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Psicologia Escolar e Educacional
versão impressa ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. v.9 n.2 Campinas dez. 2005
ARTIGOS
Influências paternas no desenvolvimento infantil: revisão da literatura
Paternal influences on child development: a literature review
Fabiana Cia1; Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams2; Ana Lúcia Rossito Aiello3
Universidade Federal de São Carlos
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo revisar a produção científica na literatura nacional e internacional indexada, entre 1999 e 2003, de estudos empíricos que descreviam o relacionamento pai-filho de pais adultos com filhos de zero a seis anos ou que correlacionavam esse relacionamento com o desenvolvimento infantil. Foi realizada uma busca sistemática em três bases de dados bibliográficos (PsycInfo, LILACS e Periódicos Capes), utilizando as palavras-chave: pai (“father”), envolvimento paterno (“paternal involvement”), criança (“child”) e desenvolvimento infantil (“child development”). Foram identificados 12 artigos (quatro nacionais e oito internacionais) que foram analisados considerando diferentes aspectos (periódicos em que foram publicados, variáveis relacionadas, técnicas de coleta de dados utilizadas, principais resultados obtidos e indicações para pesquisas futuras). Constatou-se a carência de estudos sobre o tema em questão, principalmente no contexto brasileiro.
Palavras-chave: Revisão de literatura, Relacionamento pai-filho, Desenvolvimento infantil.
ABSTRACT
This paper was aimed at reviewing the indexed scientific production on the Brazilian and international literature, of empirical studies related to adult fathers of children (zero to six years old), between 1999 and 2003 that described the father-child interaction or correlated the father-child interaction with child development. A systematic search on bibliographical database (PsycInfo, LILACS and Periódicos Capes) was conducted, using the key-words: father, paternal involvement, child and child development. A total of twelve studies were identified (four Brazilian and eight international). They were analyzed taking into account different aspects (published journal, variables studied, technique of data collection, results and indications for future research). A low incidence of articles regarding the importance of paternal involvement on child development was noted, specially in the Brazilian context.
Key words: Literature review, Father-child relations, Childhood development.
INTRODUÇÃO
Históricos sobre o Interesse pela Figura Paterna na Pesquisa
O conceito de paternidade tem experimentado drásticas mudanças decorrentes das modificações econômicas, sociais e culturais que a família vêm sofrendo ao longo do tempo. Tecendo um breve panorama, nos séculos XVII e XVIII os pais tinham o papel de provedor financeiro e o de promover o desenvolvimento moral e a educação religiosa de seus filhos. Com a industrialização e a urbanização, a partir do século XIX, os pais que geralmente mantinham contato freqüente com sua família porque trabalhavam em fazendas perto da residência, passaram a ter que trabalhar em indústrias com excessiva carga horária de trabalho, havendo redução no seu convívio familiar e, conseqüentemente maior responsabilidade das mães pelos cuidados do filho (Coley, 2001).
Pesquisas sobre o envolvimento paterno dos anos 1950 e 1960, consistentemente, mostravam que o pai possuía uma participação muito restrita no desenvolvimento da criança. Entre 1960 e 1976, apenas 3% dos estudos sobre o desenvolvimento infantil, incluíram o pai (Dessen & Lewis, 1998). Essas pesquisas enfatizavam que o papel paterno era o de brincar com os filhos e que os impactos mais importantes do envolvimento do pai no desenvolvimento dos filhos incluíam a promoção do desenvolvimento social das meninas e a formação de identidade sexual dos meninos (Lamb, 1997; Guille, 2004).
A partir de 1970, com a revolução feminista, a porcentagem de mulheres que exercem atividades remuneradas vem progressivamente aumentando. Apesar desse aumento crescente da mulher no mercado de trabalho ter favorecido economicamente à família, essa equidade econômica está gerando transformações nos papéis atribuídos ao gênero, tanto no ambiente profissional quanto no ambiente familiar (Engle & Breaux, 1998; Brandth & Kvande, 2002; Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2002).
Sendo assim, até a década de 1970, a estrutura familiar era organizada com o homem ocupando a posição de maior status no grupo. Com o aumento crescente de poder por parte das mulheres, reivindicando para si as prerrogativas outrora reservadas aos homens, as mulheres deixaram de assumir a totalidade de responsabilidade em relação aos filhos, exigindo um envolvimento paterno direto (Lamb, 1997; Diniz, 1999; Bertolini, 2002) Como conseqüência do surgimento desses novos papéis, evidenciou-se uma transformação na organização familiar, aumentando o número de famílias recasadas e de famílias monoparentais (Dessen & Silva, 2004).
Diante de tais fatores, os pesquisadores sociais passaram a enfatizar a importância de se realizar pesquisas que envolvessem a interação pai-filho. Em tal momento, teve início o reconhecimento de que os pais desempenham papéis complexos e multidimensionais e que muitos padrões de influências são indiretos. Além disso, cabe enfatizar que as contribuições sociais da paternidade variam dependendo da época histórica e do contexto cultural. No entanto, raramente se encontram trabalhos nos quais as atividades paternas e a relação pai-filho são realmente observadas, uma vez que, a maioria das pesquisas sobre o desenvolvimento da criança e seu bemestar está focada na díade mãe-criança (Lamb, 1997; Lewis & Dessen, 1999; Dessen & Silva, 2000).
A Necessidade de uma Revisão da Literatura O interesse por realizar esta revisão da literatura
O interesse por realizar esta revisão da literatura baseou-se na existência de poucos estudos sobre a temática da mediação paterna e de sua importância para o desenvolvimento infantil no meio acadêmico nacional. Assim, foi necessário recorrer, também, à produção internacional, principalmente norte-americana, para que a elaboração deste trabalho se concretizasse.
Além disso, o papel do pai se encontra em uma fase de transição social. O número de famílias com ambos os pais trabalhando fora ainda está crescendo e, em função disso, o papel da figura paterna está se redefinindo. Os homens estão assumindo uma nova identidade, principalmente nos cuidados oferecidos aos filhos (Cabrera, Tames-LeMonda, Bradley, Hofferth & Lamb, 2000; Coley, 2001; Bertolini, 2002; Brandth & Kvande, 2002; Dantas, Jablonski & Féres-Carneiro, 2004; Tiedje, 2004).
Lewis e Dessen (1999) apresentam diferentes perspectivas em relação à paternidade, como por exemplo, a paternidade tradicional, a moderna e a emergente. Na perspectiva tradicional, o pai tem o papel de provedor, que oferece suporte emocional à mãe, mas não se envolve diretamente com os filhos, exercendo um modelo autoritário. Na perspectiva moderna, o papel do pai diz respeito ao desenvolvimento moral, escolar e emocional dos seus filhos. Por fim, a perspectiva emergente, origina-se na idéia de que o homem é capaz de participar ativamente dos cuidados e criação dos seus filhos. No entanto, devese considerar que pais e mães se envolvem em atividades diferentes com seus filhos e que ambos desempenham papéis importantes em todos os aspectos do desenvolvimento infantil (Lamb, 1997; Guille, 2004).
Soma-se o fato de que há um grande valor científico em uma revisão da literatura, pois ela fornece resumidamente um panorama abrangente sobre um determinado tema, sendo ressaltado tanto os temas de pesquisa mais investigados pelos pesquisadores em determinada época, como os temas que têm recebido pouca atenção dos mesmos. A partir desse pressuposto, podese também realizar uma investigação mais detalhada sobre a elaboração teórica e metodológica empregada, o que fornece uma idéia do nível de desenvolvimento da pesquisa e de suas possíveis contribuições ao meio acadêmico (Piccinini & Lopes, 1994; Amato & Gilbreth, 1999). Assim, o objetivo geral deste estudo foi o de realizar uma revisão da literatura nacional e internacional sobre pais adultos de filhos de zero a seis anos, considerando pesquisas que descreviam o relacionamento pai-filho ou que correlacionavam esse relacionamento com o desenvolvimento infantil.
MÉTODO
Fonte
Primeiramente, objetivou-se verificar a incidência de artigos publicados (de 1999 a 2003), em revistas indexadas na base de dados PsycInfo, LILACS e Periódicos Capes sobre pais adultos.
Procedimento
Foram utilizados como descritores os termos: pai (“father”), envolvimento paterno (“paternal involvement”), criança (“child”) e desenvolvimento infantil (“child development”). Esses termos, embora indicassem algumas vezes artigos repetidos, em outras vezes revelaram artigos não contidos em outros descritores. Assim, foi possível obter garantia a respeito da maior abrangência das consultas realizadas. Foram excluídos resumos de capítulos de livro ou livros que constavam dentro destes termos-chave. Cabe ressaltar, ainda, que as palavras-chave não fizeram menção à particularidades do desenvolvimento infantil (como por exemplo, deficiência mental, autismo, síndrome de Down, etc.) e, sendo assim, o universo pesquisado poderá ser mais abrangente.
Para delimitar a presente revisão, foram priorizadas pesquisas envolvendo apenas pais adultos com filhos de zero a seis anos. Constatou-se que, dentre os periódicos brasileiros, só foram encontrados estudos que descreviam o relacionamento pai-filho, não sendo encontrado estudos sobre a correlação com o desenvolvimento infantil. Do total foram encontrados dez artigos nacionais e excluídos artigos que descreviam apenas o relacionamento pai-filho, entre pais adolescentes (6). Sendo assim, quatro artigos nacionais foram obtidos na íntegra.
Considerando a produção científica internacional, primeiramente, foi feita uma análise dos temas de todos os resumos encontrados, a fim de se obter um panorama detalhado das pesquisas que correlacionavam o relacionamento pai-filho com o desenvolvimento infantil. Do total, foram encontrados 58 artigos e excluídos artigos cujos objetivos eram incompatíveis com o da presente revisão, como os que descreviam o relacionamento paifilho, entre pais adolescentes ou que descreviam o relacionamento pai-filho, entre filhos em idade escolar, adolescentes e adultos (50). Sendo assim, oito artigos internacionais foram obtidos na íntegra, que continham a descrição do relacionamento pai-filho e que correlacionavam este relacionamento com o desenvolvimento infantil. Com os oito artigos internacionais e com os quatro artigos nacionais selecionados foram realizadas análises, considerando: periódicos em que foram publicados os artigos, variáveis relacionadas, técnicas de coleta de dados utilizadas, principais resultados obtidos nos artigos e indicações para pesquisas futuras.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados serão apresentados considerando-se os periódicos em que foram publicados os artigos, as variáveis relacionadas, técnicas de coleta de dados utilizadas, principais resultados obtidos nos artigos e indicações para pesquisas futuras.
Periódicos em que foram publicados os artigos
A Tabela 1 apresenta a porcentagem de artigos publicados em cada periódico.
Pode-se verificar que, dentre os artigos nacionais, há publicações apenas em dois periódicos, sendo três artigos publicados na revista “Psicologia: Teoria e Pesquisa”. Considerando os periódicos internacionais, o periódico Child Development foi o que apresentou maior número de artigos. Os dados da Tabela 1 mostram como são escassos os estudos com o pai no contexto brasileiro, considerando principalmente que duas pesquisas selecionadas nessa revisão, publicadas em periódicos nacionais, foram realizadas em outros países, como a de Tudge e cols. (2000), que foi desenvolvida nos Estados Unidos e a de Harokopio (2000), que foi desenvolvida na Grécia.
Variáveis relacionadas
Além dos periódicos, foram analisadas as variáveis relacionadas em cada artigo, como mostra os dados da Tabela 2.
A maioria (66.7%) dos estudos correlacionou o relacionamento pai-filho com o desenvolvimento infantil (Black, Dubowitz & Starr, 1999; Fagan & Iglesias, 1999; Verschueren & Marcoen, 1999; Dubowitz & cols., 2001; Frosch & Mangelsdorf, 2001; Marshall, English & Stewart, 2001; Feldman & Klein, 2003; Jaffee, Moffitt, Caspi & Taylor, 2003;). No entanto, apenas um estudo descreveu um programa de intervenção direcionado exclusivamente para a figura paterna (Fagan & Iglesias, 1999).
Técnicas de coleta de dados utilizadas
A Tabela 3 mostra as principais técnicas de coleta de dados utilizadas nos artigos selecionados.
Pode-se constatar que as técnicas de coleta de dados mais utilizadas foram as de observação (Tudge & cols., 2000; Frosch & Mangelsdorf, 2001; Feldman & Klein, 2003) e as de preenchimento de questionários (Dessen & Braz, 2000; Harokopio, 2000; Jaffee & cols., 2003). Apesar da observação ter a interferência do observador na coleta de dados, trata-se de um método que permite levantar informações minuciosas. Com relação ao uso de questionários, sabe-se é um instrumento de coleta de dados muito utilizado, por ser rápido, econômico e acessível (Cozby, 2002).
Principais resultados obtidos nos artigos
Dos estudos selecionados na presente revisão, pôdese classificá-los em três categorias de acordo com os seus resultados: descrição do relacionamento pai-filho, correlação entre o relacionamento pai-filho e o desenvolvimento infantil e programa de intervenção com o pai.
Descrição do relacionamento pai-filho
Considerando o tempo de convívio com o filho, Tudge e cols. (2000) ao pesquisarem os comportamentos paternos em vários contextos culturais, constataram que o pai passa de 20% a 25% do tempo que a mãe passa com seu filho. Em geral, o pai não assume a responsabilidade principal pelos cuidados e a criação do filho. Quando a mãe trabalha fora, o envolvimento paterno sobe para 33% a 65%. Harokopio (2000) em uma pesquisa realizada com pais gregos, estima que, quando a mãe trabalha fora, o pai realizava duas vezes mais serviços domésticos e cuidados com o filho. Nesses lares, o pai relatava ter maior preocupação com o bemestar dos seus filhos do que nos lares que contavam com uma mãe que era exclusivamente dona-de-casa. A pesquisadora, ainda, ressalta que em lares nos quais coabitam ambos os pais, menos de 2% dos pais compartilhavam igualmente as tarefas de cuidados da criança com as mães, e apenas 10% dos homens podiam ser classificados como altamente envolvidos (fazendo 40% a menos do que as mães). Segundo Dessen e Braz (2000), os pais justificam a pouca interação com o filho por causa do tempo despendido no trabalho.
O pai passa mais tempo cuidando do filho quando esse é bebê, do que quando é mais velho (Levandowski & Piccinini, 2002). Desconsiderando a fase da primeira infância, Tudge e cols. (2000) indicaram que o pai passa mais tempo com o filho quando ele está na pré-escola do que quando está na idade escolar. Uma possível explicação dessa maior interação entre pai e filho na idade pré-escolar é que, nessa idade, é mais fácil a criança acompanhar o pai em suas atividades, independente do que o pai irá fazer e do lugar que irá (Black & cols., 1999).
Além da questão do tempo, no geral, pais e mães se envolvem em atividades diferentes com seus filhos. Os pais são especialistas no brincar, estimulando o contato social e instrumental da criança e engajando-a em atividades físicas, enquanto as mães se envolvem mais em jogos verbais em torno do brinquedo e nos cuidados, alimentação, conforto, afeto e proteção da criança (Verschueren & Marcoen, 1999; Dessen & Braz, 2000; Harokopio, 2000; Tudge & cols., 2000).
Correlação entre o relacionamento pai-filho e o desenvolvimento infantil
A maioria dos estudos aponta que a criança que vive com a privação paterna (em decorrência do divórcio ou decorrente de interações infreqüentes entre pai e filho mesmo morando na mesma casa), pode ter problemas no desenvolvimento, podendo ser considerado um fator de risco (Black & cols., 1999; Marshall & cols., 2001).
Os estudos descritos a seguir mostram as principais implicações que a interação infrequente entre pai e filho pode ter no desenvolvimento infantil. Como por exemplo, Dubowitz e cols. (2001) realizaram um estudo incluindo pessoas de etnias afro-americanas e brancas, em que participaram 855 crianças de seis anos, com seus pais e suas mães, que viviam em ambiente de risco (pobreza, maltrato, abuso e negligência). Os objetivos desse estudo eram os de verificar se a presença do pai estava associada com problemas de comportamento e depressão na criança e se a percepção da criança quanto ao suporte que o pai lhe oferecia estava associada ao seu melhor funcionamento cognitivo. Para obtenção desses dados os participantes foram entrevistados. O principal resultado foi que, quanto maior o suporte que o pai oferecia para o filho, melhor o desenvolvimento cognitivo, menor a probabilidade de problemas de comportamento e menor o número de sintomas depressivos dos filhos.
Esses resultados também foram apontados por Marshall e cols. (2001), ao realizarem, nos Estados Unidos um estudo longitudinal com famílias (n=261). Essas famílias eram de baixa renda e as crianças tinham risco de maltrato. Os objetivos do estudo eram os de verificar se a presença ou ausência do pai ou figura paterna estava relacionada com problemas de comportamento e sintomas depressivos quando o filho tinha quatro anos e quando o filho tinha seis anos. Para obter essas informações foram aplicados testes e realizadas entrevistas. Os resultados mostraram que, dentre as crianças que não conviviam com o pai ou com uma figura paterna, quando estavam com quatro anos apresentaram maior índice de problemas de comportamento e quando estavam com seis anos, apresentaram maior escore de depressão e maior índice de externalização de comportamentos agressivos.
No entanto, não é só a ausência da figura paterna que acarreta problemas comportamentais nos filhos, pois características do comportamento paterno influenciam negativamente o comportamento do filho. Frosch e Mangelsdorf (2001) realizaram um estudo com 78 pais e mães americanos e seus filhos de aproximadamente três anos de idade, de classes socioeconômicas variadas, para verificar se o comportamento do pai e da mãe influenciava nos problemas de comportamento dos filhos. Foram utilizadas as seguintes medidas de comparação: identificação de problemas de comportamento da criança, observação da professora quanto aos problemas de comportamento em sala de aula e observação dos comportamentos de interação paterna e materna com os filhos. Os resultados mostraram que as crianças com maior índice de problemas de comportamento, tanto na escola quanto no ambiente familiar, tinham o pai com comportamento mais hostil e intruso. Além disso, a presença desses pais agia negativamente na influência positiva do relacionamento materno com o filho.
Jaffee e cols. (2003), também, mostraram resultados semelhantes à pesquisa anterior ao realizarem um estudo na Inglaterra com 1115 pais/mães de crianças de cinco anos de idade, de diferentes níveis socioeconômicos. O objetivo do estudo foi o de verificar quais as vantagens e desvantagens de o filho conviver com o pai biológico que tinha comportamento anti-social. Para isso, os autores verificaram a história de comportamento anti-social do pai e da mãe, os cuidados do pai com a criança e os comportamentos anti-sociais da criança, sendo coletadas tais informações por meio de aplicação de questionários. Os resultados mostraram que os filhos, cujos pais tinham maior freqüência de comportamentos anti-sociais, apresentavam mais problemas de comportamento quando residiam com o pai, comparando com as crianças que não residiam com o pai. Além disso, nas famílias em que os pais tinham comportamentos anti-sociais havia maior freqüência de problemas familiares, incluindo a pobreza, violência contra a mulher e disciplina coercitiva com os filhos.
Considerando, mais especificamente, o desenvolvimento cognitivo e lingüístico, Black, Dubowitz e Star. (1999) analisaram a influência do pai no desenvolvimento infantil de crianças com três anos expostas a fatores de riscos (HIV, maltrato, baixa nutrição, drogas), com uma população afro-americana de baixo poder aquisitivo (n=175 famílias). Os objetivos desse estudo eram os de avaliar o relacionamento mãe/filho, pai/filho, ambiente familiar e habilidades cognitivas e lingüísticas dos filhos, sendo obtidas tais informações por meio da observação da interação estruturada de ambos os pais e seus filhos e por preenchimento de questionários. Os resultados mostraram que as crianças com melhor desenvolvimento cognitivo e lingüístico interagiam mais com o pai e este tinha maior satisfação quanto ao desenvolvimento de seu papel. As mães, também, apontaram que, entre os pais mais satisfeitos, as crianças tinham menos problemas de comportamento e havia maior suporte financeiro na família.
Em relação à importância do pai para o desenvolvimento social dos filhos, Feldman e Klein (2003) estudaram a relação pai/mãe-bebê, no momento em que as crianças estavam aprendendo a andar. Participaram do estudo 90 famílias de classe socioeconômica média, de nacionalidade americana. Os objetivos desse estudo foram os de verificar o grau de segurança que as crianças tinham em ambos os pais ao aprender a andar, sendo que as informações foram obtidas por meio da observação de situações entre ambos os pais e a criança. Os resultados mostraram que o pai foi significativamente mais sensível (mais caloroso e disciplinado) na interação quando a criança era do sexo feminino e, o pai oferecia maior liberdade para a criança andar do que a mãe. As crianças mostraram-se mais seguras e envolvidas emocionalmente com o pai do que com a mãe. Esses pesquisadores concluíram que o pai foi um importante agente de socialização para seus filhos, uma vez que o aprender a andar é uma experiência que possibilita outras experiências da criança com adultos externos, com a família e com os pares, preparando para os futuros relacionamentos íntimos, a disciplina e a negociação.
Ainda em relação à importância do pai na socialização do filho, Verschueren e Marcoen (1999) realizaram um estudo com 80 pais/mães e seus filhos. Essas crianças estavam na idade pré-escolar, eram brancas, de classes socioeconômica média e média baixa, viviam com os pais biológicos e residiam nos Estados Unidos. Os objetivos desse estudo eram os de relacionar o autoconceito e a competência socioemocional das crianças com informações sobre o relacionamento com o pai e com a mãe, considerando a segurança desse relacionamento. O procedimento envolveu aplicação de testes e preenchimento de questionários. Como principais resultados, pôde-se verificar que as crianças com melhor autoconceito e com melhor competência socioemocional (melhores relacionamentos com os pares, melhor ajustamento escolar e menor ansiedade) tinham um relacionamento mais seguro com o pai.
Os problemas comportamentais apresentados na préescola, decorrentes da ausência paterna, podem acarretar em uma variedade de resultados negativos na idade escolar e na adolescência, incluindo baixo rendimento acadêmico, aumento de ausência nas aulas, aumento do risco de envolvimento com drogas, pouco relacionamento com os pares, depressão, ansiedade, labilidade emocional e a externalização de comportamentos problemas. Quando não corrigidos esses problemas continuarão exercendo uma influência negativa na fase adulta (Black, Dubowitz & Star, 1999; Frosch & Mangelsdorf, 2001).
Programa de intervenção com o pai
Segundo Fagan e Iglesias (1999), o programa Head Start envolvia atividades para pais afro-americano e latino-americanos de classe socioeconômica baixa, que tinha filho iniciando as atividades escolares, com idade média de quatro anos e seis meses, objetivando melhorar o envolvimento do pai com as atividades acadêmicas do filho e, conseqüentemente, a melhor adaptação da criança à escola. Para analisar a eficácia do programa, comparou-se 55 pais que participaram da intervenção com 41 pais que não participaram da intervenção. Duas medidas (pré-teste e pós-teste), que avaliaram os seguintes aspectos: o envolvimento do pai em casa, envolvimento do pai em leitura para os filhos, desempenho da criança na escola e habilidades sociais da criança. Como principais resultados entre os pais que participaram por mais tempo da intervenção, quando comparados com pais que não participaram ou que participaram com menor intensidade, têm-se: os filhos apresentaram maior repertório de habilidades sociais e maior motivação nos estudos. Os pais apresentaram maior interação com o filho, leram mais para os filhos, tiveram menos problemas conjugais, mostraram-se mais envolvidos nas interações em sala de aula com os filhos e mostraram-se mais motivados em auxiliar seus filhos nas atividades acadêmicas.
Indicações para pesquisas futuras
Dessen e Lewis (1998), Bertolini (2002), Dessen e Braz (2000) e Levandowski e Piccinini (2002) apontam para a necessidade dos estudos brasileiros enfocarem a figura paterna. Essas pesquisadoras ressaltam a importância de se coletar os dados diretamente com o pai sobre a participação na educação e nos cuidados com o filho e não coletar os dados sobre a percepção da mãe quanto ao desempenho paterno. Considerando, ainda, a metodologia empregada nas pesquisas em desenvolvimento humano, alguns pesquisadores afirmam a importância da realização de estudos longitudinais, para verificar as contribuições que a figura paterna oferece ao longo das diferentes etapas do desenvolvimento infantil (Verschueren & Marcoen, 1999; Marshall, English & Stwart, 2001; Levandowski & Piccinini, 2002; Feldman & Klein, 2003).
Além disso, deve-se considerar a necessidade de se aumentar o número de programas de intervenção exclusivamente para o pai, isto por considerar-se que pais e mães têm necessidades deferentes, interagem com os filhos de formas próprias e peculiares e desempenham papéis diferentes para o desenvolvimento infantil (Lamb, 1997; Black, Dubowitz & Star, 1999; Dessen & Braz, 2000; Harokopio, 2000; Tudge & cols., 2000; Dubowitz & cols.; 2001; Frosch & Mangelsdorf, 2001; Levandowski & Piccinini, 2002).
Quanto ao conteúdo dos programas, Frosch e Mangelsdorf (2001) sugerem a implementação de programas para o pai de crianças em idade pré-escolar, a fim de se trabalhar as práticas parentais que maximizam o desenvolvimento infantil e que minimizam os possíveis efeitos negativos dos conflitos parentais. Fagan e Iglesias (1999), acreditam que um programa deveria oferecer informações para o pai sobre a importância de seu papel para o desenvolvimento infantil, com o serviço de terapia individual para atender as necessidades de cada pai; trabalhar a participação do pai em atividades recreativas com os filhos e oferecer suporte aos pais, promovendo oportunidades de discutirem seus conceitos, prazeres e interesses com outros homens em situação similar.
Considerando a carência de estudos brasileiros acerca dessa temática, nota-se a necessidade da realização de estudos descritivos sobre aspectos da interação pai e filho em diversas fases do desenvolvimento, e principalmente aspectos subjetivos de futuros pais (expectativas, sentimentos e vivências). A fim de se verificar as implicações da quantidade e qualidade da interação entre pai e filhos para o desenvolvimento infantil, em situações mais variadas, poderia ser comparado o filho que convive com o pai, com o filho de pai divorciado ou filho que não conhece seu pai. Outros aspectos a serem considerados seriam o conhecimento do pai sobre o desenvolvimento infantil, a avaliação de sua auto-eficácia enquanto pai e a percepção do suporte social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral, os estudos selecionados nesta revisão têm mostrado que os pais são importantes para o desenvolvimento dos seus filhos, prover financeiramente a família, envolver-se nos cuidados com o filho e no auxílio nas atividades domésticas. Além disso, a maior interação entre pais e filhos aumenta a satisfação do pai com seu papel, agindo diretamente na dinâmica familiar. Os pais passam a se interessar mais pelo relacionamento com a mulher, promovendo melhor status emocional para o casal (Fagan & Iglesias, 1999; Verschueren & Marcoen, 1999; Dessen & Braz, 2000; Harokopio, 2000; Marshall, English & Stewart, 2001; Flouri & Buchanan, 2003). Outros pesquisadores também apontaram que os pais são capazes, como as mães, de serem sensíveis e responsáveis na interação com os filhos (Fagan & Iglesias, 1999; Tudge & cols., 2000; Dubowitz & cols., 2001; Feldman & Klein, 2003). Entretanto, práticas parentais inadequadas (como por exemplo, pais com comportamentos hostis, intrusos e anti-sociais) podem acarretar problemas de comportamento nos filhos (Frosch & Mangelsdorf, 2001; Jaffee & cols., 2003).
Ao término desta revisão, pode-se verificar a relevância da realização de um estudo de revisão da literatura, pois permite uma visão rápida e ao mesmo tempo abrangente da produção científica de determinada época sobre um tema específico. Podendo-se, a partir disso, direcionar esforços de pesquisa para áreas pouco exploradas, pode possibilitar um maior avanço nos conhecimentos já existentes sobre o tema em questão (Piccinini & Lopes, 1994).
Apesar desta revisão ter sido elaborada a partir de poucos artigos que abordavam as temáticas da mediação paterna e sua importância para o desenvolvimento infantil, objetivou-se possibilitar a apresentação de um panorama geral das pesquisas realizadas com o pai e mostrar sua importância em várias áreas do desenvolvimento infantil.
A partir da presente revisão da literatura foi possível visualizar o baixo número de estudos com a temática do desenvolvimento infantil que investigavam a díade pai e filho. Na literatura brasileira não foram encontrados estudos que correlacionavam o relacionamento pai-filho com o desenvolvimento infantil. Sendo assim, pode-se apontar para a necessidade da realização de pesquisas brasileiras sobre o tema, uma vez que parece que ele não vem sendo significativamente explorado em âmbito nacional. Nesse sentido, a realização de pesquisas brasileiras pode ser útil e produtiva, como caracterização das informações sobre amostras da população relevantes para estudos subseqüentes na área. Ao mesmo tempo, pode vir a gerar dados passíveis de serem discutidos comparativa e criticamente em relação aos estudos internacionais.
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Endereço para correspondência:
Fabiana Cia
Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Psicologia (LAPREV)
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Recebido em: 17/11/2004
Revisado em: 05/05/2005
Aprovado em: 16/08/2005
1 Psicóloga e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar.
2 Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar.
3 Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar. Apoio CNPq.