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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.10 n.2-3-4 Brasília  1990

 

Psicólogos escolares em Fortaleza: dados da formação, da prática e da contextualização da atividade profissional

 

 

Vivina Rios Balbino

Professora da Universidade Federal do Ceará, psicóloga e mestre em Educação, com dissertação na área de Psicologia Escolar

 

 

Este trabalho contitui uma tentativa de avançar na compreenção da psicologia escolar, em específico dos aspectos ligados ao caráter ideógico da formação e da prática e à contextualização da atividade profissional.

Analisando a produção científica na área da psicologia, podemos observar que no Brasil ainda são poucos os estudos, pesquisas e publicações, nesta área específica. Acreditamos que isso se dê como consequência natural da predominância do enfoque clínico nos cursos de formação de psicólogo, desde sua regulamentação em 1952, fazendo com que áreas importantes como psicologia escolar não sejam priorizadas como atividades profissionais e como objeto de investigação.

Contudo, não resta dúvida de que a referida área tem conquistado espaço nos últimos anos, ocorrendo uma maior dicussão de sua identidade profissional e suas dificuldades na busca de uma participação mais efetiva e valorizada do profissional na sociedade. O recente movimento nacional pela criação da ABRAPEE (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional) com suas seccionais é mais uma demonstração de evolução da área.

No que diz respeito à bibliografia específica, muitos são os profissionais que têm analisado ou descrito problemas e dificuldades da área nestes últimos anos, em busca de novas propostas de trabalho.

Abordaremos aqui alguns desses estudos e levantamentos de dados com o intuito de estabelecer relações ou parâmetros com os resultados obtidos na pesquisa desenvolvida por nós, em Fortaleza, que será analisada adiante.

Almeida (1983), descrevendo o papel dos psicólogos escolares em João Pessoa, afirma que as atividades desenvolvidas mais frequentemente por esses profissionais são o atendimento a pais, professores e alunos. Analisando a prática dos psicólogos escolares, a autora propõe seu redirecionamento, tendo em vista a forte ligação da prática atual com o modelo clínico e prega um trabalho mais voltado para os aspectos sócio-psico-educacionais, levando em conta as necessidades da realidade escolar. Conclui mostrando a necessidade de revisar os currículos de formação do psicólogo.

Borges Andrade (1983), ao descrever a atuação do psicólogo no Distrito Federal em Goiás, caracteriza dessa forma a área de psicologia escolar: esta é a área de psicologia que detém o menor número de profissionais, com cerca de 12% apenas dos psicólogos; oferece pouca atração entre os profissionais e apresenta-se em franco declínio na região. Segundo o autor, as causas para este quadro atual são: situações da educação no País nestes últimos anos, baixos salários, más condições de trabalho, situação privilegiada do pedagogo na escola, indefinição do papel do psicólogo escolar e o crescimento da área organizacional, deslocando profissionais originários da área escolar.

Patto (1984), caracterizando o psicólogo escolar em São Paulo e analisando a maneira como os psicólogos escolares representam a realidade social e escolar, chega às seguintes conclusões: poucos são os profissionais que têm cursos de pós-graduação; um grande percentual dos profissionais exerce concomitantemente atividades clínicas em consultórios particulares; o interesse pela área de psicologia escolar tem aumentado nos últimos anos; as dificuldades da escola pública de lº grau, geralmente, são vistas no âmbito da própria escola; as causas de reprovação de alunos são percebidas como recaindo predominantemente sobre o aluno e a família; as medidas para redução das reprovações dizem respeito à melhoria de ensino, sendo estas medidas quase sempre de cunho técnico; os professores dessas escolas são percebidos, normalmente, como pessoas desinteressadas e acomodadas; os alunos dessas mesmas escolas são percebidos de forma estereotipada, quando 90% dos profissionais os vêem como portadores de sérias deficiências (carência cultural); a escola é percebida pela maioria dos profissionais como instituição, que prepara o indivíduo para viver positivamente na sociedade; e, quanto às atividades desenvolvidas pelos profissionais, estas constituem, basicamente, formas de psicodiagnóstico e orientação psicológica aos alunos. Discutindo o caráter ideológico da psicologia escolar, a autora popõe a busca de uma psicologia pautada nos interesses populares a serviço de uma transformação social, por uma sociedade mais igualitária.

Gil (1985), pesquisando a ideologia do trabalho do psicólogo em São Paulo, descreve a área de psicologia Escolar como aquela que reúne o menor número de psicólogos e também a que oferece menor atração. O autor associa o fato ao desprestígio da área nos cursos de formação e a posição privilegiada do pedagogo em relação ao psicólogo, na escola, por conta da legislação vigente.

Wechsler (1987), caracteriza os psicólogos escolares do Distrito Federal da seguinte forma: 90% deles possuem apenas cursos de graduação e as atividades por eles desenvolvidas constituem, predominantemente, aplicação de testes e orientação psicológica. As dificuldades encontradas nas práticas situam-se no contexto da própria escola em termos de espaço físico, condições materiais, relação com outros profissionais e expectativas fantasiosas com relação ao trabalho.

A autora, ao analisar os aspectos ideológicos subjacentes à prática psicológica de um modo geral, centraliza a discussão na análise mais específica da psicologia escolar, no que diz respeito à gênese e evolução de sua prática nas escolas, Conclui mostrando a necessidade de uma revisão teórico-metodológica da psicologia e procura apontar alternativas para uma psicologia escolar mais comprometida com as mudanças sociais. (Rio Balbino, 1988).

Após este breve relato de algumas pesquisas e/ou levantamento de dados referentes à psicologia escolar no Brasil, abordaremos agora a pesquisa desenvolvida por nós em Fortaleza, que teve como objetivo conhecer aspectos da formação e prática profissional do psicólogo escolar.

 

Psicologia Escolar em Fortaleza: dados de um estudo

- Aspectos metodológicos

Para o levantamento dos dados referentes à formação e à prática dos psicólogos escolares em Fortaleza, fizemos uso de questionários, pelo fato do instrumento possibilitar a apreensão dos dados de uma forma abrangente e uniformizada, visando ao delineamento do perfil deste profissional.

No questionário, optamos pela elaboração de perguntas fechadas, o que possibilitou uma análise quantitativa dos dados e uma caracterização generalizada dos profissionais. Para suprir as limitações da utilização do questionário, no que concerne ao aprofundamento do conteúdo e aspectos subjetivos do informante, foi deixado um espaço em aberto no final de cada questão, para observações complementares. Este instrumento de coleta procurou abranger dados do informante como: tempo de experência na área de psicologia escolar, opção de estágio II (1), áreas de atividade profissional, características da instituição de trabalho, horas semanais de trabalho e salário, formação acadêmica, atuação profissional em termos das dificuldades e sugestões e dados sobre a psicologia escolar, no que se refere mais especificamente às atividades desenvolvidas pelo profissional na instituição.

A elaboração da lista de psicólogos atuantes constituiu-se numa árdua tarefa, devido à alta rotatividade dos profissionais e, principalmente, pela falta de um banco de dados sobre os profissionais de psicologia no Ceará. Buscamos a ajuda da coordenação do curso de psicologia, da Asociaçâo Cearense dos Psicólogos e, principalmente, de ex-alunos que atuavam na área, para a efetivação da lista dos profissionais com os respectivos endereços. Na época da pesquisa, foram identificados vinte e dois profissionais.

Foi uma preocupação nossa observar, dentre os profissionais, aqueles que atuavam e estavam contratados de fato como psicólogos na escola. A observância deste critério se deu porque não foi criado, ainda, cargo de psicólogos nas redes estadual e municipal de ensino no Ceará e a atuação do profissional em outras funções na escola poderia descaracterizar nossos dados.

- Análise dos resultados

Procurando tornar mais objetivo o relato, os dados foram agrupados em quatro grupos, a saber:

. dados dos informantes, das instituições e da população atendida;

. dados sobre as dificuldades encontradas na formação e no exercício profissional;

. dados relativos à visão de assuntos sobre psicologia escolar;

. dados sobre as atividades desenvolvidas pelos psicólogos nas escolas.

 

Dados dos Informantes, das Instituições e da População Atendida

Na grande maioria, 81 % dos psicólogos entrevistados foram formados pela Universidade Federal do Ceará e os demais pelas universidades do Rio de Janeiro, da Paraíba, de Pernambuco e da PUC de Campinas-SP. Os anos de formatura dos profissionais compreenderam o período de 1977-1986, com maior concentração nos últimos anos. A experiência profissional foi de quatro anos, em média. No que diz respeito à complementação dos estudos a nível de pós-graduação, apenas 9% dos entrevistados frequentavam, na época, cursos de especialização na área de pré-escolar e psicodrama.

Com relação à opção de estágio II, apenas 22% dos entrevistados optaram pela área de psicologia escolar, enquanto 58% optaram pela área clínica. Quanto à natureza das instituições, a grande maioria dos profissionais atuava em escolas particulares, constituindo estas 91% do total.

No que concerne ao exercício profissional, constatamos que 68% dos psicólogos escolares exerciam, concomitantemente, atividades em outras áreas da psicologia, notadamente na área clínica em consultórios particulares.

Quanto ao vínculo empregatício com a instituição, 78% deles eram contratados pela CLT, sendo que os demais trabalhavam como prestação de serviços, como horistas, "à disposição" e outros.

O número médio de horas de trabalho na escola era de 22 horas semanais, sendo de NCz$ 750,00 o salário líquido médio. Por outro lado, o maior salário correspondente a 40 horas semanais na escola, era de NCz$ 1.500,00 (valores atualizados set/89). A carga horária semanal variava de 8 a 40 horas.

Sobre a população atendida, observamos que 50% dos profissionais atuavam no pré-escolar, vindo em seguida lo. grau menor e escolas especiais. Observamos, por outro lado, que o curso pré-vestibular e lo. grau maior constituíram áreas de menor ocupação por parte dos psicólogos escolares, cerca de 13%.

 

Dados sobre Dificuldades Encontradas na Formação e no Exercício Profissional

Com relação às dificuldades encontradas no exercício profissional, onde cada entrevistado poderia marcar 02 (duas) alternativas, 59% dos entrevistados assinalaram dificuldades advindas de uma formação acadêmica precária e 50% deles situaram a dificuldade na falta de associação da teoria à prática; enquanto 32% citaram dificuldades como: pouco tempo disponível na escola, percepção do psicólogo como solucionador de todos os problemas, profissional percebido como secundário na instituição, conflito entre os profissionais da escola com relação ao papel do psicólogo escolar e pouca valorização do seu trabalho. Neste aspecto, seria bom ressaltar que o orientador educacional tem sua profissão regulamentada desde 1973, com atribuição específica na escola.

No que diz respeito à formação profissional do psicólogo, 90% dos entrevistados consideram importante a articulação entre teoria e prática (práxis) e 45% deles apontaram como importante o enfoque sócio-político no curso, bem como conhecer dados da educação brasileira.

Quando solicitado aos profissionais, que assinalassem sugestões para diminuir as dificuldades encontradas no exercício da profissão, 77% deles acharam necessário melhorar o nível de formação do psicólogo; 45% preferiram a busca de práticas alternativas de psicologia, inspiradas numa concepção dialética, enquanto 32% apenas acharam necessário repensar a prática existente.

 

Dados sobre a percepção de assuntos relativos à psicologia escolar como: evasão, repetência, reprovação, conceito de escola e educação e percepção do próprio trabalho

No que diz respeito às possíveis causas da evasão, repetência e reprovação nas escolas públicas, 86% dos entrevistados assinalaram a inadequação do ensino nas escolas, 68% deles marcaram distorção na política educacional brasileira, enquanto 40% situaram o problema na desnutrição das crianças. Apenas 9% dos profissionais situaram o problema na baixa capacidade cognitiva das crianças de baixa renda. Os dados, de certa forma, surpreenderam uma vez que a formação dos psicólogos, de um modo geral, tem se dado à margem da escola pública e da contextualização da educação.

Quanto à caracterização da escola, 95% dos entrevistados a caracterizaram como reprodutora dos costumes, valores e idéias da classe que a instituiu e 59% deles acharam que a escola caracteriza-se pelo oferecimento de ensino deficiente para crianças de baixa renda. Por outro lado, apenas 9% deles reconheceram que a escola garante escolarização de bom nível e 4% deles somente viram na escola possibilidade de oferecer educação consciente e emancipadora. Verificou-se, portanto, uma grande variação em termos da visão de escola por parte dos profissionais - de instituição social positiva à insituição social ideológica e inculcadora dos valores dominantes (2).

No espaço reservado a observações, dois dos entrevistados assinalaram que a escola particular cumpre seu papel de escolarizar bem e possibilitar uma educação emancipadora e um profissional disse que a escola preocupa apenas com o aspecto cognitivo na aprendizagem.

Na caracterização do trabalho do psicólogo escolar, 68% dos entrevistados acharam que seu papel deve ser de observador e crítico das condições de ensino e da escola, enquanto 64% deles disseram que o mesmo deve desempenhar papel de agente de reflexão e transformação social.

Por outro lado, apenas 18% dos entrevistados perceberam o psicólogo como solucionador de problemas dentro da escola e 13% somente acreditaram que o psicólogo deve assumir papel de orientador, conselheiro e terapeuta. No entanto, veremos adiante que estas visões não condizem com as atividades desenvolvidas pelos profissionais na prática.

No espaço em branco, reservado às observações, alguns enfocaram a necessidade do trabalho preventivo, principalmente junto aos pais e aos professores.

Sobre a caracterização da área de psicologia escolar, 90% dos entrevistados perceberam que a área oferece um vasto campo de atuação dentro da escola e 86% acharam que a área possibilita um trabalho de transformação social. No espaço reservado a observações, um entrevistado apenas caracterizou a área como complexa, necessitando o profissional desta área de conhecimento nas diversas áreas da psicologia, da educação e da política educacional.

Dados sobre as Atividades Desenvolvidas pelos Profissionais nas Escolas

Observamos que 73% dos profissionais exerciam exclusivamente a função de psicólogo na escola, enquanto o restante exercia concomitantemente outras atividades como: ajuda à direção, à coordenação e eventual substituição de professor.

No que diz respeito às atividades desenvolvidas pelos profissionais nas escolas, despontou como mais frequente a realização de psicodiagnósticos, orientação e aconselhamento (81%). Seguiram-se atividades desenvolvidas com grupos de pais e professores (77%) e participação na organização do trabalho escolar (68%). Orientação vocacional e apoio aos movimentos reividicatórios das diferentes categorias profissionais constituíram os menores índices em termos de atividades desenvolvidas (18%). Por conta da limitação do instrumento de coleta utilizado, não ficou clara, porém, a natureza das atividades desenvolvidas com os grupos de pais e de professores. Orientação de grupos? Seminários? Verificou-se uma discordância em termos da visão que os profissionais tinham de psicologia escolar e as atividades desenvolvidas na prática pelos mesmos. Mais adiante procuraremos analisar a questão teoria e prática.

No espaço reservado à citação de outras atividades desenvolvidas pelos profissionais nas escolas, foram incluídas as seguintes atividades: grupo operativo com funcionários e professores, grupo de gestalt com alunos de 1º grau menor, grupo de vivência com adolescentes, ludoterapia, programas na área de psicomotricidade e dinâmica de grupo.

Na parte final do questionário foi reservado aos profissionais um espaço em branco, para que os mesmos citassem autores de livros que orientavam suas práticas profissionais.

Observamos que, na maioria, os autores citados referiram-se às áreas de psicologia escolar e de clínica, abordando estes últimos assuntos relativos à orientação e testes psicológicos mais especificamente. Seguiram-se os autores das áreas de psicologia do desenvolvimento, psicologia do excepcional e psicomotricidade, tendo ocorrido um reduzido número de citação de autores da área de educação, sociologia e filosofia. O fato, mais uma vez, vem confirmar a tendência clínico-conservadora que tem permeado a formação e prática do psicólogo.

 

Conclusões

Pelos resultados, podemos concluir que os dados, de certa forma, confirmaram outros já existentes na área, quanto às dificuldades e caracterização da atividade profissional do psicólogo escolar, em termos de uma análise mais quantitativa. No entanto, os dados percentuais evidenciam uma série de fatores intrínsecos à questão da formação, prática e contextualização da atividade profissional que precisam ser analisados.

Neste sentido, gostaríamos não só de analisar os resultados obtidos, mas sobretudo tentar também apontar, mais adiante, saídas ou alternativas visando à superação das dificuldades encontradas e analisadas aqui.

Quanto aos dados sobre os profissinais, podemos concluir que em sua maioria (86%) atuavam em instituições particulares de ensino, havendo maior concentração na pré-escola e 1º grau menor. Deve ser ressaltado o fato de que inexiste o cargo de psicólogo nas redes estadual e municipal de ensino em Fortaleza. A média de horas semanais na esola situava-se na faixa de 22 horas, o que, de certa forma, inviabiliza uma proposta abrangente de trabalho. Além disso, observou-se que 68% deles exerciam concomitantemente outras atividades, ganhando grande destaque a atividade clínica desenvolvida em consultórios particulares. Neste sentido, qual seria a atividade profissional principal?

No que se refere à formação acadêmica, podemos dizer que, apesar do crescente interesse pela área de psicologia escolar, a área clínica continua açambarcando o maior contingente de alunos do curso. Quanto à formação, os profissionais identificaram como falhas: falta de aprofundamento dos conhecimentos na área, desarticulação teoria-prática e falta de enfoque sócio-político no curso, bem como de dados sobre educação brasileira.

Quanto à prática profissional, podemos concluir que as dificuldades dizem respeito à: falta de melhor preparo profissional e dificuldades no âmbito da escola, em termos de delimitação do seu papel e da defasagem salarial. No que diz respeito às atividades desenvolvidas, observamos que 81% deles trabalhavam com psicodiagnóstico e orientação individual, caracterizando uma atividade essencialmente clínica. Por outro, 68% dos profissionais trabalhavam na organização do trabalho escolar. Porém, é necessário se atentar para a natureza desse tipo de trabalho - legitimador ou de crítica? Seria bom ressaltar aqui a questão da divisão social do trabalho na escola c a função ideológica dos especialistas da educação (Coelho, 1984), para que o papel do psicólogo escolar possa ser compreendido nesta perspectiva de análise.

No que concerne à contextualização da atividade profissional, podemos dizer que, do ponto de vista teórico, pareceu haver uma compreensão contextualizada em termos dos condicionantes socioeconômicos e políticos, ou seja, 86% creditaram à inadequação do ensino fatos como reprovação, evasão c repetência; 95% deles caracterizaram escola como reprodutora de costumes e idéias da classe que a institui e 86% deles descreveram a área de psicologia escolar como possibilitadora de trabalho ligado à transformação social.

 

Para além das Conclusões

Em resumo, de acordo com a análise dos dados obtidos, podemos afirmar que, embora tenha havido uma percepção contextualizada da atividade profissional em termos dos condicionantes sócio-econômicos e políticos, os dados sobre a prática empreendida pelos profissionais evidenciaram o caráter clínico-conservador da atividade, caracterizando, de certa forma, uma dissociação teoria-prática. A questão, no entanto, é complexa e transcende o âmbito da psicologia, situando-sc mais diretamente à contextualização do saber na sociedade capitalista. Sobre a associação teoria e prática, Vasquez (1977, p. 171) comenta:

"Ainda que a teoria seja formulada com esse duplo aspecto (como fundamento de ações reais e como crítica teórica), nem por isso deixa de ser teoria, isto é, não é em si atividade prática."

Abordando filosofia e práxis, este mesmo autor afirma:

"A teoria em sí (...) não transforma o mundo. Pode contribuir para a sua transformação, mas para isso tem que sair de sí mesma, e, em primeiro lugar tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos reais efetivos, tal transformação. Entre teoria e atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação"

(VASQUEZ, 1977, pp. 206-207).

Sabemos que os cursos de formação de psicólogo, de modo geral, não têm possibilitado a inserção do saber psicológico no âmbito da dialética, como forma de proporcionar uma prática transformadora - daí mesmo a importância da educação que, além do papel ideológico, pode colocar-se também a serviço da transformação social, pelas suas próprias contradições.

As análises e conclusões mostradas aqui, evidentemente, referem-se aos psicólogos escolares em Fortaleza, mas entendemos que as mesmas refletem a situação da psicologia como um todo no Brasil, em termos dos aspectos relativos à formação e prática profissional. Como vimos, as dificuldades são inúmeras e complexas, e achamos que não basta apenas apontá-las. E necessário avançar além das denúncias e críticas, na busca de encaminhamentos práticos, que venham transformar este estado de coisas.

Porém, temos consciência da complexidade da questão, visto que transcende o âmbito da psicologia escolar, e relaciona-se à psicologia como um todo em termos dos pressupostos teórico-metodológicos, que têm orientado a formação e prática dos psicólogos, desde a regulamentação dos cursos cm 1962. Neste sentido, entendemos que não bastam esforços individuais. É nessário um engajamento maior por parte dos professores e alunos dos cursos de psicologia, no sentido de redimensionarem os currículos de psicologia do ponto de vista teórico-prático, proporcionando a devida contextualização do ensino psicológico nos seus aspectos sócioeconômicos e políticos, de maneira a proporcionar a "formação" de profissionais conscientes, críticos, comprometidos com a realidade social e capazes de aproveitar as contradições sociais em favor de uma prática transformadora. Necessário se faz também repensar o "mito" da psicologia clínica nos cursos e resgatar as demais áreas de aplicação da Psicologia, especialmente a escolar.

Numa ação conjunta, entendemos que cabe aos órgãos representativos da categoria profissional (CFP, CRPs, sindicatos e associações de psicologia) a luta pela ocupação digna do espaço profissional da categoria numa atividade eminentemente política, que poderia incluir, desde alterações na legislação vigente na área de psicologia, até o esforço maior na criação e aprovação de leis, visando maior e melhor ocupação do espaço profissional na iniciativa privada e nos órgãos públicos. Percebemos que o Congresso Nacional Unificado de Psicólogos, realizado recentemente em Brasília, representou em si um fato concreto nesta busca de ação. Cabe, finalmente, aos profissionais atuantes na área repensar sua atividade profissional na comunidade escolar, redefinindo seu papel e ocupando espaços alternativos de cunho mais dinâmico e crítico com vistas à transformação social, a partir do desempenho como "agenda social" dentro da escola. Aliado a este redimensionamento do trabalho, necessário se faz também reconhecer e priorizar a psicologia escolar como atividade profissional principal.

Na Universidade Federal do Ceará, enquanto coordenadores da área de psicologia escolar, estamos empenhados na reestruturação do currículo de psicologia e, de forma específica, reestruturamos a disciplina psicologia escolar I e o estágio supervisionado na área de

psicologia escolar, redefinindo o papel deste profissional e seu compromisso com a realidade educacional no Ceará, como "agente social ativo" conforme análise de Saviani (1984). Por outro lado, contatos com a Associação Cearense de Psicólogos e profissionais da área estão sendo feitos com o objetivo de encaminhamento e aprovação do projeto de criação de cargos de psicólogo no estado e município, ora em estudo.

Além disso, acompanhamos com interesse e convicção o movimento nacional de criação da ABRAPEE (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional) e já iniciamos contatos com os profissionais cearenses no sentido de organizar aqui uma seccional, como forma de mobilização dos profissionais da área, na busca de um engajamento profissional maior na sociedade.                                     

 

Notas

(1) Opção de Estágio II aqui, refere-se à etapa final dos estágios formais no Curso de Psicologia da UFC, quando o aluno deve optar por uma única área da Psicologia.

(2) Ressaltamos que o termo ideológico aqui refere-se a "visões ideológicas", ou seja, visões sociais do mundo, que objetivam legitimar e manter a ordem social.

 

Bibliografia

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