Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. n.19 São Paulo dez. 2004
ARTIGOS
Habilidades de leitura e de escrita no início da escolarização
Reading and writing abilities at the beginning of schooling
Habilidades de lectura y de escrita en el comienzo de la escolarización
Édiva de Oliveira SousaI, II, 1; Maria Regina MalufIII, 2
I Universidade do Estado da Bahia
II Universidade Estadual de Feira de Santana
III Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação
RESUMO
O objetivo do estudo foi verificar como se apresenta a relação entre as habilidades de ler e de escrever em crianças falantes do português brasileiro que se encontram no início da alfabetização. Sustenta-se a hipótese de que haverá discrepâncias entre as habilidades de ler e de escrever, nas diferentes etapas da aprendizagem da linguagem escrita. Participaram do estudo 73 crianças de 6 a 8 anos, sendo 38 meninos e 35 meninas. Foram aplicadas individualmente tarefas de escrita, leitura e compreensão de palavras e frases. Nos resultados verificou-se que as crianças mais avançadas na aquisição do princípio alfabético mostravam maior habilidade para ler do que para escrever. Os resultados foram discutidos de acordo com a literatura da área.
Palavras-chave: Alfabetização, Habilidades de escrita, Habilidades de leitura.
ABSTRACT
The aim of this research was to verify the relationship between reading and writing abilities in Portuguese Brazilian speaking children at the beginning of schooling. We have as a hypothesis that there will be discrepancies between reading and writing abilities in different levels of literacy. The participants in this study were 73 children six to eight year old, 38 boys and 35 girls. Tasks of writing, reading and comprehension of words and phrases were individually applied. Results showed that children who had more advanced learning levels could read better than they could write. This result has been discussed in relation to specialist literature.
Keywords: Literacy, Writing abilities, Reading abilities.
RESUMEN
El objetivo del estudio fue verificar cómo se presenta la relación entre las habilidades de leer y de escribir en niños hablantes del portugués brasileño que están en el comienzo de la alfabetización. Se sostiene la hipótesis de que habrá discrepencias entre las habilidades de leer y de escribir en las distintas etapas del aprendizaje del lenguaje escrito. Participaron del estudio 73 niños de 6 a 8 años, en el que 38 eran chicos y 35 chicas. Se aplicó individualmente tareas de escrita, lectura y comprensión de palavras y frases. Se verificó en los resultados que los niños más avanzados en la aquisición del principio alfabético mostraban mayor habilidad para leer que para escribir. Los resultados, fueron discutidos de acuerdo com la literatura del área.
Palabras clave: Alfabetización, Habilidades de escrita, Habilidades de lectura.
Ler e escrever podem ser vistos como processos distintos, que apresentam exigências diferentes ao mecanismo cognitivo do indivíduo, embora operem sobre o mesmo código alfabético (Alvarenga, 1988; Bryant e Bradley 1987; Pinheiro, 1994). Várias pesquisas vêm demonstrando descompassos entre os desempenhos na leitura e na escrita, em crianças nas fases iniciais da alfabetização.
Rego (1996) faz referência aos estudos de Read (19713;19864) com crianças norte-americanas, os quais demonstraram que crianças pré-leitoras são capazes de lidar com o princípio alfabético de uma forma não convencional quando inventam escritas, dando evidências de que ocorre um divórcio inicial entre a leitura e a escrita. Refere igualmente experimentos conduzidos por Bryant e Bradley (19805; 1987) com crianças inglesas em estágios iniciais da aprendizagem da leitura, apontando discrepâncias entre a leitura e a escrita de algumas palavras: havia palavras que as crianças liam mas não conseguiam escrever e outras que elas escreviam mas não conseguiam ler. Geralmente, as palavras que as crianças liam mas não escreviam corretamente eram irregulares e as que elas escreviam mas liam incorretamente eram palavras regulares. Os autores concluíram que, embora leitores iniciantes possam escrever alfabeticamente, privilegiam as estratégias visuais na leitura.
Estas pesquisas parecem indicar que os indivíduos que dominam as regras de correspondência fonema-grafema de um sistema de escrita, são capazes de ler palavras familiares bem como palavras não familiares e mesmo palavras inventadas, fazendo uso das regras do sistema de escrita em questão. No entanto, muitas crianças começam a reconhecer algumas palavras e a formar um repertório de leitura antes mesmo de chegar a dominar as regras de correspondência fonema-grafema de sua língua.
Diante de resultados como esses, alguns pesquisadores propuseram a hipótese de que as crianças lêem palavras como se elas fossem ideogramas e, mesmo quando já fazem uso do princípio alfabético na escrita, não o transferem diretamente para a leitura. A fase inicial da leitura seria logográfica.
A teoria que formalizou a existência de um estágio logográfico para a leitura foi idealizada por Frith (1985), que propõe três fases no desenvolvimento da linguagem escrita: logográfica, alfabética e ortográfica. A fase logográfica caracteriza-se por um modo de identificação de palavras baseado no reconhecimento de um padrão visual, em que a criança apreende o significado por memorização. A fase alfabética caracteriza-se por um processo de identificação de palavras escritas baseado na atribuição de sons às letras ou aos grupos de letras. O significado das palavras é obtido da seqüência de sons derivados e não diretamente de sua dimensão visual. A fase ortográfica é caracterizada pela identificação de palavras com base em sua aparência visual, utilizando as representações específicas das letras e não configurações quaisquer.
De acordo com Frith (1985), inicialmente as crianças lêem logograficamente e podem até escrever algumas palavras desta maneira, sem fazer conexões entre as letras e a estrutura fonológica das palavras. Quando a habilidade logográfica atinge um nível mais avançado na leitura, está pronta para ser adotada na escrita. Por outro lado, a estratégia alfabética é inicialmente adotada para a escrita e só depois para a leitura.
Entretanto, alguns estudiosos questionam a hipótese de que há um divórcio inicial entre a leitura e a escrita, bem como a possibilidade de um estágio logográfico inicial na leitura, até certo ponto divorciado do progresso na escrita. Eles procuram explicar as diferenças entre ler e escrever como parte da inconsistência inicial da aprendizagem da língua escrita ou por conta da metodologia de trabalho desenvolvida com essas crianças nas práticas de alfabetização (Ehri e Wilce, 1985; Stuart e Coltheart, 1988; Gough, Juel e Griffith, 19926; apud Rego, 1996).
Entre os que propõem uma associação entre as estratégias utilizadas na leitura e na escrita destacam-se Marsh, Friedman, Welch e Desberg (19807, apud Pinheiro, 1994). Estes autores exploraram a relação entre as estratégias na leitura e na escrita, analisando o desempenho de crianças de 7 a 10 anos em uma tarefa de leitura e escrita de palavras inventadas, para analisar a maneira como as crianças usavam as estratégias fonólogicas (relação letra-som), de substituição (troca de uma palavra desconhecida por outra conhecida e adequada ao contexto) e de analogia (troca de uma palavra desconhecida por palavras análogas) na leitura e na escrita. Os resultados indicaram que, com exceção da estratégia de substituição, usada apenas na leitura, as outras estratégias usadas para ler e escrever são as mesmas. Observaram que, no final do primeiro ano de escolarização, as crianças apresentaram estratégias fonológicas tanto para ler quanto para escrever palavras desconhecidas, havendo uma considerável transferência entre leitura e escrita. As estratégias fonológicas mostravam-se eficientes para as palavras com padrões ortográficos mais simples, mas provocavam erros nas palavras que possuíam padrões mais complexos.
Rego (1996) investigou as conexões entre o desenvolvimento da leitura e da escrita com o objetivo de verificar a compreensão que crianças falantes do inglês têm do princípio alfabético, através de sua escrita e do seu desempenho em leitura, após frequentarem uma classe de alfabetização. A sua hipótese era de que, se a compreensão do princípio alfabético fosse importante para o desempenho inicial da leitura, deveria haver uma forte conexão entre os níveis de escrita e o desempenho na leitura e os tipos de erros observados na leitura deveriam refletir essa conexão, ou seja, as crianças e estágios mais avançados de escrita deveriam produzir erros de leitura indicativos de que estavam estabelecendo relação entre letra e som. Os resultados sugeriram uma forte conexão entre o desenvolvimento da leitura e da escrita. Quando as crianças, ao ler, não lidavam com as correspondências letra-som, também não o faziam ao escrever. Por outro lado, à medida que as suas escritas apresentavam maior utilização de pistas grafofônicas, elas também as usavam para ler. Os tipos de erros produzidos pelas crianças nos diferentes níveis de escrita indicaram que à evolução da escrita corresponde não só um maior progresso em leitura, mas também maior utilização das pistas fonológicas na leitura. Esses resultados levaram a questionar a existência de um estágio puramente logográfico no início da leitura.
Alguns estudos sobre a relação entre a leitura e a escrita realizados com crianças falantes do português brasileiro, basearam-se principalmente nas pesquisas realizadas por Bryant e Bradley (1987), especificamente nas estratégias usadas pelas crianças para ler e escrever nos primeiros anos de escolarização.
Pinheiro (1994) estudou a relação entre ler e escrever em crianças brasileiras, comparando o desempenho na leitura e na escrita através da manipulação de variáveis psicolingüísticas (freqüência de ocorrências de palavras reais, regularidade ortográfica e comprimento). Procurou oferecer mais especificações sobre o progresso das estratégias fonológicas e visuais na leitura e na escrita em português, a partir da comparação do desempenho de crianças em estágios diferentes do desenvolvimento da leitura. O objetivo dessa comparação era obter informações sobre as estratégias empregadas pelas crianças em cada estágio de desenvolvimento e sobre o progresso dos processos lexicais e fonológicos, incluindo o relacionamento entre a leitura e a escrita e verificar qual era o processo mais utilizado pelas crianças, se lexical (reconhecimento visual de palavras) ou fonológico (uso dos conhecimentos das regras de correspondência letra e som). Para isso comparou o desenvolvimento na leitura e na escrita de crianças de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, correlacionando o seu desempenho na leitura e na escrita de palavras reais e inventadas. Os resultados sugeriram que, nos estágios iniciais do processo de alfabetização, tanto a leitura quanto a escrita são efetuadas através de um processo fonológico. No entanto, embora os dados sugiram que as estratégias fonológicas predominam no início do processo de aquisição da línguagem escrita, também demonstraram uma influência do processo lexical ou visual que ocorre juntamente com o processo fonológico para a leitura e a escrita de palavras. Esses resultados apontam para uma sobreposição de processos lexicais e fonológicos nos estágios iniciais do desenvolvimento da leitura e da escrita. Crianças que utilizam as regras de correspondência grafema-fonema para processar palavras pouco familiares parecem estar adquirindo, ao mesmo tempo, representações lexicais para palavras familiares. Observou-se que nem sempre os baixos desempenhos na leitura foram acompanhados por desempenhos baixos na escrita e vice-versa. Ocorreram vantagens da leitura sobre a escrita para palavras reais e vantagens da escrita sobre a leitura para as palavras inventadas. Há indicações, portanto, de que o processo de lexicalização ocorra mais rapidamente para a leitura do que para a escrita visto que as palavras reais foram lidas mais rápida e corretamente do que as palavras inventadas, evidenciando o uso das regras do contexto para identificar as palavras.
O estudo indica ainda que a leitura e a escrita foram afetadas diferentemente pela regularidade ortográfica. Enquanto na leitura a regularidade exerceu um pequeno efeito, na escrita ela teve um efeito significativo. Os diferentes níveis de regularidade das palavras foram portanto mais relevantes para a escrita, uma vez que na leitura a maioria das palavras irregulares pôde ser pronunciada com o uso das regras de correspondência letra-som. Contrariamente ao que ocorreu na leitura, nas tarefas de escrita a maioria das palavras irregulares foram fontes de regularizações, ou seja, as crianças buscavam regularizá-las a partir das regras letra-som. Além disso, as irregularidades da língua causaram maior dificuldade para a escrita de palavras reais do que de palavras inventadas. Segundo a autora, isso ocorreu porque, diferentemente das palavras reais, as palavras inventadas não têm forma ortográfica estabelecida por convenção, não sendo necessário, portanto, regularizá-las.
Parece, portanto, que as crianças falantes do português brasileiro usam não apenas as estratégias fonológicas na leitura inicial, mas também utilizam as pistas lexicais ou visuais para tentar ler as palavras.
Morais (1986) investigou o tipo de estratégias empregadas por crianças ao ler e escrever em português durante os primeiros anos de escolaridade, se visuais ou fonológicas. Partiu da hipótese de que as crianças falantes do português demonstrariam um procedimento baseado em estratégias fonológicas tanto ao ler quanto ao escrever, durante as etapas iniciais do aprendizado da linguagem escrita. Segundo ele, quando a criança usa a estratégia visual para produzir a escrita de uma palavra, ela recupera a imagem visual da ortografia que ela tem arquivada no léxico mental. Por outro lado, ao usar a estratégia fonológica, a criança escreve as palavras buscando aplicar as regras de correspondência som-grafia da linguagem escrita. Na leitura, quando a criança utiliza a estratégia visual, ela relaciona o padrão visual da palavra lida a uma representação ortográfica da palavra que estaria arquivada em sua memória visual ou léxico mental. A utilização de uma estratégia fonológica, por outro lado, exige que o leitor realize um processamento das unidades da palavra (letras, sílabas) sobre as quais aplicaria as regras de conversão som-grafia. A forma sonora final obtida resultaria de um trabalho de adição das partes lidas.
Para investigar o problema proposto Morais (1986) realizou um estudo transversal e longitudinal com crianças, da alfabetização à 4ª série do ensino fundamental. Propôs que as crianças realizassem tarefas de leitura e escrita de palavras isoladas e uma tarefa de leitura e compreensão de frases. Na tarefa de leitura de palavras isoladas a criança teria que ler palavras acompanhadas de um desenho e decidir se a palavra escrita representava o objeto desenhado ou não. Na tarefa de escrita a criança deveria escrever palavras a partir de gravuras (ditado-mudo). Na tarefa de leitura e compreensão de frases a criança deveria ler uma frase e escolher dentre quatro gravuras aquela que representava o significado da frase lida. Na tarefa de leitura de palavras foi verificado o efeito da interferência visual. Na condição com interferência visual, algumas palavras apresentavam uma semelhança muito grande com a grafia dos nomes dos desenhos a elas associados e outras palavras correspondiam ao objeto desenhado ao lado. Na condição sem interferência visual, a palavra e o nome da figura que não tinha relação com ela, partilhavam apenas a primeira letra. Em todas as tarefas foi verificado o efeito da interferência fonológica. Na condição com interferência fonológica, a criança deveria ler ou escrever sem verbalizar as frases ou palavras e ao mesmo tempo pronunciar os numerais de um a três, em voz alta, visando bloquear um processo analítico necessário às estratégias fonológicas. Na condição sem interferência fonológica, a criança deveria ler ou escrever normalmente. Além disso, Morais (1986) analisou os erros de leitura observados na decodificação de frases em voz alta e os erros cometidos na escrita de palavras.
Os resultados desse estudo sugeriram que, na etapa inicial da escolarização, as crianças brasileiras utilizavam estratégias fonológicas tanto para ler quanto para escrever, não sendo influenciadas pela interferência visual. Morais considerou que a leitura foi perturbada sempre que as crianças tinham que realizá-la sob interferência fonológica. As escritas também foram perturbadas pela interferência fonológica, em especial com as palavras maiores. O autor concluiu, então, que as crianças precisavam construir uma representação fonológica das palavras para poder identificá-las.
Ruiz (1988) investigou a relação entre os processos de leitura e de escrita no período de aquisição da linguagem escrita, com o objetivo de verificar o desenvolvimento das estratégias de leitura e escrita de crianças da pré-escola e da 1ª série. Para tanto solicitou que as crianças realizassem a leitura e a escrita de listas de palavras (simples e complexas) e de palavras inventadas. O resultados demonstraram que quando observadas as estratégias de leitura e de escrita, separadamente, observa-se uma sequência equivalente para o desenvolvimento de cada uma dessas habilidades. Contudo, na comparação das estratégias de leitura com as de escrita, os resultados indicaram uma grande dispersão entre as estratégias utilizadas para ler e para escrever palavras. Inicialmente houve uma equivalência entre a leitura e a escrita, quando as crianças não faziam análise fonológica. Depois as análises na escrita passaram a ser mais elaboradas do que na leitura até ser atingido o nível alfabético. Nessa fase, as crianças utilizaram as mesmas estratégias para as duas atividades.
Desse modo, os estudos parecem apontar para uma grande correlação entre ler e escrever durante o processo de aprendizagem da linguagem escrita. Por outro lado, parecem apontar também para diferenças no desempenho em leitura e em escrita nos diferentes estágios dessa aquisição.
O presente estudo tem por objetivo investigar como se apresenta a relação entre as habilidades de leitura e escrita, em um grupo de crianças brasileiras no início da escolarização (1ª e 2ª séries do ensino fundamental).
Nossa hipótese é a de que crianças em processo de alfabetização apresentarão discrepâncias nas habilidades de ler e de escrever, nos diferentes estágios de aprendizagem da linguagem escrita, sendo que essas diferenças serão favoráveis à escrita no início e favoráveis à leitura nos estágios mais avançados do processo de aprendizagem.
Método
Participantes
Fizeram parte deste estudo 73 crianças de ambos os sexos, com idade variando de 6 a 8 anos, que freqüentavam a 1ª ou a 2ª série do ensino fundamental de uma escola da rede pública da cidade de São Paulo, conforme Tabela 1.
Tabela 1 - Caracterização dos participantes da pesquisa por sexo e idade
Procedimentos
Foi elaborado um instrumento para avaliar a escrita, leitura e compreensão de palavras e de frases adaptado dos procedimentos adotados em estudos da área (Bryan e Bradley, 1987; Ferreiro e Teberosky, 1991; Morais, 1986; Pinheiro, 1994; Ruiz, 1988). Para avaliação da compreensão na leitura de palavras e da frase foi utilizada uma tarefa de compreensão inspirada em provas utilizadas por Braibant (1997) e Morais (1986).
A- Tarefas de escrita, leitura e compreensão de palavras
Tarefa 1- escrita de quatro palavras (boneca, capacete, pente, televisão), ditadas pelo experimentador.
Tarefa 2 – leitura e compreensão das mesmas palavras.
Tarefa 3 – leitura e compreensão de outras quatro palavras (sapato, telefone, chuva, bicicleta).
Tarefa 4 – escrita das mesmas palavras, ditadas pelo experimentador.
Na aplicação dessas quatro tarefas foi controlado o efeito de ordem, alternando-se a apresentação da tarefa de modo que, na aplicação das tarefas 1 e 2, primeiro a criança escrevia para depois ler as quatro primeiras palavras e, na aplicação das tarefas 3 e 4 invertia-se a ordem e a criança lia para depois escrever as outras quatro palavras.
B- Tarefas de escrita de uma frase e leitura e compreensão de uma outra frase.
Tarefa 5: escrita de uma frase ditada pelo experimentador (O menino joga bola).
Tarefa 6: leitura e compreensão de uma outra frase com estrutura semelhante à frase escrita anteriormente (O macaco come banana).
Para avaliação da compreensão na leitura de palavras e da frase a criança era solicitada a escolher, entre quatro figuras, a que representava a palavra ou frase lida anteriormente.
Foram atribuídos pontos (de 1 a 5) a cada palavra ou frase lida e escrita considerando-se as estratégias utilizadas, de acordo com Ferreiro e Teberosky (1991).
- estratégias pré-silábicas 1 ponto
- estratégias silábicas 2 pontos
- estratégias silábico-alfabéticas 3 pontos
- estratégias alfabéticas 4 pontos
- estratégias ortográficas 5 pontos
Com os pontos atribuídos às duas tarefas de escrita de palavras e à tarefa de escrita de frase, foi formado um único escore de escrita. Do mesmo modo, os pontos atribuídos às duas tarefas de leitura de palavras e à tarefa de leitura de frase formaram um único escore de leitura. O valor máximo atribuído a cada habilidade, de leitura ou de escrita, foi de 45 pontos.
Resultados
A análise dos resultados enfocará: 1- a comparação do desempenho nas tarefas de leitura e de escrita para o grupo total de crianças participantes da pesquisa; 2- a comparação do desempenho nas tarefas de leitura e de escrita entre as crianças da 1ª. e da 2ª. série; 3- a comparação por subgrupos, segundo o nível de desempenho.
A Figura 1 permite visualizar a pontuação das 73 crianças nas tarefas de leitura e de escrita, tomando como referência a ordem crescente na pontuação da leitura.
Figura 1 - Pontuação dos participantes por ordem crescente em leitura e pontuação das mesmas crianças em escrita
A observação dessa distribuição nos permite interpretar que as crianças do grupo que obtiveram pontuações mais baixas, tendem a mostrar melhor desempenho nas atividades de escrita do que nas atividades de leitura. Por outro lado, as crianças com pontuações mais altas apresentam um desempenho muito próximo entre leitura e escrita com pequena vantagem para a leitura.
Para verificar se as diferenças entre leitura e escrita apontadas visualmente pela Figura 1 se confirmavam na análise estatística, os dados foram submetidos ao teste t de amostras estatísticas pareadas, primeiro para o total das crianças e, em seguida, para os subgrupos de série e de idade.
A Tabela 2 mostra a média e desvio padrão do desempenho do grupo total de crianças nas tarefas de escrita e leitura. A Tabela 3 mostra os resultados do teste t para a comparação entre escrita e leitura das mesmas crianças.
Tabela 2 - Média e desvio padrão dos resultados das 73 crianças nas tarefas de escrita e leitura
Tabela 3 Resultado do teste t para amostras pareadas comparando escrita e leitura
Os testes demonstram que, no grupo total das crianças, não ocorre uma diferença estatísticamente significativa entre o desempenho na leitura e o desempenho na escrita.
Submetemos os mesmos dados ao teste de correlação de Pearson. O resultado mostrou uma alta correlação entre escrita e leitura, no grupo das 73 crianças, como podemos constatar na Tabela 4.
Tabela 4 - Correlações entre leitura e escrita para o grupo total
Desse modo, considerando o grupo como um todo, verificamos que os resultados obtidos pelas crianças nas tarefas de leitura e de escrita apresentam-se altamente correlacionados, ou seja, escrita e leitura apresentam-se associadas positivamente, independentemente dos estágios de aquisição em que se encontrem as crianças.
Para verificar a relação entre leitura e escrita, nas crianças no primeiro ano de escolarização (1ª. série) e no segundo ano (2ª. série), foram formados dois grupos e aplicado o teste t de amostras pareadas.
O resultado da comparação entre leitura e escrita no primeiro ano de escolarização, encontra-se na Tabela 5. Como se pode verificar, há uma diferença estatísticamente significativa entre escrita e leitura para o grupo da 1ª série, com vantagem para a escrita (p<0,03).
Tabela 5 - T-Test - Teste de amostras Pareadas Escrita e Leitura – 1ª série
O mesmo não acontece na 2ª série. A performance das crianças no segundo ano de escolarização não apresenta diferenças significativas entre leitura e escrita (Tabela 6).
Tabela 6 - T-Test - Teste de amostras Pareadas Escrita e Leitura – 2a série
Os menores resultados estão, como era de se esperar, na 1ª série e os melhores na 2ª série. Há maior dispersão nos desempenhos da 1ª série e resultados mais concentrados na 2ª série com alto desempenho. Esses resultados parecem indicar que, nos estágios menos avançados da alfabetização, as crianças escrevem melhor do que lêem. Entretanto, o desempenho das crianças dentro da mesma série é muito diferenciado. Ocorrem muitos níveis de desenvolvimento da aprendizagem da linguagem escrita no mesmo grupo. Há crianças da 1ª série que apresentam níveis bastante elementares de escrita e de leitura e outras que se equiparam a algumas crianças da 2ª série.
Para investigar se uma habilidade se sobressaia à outra, em algum estágio da aprendizagem da linguagem escrita, dividimos as pontuações dos participantes em quartis, considerando a soma dos pontos obtidos por eles em leitura e em escrita. Desse modo, os participantes do estudo foram subdivididos em quatro grupos, considerando-se: crianças com pouca, média, média alta e alta habilidade de leitura e de escrita.
Tabela 7 - Distribuição do desempenho das crianças em quartis
Os quartis ficaram assim distribuídos (Tabela 7):
Grupo 1: crianças que alcançaram até 25 pontos – desempenho baixo;
Grupo 2: crianças que obtiveram de 25,6 a 65,9 pontos – desempenho médio;
Grupo 3: crianças que obtiveram de 66 a 86,9 pontos – desempenho médio alto;
Grupo 4: crianças que obtiveram a partir de 87 pontos – desempenho alto.
Foram aplicados testes de comparação de médias (Teste t de amostras estatísticas pareadas) e de correlação (correlação de Pearson) entre leitura e escrita em cada um desses grupos com a intenção de verificar se ocorriam diferenças entre ler e escrever em cada um deles e qual o grau de associação entre essas duas atividades no decorrer da alfabetização.
Na comparação entre o desempenho de leitura e de escrita em cada um desses grupos, ficou demonstrado que não ocorria diferença significativa entre o desempenho das crianças do 1º, 2º e 3º grupos, nessas habilidades. (Tabelas 8, 9 e 10). Apesar das médias de escrita serem aparentemente melhores nos três primeiros grupos, essa diferença não se mostrou estatisticamente significativa.
Tabela 8 Escore da escrita e da leitura grupo 1
Tabela 9 Escore da escrita e da leitura grupo 2
Tabela 10 Escore da escrita e da leitura grupo 3
Por outro lado, as correlações entre leitura e escrita variam nesses 3 primeiros grupos (Tabelas 11, 12 e 13). O nível de correlação é significativo para o 2º e o 3º grupo, mas não para o grupo 1. As crianças do 2º e do 3º grupos apresentam uma alta correlação entre o desempenho obtido na leitura e o desempenho obtido na escrita, ou seja, quanto maior a pontuação em leitura maior a pontuação em escrita em crianças com nível de desempenho médio e médio alto. Entre as crianças com desempenho mais baixo (grupo 1) a inconsistência entre ler e escrever é mais evidente. Além de nenhuma das atividades (leitura e escrita) aparecer como mais desenvolvida do que a outra, elas também não estão correlacionadas, o que parece confirmar uma dispersão de resultados que reflete um momento muito inicial da aprendizagem da linguagem escrita.
Tabela 11 Correlações entre leitura e escrita grupo 1
Tabela 12 Correlações entre leitura e escrita grupo 2
Tabela 13 Correlações entre leitura e escrita grupo 3
Essas diferenças nos resultados parecem indicar que há uma inconsistência nas relações entre a leitura e a escrita nos estágios mais iniciais da alfabetização. Ruiz (1988) apontou resultados semelhantes quando estudou as relações entre as estratégias de leitura e de escrita de palavras em crianças no período de aquisição da linguagem escrita em português brasileiro. Ela observou uma grande oscilação entre as estratégias usadas para ler e para escrever, demonstrando que, nessas atividades, as estratégias se desenvolvem em ritmos diferentes variando provavelmente conforme os procedimentos de ensino utilizados.
Quanto às crianças do grupo 4, portanto as que obtiveram as pontuações mais altas, foi encontrada uma diferença estatísticamente significativa entre leitura e escrita, com vantagem para a leitura (Tabela 14).
Tabela 14 Escore da escrita e da leitura grupo 4
Assim, na faixa de pontuação mais elevada há uma predominância da leitura em relação à escrita.
Na análise da 2ª série essa diferença não apareceu, o pode ser explicado pela verificação de que somente 16 das crianças da 2ª. série fez parte desse subgrupo, conforme se pode ver na Tabela 7.
Por outro lado, no grupo total de crianças a correlação entre ler e escrever não é significativa. Nem sempre maior pontuação em leitura significa maior pontuação em escrita.
Tabela 15 Correlações entre leitura e escrita para o grupo todo
Conclusões
Os resultados da pesquisa mostraram que as crianças em níveis mais avançados da alfabetização têm maior habilidade na leitura do que na escrita. A melhor performance na leitura no nível mais avançado, pode ser entendida na perspectiva da argumentação de Cagliari (1999), para quem a criança, ao ler, já encontra a forma ortográfica escrita e cabe a ela apenas descobrir que sons as letras têm em função dos contextos em que ocorrem e chegar à identificação da palavra. Na escrita, por outro lado, a criança precisa achar que letra pode ser usada para representar os sons e depois averiguar se o resultado obtido corresponde ao que determina o sistema ortográfico da língua. Como nessa etapa as crianças nem sempre conhecem a ortografia das palavras, ler se torna mais fácil que escrever.
Esses resultados concordam com a proposta de Frith (1985). A autora argumenta que ocorrem divergências entre os níveis de desenvolvimento da leitura e da escrita e que essas diferenças se alternam. Para Frith, a fase alfabética ocorreria primeiro em relação à escrita para só então ocorrer na leitura. Em contrapartida, o conhecimento ortográfico surgiria primeiro na leitura. Apenas quando essa leitura estivesse em um nível ortográfico mais avançado é que esse conhecimento seria utilizado na escrita.
Em concordância com essa elaboração teórica, observamos nos resultados deste estudo que, quando as crianças começam a utilizar estratégias ortográficas de leitura e de escrita, elas passam a ler melhor do que escrevem. Nesta etapa da aprendizagem, as palavras com sílabas mais complexas são lidas sem dificuldade e os erros vão se apresentar na escrita, pois o desconhecimento da ortografia das palavras vai dificultar a escrita mais do que a leitura.
Referências
Alvarenga, D. (1988). Leitura e escrita: dois processos distintos. Educação em Revista, 7, 27-31, jul. [ Links ]
Braibant, Jean-Marc. (1997). A decodificação e a compreensão: dois componentes essenciais da leitura no 2º ano ano primário. In: Grégorie J. & Piérart, B. Avaliação dos problemas de leitura: os novos modelos teóricos e suas implicações diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Bryant, P. e Bradley, L. (1987). Problemas de leitura na criança. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Cagliari, L. C. (1999). Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione. [ Links ]
Ehri, L. N. e Wilce, L.S. (1985). Movement into reading: Is the first stage of printed word learning visual or phonetic? Reading Research Quartely, XX, 2, pp. 163-177. [ Links ]
Ferreiro , E. e Teberosky, A . (1991). Psicogênese da língua escrita. 4ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Frith, U. (1985). Beneath the surface of developmental dyslexia. In: Patterson, K., Marshall, J. & Colthert, M. Surface dyslexia: neuropsychological and cognitive analyses of phonological reading. London: Lawrence Erlbaum Associates. [ Links ]
Morais, Artur Gomes. (1986). O emprego de estratégias visuais e fonológicas na leitura e escrita em português. Dissertação de Mestrado em Psicologia cognitiva. Pernambuco: UFPE, Psicologia Cognitiva. [ Links ]
Perfetti, C. A . (1985). Reading ability. New York: Oxford University Press. [ Links ]
Pinheiro, Ângela M. (1994). Leitura e escrita: uma abordagem cognitivista. Campinas, S.P: Editorial Psy. [ Links ]
Rego, L. L. B . (1996). A relação entre a evolução da concepção de escrita da criança e o uso de pistas garfo-fônicas na leitura. In: Cardoso-Martins, C. (Org.) Consciência fonológica e alfabetização. Petrópolis, R.J: Vozes. [ Links ]
Ruiz, Ana Isabel. (1988). Relações entre as estratégias da leitura e da escrita de palavras no período de aquisição da língua portuguesa. Dissertação de Mestrado. Pernambuco: UFPE, Psicologia Cognitiva. [ Links ]
Stuart, M e Coltheart, M. (1988). Does reading develop in a sequence of stages? Cognition, 30, p. 139-181. [ Links ]
Endereço para correspondência
Édiva de Oliveira Sousa
E-mail: edivasousa@terra.com.br
Maria Regina Maluf
E-mail: marmaluf@ajato.com.br
Recebido em agosto de 2004.
Aprovado em outubro de 2004.
1 Édiva de Oliveira Sousa, Docente da Universidade do Estado da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana, Doutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP
2 Profª. Dra. Maria Regina Maluf, Docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP