
Prática do profissional prático-reflexivo
Os resultados revelaram ter as professoras um modo de olhar para o seu desenvolvimento profissional e de seus pares bastante especial. No que se refere às relações entre concepção teórica e atuação prática, para as professoras, a apropriação da teoria não implica, necessariamente na transformação da prática. Pode-se supor que haja uma compreensão, por parte das docentes, de que não existe uma relação linear, de causa e efeito: compreensão implica na transformação. Assim, há a idéia de que a mudança da ação é um processo multifacetado, no qual vários elementos estão em relação, indo além dos conteúdos formais: exige a compreensão acerca da visão de homem, de educação e de mundo. Para elas, a compreensão teórica adequada para analisar a prática possibilita uma melhor atuação que permite analisá-las.
Ao ponderar sobre os papéis sociais envolvidos no processo ensino-aprendizagem fica claro que, para as professoras, as condições sociais nas quais este processo está inserido podem se constituir em um obstáculo a transformação e motivação em relação ao seu papel enquanto docente.
Nota-se uma contradição quanto às funções do professor e da escola. Isto parece não estar muito claro para estas docentes, uma vez que afirmam que é função da escola ultrapassar os conteúdos formais, mas ao mesmo tempo, limitam o papel do professor a estes conteúdos. Isto pode provocar um grande dilema para o professor que não tem clareza de seu papel profissional, do que pretende transmitir a seus alunos e, certamente haverá também uma incerteza em relação aos resultados que terá.
Historicamente, como aponta Perrenoud (2001), a escola desenvolveu um modelo de transmitir conhecimentos específicos, enquadrando o aluno num modelo restrito. Essa tendência unitária levou a um “empobrecimento cultural”, fazendo com que todos desenvolvessem a mesma forma de pensar, limitando todos os alunos a um único objeto. Fazendo com que as pessoas não elaborassem nenhum conteúdo além daquilo que estava sendo transmitido e recebido passivamente. Sair do tradicional, do modelo transmitido através de inúmeras gerações pode ser uma alternativa para o educador sentir que seu trabalho está tendo uma influência significativa. Seria, portanto, uma prática inovadora, mas que, sem dúvida, gera conflitos e dilemas.
A reflexão sobre papéis sociais deve ser considerada como um elemento a mais no processo ensinoaprendizagem, no qual as docentes precisam refletir de forma compartilhada com seus pares. Lembrando que o professor é um dos mais importantes agentes educacionais dentro da escola, se este não puder ultrapassar as barreiras curriculares, o papel da escola, de um modo geral, também ele estará restrito a estas margens.
O pensamento das professoras a respeito da atuação docente aponta que a coordenação do grupo determina a maior ou a menor participação de seus integrantes. Pode-se supor que, para elas, um grupo pode ser conduzido de tal forma que seus membros não se sintam à vontade ou estimulados a participar. É sabido que existem reuniões nas quais os membros do grupo recebem informações e formas de proceder, mas não lhes é oferecido espaço para que o conteúdo transmitido seja discutido e refletido pelo grupo. O coordenador de grupos deve facilitar o diálogo e estabelecer a comunicação, incluindo o respeito aos silêncios produtivos, aquele em que os participantes do grupo possam estar se expressando também através do silêncio. Deste modo, pode-se inferir que, para as professoras, uma vez viabilizada a participação dos membros do grupo e facilitada a discussão, estas são enriquecidas, permitindo a conscientização das teorias que fundamentam a ação cotidiana.
Os diálogos entre os membros do grupo não foram previstos e/ou planejados pelo coordenador, portanto, o grupo deve ter claro seu papel e seus objetivos para que o trabalho possa atingir resultados mais eficazes. As docentes, entretanto acreditam que apesar de o coordenador participar como facilitador das discussões e não subestimar ou avaliar a opinião dos membros do grupo, algumas vezes a exposição de dúvidas e a troca de experiências nas discussões ocorridas nos encontros de desenvolvimento profissional é cerceada pelo receio da avaliação por parte dos pares.
As professoras identificam, também, que não é necessário recorrer a técnicas inovadoras para garantir a motivação do grupo. Pode-se supor que as professoras acreditem que o processo de motivação é algo que ocorre intrinsecamente ao indivíduo, e que o que o coordenador do grupo deve fazer é influenciar ou estimular a motivação dos docentes, não podendo garantir que eles sejam realmente motivados.
No que se refere ao pensamento das professoras a respeito das reflexões ocorridas nos grupos é importante lembrar que os encontros semanais ocorridos entre a coordenadora e o grupo de discussão ao longo de todo o ano foram precedidos de leituras das sínteses dos encontros anteriores. Assim, para as docentes, a oportunidade de realizar reflexões a respeito das discussões ocorridas nos encontros anteriores, possibilitava-lhes a consciência de suas verbalizações. Pode-se supor que mesmo durante a leitura compartilhada do material verbalizado, ocorria a possibilidade de retomada de aspectos ditos ou não no interior do grupo, bem como a compreensão da teoria que estava sendo discutida.
Quando esta reflexão não é compartilhada, não é plenamente aproveitada. Alguns pesquisadores, por exemplo, Zeichner (1993; 1995; 1998), Nóvoa (1992; 1995), consideram necessário e imprescindível que a prática reflexiva aconteça entre os pares, dialogicamente, para que este espaço seja propiciador de fortalecimento para o desenvolvimento do trabalho. Para esses autores, portanto, a prática do professor, embora momentaneamente individual, estará sempre carregada das condições político-sociais e institucionais nas quais está inserida.
O pensamento das professoras a respeito da importância da reflexão em grupos de discussão aponta para o fato de que as professoras acreditam que quanto maior o número de pessoas que efetivamente participar de um grupo, mais rica e produtiva será a reflexão.
As docentes consideraram que os assuntos devem ser retomados e partilhados para que a reflexão seja suficientemente abrangente. Além disso, para as professoras, a socialização do conhecimento e das dificuldades individuais, entre os membros do grupo, é essencial para promover a reflexão e, conseqüentemente, o desenvolvimento profissional. O próprio grupo, na concepção das professoras, serve como exemplo para que a teoria discutida seja compreendida e possa fundamentar adequadamente o cotidiano da sala de aula. As professoras, assim como alguns autores que pesquisam o profissional prático-reflexivo (Zeichner, 1993; 1995; 1998) e Nóvoa (1992; 1995), consideram que as discussões são enriquecidas quando se trabalha em grupo e compreendem a necessidade do compartilhar, de trocar experiências nos grupos, favorecendo o desenvolvimento profissional.
O pensamento das professoras a respeito das contribuições dos encontros de desenvolvimento profissional para as docentes que os coordenam, aponta para a crença de que o grupo constituído pelas docentes foi sendo construído num caminho de vinculações, resoluções de conflitos e empenhos em objetivos comuns. Para as docentes envolvidas nesta pesquisa, a possibilidade de coordenação dos encontros de desenvolvimento profissional permite que elas se avaliem como docentes, tornando-se mais conscientes de suas competências profissionais e responsáveis por uma parte da formação de outros profissionais. Esta conscientização, segundo elas, juntamente com a reflexão a respeito das ações docentes envolvidas na coordenação destes grupos, promoveu seu desenvolvimento profissional.
É interessante perceber que as discussões deflagradas nos encontros promovem, segundo o pensamento das professoras, o desenvolvimento profissional de seus participantes, uma vez que viabilizam a tomada de consciência a respeito das teorias que fundamentam as ações docentes. Assim, para as professoras, estas discussões precisam ser retomadas cotidianamente na sala de aula e repensadas de acordo com a situação presente, para que as idéias resultantes das discussões no grupo possam ser colocadas em prática.
Pode-se supor que as professoras concordam com aquilo que é apontado na literatura a respeito do desenvolvimento do profissional prático-reflexivo: as discussões fazem parte da prática sistemática, devem ser cotidianas, ocorridas de forma democrática e compartilhada entre os membros de um grupo de discussão.
O pensamento das professoras a respeito das reflexões sobre a atuação docente em sala de aula deixa nítido que o professor é responsável não apenas pela transmissão de conteúdos formais, mas também pela formação de seus alunos enquanto sujeitos de seu processo ensino-aprendizagem.
As professoras acreditam que devam influenciar, nas crianças, a formação de suas crenças, para que suas ações sejam cada vez mais autônomas e seguras. A intervenção do educador que crê naquilo que comunica e sente, faz com que as crianças percebam isso e o respeite. Marcelo (1987) afirma que o educador tem que ser capaz de ampliar seus horizontes, de perceber o seu aluno enquanto indivíduo e ter talvez um pouco mais de compreensão para entender diferentes formas de aprendizado.
Além disso, pode-se inferir que para as professoras, para que seu papel seja plenamente exercido, o professor deve ter clareza de suas funções e consciência de seu papel profissional. O professor deve se conscientizar que aquilo que provoca as mudanças que tanto deseja no processo ensino-aprendizagem é o fato de ser sujeito participante de sua própria ação. Os docentes precisam estar convencidos de que a teoria construída acerca de pensamentos e discussões sobre sua própria prática é a mais eficiente para que mudanças ocorram no processo.
Formação docente
No que diz respeito à concepção de formação, estas professoras consideraram as influências recebidas pelo profissional no curso de seu desenvolvimento, incluindo aí, a epistemologia, a ideologia e a cultura. Isto significa um desenvolvimento profissional nas mais diversas dimensões, que acabam sendo edificadoras de muitos dos saberes docentes. Pode-se supor que haja uma compreensão, por parte das docentes, de que não se pode mais considerar o desenvolvimento profissional como algo estanque, mas, sim, como algo que possui uma continuidade e que evolui, sendo, portanto, um processo.
Ao ponderar sobre o desenvolvimento profissional docente, as professoras acreditam que é através do investimento na formação docente que ocorre uma melhoria na qualidade da educação. Esta formação, por sua vez, vai muito além de um simples treinamento de competências, que não atinge as reais necessidades do professor. Refere-se a algo permeado pela vivência de uma reflexão que o permita se educar enquanto compartilha a prática cotidiana com seus pares, bem como os saberes e crenças que estão entrelaçados à ação docente.
Além deste aspecto, para elas, a chefia deve estar atuando de forma bem fundamentada, tendo clareza de seu objeto de estudo, para que possa realmente influenciar seus pares em busca de uma meta comum, auxiliando o professor a ter consciência da fundamentação de suas ações, implicando, assim em uma produção coletiva de conhecimentos. Deste modo, pode-se inferir que as professoras acreditam que a formação docente deve ser permeada pela reflexão, sendo uma prática cotidiana, compartilhada com seus pares e com a chefia, para que realmente seja promovido um desenvolvimento profissional.
O pensamento das professoras a respeito da história de formação aponta que as crenças a este respeito são coerentes com aquelas apresentadas acerca da concepção de professor. Para as professoras, não basta concluir um curso de magistério para que o docente seja capaz de colocar em prática todos os procedimentos profissionais adequados. Pode-se supor que, para elas, o máximo que estes cursos têm a oferecer é uma boa base teórica na qual o docente pode apoiar sua prática cotidiana. Embora seja de fundamental importância que o professor tenha clareza de uma determinada teoria, se ele não souber como utilizá-la nas diferentes situações, imprevistos e dilemas da sala de aula, de nada lhe será útil. O professor deve ser capaz de tomar sua própria ação como objeto de reflexão, de análise e de desenvolvimento profissional, e isto só se torna possível, por meio da ação e da reflexão simultâneas.
Além disto, as professoras concebem o seu trabalho de formadoras de outros docentes como sendo fundamental para o seu próprio desenvolvimento profissional, diminuindo, assim, o suposto déficit causado pela formação básica do magistério. Isto pode ocorrer não de uma forma ingênua, mas se considerar, principalmente, que ao se ministrar aulas, o mínimo que o docente vai aprendendo é como resolver situações dilemáticas com as quais ele convive cotidianamente, bem como percebendo que sua trajetória exerce grande influência na sua rotina docente.
Para estas professoras, estes cursos (encontros de desenvolvimento profissional) promovem tanto para quem ministra como para os professores que os freqüentam, uma oportunidade de compartilhar angústias e dúvidas. O professor não sai do curso sabendo tudo, mas vai sendo capaz de se construir cotidianamente, não se apoiando mais somente nos saberes prontos que lhe foram e ainda serão repassados.
Nesta ótica, Pacheco e Flores (1999) acrescentam que o professor que compartilha seus saberes jamais deixa de aprender, uma vez que o ensino se torna uma atividade que exige uma constante evolução e adaptação a novas situações.
O pensamento das professoras a respeito da relação entre concepções teóricas e a atuação prática aponta para o aspecto de que para as professoras, a rede municipal de ensino possui uma determinada concepção teórica para a atuação prática dos docentes que não é explicitada e, conseqüentemente, não é completamente compreendida por alguns deles. Porém, mesmo assim, sem questioná-la ou buscar entendê-la, muitos docentes a utilizam em sua prática profissional devido, possivelmente, a uma aceitação das imposições hierárquicas.
Assim, pode-se supor a partir das verbalizações que, na concepção destas docentes, a prática cotidiana pode também ser resultado do cumprimento de tarefas sugeridas por especialistas. Isto, entretanto, é contraditório com o que elas apresentam a respeito de formação docente, quando afirmam que é fundamental que se compreenda a teoria para que seja possível atuar de modo eficaz e eficiente. Ao se partir do principio de que as crenças interferem nas práticas cotidianas e estas influenciam as escolhas pedagógicas, não é suficiente uma ação em que se cumpre o que é ditado ou sugerido por especialistas. Pode-se inferir, assim, que as docentes estão iniciando um processo de alteração de suas crenças, mas é necessário investir nisto para que seu dia-a-dia não exija sugestões prescritivas (e não reflexivas) por parte da coordenação.
As teorias já foram apontadas por elas como exercendo grande influência no cotidiano do professor, sendo, portanto, fundamental que ela seja bem entendida para que seja colocada em prática. Mesmo tendo o domínio da teoria, a prática exige do professor constantes reflexões e análises de sua prática a partir de suas próprias teorias e saberes informais. Sem ter o completo entendimento da concepção teórica utilizada, como é o caso de muitos docentes, segundo as professoras em questão, esta prática educativa e o ensino ocorrido em sala de aula se tornam, portanto, ainda mais dificultados. A sabedoria docente que, conforme Dias-da-Silva (1994), é construída ao longo dos tempos e portadora de crenças, concepções, ideais, modos de ação, procedimentos e hábitos, não necessariamente condizentes com as teorias pedagógicas e acabam sendo, praticamente, os únicos norteadores do dia-a-dia deste professor e justificadores de suas ações.
Do mesmo modo como já foi anteriormente referido, o pensamento das professoras a respeito da formação de seus pares docentes aponta para a crença de que o processo ensino-aprendizagem é construído cotidianamente, não só a partir das teorias que fundamentam sua ação, mas também a partir de reflexões que são realizadas pelo grupo do qual elas também são membros.
Desta forma, a partir das solicitações feitas pelas docentes no decorrer dos encontros de desenvolvimento profissional é que se pode ir tendo clareza de que está ocorrendo a apropriação do conteúdo ministrado, o que pode ir, de alguma forma, dando suporte para eventuais alterações tanto de estratégias como de metas a serem atingidas.
Estas docentes consideram que a reflexão deve permear a formação docente e que a ação de compartilhar com os pares é a base estruturadora de um desenvolvimento profissional. Estes cursos, portanto, se tornam uma oportunidade rara no decorrer das carreiras destes profissionais, de deixarem de lado o modelo de executor de tarefas, para serem capazes de se tornar, enfim, atores principais do cenário, aqui referenciados sob o enfoque do professor práticoreflexivo.
Dilemas cotidianos
No que diz respeito à concepção de encontros de desenvolvimento profissional, primeiramente pode-se constatar um contraste de idéias e de ações em relação às professoras e à chefia. A partir do momento que as professoras teorizavam sobre sua prática e elaboravam a maneira de executá-la, acreditavam estar realizando seu trabalho de forma coerente com a proposta recebida.
Entretanto, essas mesmas teorizações não eram discutidas com a chefia, visto que estas não compartilhavam a aplicabilidade do que era discutido pelas docentes. Buscando evitar confrontos e discussões que consideravam irrelevantes, já que acreditavam que o trabalho realizado era correto, as docentes não comunicavam suas decisões e encontravam-se em um momento de executar aquilo que havia sido inicialmente planejado por elas. A chefia não proporcionava momentos de discussão sobre essas questões e, portanto, a prática era executada sem um diálogo prévio sobre esta. Naquele momento, surgiam questões referentes à validade do que estava sendo executado e a chefia apresentava justificativas que acabavam por inverter todo o processo, modificando pensamentos e atitudes e gerando sentimentos de revolta e incompreensão.
As professoras acreditavam que no momento da prática, suas crenças não eram consideradas porque tinham que executar aquilo que lhes era imposto. Segundo Perrenoud (2001) os dilemas referentes a questões como estas são comuns, visto que o profissional não sente que tem autonomia suficiente para conciliar suas formulações teóricas pessoais com sua atividade profissional. A maior questão para essas docentes encontrava-se, portanto, no contraste estabelecido entre acatar as ordens recebidas pelas superioras e assim respeitar o referencial teórico ou executar a prática da maneira como acreditavam e agir de acordo com as suas experiências apreendidas do cotidiano escolar. Se escolhessem a primeira opção, as professoras estariam mais aliviadas em relação às superioras, mas esse ato geraria nas mesmas uma sensação de descredibilidade do trabalho executado. Por outro lado, se optassem pela segunda maneira de agir, teriam a certeza de estar realizando um trabalho mais eficiente e condizente com a prática reflexiva, mas enfrentariam situações com a chefia que transformaria o trabalho a ser realizado em uma obrigação e não mais fonte de desejo.
Impedir a prática dessas docentes da forma como desejavam foi um ato da chefia que trouxe um sentimento de exclusão nas mesmas, pois passaram a acreditar que suas idéias não eram mais parte do projeto que se buscava instalar na rede pública de ensino.
Quando o professor sente que suas idéias não são consideradas, passa a definir a sua prática cotidiana apenas pelas teorias que as embasam. E isso faz com que a credibilidade na teorização da prática seja desfeita. Inicia-se, portanto, uma crescente sensação de82 Ana Maria Sadalla, Mariana Wisnivesky, Paula Saretta, Fernanda Paulucci, Carolina Vieira e Carolina Marques estagnação. Segundo Pacheco (1995), é a constante tomada de decisões sobre o que fazer que torna o professor um profissional ativo. Pensando acerca dessa afirmação, conclui-se, portanto, que as docentes não encontravam mais justificativa em seu trabalho. Isso porque as decisões que tomavam previamente não podiam ser efetivadas nos encontros, ou se fossem, geravam polêmicas discussões sobre suas atitudes enquanto profissionais. O sentido em ser um profissional da educação passa, então, a ser questionado, visto que não podiam agir de acordo com suas concepções e suas crenças.
Independente da influência exercida pela experiência cotidiana, qualquer profissional que use da reflexão sobre seu trabalho precisa de um embasamento teórico sobre aquilo que está praticando. Isso porque a prática deve estar justificada, bem como ter como ser comprovada caso ocorram questionamentos sobre ela. Um fato que não se concretiza com as professoras, pois afinal, as teorias que possuíam não poderiam ser usadas como justificativas para sua prática cotidiana sendo que agiam por determinações. As docentes não encontravam maneiras para colocar em prática aquilo em que acreditavam. Portanto, para elas, o que estavam fazendo praticamente não tinha o menor sentido. Não era algo em que acreditavam ou que tivessem subsídios para explicar caso fossem questionadas a respeito. Há uma quebra na dicotomia teoria e prática, e isso se deve ao fato de que apenas uma parte dessa díade era elaborada e estudada por elas. Só a teoria que essas professoras possuíam era algo realmente delas, visto que a prática era executada visando o cumprimento de ordens dadas pelas suas superioras.
Segundo Pimenta (2001) é através da prática que o ser humano sente que é um agente transformador do mundo, seja ele que profissional for. A teoria é algo que sustenta aquilo que está sendo realizado, mas não pode e não deve ser a única via de atuação. Os aspectos teóricos nos fornecem dados relevantes sobre a situação, mas é muito importante lembrar que nenhum momento é igual ao outro, portanto, uma solução que foi utilizada num determinado contexto não necessariamente poderá ser em um outro. O dilema dessas profissionais instala-se na preocupação em serem pessoas transformadoras na área da Educação e sentirem através da prática que não estão sendo, nesse determinado momento, capazes de alterar nem ao menos os seus problemas cotidianos.
O professor precisa sentir que sabe aquilo que está fazendo, que entende aquilo que executa e que tem referencial teórico para embasar a sua atuação. Se isso não acontece, ele sente que não há adequação nas suas decisões pois vê-se determinado a agir diferentemente de seus pensamentos.
No que se refere à concepção sobre ser docente, é exatamente o maior dilema reportado pelas professoras, pois todos os fatores que as fizeram acreditar em sua profissão estava agora sendo determinado por pessoas que não compartilhavam de suas concepções e que agiam arbitrariamente.
Para Pacheco (1995) o que guia as ações do professor são os seus pensamentos acerca daquilo que reflete e constrói. E tudo aquilo que as docentes concretizavam como papel do professor estava agora sendo desfeito pela falta de diálogo entre elas e as superioras. O trabalho que realizavam não despertava interesse da chefia a não ser quando estas sentiam que suas ordens estavam sendo desrespeitadas.
As professoras foram gradativamente perdendo o consenso daquilo que buscavam enquanto profissionais, visto que sua concepção despertava novamente a discordância e a discussão. Portanto, quando inseridas no contexto da prática, o sentimento que surgia era mesmo de impotência, sendo que as ações cotidianas eram dirigidas por uma falsa concepção do que é ser docente.
Ser professor implica, dentre outros aspectos, em ter autonomia para buscar a sua profissionalização. Mas isso não depende apenas do docente, sendo que a equipe na qual está inserido tem um grande valor nesse momento. O professor pode se auto-desenvolver profissionalmente, mas necessita do seu grupo para aperfeiçoar seu conhecimento adquirido, melhorando também os seus procedimentos. Como toda ação profissional exige mais do que saberes a respeito do que se está fazendo, é muito importante que o docente discuta, argumente, reflita e aprenda com a sua própria prática. A troca de informações com demais professores e outros profissionais da área da Educação tende a contribuir muito nesse desenvolvimento (Perrenoud, 2001).
Mas no caso da rede de ensino isso não é viável. O desenvolvimento profissional das docentes era coordenado pelas próprias professoras e por mais que se encontrasse aprimorado, não estava passível de concretização porque, para as dirigentes, a questão mais importante era que tudo fosse seguido conforme o cumprimento de suas instruções. Além do fato de que se as professoras se interessassem em aperfeiçoar suas práticas e tomarem conhecimento de aspectos novos na área da Educação, teriam que fazê-lo sozinhas. E de uma forma que parece contraditória, quando agiam de acordo com suas crenças sentiam como se estivessem ultrapassando regras e limites que estavam estabelecidos. Isso porque quando exerciam a prática conforme suas concepções, tinham que explicar o que e por que tinham agido daquela maneira.
Esse fato pode estar relacionado à falta de reflexão das docentes acerca de seus papéis. a imposição acabava sendo aceita por não encontrarem meios para compartilhar a sua concepção sobre o papel do professor.
Conforme afirma Zeichner (1993), o docente analisa e reflete sobre sua prática profissional, o que faz dele sujeito de sua ação, que constantemente busca atingir seus objetivos traçados inicialmente. O sentimento de angústia surge nas docentes quando não se reconhecem mais enquanto produtoras de suas ações e passam a desconsiderar tudo aquilo que foi previamente proposto para atingir objetivos previamente traçados pela chefia. Quando percebem que deixaram de questionar o que é mais relevante no papel que desempenham e simplesmente passam a executar tarefas, as docentes sentem que regrediram. Afinal, é no final da década de 60 e início da década seguinte que o cotidiano das escolas era marcado pelo ideário tecnicista, que limitava a atividade docente.
No que se refere às relações interpessoais em relação à chefia, as docentes demonstram uma desmotivação crescente acerca de seu trabalho. Isso se deve principalmente ao fato de as decisões não serem compartilhadas, ficando nas professoras um sentimento de imposição e arbitrariedade. A participação das mesmas é cada vez mais escassa visto que são postas como participantes passivas do processo na rede de ensino.Não sentem que são consideradas nos momentos de tomada de decisões, o que faz com que seu sentimento de inferioridade aumente e interfira no estabelecimento de relações interpessoais.
Um critério determinante para que exista uma equipe pedagógica é a responsabilidade por um grupo determinado de alunos. se os interesses forem diferenciados entre os profissionais, as concepções acerca do que deve ser feito também se distanciam. Aí surge, nas equipes, um único pensar, que se volta para a prática. Este passa a ser o único elemento de preocupação de todos os envolvidos, sendo que a equipe preocupa-se apenas com resultados brutos e quantitativamente válidos. Esses dados só podem ser obtidos através do intenso controle e observação da prática (Pacheco, 2001).
Há, então, uma nova diferenciação entre chefia e professoras. Enquanto as primeiras voltavam-se para a solução dos problemas visando apenas colher resultados através da prática, as docentes preocupavam-se com os meios e estratégias a partir dos quais isso seria conquistado.
No que se refere às relações interpessoais em relação aos seus pares, verifica-se o enfraquecimento pessoal das docentes, que surge com a minimização de seus papéis, fator de grande interferência na dinâmica do grupo formado por elas. Surgem, então, as dúvidas sobre o seu desenvolvimento profissional, visto que a fragmentação do grupo traz questões referentes ao desejo de se submeterem às concepções da chefia.
Surge nesse momento uma interferência muito grande do que anteriormente só ocorria entre chefia e professora entre as próprias docentes. A estagnação das ações começa a interferir na motivação pessoal das docentes, o que faz aumentar o quadro de revolta, o que também traz a futura quebra do grupo.
Enquanto discutiam por uma causa maior no qual todas acreditavam, as professoras ainda mantinham esperanças de modificar o que estava sendo imposto. Mas a partir do momento em que a discordância de opiniões passa a refletir na relação das docentes, elas adotam uma postura passiva perante às questões educacionais.
Passam, então, a desacreditar de seus ideais e de suas crenças pois percebem que o grupo está se desagregando devido ao fato de algumas terem adotado uma maneira diferente de pensar sobre as questões relacionadas à Rede de Ensino.
Quando sentem que não compartilham mais as mesmas opiniões percebem que chegou o momento da separação. Fato que foi gerado previamente por uma imposição arbitrária de opiniões de suas superioras, mas que só se tornou irreversível quando foi capaz de penetrar os pensamentos das companheiras e interferir nas relações que no início eram consistentes e contavam com opiniões compatíveis. A partir do momento que um grupo não possui mais os mesmos objetivos, deixa de ser um grupo para tornar-se apenas um conjunto de pessoas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como ponto de partida e de chegada a intervenção, a interação com as professoras participantes, para que fosse possível promover a reflexão e identificar suas crenças a respeito de sua prática. O fato de as professoras terem solicitado a uma psicóloga que as auxiliassem a discutir acerca de seu cotidiano com outras professoras já é um indício de que havia também uma idéia de que fossem discutidas possibilidades de buscar resolver problemas relativos ao seu dia-a-dia. Assim, ao aceitarem transformar os encontros de discussão em uma pesquisa favoreceu a consciência de suas crenças.
Desde o seu título esta pesquisa tem a idéia de partilhar, dividir, compartilhar crenças e os pensamentos com as professoras participantes, podendo-se destacar que os procedimentos utilizados favoreceram e promoveram a reflexão a respeito do que havia sido conversado na semana anterior. Foi interessante perceber que os resumos provocavam um certo impacto nas professoras, visto que ao lerem aquilo que havia sido dito, mesmo que não houvesse indicação nominal de autoria, as professoras teciam comentários acerca da temática ou mesmo do tempo gasto para discutir e comentar certos aspectos de seu cotidiano, apresentando uma certa surpresa, e em seguida, buscavam refletir sobre o que havia sido discutido.
As entrevistas recorrentes tiveram também um caráter de intervenção. Olhando para o que dizem os resultados, pode-se dizer que este procedimento favoreceu a prática reflexiva das participantes, pois fez com que elas entrassem em contato com suas crenças, que as reconhecessem e que se achassem procedente tentassem alterar seu modo de agir, na direção de seu desenvolvimento profissional. Assim, tomar a conduta docente como objeto de reflexão e análise implica em investigar seus fatores determinantes, de modo a viabilizar o planejamento de ações futuras coerentes com as metas traçadas.
Todo o caminho percorrido permitiu identificar alguns aspectos que merecem um olhar mais atento no que se refere aos três eixos temáticos contemplados, bem como algumas possíveis generalizações para as discussões aqui apontadas.
Uma discussão que aparece com muita ênfase no decorrer de todo o trabalho é a necessidade de se vincular, tanto na formação como no próprio cotidiano do professor, a prática e a teoria. O importante é que, na análise realizada junto com as professoras, não se perca de vista que as práticas cotidianas influenciam as crenças e as escolhas pedagógicas, por isto a consciência dos pressupostos e das implicações educacionais das crenças docentes deve ser sempre buscada.
É também importante apontar que este estudo foi realizado durante três anos com um grupo bastante específico de professoras e que as considerações aqui feitas devem ser contextualizadas e considerados o lugar e o espaço em que se davam as discussões acerca das temáticas apontadas. Em nenhum momento as docentes foram chamadas a discutir especificamente estas temáticas. Houve, sim, um conjunto de 23 encontros em que se buscava assessorar as professoras em relação aos seus dilemas cotidianos, buscando, ao invés de fornecer estratégias mágicas de solução, um espaço privilegiado de discussão teórica sobre a prática. O fato de ter havido uma seleção e uma categorização das falas pode permitir ao leitor conhecer o que o grupo pensava sobre estas temáticas. Entretanto, é fundamental apontar que tudo o que ocorreu neste grupo (discussões mais ou menos polêmicas, teorizações que foram sendo mais ou menos apropriadas, relações interpessoais que foram sendo construídas ao longo do ano letivo) sem dúvida nenhuma, promoveu nestas professoras, bem como nas pesquisadoras, o seu desenvolvimento profissional na direção da reflexividade.
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Rua Engenheiro Alexandre Almeida Cavaleri, 33 Jardim das Palmeiras
CEP: 13101-518 - Campinas - SP
e-mail: marianawrr@yahoo.com.br
Paula Saretta:
Rua Cuba, 159 ap 52 - Bairro Girassol
CEP: 13465-000 - Americana - SP
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Fernanda Costa Paulucci:
Rua Clóvis Bevilaqua, 550 bl F 3 - apto11 - Guanabara.
CEP: 13075-040 - Campinas - SP
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Carolina Pasquote Vieira:
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CEP: 13015-13 - Campinas - SP
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Carolina de Aragão Escher Marques:
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CEP: 13040-034 - Campinas - SP
e-mail: carolinaaragao@hotmail.com
Recebido em: 13/05/04
Revisado em: 22/09/04
Aprovado em: 11/04/05
1 Psicóloga. Doutora em Educação. Docente do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Pesquisadora coordenadora da pesquisa.
2 Psicóloga. Foi bolsista de iniciação científica apoiada pela Fapesp no período de realização desta pesquisa.