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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.32 São Paulo jun. 2011

 

Inclusão escolar como uma prática cultural: uma análise baseada no conceito de metacontingência

 

School inclusion as cultural practice: an analysis based on the concept of metacontingency

 

Inclusión escolar como práctica cultural: un análisis basado en el concepto de metacontingencia

 

 

Fábio Alexandre Ferreira GusmãoI; Tânia Gonçalves MartinsII; Sérgio Vasconcellos de LunaIII

IProfessor de Biologia da Rede Estadual de Minas Gerais
IIDoutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP e bolsista CAPES
IIIProfessor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP

 

 


RESUMO

A Educação Inclusiva afirma-se como um novo paradigma exigindo das escolas transformações em sua estrutura e funcionamento. Este processo de mudança requer um modelo de atendimento que se constitua por meio de ações interdependentes que, para se efetivarem e se perpetuarem, devem resultar em mudanças culturais. No presente artigo, o conceito de metacontingência foi usado como unidade de análise do processo de transformação da Educação Inclusiva em prática cultural. Parte-se do pressuposto de que a aprendizagem representa o produto agregado oferecido pelas escolas. Para este fim, é necessário que os comportamentos dos profissionais, naquele ambiente, sejam congruentes e interdependentes e os procedimentos que reforçam este resultado sejam mantidos e propagados através do tempo.

Palavras-chave: metacontigência; contingências comportamentais entrelaçadas; educação inclusiva; prática cultural; Behaviorismo Radical.


ABSTRACT

School inclusion is taken as a new paradigm requiring school to undertake changes both in structure and functioning. Such a process of change demands children to be taken care of by means of interrelating actions that may result in cultural changes in order to be effective and long lasting. In the present paper the concept of metacontingency was used as an unity of analysis of the processes by which inclusive education becomes a cultural practice. The assumption is made that learning represents the aggregate sum of all that is offered by school. This end product requires that the behaviors of professionals working in school setting be congruent and interrelated, and that their procedures leading to that result be kept and spread through time.

Keywords: metacontingency; interlocking behavioral contingencies; school inclusion; cultural practice; Radical Behaviorism.


RESUMEN

La educación inclusiva surge como un nuevo paradigma de las escuelas que requieren cambios en su estructura y funcionamiento. Este proceso de cambio requiere de un modelo de atención que está constituido por acciones interdependientes que se confirmen y para perpetuarse, debe dar lugar a un cambio cultural. En este artículo el concepto de metacontingencia se utilizó como unidad de análisis del proceso de transformación de la educación inclusiva en la práctica cultural. Se parte de la premisa de que el aprendizaje es el producto agregado que ofrecen las escuelas. Para ello es necesario que la conducta de los profesionales en ese medio, son congruentes e interdependientes y procedimientos que refuerzan este resultado se mantiene y propaga a través del tiempo.

Palabras clave: metacontigencia; entrelazados contingencias conductuales; educación inclusiva; práctica cultural; Conductismo Radical.


 

 

Introdução

O presente artigo tem como objetivo utilizar o conceito de metacontingência como unidade de análise do processo de transformação da Educação Inclusiva em prática cultural.

Skinner (1953/2003) aponta que a ciência do comportamento humano pode contribuir para a evolução da cultura. Para isto, citou várias agências de controle presentes na sociedade que detêm esse poder, entre elas, o governo, a economia, a religião e a educação; também desempenham um papel fundamental, os cientistas e acadêmicos. Em seu livro Ciência e Comportamento Humano (1953/2003), Skinner vai além do comportamento individual, tomado isoladamente, e lança um olhar comportamental sobre dimensões sociais e culturais para as quais dedicou as três últimas sessões do livro. De acordo com o autor, "o comportamento social pode ser definido como o comportamento de duas ou mais pessoas em relação a uma outra ou em conjunto em relação ao ambiente comum" (p. 324).

O conceito de metacontigência proposto por Sigrid Glenn, em 1986, desde então, integra o corpo teórico da Análise do Comportamento. Foi desenvolvido para auxiliar no estudo de comportamentos cujos efeitos incidem sobre o grupo, ampliando a análise das relações entre o indivíduo e o ambiente (análise do comportamento operante) para uma análise dos fenômenos sociais.

Analistas do comportamento, interessados na relação entre princípios comportamentais e fenômenos que ocorrem no nível cultural, encontram, na noção de metacontingência, instrumental teórico para a descrição de relações comportamentais complexas que envolvem: comportamentos de muitos indivíduos, os resultados ambientais da interação desses indivíduos e a transmissão de padrões comportamentais através do tempo. (MARTONE e TODOROV, 2007, p. 189)

No plano educacional, o princípio inclusivo avança na exigência da qualidade do atendimento prestado aos alunos que enfrentam problemas na aprendizagem, seja por motivo de deficiência, seja por dificuldades ocasionadas por repetências, defasagem idade/série ou, ainda, por fatores econômicos e sociais. Para demonstrar que a Educação Inclusiva pode se tornar uma prática cultural, é necessária uma análise que dê conta dos efeitos dos comportamentos das pessoas ligadas à educação sobre o ambiente educacional - aqueles que trabalham nesta área e aqueles que se beneficiam deste serviço. Assim, visando identificar os efeitos dos comportamentos dos profissionais que compõem as instituições de ensino sobre o comportamento de aprender dos alunos, é possível partir da análise das contingências entrelaçadas presentes no processo ensino-aprendizagem e dos efeitos das relações entre os sujeitos sobre o grupo, selecionando comportamentos que sejam condizentes com o princípio inclusivo e que resultem na aprendizagem. Essas contingências comportamentais entrelaçadas podem tornar-se um padrão de comportamento que, pelas suas consequências reforçadoras, repete-se através do tempo provocando mudanças culturais.

 

O Behaviorismo Radical: pequeno histórico e objeto de análise

O Behaviorismo foi um movimento que surgiu em contraposição à chamada psicologia da mente. Os psicólogos, no início do século XIX, já consideravam a mente como um importante objeto de análise e utilizavam a introspecção como procedimento metodológico. Contrapondo-se a esta tendência, na segunda metade do século XX, começou a emergir e se fortalecer uma corrente que defendia que o objeto de análise da psicologia deveria ser o comportamento. O trabalho de Watson "A psicologia do ponto de vista de um behaviorista", de 1913, tem sido apontado como um marco do Behaviorismo Metodológico. Para Watson, a psicologia, longe de ser uma ciência da mente, era, sim, a ciência do comportamento. Enquanto tal, deveria adotar métodos objetivos e desconsiderar fenômenos relativos à mente como objetos de estudo. O comportamento humano deveria ser explicado a partir de fatos observáveis e verificáveis objetivamente (ZANOTO, MOROZ, GIOIA, 2009).

Contrário à concepção de Watson, Skinner, fundador do Behaviorismo Radical, não se opunha ao estudo de fenômenos que são comumente chamados "mentais". Para Skinner, os eventos comportamentais relativos ao chamado mundo interior, como pensamentos, sentimentos, imaginação e emoções, são da mesma natureza material que os eventos comportamentais públicos ou observáveis, devendo ser ambos explicados pela ciência do comportamento.

De acordo com Carrara (2008, p. 113):

Skinner é antimentalista não porque negue a existência e importância dos eventos privados (aliás, fator privilegiado a distingui-lo dos behavioristas metodológicos), mas porque não aceita eventos mentais, estruturas mentais, estruturas cognitivas, estruturas de personalidade, volição, traços, drives, instintos, entre tantos, enquanto entes explicativos do comportamento, dada sua característica eminentemente subjetiva {...}.

Para Skinner, a maior parte do comportamento humano é operante, isto é, produz consequências que, por sua vez, são fundamentais na determinação do comportamento. Para saber o que reforça um dado comportamento - consequência - é necessário constatar se um comportamento que venha produzindo tal consequência volta a ocorrer e com que probabilidade; então, temos fortes elementos para dizer que aquela consequência é reforçadora (ZANOTO, MOROZ, GIOIA, 2009).

De acordo com Souza (1997), no comportamento operante, por meio do qual o organismo modifica o ambiente, a contingência se refere às "{...} condições sob as quais uma consequência é produzida por uma resposta, isto é, a ocorrência da consequência depende da ocorrência da resposta" (p. 82). Na análise de contingência, é importante considerar as probabilidades condicionais que relacionam um evento a outro, ou seja, qual a probabilidade de um evento ocorrer na presença, ou na ausência de outro. No caso do operante, a relação de contingência que existe, quando respostas produzem reforçadores, é definida por duas probabilidades condicionais: a probabilidade de um reforçador dada à ocorrência ou a ausência da resposta.

Uma das maiores contribuições de Skinner para o estudo do comportamento humano é seu modelo explicativo; neste modelo causal, o comportamento é fruto da combinação de três níveis de determinação: seleção natural, história de vida e cultura. Este é o chamado modelo de seleção pelas consequências. Na proposição deste modelo, Skinner incorpora a ideia de Darwin de seleção natural, explicada a partir de dois processos básicos: variação e seleção. Seguindo este paradigma, Skinner propõe que a variabilidade do comportamento é fundamental e sobre esta variabilidade o ambiente atua selecionando - mantendo ou alterando - os comportamentos individuais e as práticas sociais existentes (ZANOTO, MOROZ, GIOIA, 2009).

 

O paradigma da inclusão: dos efeitos sobre o grupo à evolução da cultura

Conforme Skinner (1953/2003, p. 326), "O comportamento social surge porque um organismo é importante para o outro como parte de seu ambiente".

A inclusão representa um movimento social em defesa de todas as pessoas excluídas e marginalizadas. Sua efetivação depende da adesão de todos os cidadãos e de iniciativas do poder público.

Dentro dos pressupostos de uma sociedade inclusiva está prevista a garantia do direito coletivo de exercício da cidadania indiferentemente de gênero, origem socioeconômica, escolaridade, opção sexual, religião, cor, idade, raça e deficiência. Nela também está prevista a eliminação de qualquer forma de discriminação e segregação. Assim como estão previstos os princípios da aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana. (MURTA, 2004, p. 43)

Sassaki (1997) esclarece que a inclusão social é um processo no qual as pessoas excluídas e o restante da sociedade, num esforço bilateral, devem buscar soluções para os problemas que dificultam a equiparação de oportunidades. Portanto, a inclusão social constitui um "(...) processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade" (p. 41).

Visando o acesso aos ambientes ou serviços e buscando minimizar a desigualdade social e atender às necessidades específicas de cada grupo excluído, foram criadas leis e implementadas políticas e programas de assistência com objetivo de garantir os direitos fundamentais e a inclusão dessas minorias. Para exemplificar, podemos mencionar o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), a Lei contra o Racismo (BRASIL, 1989), a Lei 10.098/00, que estabelece normas e critérios básicos para acessibilidade (BRASIL, 2000), o Programa Fome Zero (PROGRAMA FOME ZERO, 2001). Na área da educação, temos a Política de Educação Inclusiva (BRASIL, 1994), a Política de Cotas para Negros (BRASIL, 2004), o Programa Universidade para Todos - PROUNI (BRASIL, 2005).

 

Educação Inclusiva: princípios e perspectivas

A educação é um processo social, cujo papel é ensinar aos indivíduos, no presente, comportamentos que serão adequados, em um tempo futuro para garantir, a cada um, as melhores chances de sobrevivência no mundo, isto é, uma vida pessoal e social de boa qualidade. É por meio do processo formal de educação que devemos ensinar aos indivíduos comportamentos que possibilitem uma atuação com competência e autonomia quando já não estiverem mais participando deste processo. É por isso que, para os behavioristas, ensinar é planejar contingências de reforçamento de modo a possibilitar que a aprendizagem ocorra de forma mais eficiente (ZANOTO, MOROZ, GIOIA, 2009).

Em 1990, graças à iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) e outros organismos internacionais, começaram as discussões para a elaboração de projeto destinado a solucionar o problema dos marginalizados na educação. Este movimento de educação para todos, teve seu ponto de partida em Jomtien, Tailândia, em 1990, durante reunião da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Na ocasião, foram apresentadas estatísticas que evidenciaram discriminação e marginalização, em nível mundial, de milhões de crianças e jovens sem oportunidade de frequentar escola.

A Política de Educação Inclusiva diz respeito à responsabilidade dos governos e dos sistemas escolares de cada país com a qualificação de todas as crianças e jovens no que se refere aos conteúdos, conceitos, valores e experiências materializadas no processo de ensino-aprendizagem escolar, tendo como pressuposto o reconhecimento das diferenças individuais de qualquer origem (GLAT e BLANCO, 2007, p. 16)

O foco da escola, nesses últimos anos, mudou, visando não apenas transmitir conhecimentos, mas também atender aos quatro pilares da educação recomendados pela UNESCO: aprender a aprender, ensinando aos alunos como chegar à informação e ao conhecimento, consequentemente desenvolvendo o mecanismo de aprender; aprender a fazer, o saber implica fazer, melhorando as condições de vida das pessoas; aprender a viver com os outros, trabalhando a aprendizagem da convivência, da compreensão mútua, de intercâmbios pacíficos e de harmonia; e aprender a ser, a ser gente e viver com dignidade. Portanto, o mundo está exigindo das pessoas uma grande capacidade de autonomia e responsabilidade pessoal em relação à realização do destino coletivo (DELORS, 1999).

O problema das necessidades educacionais especiais (NEE) passou a ocupar o lugar de destaque a partir da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, realizada em Salamanca, Espanha, em 1994. A conferência foi planejada para atender a duas preocupações essenciais: a) garantir a todas as crianças, particularmente àquelas com necessidades especais, acesso às oportunidades da educação; b) promover educação de qualidade com introdução de ideias inovadoras sobre a relação entre os serviços de Educação Especial e a reforma do sistema educativo.

Na Resolução nº 2/01 (BRASIL, 2001), que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, educandos com necessidades educacionais especiais representam aqueles que durante a vida escolar apresentam:

I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:

a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;

b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;

II - dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;

III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos

Portanto, a expressão necessidades educacionais especiais aplica-se aos alunos que possuem deficiências, mas não se restringe a este grupo. Compreende todo o tipo de dificuldade significativa para interagir com o meio físico e social, em caráter permanente ou temporário.

Com a realização da Conferência de Salamanca, ficou claro que os indivíduos com deficiência devem fazer parte das escolas e que estas devem modificar seu funcionamento para incluir todos os alunos. O desafio lançado às escolas, para atender ao novo paradigma, diz respeito ao desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança e capaz de ser bem-sucedida ao educar todos os alunos, incluindo aqueles que possuam desvantagens severas.

Para tornar-se inclusiva a escola precisa formar seus professores e equipe de gestão, e rever as formas de interação vigentes entre todos os segmentos que a compõem e que nela interferem. Precisa realimentar sua estrutura, organização, seu projeto político-pedagógico, seus recursos didáticos, metodologias e estratégias de ensino, bem como suas práticas avaliativas. Para acolher todos os alunos, a escola precisa, sobretudo, transformar suas intenções e escolhas curriculares, oferecendo um ensino diferenciado que favoreça o desenvolvimento e a inclusão social. (GLAT e BLANCO, 2007, p. 16)

A situação educacional brasileira apresenta problemas que merecem atenção e constituem indicadores importantes para avaliar até que ponto os recursos da sociedade, destinados à formação dos jovens, são empregados com eficácia. O acesso à educação é desigual no sistema público e privado. Apesar da preocupação do governo e da iniciativa privada em investir no setor, com a finalidade de eliminar os desequilíbrios existentes, os níveis são diferentes quanto às disparidades regionais e grupos sociais.

O sistema em si não é o único responsável pelas elevadas porcentagens de fracasso escolar: há problemas de ordem socioeconômica, políticos assim como aqueles de origem orgânica, psicossocial e familiar que interferem no processo. O problema da repetência tem dimensões notáveis que carecem de investigação multidisciplinar para detalhar suas causas.

A identificação das dificuldades de aprendizagem apresentadas por escolares vem crescendo, embora, há muitos anos, a relevância de tais problemas seja reconhecida. De acordo com os dados da UNESCO, a retenção escolar no Brasil está entre as maiores da América, o que contribui para o atraso escolar e, como consequência, para a evasão escolar (LINHARES et al., 1993).

Nas escolas públicas brasileiras, é observado um número irrisório de alunos com algum tipo de deficiência (física, mental, auditiva, visual, múltiplas) frequentando a classe regular de ensino. Estes discentes são tidos como diferentes, e os professores, quando têm algum aluno com deficiência na sala de aula, alegam que não sabem como lidar com ele dizendo que o mesmo deveria estar numa escola/classe especial. Esta atitude da escola, de não saber lidar com as diferentes formas de aprendizagem, provavelmente, é consequência de como estas pessoas foram tratadas no decorrer da história da humanidade, com abandono e maus tratos, até terem direito à inclusão social e educacional assegurados na legislação (MOREIRA, CASTRO e SANT'ANA, 2003).

Infelizmente, o direito constitucional de acesso ao ensino para todos não tem sido garantido. A dificuldade da escola em lidar com a diversidade de estilos de aprendizagem, independentemente de se tratar ou não de alunos com deficiência, tem sido grande. Isto se constata pelo alto índice de reprovação e evasão, principalmente na 1ª série no Ensino Fundamental no Brasil, onde apenas 53,7% do total de alunos são promovidos, enquanto 46,3% são reprovados, reproduzindo assim o ciclo de retenção que acaba expulsando os alunos ditos "normais" da escola (UNICEF, 2009).

Mantoan (1999) defende que toda criança deve ir à escola regular, mesmo que seu desempenho escolar seja diferente do de seus colegas. Observa que não lidar com as diferenças existentes na escola (classe social, cor, idade, gênero, capacidade intelectual, interesse) é não perceber a diversidade que nos cerca, os muitos aspectos em que somos diferentes uns dos outros, transmitindo de forma implícita ou explícita que as diferenças devem ser ocultadas, tratadas à parte. Esta atitude de ocultamento, de certo modo, confirma-se na rejeição em aceitar as diferenças e, principalmente, as pessoas com alguma deficiência na escola regular.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1996, definiu a Educação Especial como "(...) a modalidade de educação escolar oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais". O capítulo V é dedicado inteiramente ao assunto e previu: a) a criação, quando necessária, de serviços de apoio especializado na escola regular para a clientela da Educação Especial; b) o atendimento em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que não for possível a integração nas classes comuns de ensino regular; c) o início da Educação Especial de zero aos seis anos.

Nos termos da mencionada lei, os sistemas de ensino deverão assegurar aos educandos com necessidades especiais: currículos, métodos, técnicas e recursos educativos; organização específica; terminalidade específica para os que não puderem completar o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental; professores com especialização adequada; Educação Especial para o trabalho e acesso igualitário aos benefícios sociais suplementares (SCHWARTZMAN et al., 1999).

No Brasil, foi a partir do Censo Demográfico de 1991 que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - passou a contar com informações mais diversificadas sobre as pessoas com deficiência. No censo demográfico de 2000, foi possível constatar parte da percepção que as pessoas pesquisadas têm em relação às alterações provocadas pela deficiência e, também, o grau de comprometimento das condições físicas e mentais das pessoas pesquisadas. De acordo com o IBGE (2000), aproximadamente 24,5 milhões de pessoas, ou 14,5% da população total, apresentam algum tipo de incapacidade ou deficiência. Incluem-se nesta categoria as pessoas com, pelo menos, alguma dificuldade de enxergar, de ouvir, locomover-se ou com alguma deficiência física ou mental. No total das deficiências declaradas na pesquisa do censo populacional realizada pelo IBGE (2000), cerca de 8,3% possuem alguma deficiência mental permanente; 4,1% possuem alguma deficiência física; 22,9% alguma deficiência motora; 48,1% alguma deficiência visual; 16,7% alguma deficiência auditiva.

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2008), do total de alunos matriculados na educação básica em 2008, cerca de 0,60% corresponde a alunos da Educação Especial de escolas exclusivamente especializadas e/ou em classes especiais. O mais preocupante dos dados do INEP (2008) é a constatação de que apenas 0,11% dos alunos com deficiência matriculados na educação básica frequenta classes comuns no ensino fundamental. Portanto, a oferta de serviços para os alunos da Educação Especial ainda é muito inexpressiva, o que confirma a assertiva de que o princípio constitucional de que todos têm direito à educação; neste caso, está distante de ser cumprido.

O mérito da escola inclusiva não é apenas proporcionar educação de qualidade a todos. Sua criação constitui passo decisivo para eliminar atitudes discriminatórias, criar comunidades escolares que acolham todos e conscientizar a sociedade. Implica, portanto, um processo de mudança que consome tempo para as adaptações necessárias e requer providências indispensáveis para o bom funcionamento do ensino inclusivo.

 

O conceito de metacontigência como unidade de análise do processo de transformação da Educação Inclusiva em prática cultural

Segundo Martone e Todorov (2007), o conceito de metacontingência foi proposto inicialmente por Sigrid Glenn, em 1986, e vem sendo reelaborado para descrever as relações entre um conjunto de contingências comportamentais entrelaçadas e seus efeitos ambientais. De acordo com os autores, o desenvolvimento do conceito de metacontingência representa a tentativa de formular uma estrutura conceitual unificada para a análise do comportamento social, propiciando também a probabilidade para o planejamento de práticas culturais e, por conseguinte, de mudança social.

O conceito de metacontingência descreve a relação entre um conjunto de contingências comportamentais entrelaçadas e os efeitos causados no ambiente em função de tal entrelaçamento permitindo, assim, o desenvolvimento de uma estrutura conceitual que amplia o instrumental teórico da análise do comportamento em direção à mudança cultural (MARTONE e TODOROV, 2007, p. 184). A Educação Inclusiva afirma-se como um novo paradigma exigindo das escolas transformações em sua estrutura e funcionamento, que implicam a reavaliação de sua intencionalidade e a revisão de seu papel social. Neste modelo, as escolas devem garantir as mesmas oportunidades a todos oferecendo um atendimento condizente com as necessidades dos alunos e buscando meios para obter êxito na aprendizagem. Corroborando essa idéia, Glat e Blanco (2007, p. 16) afirmam que "A Educação Inclusiva pode ser considerada uma nova cultura escolar: uma concepção de escola que visa ao desenvolvimento de respostas educativas1 que atinjam a todos os alunos".

Este processo de mudança e adequação implica a construção de um novo modelo de atendimento, que se constitui por meio de ações interdependentes que, para se efetivarem e se perpetuarem, devem resultar em mudanças culturais.

Segundo Glenn e Malott (2004, apud MARTONE e TODOROV, 2007, p. 185),

Metacontingências são relações entre contingências comportamentais entrelaçadas e um ambiente selecionador. Juntamente às contingências comportamentais, metacontingências respondem pela seleção cultural e pela mudança evolucionária em organizações. Em organizações, metacontingências apresentam três componentes: contingências comportamentais entrelaçadas, um produto agregado e um sistema receptor. O sistema receptor é o recipiente do produto agregado, e, assim, funciona como o ambiente selecionador das contingências comportamentais entrelaçadas. As contingências comportamentais entrelaçadas cessarão sua recorrência se não houver demanda pelos seus produtos.

Portanto, o conceito de metacontingência é composto por contingências comportamentais entrelaçadas que produzem um produto agregado. Estas contingências, por sua vez, são selecionadas pelo ambiente externo reforçando, ou não, a continuidade do entrelaçamento.

Inicialmente, tomaremos como exemplo um espaço que permite uma identificação mais fácil dos aspectos que caracterizam as relações de metacontingência: um restaurante. O produto agregado oferecido neste tipo de comércio é a comida. Os fregueses funcionam como o ambiente selecionador. Para que a comida produzida seja escolhida (selecionada) e mantida no cardápio, ela deve agradar à clientela. No entanto, o prato servido depende do esforço (de comportamentos consequenciados) de vários profissionais. A cozinha deve estar organizada e os produtos necessários devem estar disponíveis e em condições adequadas de uso para que o processo de elaboração dos pratos seja iniciado. Os auxiliares de cozinha devem preparar os alimentos que serão utilizados na montagem de cada prato. Os chefes vão elaborar os pratos que deverão ser servidos de forma adequada pelos garçons. Portanto, o trabalho de cada funcionário, se bem realizado, oferece a condição necessária para que o outro dê continuidade aos procedimentos que culminarão na elaboração dos pratos (produto agregado). A predileção dos fregueses por determinado prato (ex.: fígado acebolado com jiló) pode fazer com que ele seja eleito o "prato da casa". Com o tempo, esse restaurante pode ser reconhecido socialmente como especialista neste prato, podendo, em última instância, ser apontado como uma referência da culinária local, tornando-se um ponto turístico.

Voltando para o tema da Educação Inclusiva, podemos transportar, também, para esta situação, os elementos que constituem o conceito de metacontingência. Nas escolas inclusivas, é possível identificar contingências entrelaçadas, constituídas nas relações que surgem a partir das demandas de alunos e de seus familiares, voltadas para os profissionais das instituições de ensino e, ainda, nas relações entre alunos, ou entre profissionais. O produto agregado destas relações entrelaçadas é a aprendizagem dos alunos tendo como paradigma a proposta de inclusão educacional, ou seja, propiciar o acesso, a permanência e a qualidade de ensino para todo o alunado. O sistema receptor é a clientela da escola, alunos e familiares, que selecionariam as contingências criadas para a efetivação da aprendizagem e para a eliminação de barreiras que dificultam ou impedem a inclusão no ensino comum.

Bueno (2001) chama atenção para o cuidado ao implantar sistemas inclusivos como se fosse possível transformar todas as escolas em instituições inclusivas a partir de um documento normativo. A legislação internacional, como a Declaração de Jomtien (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), deve constituir-se num norte, pois as políticas de Educação Inclusiva e as ações para alcançar este fim devem levar em conta as peculiaridades de cada região, com a criação de metas de curto, médio e longo prazo para que as transformações necessárias aconteçam de forma gradual, eficiente e perene.

Ellis e Magee (2007) analisaram os efeitos produzidos pela Lei Federal No Child Left Behind, implantada nos Estados Unidos, em 2002. Esta lei determina que, num prazo de 12 anos, os Estados devem alcançar uma meta de cem por cento no rendimento acadêmico dos alunos. Para verificar o empenho das escolas no cumprimento desta meta, as instituições passariam por avaliações anuais e seriam classificadas quanto ao seu desempenho e, caso comprovassem um desempenho progressivo, receberiam um bônus (gratificação). As autoras consideram louvável uma meta de cem por cento de aproveitamento; no entanto, elas avaliam que o programa não leva em conta as diferenças individuais entre os alunos, tratando-os como um grupo homogêneo que avança no mesmo ritmo. Além disso, as sanções aplicadas às instituições que não apresentam bons resultados reforçam, tanto nos profissionais das escolas, como nos gestores municipais e estaduais, a manutenção de comportamentos que visam evitar as medidas aversivas. Os efeitos incididos sobre o grupo, em razão da pressão que sofrem para o cumprimento da meta estipulada e das medidas aversivas aplicadas, provocam a instalação de comportamentos que envolvem os alunos, os profissionais das escolas e os gestores que, de forma encadeada, criam mecanismos que permitem mascarar o aproveitamento dos alunos e, ao mesmo tempo, reforçam as medidas do programa como se este estivesse sendo eficiente na solução dos problemas educacionais do país. Desta maneira,, o programa se mantém, mas os resultados não revelam o nível real de aprendizagem dos alunos.

No Brasil, cada Estado da Federação teve liberdade para definir as formas de implantação do sistema inclusivo. No Estado de Minas Gerais, por exemplo, quando um aluno com necessidades educacionais especiais é matriculado na rede comum de ensino, ele e os profissionais que ali atuam devem receber o suporte necessário para que haja sucesso na aprendizagem. Para dispor de um serviço especial de apoio ou complementar, como sala de recurso, serviço de itinerância ou professor de apoio, o aluno deve ser avaliado por especialistas que deverão verificar a real necessidade de o aluno utilizar tais serviços e, nos casos indicados, estabelecer qual o mais adequado para atender às suas especificidades. No caso dos alunos favorecidos com os serviços especiais, sua evolução na escola inclusiva depende do intercâmbio entre os profissionais dos serviços especiais e os profissionais do ensino comum. É necessário, também, um esforço conjunto do próprio aluno e de seu professor, pois o aluno deve demonstrar quais as suas necessidades e dificuldades e o professor deve adequar seu método de trabalho buscando eliminar todas as barreiras que estejam dificultando a aprendizagem. A permanência do aluno na escola vai depender da satisfação das famílias e dos alunos quanto ao tipo de atendimento oferecido.

Para que uma escola se torne inclusiva, deverá haver o reconhecimento de que alguns alunos necessitarão mais de que outros de ajudas e apoios diversos para alcançar o sucesso de sua escolarização. Essa postura representa uma mudança na cultura escolar. Pois, sem a organização de um ambiente mais favorável ao atendimento das necessidades dos alunos que precisam de estratégias e técnicas diferenciadas para aprender, qualquer proposta de Educação Inclusiva não passa de retórica ou discurso político. (GLAT e BLANCO, 2007, p. 28)

Portanto, a evolução do aluno depende do efeito que as relações estabelecidas entre todos os sujeitos que compõem o ambiente escolar (e interferem nele) têm sobre o grupo, dando condições para a continuidade do processo que tem como produto agregado a aprendizagem do aluno. A escola deve dispor de espaço físico acessível, mobiliário adequado, material adaptado, recursos pedagógicos, além de trabalhar com todos os alunos para que desenvolvam atitudes de aceitação e cooperação entre os colegas. A inclusão torna-se, neste caso, um modelo de atendimento que deve permear todas as ações voltadas para os alunos com necessidades educacionais especiais desenvolvendo um padrão de comportamento, de acolhimento e respeito das diferenças individuais.

 

A continuidade de entrelaçamento de contingências nas escolas inclusivas como perspectiva de transformação da proposta inclusiva em prática cultural

Conforme Martone e Todorov (2007, p. 182), "Linhagens culturais compreendem contingências operantes entrelaçadas de pelo menos dois indivíduos que produzem, juntas, um produto agregado. Tais contingências são selecionadas pelo seu produto agregado e, assim, perpetuadas ou não através do tempo".

No que concerne à Educação, a aprendizagem representa o produto agregado oferecido pelas instituições de ensino. Para que este fim seja alcançado, é necessário que os comportamentos dos profissionais, naquele ambiente, sejam congruentes e interdependentes e os procedimentos que reforçam este resultado sejam mantidos e propagados através do tempo. A linhagem cultural proveniente desta situação se daria pela manutenção de padrões de comportamentos presentes nos processos e procedimentos desenvolvidos pelos profissionais das instituições de ensino para o acesso, a permanência e a aprendizagem dos alunos no ensino comum.

A Política de Educação Inclusiva defende o direito de todas as pessoas terem acesso às escolas, e um ensino de qualidade que atenda às suas necessidades específicas. A incorporação deste princípio, neste ambiente que tem como produto agregado a aprendizagem, pode promover a instalação e a propagação de comportamentos que sejam consoantes com o princípio inclusivo promovendo mudanças culturais em favor de uma sociedade mais inclusiva (ou seja, a continuidade das contingências entrelaçadas levaria a uma mudança cultural).

A inclusão, abrangendo conceitos como respeito mútuo, compreensão, apoio, equidade e autorização, não é uma tendência, um processo, ou um conjunto de procedimentos educacionais passageiros a serem implementados. Ao contrário, a inclusão é um valor social que, se considerado desejável, torna-se um desafio no sentido de determinar modos de conduzir nosso processo educacional para promovê-la. Não haverá um conjunto de práticas estáticas, e sim uma interação dinâmica entre educadores, pais, membros da comunidade e alunos para desenvolver e manter ambientes e oportunidades educacionais que serão orientadas pelo tipo de sociedade na qual queremos viver. (STAINBACK, 2002, p. 17).

Deste modo, podemos concluir que a educação adquiriu uma dupla função: propiciar a aprendizagem e desenvolver práticas que favoreçam a propagação de comportamentos exequíveis para o desenvolvimento de uma Sociedade Inclusiva.

 

Referências

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1 Conforme Glat e Blanco (2007, p. 17), "O conceito de resposta educativa indica a preocupação da escola em responder às necessidades apresentadas por seus alunos, em conjunto, e a cada um deles em particular, assumindo efetivamente o compromisso com o sucesso na aprendizagem da totalidade do corpo discente".

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