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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.9 n.2 Brasília  1989

 

EDITORIAL

 

 

pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia, descrita no livro "Quem é o Psicólogo Brasileiro?" (S.Paulo: EDICON, 1988) apresenta uma enorme quantidade de informações sobre a categoria, parte das quais ainda não foi objeto de análises mais profundas.

Algumas características gerais chamam a atenção: dos profissionais brasileiros, 46% trabalham somente como psicólogos, enquanto 25% atuam na Psicologia e em outras áreas de atividade. Cerca de 50% são assalariados (CLT ou servidor) e 36% atuam como autônomos; estes, entretanto, apresentam uma carga horária média de trabalho menor até 24 horas por semana.

Uma outra característica histórica da nossa profissão no Brasil é sua ênfase na atuação Clínica. Os dados da pesquisa revelam que, com relação a emprego principal, 55% indicaram a Clínica, 12% a área de Escolar e 19% a área de Organizacional. Entretanto, sabe-se, pelas mesmas fontes, que do total da categoria, 73% atuam numa única área (dos quais 39% em Clínica) e 27% atuam em duas ou mais áreas.

É interessante ressaltar a trajetória dos profissionais na área da Psicologia Clínica: dos que ingressam na área (o 1° emprego de 46% da categoria é na Clínica), 13% abandonamna, principalmente por baixo rendimento; destes, 36% vão para a Organização. Entretanto, 77% permanecem na área, embora os dados revelem 10% de desempregados na Psicologia Clínica. Dos remanescentes, 60% ficam só na Clínica, enquanto os 40% restantes buscam atuar simultaneamente em outras áreas — geralmente docência ou Escolar.

Quais as atividades desenvolvidas pelos psicólogos clínicos?

A pesquisa identificou que das 15 atividades mais citadas, 10 podem ser consideradas como "atividades tradicionais". As 5 atividades mais desenvolvidas são, em ordem decrescente, também consideradas como tradicionais: psicoterapia individual (citada por 70% dos psicólogos clínicos), psicodiagnóstico, orientação de pais, aplicação de testes e aconselhamento psicológico. Por outro lado, as cinco atividades consideradas "mais modernas" são: psicoterapia de casal, psicoterapia de família, orientação sexual, supervisão extra-acadêmica e assistência a pacientes clínicos e cirúrgicos.

Finalmente, o conjunto de dados da pesquisa ratifica a hipótese de que a Clínica é a área que mais absorve profissionais durante suas respectivas carreiras, ou seja, ainda é vista como "área nobre" da Psicologia, o sonho da maioria dos profissionais. Entretanto, é a área onde, em média, se trabalha menos e conseqüentemente também se ganha menos.

Vários autores já discorreram sobre este quadro, desenvolvendo análises sobre as implicações dessa ênfase clínica, observada no desenvolvimento da Psicologia, enquanto profissão, no Brasil. Da mesma forma, várias tentativas foram esboçadas procurando explicar por que, em nosso país, a profissão assumiu essas características. Neste sentido, identificam-se na literatura, hipóteses tanto de natureza macro social como de natureza molecular, tais como: categoria oriunda de segmentos sociais mais privilegiados, pouco comprometidos com os setores populares; importação do modelo médico de atuação; os currículo dos cursos reproduzem e enfatizam este modelo clínico tradicional; modelo de atuação adequado às características do sistema capitalista brasileiro , etc...

Sem pretender entrar no mérito dessas questões, uma conseqüência é óbvia: a ênfase histórica nesse modelo de atuação profissional centrado no consultório particular, transformou o psicólogo num profissional acessível apenas às camadas economicamente privilegiadas de nosso país; a grande massa da população ainda não teve acesso aos benefícios que a Psicologia pode oferecer. Em outras palavras, a Psicologia enquanto profissão no Brasil, ainda não alcançou um nível de relevância social proporcional ao acúmulo de conhecimentos observados na área; tal índice só pode ser avaliado em função da contribuição social efetiva que esses profissionais venham oferecer, contribuindo para a superação dos problemas que afetam amplas camadas da população.

Com essas colocações, não se está defendendo a extinção da Psicologia Clínica enquanto área de atuação. Mas a análise dos dados da pesquisa sugere que o amadurecimento da profissão, no entido de ampliar sua relevância social, certamente implicará a busca de novas formas de atuação profissional, inclusive na tradicional Psicologia Clínica, na perspectiva da democratização dos serviços da Psicologia. Neste sentido, deve-se ressaltar que há vários sinais muito promissores de uma tendência à diversificação na atuação dos profissionais. No entanto, esforços nesta direção deverão ser redobrados. E inegável as contribuições que os psicólogos podem dar em áreas fundamentais como a saúde e a Educação. Nos últimos anos, é crescente o número de trabalhos desenvolvidos por grupos pioneiros nas mais diversas áreas.

Neste ano, a categoria terá no Congresso Unificado, a ser realizado em setembro, uma excelente oportunindade para discutir esta e outras questões relevantes. Este número da revista PSICOLOGIA-CIÊNCIA E PROFISSÃO representa uma contribuição neste sentido, através da publicação de trabalhos produzidos por profissionais brasileiros, relacionados com a área da Psicologia Clínica.