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Psicologia: ciência e profissão
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.4 n.2 Brasília 1984
"Atuação psicológica"
Ana Maria Almeida Carvalho
Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia-USP
Alguns elementos para uma reflexão sobre os rumos da profissão e da formação
Nos vários trabalhos que nos últimos anos têm se multiplicado sobre as condições de atuaçõo do psicólogo em nosso meio, é uma freqüente a constatação da limitada diversidade dessa atuaçõo, associada a uma restrição progressiva do espaço que os novos profissionais encontram no mercado de trabalho. A análise dos determinantes dessa situação pode ser feita e o tem sido em diversos níveis: o da história e da ideologia da profissão em nosso meio, e das condições em que se dá a formação profissional, o da imagem social da profissão e dos espaços criados para ela em nossa sociedade, o das características da população que procura os cursos de Psicologia, e assim por diante (Mello, 1975; Carvalho, 1982; Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo e Conselho Regional de Psicologia 6ª Região, 1984 e Gip, 1982).
O que vamos tentar fazer aqui é retomar o problema da limitação da atuação profissional através da pergunta: O que é, para o psicólogo, "atuação psicológica"? Esta formulação, obviamente, não exclui ou dispensa os níveis de análise citados acima: ao contrário, tem que ser pensada como resultante deles e neles implícita, como um dos elementos mediadores na rede de relações que explica as características concretas da atuação psicológica em nosso meio.
Este ângulo de análise foi sugerido e já esboçado em um trabalho anterior (Carvalho, 1984-a), no qual encontramos indícios de que um conceito limitado de atuação psicológica pode constituir um dos empecilhos para o exercício de atividades profissionais em áreas novas; isto ocorreria, principalmente, através dos sentimentos de desconforto e insegurança que são despertados no psicólogo pelo exercício de atividades que não lhe propiciam uma "identidade profissional" inequivocamente psicológica, e que acabam por levá-lo ao abandono da atividade, ou mesmo da profissão.
O que é, para o psicólogo, "atuação psicológica"? Não dispomos de dados diretos sobre essa questão, pois ela não foi formulada aos nossos entrevistados; a contribuição que podemos ou esperamos dar para sua resposta é reunir alguns aspectos dos resultados de nosso levantamento com psicólogos recém formados em São Paulo (Carvalho, 1982) aqueles aspectos que nos pareceram capazes de alimentar uma reflexão sobre a pergunta proposta.
O Critério da Conceituação
Entre os critérios pelos quais "atuação psicológica" pode ser conceituada, os psicólogos de nossa amostra tendem a priorizar a natureza da agência através da qual prestam serviço. O fato de utilizarem técnicas psicológicas e o de lidarem com "fenômenos psicológicos" só aparecem como critérios quando se trata dos domínios mais tradicionais da Psicologia: testes, lidar com problemas de desajustamento individual, etc..
Quando a natureza da agência é priorizada como critério, encontramos, por exemplo, psicólogos que definem sua atuaçõo como clínica, em função de ser exercida em consultórios particulares (Mello, 1975); ou os que definem como "Psicologia Social", e não como clínica, o atendimento clínico que oferecem para população de baixa renda em instituições ou centros comunitários (Carvalho, 1984-a).
Por outro lado, encontramos psicólogos que chamam de Trabalho em Psicologia a sua atuação de caráter voluntário e assistencial em entidades como a Organização Auxílio Fraterno (OAF); e aqueles que, atuando por exemplo na direção de uma creche, têm dificuldades com sua identidade profissional, por não perceberem nitidamente os limites entre seu nível de atuação e o do pedagogo ou o do assistente social (Carvalho, 1984-a).
O que esses fatos sugerem é que o conceito de atuação psicológica não é claro para estes psicólogos, ou mesmo que não existe para eles um conceito da atuação psicológica por equiparação a um modelo aprendido as atuações claramente percebidas como psicológicas são as que envolvem as técnicas específicas e problemas específicos com os quais o psicólogo entrou em contato durante sua formação. Nesse sentido, a limitação no conceito de atuação psicológica, que encontramos nestes psicólogos, reflete também a pequena diversidade de modelos de atuação a que são expostos nos cursos e isso nos remete a um outro ponto.
A Questão da Formação
Ao analisarmos a avaliação que os psicólogos da amostra fizeram sobre seu curso de graduação (Carvalho, 1984-b), encontramos duas constantes: a oposição entre formação teórica e formação prática, e a questão da diversificação de opções.
Nas quatro faculdades que foram amostradas (USP, PUC, São Marcos e Objetivo), a formação "Teórica" tende a ser avaliada positivamente (68% das respostas que focalizaram este aspecto) e a formação "prática" negativamente (86% das respostas que focalizaram este aspecto); essa dicotomização já reflete, nos parece, um modo particular de conceber a preparação para a atuação profissional, e, implicitamente, também uma determinada concepção sobre o que é essa atuação.
Além disso, em diversos momentos os psicólogos entrevistados indicam sua insatisfação com a pequena diversidade de opções de atuação oferecidas pelos cursos. Dos 367 psicólogos entrevistados que responderam à questão: "Área de atuação para a qual seu curso preparou melhor", 66% indicaram a área clínica, 7% a área de trabalho, 5,4% a área escolar, e os restantes deram outras respostas (Outra área: 3%; todas as áreas, 18,5%). Há algumas diferenças sugestivas entre as faculdades: a diversificação das respostas tende a ser maior nas faculdades em que há opção obrigatória ou pelo menos opção possível pela especialização em uma área, como era o caso da São Marcos na ocasião em que foi feito o levantamento de dados.
Por outro lado, quando se analisa o conteúdo das avaliações feitas por esses mesmos psicólogos sobre sua formação verificamos que a ênfase em uma área tende a ser avaliada positivamente (com exceção de alunos da USP), e que, nas quatro faculdades, a falta de ênfase em mais áreas é avaliada negativamente. E, ainda, que os estágios tendem a ser avaliados positivamente do ponto de vista qualitativo, e negativamente do ponto de vista quantitativo.
Tomados em conjunto, esses vários aspectos inclusive, e talvez até principalmente a oposição entre formação teórica e formação prática nos sugerem que a concepção de formação profissional que prevalece nessa população é a da formação especializada, ou da compartimentalização das áreas de atuação, como se, para atuar em diferentes situações de trabalho, o psicólogo devesse conhecer diferentes referenciais de análise e diferentes técnicas diferentes Psicologias? Esse modo de pensar a formação profissional se aproxima perigosamente, de acordo com nosso ponto de vista, de um modelo de formação técnica, entendida como o treinamento do profissional no uso de instrumentos prontos, designados para cada situação específica de trabalho.
Este comentário não implica a sugestão de que os cursos não deveriam diversificar as situações nas quais o aluno é exposto à Psicologia. Antes, implica que o objetivo dessa diversificação não seria dar "formação prática" em cada uma das possíveis situações de atuação do psicólogo o que é, no mínimo um objetivo pouco viável mas, sim capacitar o aluno para a análise dessas situações,e do nível em que a atuação psicológica é possível em cada uma delas, para a escolha ou mesmo a criação ou adequação de técnicas para essa atuação; dito de outra forma, a diversificação de situações de trabalho durante a formação poderá dar ao aluno a oportunidade de construir um conceito de atuação psicológica o que não se confunde com o "reconhecimento" de determinada modalidade de atuação como psicológica por sua semelhança ou equiparação a modelos conhecidos e definidos como tal.
Deve-se ainda salientar que a oposição ou dicotomização entre formação "teórica" e "prática", que também subjaz à concepção da formação profissional como uma série de especializações, não aparece gratuitamente na cabeça do aluno pelo menos em alguma medida, ela reflete as características dos cursos de psicologia, sua estrutura curricular, seu caráter fragmentado, e, talvez, principalmente, sua desvinculação da realidade para usar as palavras com que vários de nossos entrevistados, independentemente da faculdade de origem, criticam o caráter acadêmico e estático dos cursos que fizeram.
Se a formação em psicologia não transmite ao aluno ou não o leva a elaborar um conceito amplo de atuação psicológica, abstraído dos modelos específicos de trabalho aos quais é exposto nos cursos, parece-nos que não estamos formando profissionais capazes de construir a psicologia, mas apenas de repeti-la o que é mais um entre os múltiplos fatores que emperram a expansão da profissão em nosso meio.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, A.M.A. A profissão em perspectiva. Psicologia, 1982, 8 (2). [ Links ]
CARVALHO, A.M.A. Modalidades alternativas de trabalho para psicólogos recém-formados.Cadernos de Análise do Comportamento, 1984-a, 6, 1-14 [ Links ]
CARVALHO, A.M.A. Formação em Psicologia em São Paulo: o ponto de vista do aluno. Comunicação apresentada na 36ª Reunião Anual da SBPC, S.P., 1984-b. [ Links ]
GIL, A.C. O psicólogo e sua ideologia. Tese de Doutoramento não publicada, FESPSP, 1982. [ Links ]
MELLO, S.L. Psicologia e Profissão em São Paulo. S.P. Ática. 1975. [ Links ]
SINDICATO DOS PSICÓLOGOS NO ESTADO DE SÃO PAULO E CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 6ª Região. O perfil do psicólogo no Estado de São Paulo. S.P., Cortez, 1984. [ Links ]