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Psicologia Escolar e Educacional
versão impressa ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. v.11 n.2 Campinas dez. 2007
ARTIGOS
Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando crianças residindo com a mãe e com ambos os pais
Maternal involvement and academic performance: comparing children living with their mother and with both parents
Envolvimiento materno y desempeño académico: comparando niños viviendo con la madre y con los dos padres
Carolina Severino Lopes da Costa *; Fabiana Cia **; Elizabeth Joan Barham ***
Universidade Federal de São Carlos
RESUMO
Este estudo objetivou comparar o envolvimento materno de crianças que vivem com a mãe e com ambos os pais e o desempenho acadêmico de crianças que vivem nesses dois contextos e relacionar a freqüência de envolvimento materno com o desempenho acadêmico das crianças. Participaram 30 crianças com idades entre 9 e 11 anos, alunos de 3a e 4a séries, metade vivendo em famílias monoparentais e metade com ambos os pais. Para avaliar o desempenho escolar das crianças, utilizou-se o Teste de Desempenho Escolar (TDE). Para caracterizar o envolvimento materno, usou-se o Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos. Os resultados mostraram que houve algumas diferenças significativas no envolvimento materno nos dois grupos. Além disso, o envolvimento materno no grupo monoparental apresentou uma relação muito maior com o desempenho escolar de seus filhos do que no grupo biparental.
Palavras-chave: Famílias monoparentais, Família, Desempenho acadêmico.
ABSTRACT
This study aimed to compare maternal involvement among children living with their mother or with both parents and the academic performance of children in these two family contexts and correlate the frequency of the mother's involvement with their child's academic performance. The 30 children who participated in this study ranged in age from 9 to 11 years, studying in the third or fourth grade, with half living in single-parent families and half living with both parents. The Academic Achievement Test (AAT) was used to evaluate the children's academic performance. The Questionnaire on the Quality of Family Interactions - Child Version captured maternal involvement. Results showed that there were several significant differences between the two children's groups, in terms of their mothers' involvement. In addition, maternal involvement in the single parent group showed a much stronger relationship with the children's academic performance than in the two parent groups.
Keywords: Singles parents, Family, Academic achievement.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo: comparar el envolvimiento materno de niños que viven con la madre y con los dos padres; comparar el desempeño académico de niños que viven en esos dos contextos y relacionar la frecuencia de envolvimiento materno con el desempeño académico de los niños. Participaron 30 niños con edades entre 9 y 11 años, alumnos de 3º y 4º grado, siendo que mitad vivía en familias mono parentales y mitad con los dos padres. Para evaluar el desempeño escolar de los niños se utilizó el Teste de Desempenho Escolar (TDE). Para caracterizar el envolvimiento materno se utilizó el Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos. Los resultados mostraron algunas diferencias significativas en el envolvimiento materno en los dos grupos. Además de eso, el envolvimiento materno en el grupo mono parental presentó una relación mucho mayor con el desempeño escolar de sus hijos en comparación al grupo bi-parental.
Palabras clave: Familias mono parentales, Família, Desempeño académico.
A família, como instituição social, tem passado por muitas mudanças em sua estrutura. Ferreira (2005) aponta que as mudanças ocorridas no último século caminham para uma redução do número de membros da família. O modelo que predominava nas sociedades rurais, no início do século XX, denominado a Família estendida, compreendia pai, mãe, filhos, tios, avós, primos etc.
Entretanto, com a urbanização e o aparecimento de meios cada vez mais eficazes e socialmente aceitáveis no controle de natalidade, houve redução no tamanho da família, passando para uma nova estrutura predominante, denominada Família nuclear (pai-mãe-filhos). Esta estrutura estava mais bem adaptada aos custos de vida na cidade e ao novo papel social e profissional da mulher que deixou de ser exclusivamente uma dona de casa, tornando-se, ao lado do marido, provedora do lar (Brandth & Kvande, 2002; Dantas, Jablonski & Féres-Carneiro, 2004).
Apesar do conceito da família nuclear "intacta" permanecer como a estrutura ideal na cultura ocidental, a existência de outras estruturas aumenta a cada dia (Kauffman, 2001). Dados do censo do IBGE-2000 (conforme citado por Ferreira, 2005) destacam questões importantes para a compreensão da vida familiar atual, em relação ao censo anterior: a família de tipo nuclear diminuiu de 58,4% para 55%; o número de mulheres sem marido (viúvas, mães solteiras, divorciadas) aumentou de 15,1% para 17,1% e o número de pessoas vivendo sozinhas aumentou de 7,3% para 8,6%. Conclui-se que a prevalência do modelo da família nuclear está diminuindo, enquanto outros modelos de vivência têm emergido (Dessen & Silva, 2004).
Um fator que mantêm a visão da família nuclear como um modelo ideal diz respeito à comprovada importância do envolvimento dos pais com os filhos para o desenvolvimento sócio-emocional e acadêmico das crianças (Applyard, Egeland, Dulmen & Sroufe, 2005; Dunn, 2004; Hill & Taylor, 2004). O progresso no aprendizado escolar, por exemplo, está associado à supervisão e à organização das rotinas no lar, a oportunidades de interação com os pais e à oferta de recursos no ambiente físico (Marturano, 2004). Contudo, existem muitas crianças que não gozam da oportunidade de serem educadas, diariamente, por ambos os pais.
Quando os dois pais não vivem no mesmo domicílio com seus filhos, quase sempre há uma freqüência baixa de contato com o pai não-residente. Sabe-se que uma proporção substancial de crianças tem sido criada ou educada dentro de famílias monoparentais, usualmente resultante de divórcio, mas também provenientes de nascimentos fora do casamento, viuvez precoce, em função de um local de trabalho distante por parte do pai, entre outros motivos (Dessen & Silva, 2004; Kauffman, 2001).
Em geral, o divórcio é considerado de forma negativa, pois é visto como um evento traumático, tanto para os pais como também para as crianças. No início, muitas crianças manifestam alguns distúrbios emocionais, tipicamente envolvendo uma combinação de raiva, ansiedade, depressão, dependência e não-submissão. O período de adaptação ao divórcio é de aproximadamente três anos, embora existam crianças que se ajustem rapidamente e seguem suas vidas sem apresentarem problemas emocionais e/ou comportamentais (Kauffman, 2001).
Apesar do período de adaptação poder ser difícil, deve-se ressaltar que a separação dos pais pode ter aspectos positivos para todos os membros da família, principalmente quando a criança vivenciava situações de violência física e verbal, ou quando um dos pais tem comportamento anti-sociais, o que poderia trazer maiores intercorrências para o seu desenvolvimento se os pais permanecessem unidos (Guille, 2004; Jaffee, Moffitt, Caspi & Taylor, 2003).
A forma como as crianças se ajustam ao divórcio depende de várias circunstâncias associadas à dissolução familiar, incluindo a idade das crianças quando o divórcio ocorreu, nível de conflito familiar antes e após o divórcio, nível de afeiçoamento da criança ao cônjuge possuidor da custódia, características do cuidador que tem a custódia, comportamento do progenitor visitante, situação econômica do responsável pelas crianças, suporte de outros membros da família e características cognitivas e afetivas das crianças (Zigler & Finn-Stevenson, 1997).
Não é possível predizer com precisão a ocorrência de desordens afetivas e comportamentais infantis decorrentes do divórcio, porém muitas crianças e adolescentes que têm pais separados apresentam desempenho escolar mais baixo e menor confiança em suas habilidades acadêmicas, quando comparadas com crianças de famílias intactas (Kauffman, 2001).
Além da intensificação desses fatores de risco que acompanham o divórcio, é preocupante os impactos desta separação dos pais sobre a freqüência e a qualidade da interação entre o principal cuidador (normalmente a mãe) e as crianças. Por um lado, o contexto monoparental pode reduzir o tempo que o cuidador principal tem para interagir com seus filhos, uma vez que este se encontra sozinho para executar muitas funções (trabalhar fora, realizar tarefas domésticas, dar atenção aos filhos). Por outro lado, pode ser que esta pessoa passe a contar com a maior colaboração de seus filhos do que em famílias bi-parentais, gerando uma interdependência familiar maior e elevado senso de responsabilidade entre estas crianças, que pode estreitar e fortalecer esta relação.
Soma-se o fato que a ausência ou baixo envolvimento do pai, em si, constitui um fator de risco adicional ao desenvolvimento das crianças, pois várias pesquisas demonstraram que o envolvimento do pai afeta a dedicação dos seus filhos aos estudos, com impactos no seu desempenho acadêmico (Flouri & Buchanan, 2003; Gutman, Sameroff & Cole, 2003; Lamb, 1997).
Em uma pesquisa envolvendo crianças em idade escolar, Cia, D'Affonseca e Barham (2004) verificaram a relação entre a qualidade do relacionamento com o pai (na visão do pai e da criança) e o desempenho acadêmico das crianças. Participaram deste estudo 58 pais (homens) e seus filhos da quinta e sexta série, de classes socioeconômicas baixa, que viviam com ambos os pais biológicos. Os resultados demonstraram que a maior freqüência de comunicação entre pai e filho, bem como, a de participação do pai nas atividades escolares, culturais e de lazer do filho estava positivamente correlacionada com melhor desempenho da criança em leitura, escrita e na pontuação total do Teste de Desempenho Escolar.
Considerando que a ausência paterna se configura como fator de risco para o desenvolvimento infantil, pesquisas que possam averiguar a freqüência do envolvimento de mães sozinhas com seus filhos, comparadas com mães em contextos bi-parentais, podem contribuir na identificação de fatores de proteção, que reduzem o risco para o desenvolvimento infantil.
Além disso, podem fornecer dados importantes que subsidiam o planejamento de intervenções para auxiliar as famílias monoparentais a organizarem e distribuírem seu tempo de modo a maximizar oportunidades de interação e o desenvolvimento acadêmico dos filhos. Sendo assim, os objetivos deste estudo são comparar o envolvimento materno de crianças que vivem com a mãe ou com ambos os pais e o desempenho acadêmico de crianças que vivem nesses dois ambientes familiares e relacionar a freqüência de envolvimento materno com o desempenho acadêmico das crianças.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 30 crianças, com idades variando entre 9 e 11 anos (média de idade de 9,6 anos), sendo 13 do sexo feminino e 17 do sexo masculino. Exatamente metade estava na 3a série e a outra metade na 4a série do Ensino Fundamental, assim como, metade vivia com ambos os pais e metade apenas com a mãe. Todas as crianças eram de classe sócio-econômica baixa.
Local
A pesquisa foi realizada em uma instituição que atende crianças carentes, disponibilizando aulas de reforço, atividades esportivas e recreativas, em período oposto ao das aulas. Essa instituição está localizada em uma cidade de médio porte do interior do estado de São Paulo.
Materiais e Instrumentos
Teste de Desempenho Escolar - TDE (Stein, 1994). O TDE é um instrumento com propriedades psicométricas adequadas para avaliar capacidades fundamentais para o desempenho escolar. Pode ser empregado para avaliar crianças desde a 1a à 6a séries do Ensino Fundamental, composto por três subtestes: escrita, envolvendo a escrita do nome próprio e de 34 palavras isoladas, apresentadas sob a forma de ditado; aritmética, que requer a solução oral de três problemas e cálculos de 35 operações aritméticas, por escrito e leitura, requerendo o conhecimento de 70 palavras, isoladas do contexto.
Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos (Cia e cols., 2004). Este instrumento é composto por várias escalas, tipo Likert, e contemplam uma diversidade de indicadores de envolvimento positivo dos pais com os filhos. Neste estudo, foram utilizadas três escalas, com a pontuação de freqüência para os itens, variando entre 1, 'nunca' a 5, 'sempre', que foram adaptadas para utilização nessa pesquisa, sendo elas:
1- Escala de freqüência de interações iniciadas pela mãe, para com seu filho, contendo 16 itens (a = 0,81);
2- Escala de freqüência de interações iniciadas pelo filho, para com sua mãe, contendo 15 itens (a = 0,67);
3- Escala de freqüência de participação das mães nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos, contendo 32 itens (a = 0,85).
Procedimento de coleta de dados
Para obter a autorização dos responsáveis (neste estudo, sempre as mães) e para solicitar a participação das crianças, foi agendada, primeiramente, uma reunião em que foram apresentados os objetivos do estudo, a forma de participação das crianças e, para as interessadas, solicitou-se a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, foram agendados horários para aplicar o TDE e para preenchimento do questionário pelas crianças. Apesar de o questionário ser um instrumento preenchido pelo participante, todos os itens das escalas foram lidos para cada criança, sendo dado um cartão contendo as cinco opções de resposta (que variou de 'nunca' a 'sempre') para a criança apontar a freqüência aproximada da ocorrência de cada tipo de interação ou de acompanhamento. Essa aplicação foi feita de forma individual, em uma sala disponibilizada pela instituição, livre de interferências.
Procedimento de análise dos dados
Os dados provenientes do TDE foram pontuados com base no manual do instrumento. Com os dados quantitativos, provenientes do Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Filhos, análises descritivas (medidas de tendência central e dispersão) foram realizadas. Além disso, para os conjuntos de itens que compõem cada escala, foi feita uma análise de consistência interna da escala como um todo (calculando o alfa de Cronbach).
Para comparar os dois grupos de crianças (pais juntos e mães separadas) em relação ao envolvimento das mães com os filhos e ao desempenho acadêmico das crianças, utilizou-se o Teste-t. Para correlacionar a freqüência de envolvimento materno com o desempenho acadêmico das crianças, o teste de correlação linear de Pearson foi utilizado. Todas as análises quantitativas foram realizadas, usando o aplicativo SPSS 10.0.
Resultados
Os resultados comparam e relacionam a freqüência da interação entre mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças, entre crianças que viviam com ambos os pais e crianças, com as mães, sendo apresentados em três conjuntos: interação entre mãe e filho; desempenho acadêmico das crianças e relações entre a interação mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças.
Interação entre mãe e filho
A Tabela 1 apresenta a freqüência de interações iniciadas pelas mães, para com seu filho, segundo a opinião dos filhos, comparando crianças que viviam com ambos os pais e crianças que viviam com as mães.
De modo geral, as mães de ambos os grupos mostraram alta freqüência de interação com os filhos. As duas diferenças encontradas, segundo a opinião das crianças, foram as seguintes: no grupo em que os pais moravam juntos, as mães perguntavam onde os filhos estavam indo e com quem, quando saíam de casa, com uma freqüência significativamente maior do que as mães monoparentais. Além disso, segundo as crianças, as mães monoparentais gritavam, xingavam ou batiam nas crianças, sem que tenham feito algo de errado, com uma freqüência significativamente maior que as mães que eram casadas.
A Tabela 2 apresenta a freqüência de interações iniciadas pelos filhos, para com sua mãe, segundo a opinião dos filhos, comparando crianças que viviam com ambos os pais e crianças de mães separadas.
De novo, a maior parte dos itens não apresentou diferença estatisticamente significativa, entre os dois grupos de crianças. Os dois itens envolvendo diferenças entre os dois grupos foram os seguintes: as crianças cujos pais moravam juntos apontaram que elas (as crianças) respondiam às perguntas que a mãe fazia, sem mentir ou esconder as coisas, com uma freqüência significativamente maior do que as crianças cujas mães eram separadas e as crianças cujos pais eram separados apontaram que elas (as crianças) pediam que a mãe ajudasse a fazer atividades escolares, com uma freqüência significativamente maior do que as crianças cujas mães eram separadas.
A Tabela 3 apresenta a freqüência de participação das mães nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos, segundo a opinião dos filhos, comparando crianças que viviam com ambos os pais e crianças com mães monoparentais.
Todas as mães mostraram um bom envolvimento em relação às atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos, segundo o relato das crianças. No entanto, as crianças que moravam com ambos os pais apontaram que suas mães realizavam as seguintes atividades com uma freqüência significativamente maior do que as crianças com mães monoparentais: Pede que você faça tarefas domésticas; Procura te ajudar quando você tira notas ruins; Olha seus cadernos para ver se você tem tarefa de casa e Compra ou pega emprestado livros, gibis, revistas para você ler.
Desempenho acadêmico das crianças
A Tabela 4 apresenta as médias das crianças nos subtestes do TDE.
Não houve diferenças estatisticamente significativas no desempenho acadêmico, entre as crianças que viviam com ambos os pais e as crianças vivendo com mães monoparentais. Por isso, optou-se por apresentar as médias das crianças da 3ª e 4ª séries, sem separá-las pelas constituições familiares.
Em aritmética, as crianças da 3ª série estavam na média e as da 4ª série estavam ligeiramente abaixo da média, de acordo com as normas de classificação do TDE. No subteste de escrita, as crianças de ambas as séries estavam na média e, no subteste de leitura, ambas estavam abaixo da média. No escore total, as crianças da 3ª série estavam na média e as da 4ª série estavam abaixo da média.
Relações entre a interação mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças
Para correlacionar as três medidas do envolvimento mãe-filho com o desempenho acadêmico das crianças, foi necessário combinar os escores das crianças da 3a e 4a séries no TDE. Sempre que é preciso combinar dados de dois grupos independentes, com distribuições normais, mas médias diferentes pode-se subtrair ou somar um valor fixo a todos os escores de um dos grupos, para transpor a média para o mesmo valor do segundo grupo, sem afetar a forma da distribuição dos escores do primeiro grupo (Hays, 1981). Sendo assim, optou-se por transformar os escores das crianças da 4ª série para ter uma distribuição equivalente à das crianças da 3ª série. Para tanto foram retirados quatro pontos dos escores de cada criança da 4ª série em aritmética, três pontos em escrita e sete pontos da pontuação total no TDE.
A Tabela 5 mostra as correlações entre as medidas de interações mãe-filho e o desempenho acadêmico das crianças, considerando as crianças que moravam com ambos os pais.
Pode-se verificar que houve uma correlação positiva e significativa entre a pontuação total no TDE e os dois itens das escalas de envolvimento materno: a freqüência de a mãe gritar com o filho, quando faz algo errado, e a freqüência da criança falar para sua mãe quando não gostou de algo que ela fez ou disse.
A Tabela 6 mostra as correlações entre as medidas de interação mãe-filho e o desempenho acadêmico das crianças, considerando as crianças que moram apenas com a mãe.
Pode-se verificar que algumas habilidades comunicativas e várias atividades que as mães estavam realizando com os filhos estavam correlacionadas com pelo menos um dos subtestes do TDE. Ou seja, percebe-se que o envolvimento materno no contexto monoparental estava altamente relacionado com o desempenho acadêmico dos seus filhos.
Em relação ao primeiro conjunto de dados - envolvendo a comparação do grupo de crianças com mães monoparentais com o de crianças cujos pais viviam juntos, em relação à freqüência de cada tipo de interação mãe-filho, de modo geral, segundo relato das crianças, houve alta freqüência de interação das mães com os filhos em ambos grupos de crianças. De acordo com a literatura (Alvarenga & Piccinini, 2001; Anselmi, Piccinini, Barros & Lopes, 2004; Atzaba-Poria, Pike & Deater-Deckard, 2004; D'Affonseca, 2005; D'Avila-Bacarji, Maturano & Elias, 2005; Hill & Taylor, 2004; Kenny & Gallagher, 2002), o bom envolvimento de um adulto responsável contribui para a maximização de diversas áreas do de-senvolvimento infantil, especialmente o desenvolvimento sócio-emocional e cognitivo.
Entretanto, foi possível observar algumas diferenças na interação das mães bi e monoparentais com seus filhos. Parece que as mães no contexto bi-parental dispunham de mais tempo, em média, do que as mães monoparentais, para monitorar as atividades sociais de seus filhos (Kauffman, 2001; Tiedje, 2004).
Além disso, as mães monoparentais apresentaram maior freqüência de alguns comportamentos negativos, o que também pode ser um indício de que estas mães estejam mais estressadas do que as mães do contexto bi-parental. Como as mães monoparentais costumam lidar com um acúmulo maior de funções do que mães agindo num contexto bi-parental, isto pode gerar maior estresse e cansaço, associados a maior nervosismo e menor paciência para com os filhos.
Observou-se também que as crianças com mães monoparentais apontaram que mentem ou escondem coisas de suas mães com uma freqüência significativamente maior do que as crianças cujos pais viviam juntos. Mentir e esconder coisas tende a acontecer quando a reação esperada por parte da mãe seria punitiva. A falta de transparência e interações negativas interferem na qualidade do envolvimento materno e, por conseqüência, torna-se um fator de risco para o desenvolvimento infantil (Coley, 2001; Tubbs, Roy & Burton, 2005).
Considerando a participação das mães nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos, pode-se notar que as crianças que moravam com ambos os pais apontaram contar com um envolvimento materno mais freqüente do que no grupo de crianças com mães monoparentais em relação a diversos itens. As mães, que contam com a presença do marido, podem ter mais tempo disponível para ajudar e monitorar as atividades escolares dos filhos e ainda terem melhor condição financeira para comprar coisas para seu filho (Guille, 2004).
Com relação ao segundo objetivo, visando à comparação do desempenho acadêmico das crianças que moravam com ambos os pais e das crianças que viviam somente com a mãe, não houve diferenças significativas. Porém, todas as crianças tiveram um desempenho acadêmico abaixo da média em vários subtestes do TDE, considerando que o desempenho acadêmico pode ser influenciado por um conjunto de variáveis, além do envolvimento materno. O impacto negativo de tais variáveis se torna mais evidente, considerando que as crianças estavam tendo reforço escolar e, ainda assim, apresentaram um desempenho acadêmico abaixo do esperado (D'Affonseca, 2005; Del Prette & Del Prette, 2005; Marturano, 2004).
Em relação ao terceiro objetivo, que relacionou a interação entre mãe e filho e o desempenho acadêmico das crianças, os resultados mostraram a ocorrência de algumas correlações significativas em ambos os grupos de crianças. No entanto, para o grupo de crianças que viviam somente com a mãe, houve um número muito maior de itens correlacionados com o desempenho acadêmico das mesmas do que no outro grupo de mães. Como não há a presença do pai no grupo monoparental, o que a mãe fazia não estava sendo complementado por uma outra pessoa. Assim, parece que suas ações tiveram um impacto direto sobre o filho.
No contexto bi-parental, porém, o pai pode reforçar ou modificar o impacto do que a mãe faz. Assim, no contexto bi-parental, se fosse considerar o envolvimento da mãe e do pai, em conjunto, pode ser que passar-se-ia a ter muito mais correlações entre o envolvimento dos pais e o desempenho acadêmico de crianças.
Para o grupo de crianças que viviam apenas com a mãe, os comportamentos da mãe de elogiar, impor limites e solicitar que os filhos ajudem em tarefas domésticas foram os itens mais fortemente associados com o desempenho acadêmico dos filhos. A literatura também indica que o reforço positivo aos comportamentos dos filhos, a imposição de regras e limites e a divisão de responsabilidades com os filhos contribuem para maximizar o desenvolvimento psicossocial e intelectual das crianças, ajudando-as no seu desempenho escolar (Cooper & Cooper, 2005; Del Prette & Del Prette, 2005).
É importante salientar que, no contexto monoparental, houve uma correlação significativa e negativa entre a ajuda com tarefas escolares por parte da mãe, por um lado, e o desempenho acadêmico das crianças em aritmética e em escrita, por outro lado. Esse dado está em acordo com Tiba (2006), que afirma que muitas mães crêem que quando executam as tarefas escolares para as crianças (no lugar delas), estão ajudando, mas apenas contribuem para interferir na aprendizagem das mesmas.
Considerando o conjunto de correlações entre envolvimento materno e desempenho acadêmico das crianças que surgiram nos dois grupos, percebe-se que nenhum foi muito alto. Além disso, embora aparecerem várias correlações significativas, um número muito maior dos itens das escalas de envolvimento materno não apresentaram correlações significativas com o desempenho escolar.
Domina (2005) afirma que o envolvimento parental, como também sua eficácia, tende a declinar com o aumento da idade da criança. Assim, como a faixa etária pesquisada variou entre nove e onze anos, pode-se supor que muitas das crianças já tenham adquirido alto nível de independência com relação às atividades ligadas ao seu desempenho acadêmico, com nível apenas mediano de necessidade de apoio por parte de suas mães, reduzindo a probabilidade de detectar correlações significativas.
Considerações Finais
Ainda que este estudo tenha sido conduzido com uma amostra restrita de participantes, os resultados claramente confirmam vários outros achados na literatura, referentes à importância do envolvimento materno para o desempenho acadêmico de escolares, assim como aponta para algumas diferenças na freqüência e tipo de envolvimento materno entre mães bi e monoparentais. Assim, com base neste estudo, parece que seria frutífero prosseguir com pesquisas em amostras ampliadas, considerando diferentes estratos sociais.
Deve-se ressaltar, também, que alguns dos resultados deste estudo são correlacionais. Portanto, conclusões sobre a direção causal da relação entre envolvimento materno e desempenho escolar não podem ser estabelecidas. Estudos longitudinais seriam indicados para monitorar melhor a influência do envolvimento materno sobre o desempenho acadêmico, ao longo do período de escolarização.
A maior freqüência de alguns comportamentos negativos no grupo de mães monoparentais, segundo seus filhos, é preocupante, porque parece refletir uma situação de maior sobrecarga e estresse no contexto mono do que no contexto bi-parental. Dessa forma, estes resultados podem ajudar a fundamentar e direcionar intervenções para famílias monoparentais, enfocando sua necessidade de apoio prático e emocional e trabalhando com os comportamentos específicos que apresentaram correlações negativas com o desempenho acadêmico das crianças.
Uma contribuição metodológica importante a ressaltar em relação a este estudo foi o uso de relatos das crianças. Na maioria dos estudos, quando se procura coletar dados sobre a relação mãe-filho, o ponto de vista mais procurado seria o da mãe, supondo que ela seria uma informante mais fidedigna. Porém, a opinião da criança sobre o envolvimento de sua mãe é muito importante para verificar a relação entre este e o desempenho escolar da criança. Em suma, acredita-se que este estudo permite saber mais sobre as semelhanças e diferenças no envolvimento materno nos contextos bi e monoparentais, bem como a relação entre este envolvimento e o desempenho escolar de seus filhos. Tendo em vista o aumento na porcentagem de crianças vivendo no contexto monoparental, é de extrema importância ter informações detalhadas comparando estes dois contextos a fim de compreender as necessidades específicas de cada tipo de família e oferecer apoios adaptados a cada contexto.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: carollina_costa@yahoo.com.br
Recebido em: 13/03/2007
Revisado em: 04/06/2007
Aprovado em: 31/01/2008
Sobre as autoras:
* Carolina Severino Lopes da Costa - Psicóloga, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos.
** Fabiana Cia - Psicóloga, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos.
*** Elizabeth Joan Barham (- Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos.
Nota das autoras
Apoio Financeiro: CAPES
Este trabalho foi originalmente desenvolvido como requisito da disciplina Estudos Avançados, do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial/ UFSCar, ministrada pelas Profas. Dra. Deisy das Graças de Souza, Dra. Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil e Dra. Cláudia Maria Simões Martinez.