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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.36 São Paulo jun. 2013

 

ARTIGOS

 

Estratégias de aprendizagem de estudantes de língua espanhola falantes de português

 

Learning strategies employed by portuguese-speaking students of spanish

 

Estrategias de aprendizaje de estudiantes de lengua española hablantes de portugués

 

 

Teresa Helena SchoenI; Juliana SivieroII; Brasília Maria ChiariIII

IUniversidade Federal de São Paulo. Psicóloga no Ambulatório de Medicina do Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo rpetrass@uol.com.br
IIUniversidade Federal de São Paulo. Fonoaudióloga, Universidade Federal de São Paulo
IIIUniversidade Federal de São Paulo. Fonoaudióloga, Professora do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq

 

 


RESUMO

Os alunos utilizam diferentes estratégias de aprendizagem. Este estudo identificou as principais estratégias para aprender uma segunda língua. O Strategy Inventory for Language Learning de Oxford foi respondido por 32 estudantes brasileiros de espanhol. Consiste em uma escala do tipo Likert para identificar as estratégias para a aquisição de uma língua estrangeira por estudantes de idiomas em ambientes formais. As estratégias metacognitivas foram as mais utilizadas (média 3,733). Não houve associação entre idade e estratégias. As mulheres obtiveram média maior nas cognitivas e metacognitivas; estudantes de pós-graduação, nas estratégias afetivas. Foi observado que estudantes de nível avançado em língua espanhola utilizam diferentes estratégias de aprendizagem, de acordo com algumas características sociodemográficas.

Palavras-chave: estratégias de aprendizagem; bilinguismo; língua estrangeira; proficiência; língua espanhola.


ABSTRACT

Students use different learning strategies. The aim of the present study was to identify the main learning strategies used by Brazilian students of Spanish. Thirty-two Brazilian students answered the Oxford Strategy Inventory for Language Learning. The questionnaire consists of a five-point Likert scale designed to identify strategies used in the acquisition of foreign language by students in formal settings. Metacognitive strategies were the most employed (mean: 3.733). There was no association between age and strategies. Females had higher mean values regarding cognitive and metacognitive strategies, postgraduate students prefered affective strategies. It was concluded that students at advanced levels of Spanish-language learning employed different learning strategies based on socio-demographic characteristics.

Keywords: learning strategies; bilingualism; Spanish language.


RESUMEN

Estudiantes pueden utilizar diferentes estrategias de aprendizaje. En este estudio se identificaron las principales estrategias para aprender una segunda lengua. El "Strategy Inventory for Language Learning" de Oxford fue respondido por 32 estudiantes brasileños de español. Consiste en una escala de tipo Likert para identificar estrategias para la adquisición de una lengua extranjera para los estudiantes de idiomas en entornos formales. Las estrategias metacognitivas fueron las más utilizadas (promedio 3,733). No se encontró asociación entre la edad y las estrategias. Las mujeres tienen media más altas en cognitivas y metacognitivas; estudiantes de postgrado, en las estrategias afectivas. Se observó que los estudiantes de nivel avanzado en español utilizan diferentes estrategias de aprendizaje, según algunas características sociodemográficas.

Palabras clave: estrategias de aprendizaje; bilinguismo; lengua española.


 

 

Geralmente as crianças têm pouca ou nenhuma dificuldade para aprender a falar e a compreender sua língua-mãe, seja qual for o idioma. Até cerca dos seis ou sete anos de idade, também têm pouca dificuldade para o aprendizado de um segundo ou até mesmo de um terceiro idioma, se esse é comumente utilizado em seu ambiente imediato. Mas, à medida que ficam mais velhas, o aprendizado da segunda língua torna-se cada vez mais difícil de um modo "natural" (Carroll, 1992). O maior ou menor ritmo de assimilação de uma segunda língua (L2) pode depender de inúmeros fatores: idade, formação linguística, versatilidade linguística, características psicológicas, disponibilidade mental, motivação, independência, desenvolvimento de diferentes competências, tempo de dedicação, grau de envolvimento e acuidade auditiva, além das características da língua a ser aprendida (Baker & Trofimovich, 2005; Silva, 2004).

Neste artigo, segunda língua (L2) é considerada o idioma aprendido em situação formal de ensino, envolvendo a transmissão gradual de vocabulário e regras, em um ambiente artificial que é a sala de aula (Figueiredo, 1995). Muitos autores, em seus artigos, utilizam L2 como sinônimo de língua estrangeira ou língua-alvo (Welp, 2009; Montrezor & Silva, 2009; Oxford, 2008; Council of Europe, sd).

Mesmo que iniciem os estudos em L2 precocemente e tenham grande volume de exposição e motivação para o aprendizado da língua, alguns indivíduos continuam a apresentar dificuldades na percepção e produção de alguns sons, na utilização do vocabulário ou na correção gramatical, enquanto outros sequer são considerados não-nativos, dado seu ótimo grau de proficiência. A descoberta da origem de tais diferenças individuais pode apresentar-se como preditora do sucesso na aquisição de uma segunda língua (Diaz, Baus, Escera, Costa & Sebastián-Gallés, 2008).

Faz parte do dia a dia de falantes de língua estrangeira implementar estratégias que os façam aprender e depois manter o processo de aprendizagem. Os falantes proficientes de uma língua estrangeira percorrem um caminho que vai além do que é exigido em seus cursos, utilizando-se de forma intuitiva de outras estratégias, além das ensinadas pelos professores, que os ajudam a aprender mais e melhor (Silva, 2006; Vega, 2008).

Oxford (1990, 2008) classificou as estratégias de aprendizagem para L2 em seis diferentes tipos: a) Estratégia de Memória: armazenagem e recuperação de informações novas; b) Estratégias Cognitivas: compreensão e produção de novos enunciados através da manipulação e da transformação da língua-alvo pelo aprendiz; c) Estratégias de Compensação: auxílio na compreensão e produção da nova língua, apesar das limitações no conhecimento; d) Estratégias Metacognitivas: planejamento, controle e avaliação da aprendizagem; e) Estratégias Afetivas: regulagem de emoção, atitudes, valores e motivação; e f) Estratégias Sociais: interação e cooperação com os outros.

As estratégias de aprendizagem podem estar mais voltadas para ajudar o aprendiz a organizar, elaborar e integrar a informação (estratégias cognitivas ou primárias) ou serem mais orientadas para o planejamento, monitoramento, regulação do próprio pensamento e manutenção de um estado interno satisfatório que facilite a aprendizagem (estratégias metacognitivas ou de apoio). Os estudantes bem-sucedidos apresentam a capacidade de monitoramento bem desenvolvida, sendo capazes de monitorar a compreensão, o uso de estratégias, o investimento de esforço e o engajamento nas tarefas, entre outras atividades. As estratégias de monitoramento da compreensão implicam o indivíduo estar consciente do quanto ele está sendo capaz de absorver do conteúdo que está sendo ensinado (Boruchovitch, 2001).

Parece ser difícil aprender um novo contraste fonético quando a língua nativa do indivíduo possui categorias de fonemas singulares como, por exemplo, o problema que falantes nativos do espanhol encontram quando têm que aprender o contraste entre suas vogais de representação fonética única /e/ e vogais de representação fonética múltipla do catalão /e-E/; fato esse que também ocorre no contraste entre o espanhol e o português brasileiro, no qual algumas vogais também apresentam representações fonéticas múltiplas [exemplo, Pelé ou cama, com a primeira vogal fechada e a segunda aberta] (Flege, 1991; Sparks, Patton, Ganschow, Humbach & Javorsky, 2006).

O contingente imigratório europeu integrado à população brasileira, introduzido no Brasil sobretudo entre 1886 e 1930, é avaliado em cinco milhões de pessoas, das quais aproximadamente 700 mil são espanholas. Pode-se localizar no mapa do País comunidades de descendentes de imigrantes em regiões de fronteiras, em sua maioria, com países hispano-falantes (Cavalcanti, 1999). Além de ser a segunda língua mais utilizada em situações relacionais internacionais, dentre as línguas faladas pela humanidade, é a espanhola a que mais se assemelha ao português brasileiro e, por tais motivos, essa foi escolhida como a língua estrangeira para a qual as estratégias de aprendizagem do presente estudo serão investigadas. O objetivo foi identificar as principais estratégias utilizadas por estudantes brasileiros de níveis avançados no aprendizado da língua espanhola e relacionar o tipo de estratégia com variáveis sociodemográficas (idade, escolaridade, sexo).

 

MÉTODO

Estudo não intervencional, descritivo e quantitativo, submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e aprovado sob protocolo de número 01359/08.

Participantes

Participaram do estudo 32 indivíduos (25 do sexo feminino), com idades entre 23 e 50 anos, falantes nativos do português brasileiro, residentes no Brasil e matriculados nos níveis avançados de uma escola de espanhol (classificada como "curso livre" pelo Ministério da Educação) em instituição com tradição e de referência para o ensino do idioma. Estudantes de nível avançado, segundo o Common European Framework of Reference for Languages (CEFR), em língua estrangeira conseguem, no mínimo, compreender uma ampla gama de textos longos e reconhecer o significado implícito; podem expressar-se de forma espontânea e fluente, sem dificuldade aparente em encontrar as expressões adequadas; podem usar a linguagem de forma flexível e eficaz para fins sociais, acadêmicos e profissionais; e podem produzir um texto detalhado e bem estruturado sobre temas complexos (Council of Europe, sd).

Todos os participantes tinham curso superior completo, e 13 estavam fazendo algum curso de pós-graduação. Ao aceitaram fazer parte do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A escolha da participação de alunos dos níveis avançado (21 participantes) [ênfase em gramática] e superior (11 participantes) [ênfase em conversação] deu-se pelas vantagens que a utilização desse tipo de amostra contempla: os alunos encontravam-se no final do curso de espanhol, aptos para a certificação C1 ou C2 do CEFR. Nas salas em que a coleta de dados foi realizada, todos os professores eram falantes nativos de língua espanhola.

Instrumentos

Na coleta de dados do trabalho foram utilizados três diferentes instrumentos: a) ficha de identificação (número de aulas semanais, grau de escolaridade, sexo, idade), de onde se retiraram os dados demográficos; b) relatos individuais escritos (folhas pautadas em branco com o título "Escreva suas experiências como aprendiz de língua espanhola" e questões norteadoras como: "O que você costuma fazer para fixar seu aprendizado?" e "Como costuma estudar para obter melhores resultados no aprendizado da língua?"), a fim de verificar as estratégias espontaneamente citadas pelos alunos; e c) a versão brasileira Strategy Inventory for Language Learning - SILL - de Oxford (1990), denominado no português como Inventário de Estratégias para Aprendizagem de Língua Estrangeira - IEALE (Paiva, 1998), a fim de averiguar as estratégias utilizadas pelos estudantes.

O IEALE consiste numa escala do tipo Likert, com respostas variando de 1 a 5, sendo 1 'nunca ou quase nunca verdadeira' e 5 'sempre ou quase sempre verdadeira', com o objetivo de identificar as estratégias para a aquisição de uma língua estrangeira. Com base na sua classificação para as estratégias de aprendizagem, Oxford (1990) elaborou este questionário, que se divide nas mesmas seis partes de sua taxonomia: nove perguntas sobre estratégias de memória, 14 sobre estratégias cognitivas, seis sobre estratégias de compensação, nove sobre estratégias metacognitivas, seis sobre estratégias afetivas e seis sobre estratégias sociais. O instrumento foi validado em nosso país (Paiva, 1998) e foi adaptado, para este estudo, para estudantes de espanhol (por exemplo, onde estava escrito "as novas palavras em inglês", escreveu-se "as novas palavras em espanhol").

Procedimento

Foi contatado o coordenador de um curso livre de língua espanhola e explicado os objetivos e procedimentos deste estudo, solicitando-se autorização para a realização do mesmo. O coordenador foi informado do caráter confidencial da pesquisa e assegurado de que a coleta de dados transcorreria de acordo com os horários de maior conveniência do curso. Foi solicitada a anuência dos professores das classes, e esses informaram o melhor horário para aplicação dos instrumentos de modo a interferir minimamente com a rotina das aulas.

Os alunos foram convidados a participar do estudo e solicitados a assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Nenhum aluno convidado se recusou a participar desse estudo. Primeiro, os alunos preencheram a ficha de identificação, a seguir o relato individual e por último responderam ao IEALE.

As respostas fornecidas no IEALE foram tabuladas, de acordo com a pontuação da escala de Likert (de 1 [nunca ou quase nunca verdadeira] até 5 [sempre ou quase sempre verdadeira]) e encontrada a média individual em cada tipo de estratégia e, a seguir, a média de acordo com as variáveis demográficas (sexo, idade, escolaridade e nível do curso de espanhol). Os relatos individuais escritos foram analisados com base na classificação de estratégias de Oxford. Foi utilizada a Análise Temática, que é uma das modalidades da análise de conteúdo (Minayo, 2004). Essa se encaminha para a contagem de frequência das unidades de significação como definitivas do caráter do discurso.

Após a análise dos resultados, um relatório foi escrito e fornecido ao coordenador e aos professores, com possibilidade de os alunos o lerem.

Análise estatística

Os dados coletados foram analisados quantitativamente por meio dos testes estatísticos: ANOVA, T-Student Pareado e Correlação de Pearson, calculando-se média e desvio-padrão e levando-se em consideração nível de significância de 0,05 como referência para verificar relação entre as variáveis: sexo, faixa etária, grau de escolaridade e nível no curso de espanhol e as estratégias mais frequentes utilizadas para aprendizagem do idioma espanhol. Posteriormente foi realizada comparação das estratégias listadas espontaneamente pelos alunos com as utilizadas no inventário.

 

RESULTADOS

As estratégias metacognitivas foram as mais utilizadas (média 3,733), seguidas das sociais (média: 3,352), de compensação (média: 3,321), cognitivas (média: 3,320), afetivas (média: 2,675) e de memória (média: 2,576). Utilizando a Correlação de Pearson, foi medido o grau de relação entre idade e tipos de estratégia. Essa técnica serve para mensurar o quanto as variáveis estão interligadas, ou seja, o quanto uma está relacionada com a outra. Essa correlação variou de -0,33 (social) a -0,08 (metacognitiva), não havendo relação estatisticamente significativa entre a idade e quaisquer tipos de estratégias. O tipo de estratégias preferido independeu da idade dos indivíduos.

Utilizou-se a ANOVA para comparar as estratégias utilizadas por sexo (Tabela 1), escolaridade dos participantes (Tabela 2), ou nível no curso de espanhol (Tabela 3). Verificou-se uma diferença média entre os sexos na utilização das estratégias cognitivas e metacognitivas, em que as mulheres obtiveram média maior do que os homens, ou seja, houve maior uso de estratégias de aprendizagem cognitivas e metacognitivas sendo utilizadas por indivíduo do sexo feminino.

Em relação à escolaridade dos participantes, somente as estratégias afetivas obtiveram diferença média estatisticamente significativa. Indivíduos que tinham pós-graduação disseram utilizar-se mais das estratégias afetivas no Inventário de Estratégias para Aprendizagem de Língua Estrangeira (Tabela 2).

Em relação ao nível do curso de espanhol (avançado ou superior) não se verificou diferenças estatisticamente significantes com o uso de estratégias de aprendizagem (Tabela 3). O nível em que o indivíduo se encontrava não determinou a preferência de uso de alguma estratégia de aprendizagem.

Utilizando-se a Correlação de Pearson, foi medido o grau de relação entre os tipos de estratégias de aprendizagem utilizadas (Tabela 4). Verificou-se que existe relação positiva entre todas as estratégias, sendo a de maior resultado entre as estratégias cognitivas e metacognitivas (0,79).

Foram contados, dentre os 50 itens do IEALE, quantos tiveram como resposta os extremos: valores 1 (nunca ou quase nunca) e 5 (sempre ou quase sempre). Utilizou-se o T-Student Pareado para comparar a média de resposta 1 e 5. Averiguou-se que não houve prevalência de respostas extremas.

As estratégias espontaneamente mais citadas pelos participantes no relato solicitado foram 'escutar canções em língua espanhola (16 pessoas); 'assistir filmes em língua espanhola' (13); 'ler livros em língua espanhola' (12); 'conversar com falantes nativos do espanhol' (10 pessoas). Para finalizar, compararam-se os resultados das estratégias descritas nos relatos escritos (classificadas como presentes ou ausentes em tais relatos) para cada um das partes do IEALE (Tabela 5). Não houve correlação entre as estratégias descritas pelos indivíduos em seus relatos escritos e as alternativas assinaladas no IEALE.

 

DISCUSSÃO

O principal objetivo deste estudo foi o de identificar as principais estratégias utilizadas por estudantes paulistas, falantes do português brasileiro, em níveis avançados no aprendizado da língua espanhola. A partir de seus relatos escritos e respostas ao IEALE, identificou-se as estratégias do tipo metacognitivas como as mais utilizadas, ou seja, os alunos de nível avançado informaram que desenvolvem mais atividades que envolvam planejamento, controle e avaliação da aprendizagem. Esse resultado foi diferente do de Silva (2006), com estudantes de inglês. Essa diferença no resultado pode ser devida à amostra: no estudo de Silva, os alunos com dificuldades em L2 eram os que menos utilizavam as estratégias metacognitivas. Neste estudo, os alunos são de nível avançado, portanto apresentam poucas dificuldades no aprendizado desta L2.

Ribeiro (2003) distinguiu estratégias cognitivas das metacognitivas, referindo-se como cognição um tipo específico de representação da informação proveniente do meio e metacognição ao conhecimento do próprio conhecimento, como se conhece o meio. Esse mesmo autor evidencia o papel das estratégias metacognitivas na potencialização da aprendizagem, o que explicaria a presença de estratégias metacognitivas entre as mais utilizadas pelos alunos do presente estudo. Supõe-se que a prática da metacognição leva a uma melhor atividade cognitiva, pois o conhecimento do estudante sobre o que sabe e sobre o que desconhece o conduz a melhores escolhas de atividades para manipular a língua-alvo, o que pode estar relacionado ao fato de, no presente estudo, ambas as estratégias, cognitivas e metacognitivas, aparecerem juntas como maioria em utilização pelos estudantes (Tabela 4).

A metacognição é um atributo que se desenvolve tardiamente, apesar de não haver um consenso a respeito do momento exato de seu aparecimento. Acredita-se que os processos ligados a ela vão se desenvolvendo gradualmente durante a infância e adolescência, e esse estágio - adolescência - é caracterizado por maior uso do pensamento abstrato e da metacognição (Craig, 2001; Kimmel & Weiner, 1998). Cabe colocar que o presente estudo contou com amostra apenas de participantes adultos, justamente para que a percepção do uso de qualquer tipo de estratégias de aprendizagem pudesse ser investigada. Provavelmente esses participantes se encontravam no estágio de desenvolvimento cognitivo denominado pós-formal, quando os indivíduos apresentam de forma mais tranquila a capacidade de solucionar seus problemas baseados em suas experiências de vida, o que poderia relacionar-se, também, a um maior uso de estratégias afetivas e sociais, por exemplo (Craig, 2001; Papalia, Olds & Feldman, 2006).

Em relação à utilização de diferentes estratégias de aprendizagem e a idade dos estudantes componentes da amostra deste trabalho, os resultados não foram estatisticamente significativos. Isso pode estar relacionado ao fato de, em sua totalidade, apresentarem-se maiores de 21 anos, o que os coloca na categoria de "pensadores formais", com capacidades igualmente desenvolvidas no que diz respeito aos estágios propostos por Piaget (Papalia et al., 2006) e no que diz respeito ao desenrolar de possíveis limitações (Ribeiro, 2003), sendo, então, maior a variabilidade de estratégias utilizadas por cada um. Provavelmente, durante o aprendizado da L2 as estratégias foram desenvolvidas e utilizadas, e agora, que esses alunos estão no nível avançado, parece não haver dificuldade em lançar mão daquela que melhor se adequa à situação ou conteúdo.

No que diz respeito à relação do uso das estratégias com o sexo dos estudantes (Tabela 1), as mulheres apresentaram maiores médias na utilização de todas as estratégias relacionadas nas diferentes partes do inventário (Tabela 1). O número de lares chefiados por mulheres cresce a cada dia no Brasil, revelando uma nova posição social ocupada por elas no contexto familiar atual. Essa realidade, cada vez mais comum no País, caracteriza arranjos que contrariam a lógica patriarcal, contestando modelos tradicionais e revelando paisagens até então pouco evidenciadas. Esses fatos têm trazido à tona discussões de temáticas relacionadas à desigualdade de gênero no mundo do trabalho e colocado à mostra os desdobramentos de práticas sociais oriundas desses novos arranjos familiares. As novas exigências feitas às mulheres para que essas conquistem seu espaço fazem com que a procura por atualizações e cursos, entre eles os de línguas estrangeiras, aumente. Logo, esse ambiente competitivo entre os gêneros e a menor acomodação das mulheres em relação à conquista de espaço dentro dos ambientes laborais podem justificar a presença de maior variabilidade de recursos mentais no aprendizado de novas línguas, pois essas lhes serão exigidas e garantirão seu posicionamento e conquistas profissionais, exigindo maior flexibilidade mental (Peruchhi & Beirão, 2007). Baron-Cohen (2003) afirma que o cérebro feminino seria, em geral, mais bem adaptado para o mundo social, mais ligado aos sentimentos e emoções, apresentando maior reversibilidade de raciocínio. Enquanto o cérebro masculino estaria mais voltado ao mundo abstrato.

Tannen (2001), observando a conversação masculino-feminina, revelou transculturalidade na comunicação. Afirma que homens e mulheres aprendem em ambientes culturais separados por intermédio de amigos do mesmo sexo. Os homens veem o mundo como uma hierarquia, e sua comunicação tem o propósito de negociar, enquanto mulheres veem o mundo como relacional e procuram estabelecer conexão com os interlocutores, dando apoio e alcançando consenso por meio da comunicação (Tannen, 2001), que justificaria sua maior transição entre os tipos de estratégias disponíveis.

Quanto à relação do uso de estratégias com a escolaridade (Tabela 2), o fato de existir diferença estatisticamente significativa somente na parte do inventário que se relaciona às estratégias afetivas confirma os achados da literatura no que se refere às teorias do desenvolvimento cognitivo. Essas demonstram claramente (Ruiz, 2003) a importância de se conhecer que papel desempenha o contexto social e as relações interpessoais, bem como a importância de se reconhecer que a aprendizagem de universitários é facilitada ou prejudicada pelas emoções.As emoções dirigem a aprendizagem e, geralmente, se correlacionam a um acréscimo de motivação. Outros autores (Bransford, Brown & Cocking, 2000; Carroll, 1992; Schütz, 2008; Sparks et al., 2006) relacionaram a motivação e questões afetivas ao melhor aproveitamento no aprendizado de línguas estrangeiras. Um estudo realizado por Pedromônico, Marteleto e Ferreira (2004), com estudantes universitários de graduação e pós-graduação, observou que, quanto maior a escolaridade, maior é o nível de intimidade nos relacionamentos, o que confirma a prevalência de estratégias afetivas utilizadas em uma amostra de indivíduos com alto grau de escolaridade.

A comparação do nível em que se encontram matriculados os indivíduos da amostra e as diferentes estratégias utilizadas por eles (Tabela 3) aponta para um maior uso de estratégias por alunos em nível avançado do curso de língua espanhola. Sabendo-se que esse nível envolve a exposição de conteúdos e absorção de teoria, diferentemente do nível superior, em que apenas há prática conversacional, encontramos concordância com a literatura (Ruiz, 2003) quando recomenda que o corpo docente de instituições de ensino modele a aprendizagem autorregulada de seus alunos, pois assim há maior consciência do próprio comportamento, motivação e cognição e, consequentemente, melhor aproveitamento.

No que concerne a inter-relação das estratégias, é interessante notar as altas correlações entre elas (Tabela 4), principalmente entre as cognitivas e metacognitivas. Assim como anteriormente descrita, a relação entre essas estratégias como justificativa de seu aparecimento simultâneo, destaca-se agora sua relação a outras estratégias quando, por exemplo, afirmamos que experiências metacognitivas prendem-se com o âmbito afetivo e consistem em impressões ou percepções conscientes que podem ocorrer antes, durante e após uma tarefa determinada. O indivíduo pode relacionar seus sentimentos à forma como aprende, percebendo seu grau de sucesso. As estratégias cognitivas podem surgir na sequência da ação das estratégias metacognitivas, quando, diante de uma avaliação da situação, o aprendiz conclui que há necessidade de utilização de outras estratégias (Ribeiro, 2003).

Deve-se desenvolver processos de comunicação que envolvam as dimensões cognitivas, afetivas, sociais e éticas entre alunos e professores, valorizando-se, cada vez mais, a troca de informações entre os atores envolvidos no processo ensino-aprendizagem (Ruiz-Moreno, Pittamiglio & Furusato, 2008). Os cursos de nível superior e avançado propiciam maior troca de informações pessoais, não só de conteúdo, o que possibilita o desenvolvimento de diferentes competências em língua estrangeira (Silva, 2004). Geralmente, o professor compartilha suas experiências e solicita que o mesmo seja feito pelos alunos. É comum nos cursos de língua a utilização de recursos extraclasse, assim como a utilização de recursos tecnológicos nas tarefas de ensino-aprendizagem (Ruiz-Moreno et al., 2008). Com isso evidencia-se a inter-relação entre meios de transformação do pensamento (cognição) e motivação (afetividade) trazida pelo uso de tais recursos, o que caracteriza mais uma mescla de estratégias que traz bons resultados ao produto final: aprendizagem. Um exemplo prático da mescla de estratégias cognitivas e afetivas é o da utilização de canções ou filmes no ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, recursos esses que envolvem o âmbito social, evocam emoções, requerem memória e instigam compensações. Essas estratégias foram bastante citadas pelos alunos em seus relatos escritos, mostrando o desenvolvimento de diferentes competências (Silva, 2004) em alunos de estágios mais avançados (Silva, 2006).

A utilização do Inventário de Estratégias para Aprendizagem de Língua Estrangeira (IEALE) (Oxford, 1990; Paiva, 1998) tornou possível, através de sua escala de Likert, a verificação da inexistência de significância estatística de respostas extremas (nunca ou sempre) pelos estudantes componentes da amostra deste estudo. Parece que indivíduos em níveis avançados no aprendizado de língua espanhola, neste caso, utilizam igualmente os diferentes tipos de estratégia em seu aprendizado do idioma, mostrando maior flexibilidade para a aprendizagem.

Já no que diz respeito à comparação das estratégias apontadas no inventário e sua correlação com as descrições nos relatos escritos (Tabela 5), não houve relação estatisticamente significativa. Isso pode dever-se a diferentes motivos. Um deles pode ter sido o fato de os indivíduos, durante a leitura do inventário, encontrarem comportamentos que naturalmente fazem, mas que não consideram estratégias e, portanto, não citaram no relato [lembramos que primeiro foi feito o relato e depois respondito o IEALE]. Outro motivo para não ter sido encontrada relação estatisticamente significativa pode ser o fato de os participantes não se lembrarem de escrever, nos relatos, algumas das atividades que realizam para aprender o idioma.

Algumas das estratégias presentes no IEALE e que raramente foram citadas nos relatos escritos foram: busca por letras de canções em espanhol, ouvir nativos conversando, pedir para outros estudantes ou nativos fazerem correções às emissões e fazer listas de compras ou atividades em espanhol. Podem ter sido econômicos ao descreverem o que fazem para treinar o espanhol. Por exemplo, os alunos disseram que ouvem músicas, o que pode incluir ler as letras; ou conversam com nativos, o que pode incluir ouvir nativos falando.

O presente estudo não comparou alunos de classe iniciante ou intermediária, o que seria interessante para verificar se há diferenças na utilização de estratégias de acordo com o nível de aprendizado de L2 (Oxford, 1990). Todos os participantes eram adultos, portanto não temos informações sobre como crianças e adolescentes aprendem L2.

 

CONCLUSÕES

As principais estratégias utilizadas foram as metacognitivas seguidas das sociais. O tipo de estratégias escolhidas independeu da idade dos indivíduos. Houve maior uso de estratégias de aprendizagem cognitivas e metacognitivas por indivíduos do sexo feminino. Aqueles que estavam cursando alguma pós-graduação disseram utilizar-se mais das estratégias afetivas no IEALE. O nível do curso de espanhol em que o indivíduo se encontrava (avançado ou superior) não determinou a escolha de uma estratégia de aprendizagem específica. Houve grande possibilidade de um indivíduo que utiliza um tipo de estratégia também utilizar outro tipo, ou seja, os alunos não se apoiam em apenas uma estratégia de aprendizagem. Houve uma baixa correlação entre as estratégias descritas pelos indivíduos em seus relatos escritos e suas alternativas no IEALE.

O conhecimento a respeito das estratégias utilizadas possibilita ação pontual dos profissionais no atendimento às habilidades demandadas no aprendizado e melhor comunicação em uma língua estrangeira.

 

REFERÊNCIAS

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