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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.18 no.17 São Paulo dez. 2010

 

ARTIGOS

 

Da atividade global concreta à representação simbólica: uma proposta de intervenção

 

From global concrete activity towards symbolic representation: a proposal for intervention

 

 

Helena Marieta Rath Kolyniak*

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, apresentamos uma proposta de atividades que, partindo da vivência psicomotora concreta, com a devida mediação pedagógica, favorecem progressivamente a representação simbólica e a generalização cognitiva dos conceitos subjacentes às atividades vivenciadas. Pressupomos que o domínio das funções psicomotoras e a capacidade de representação são pressupostos para a aquisição da habilidade de leitura e escrita. Organizamos as propostas segundo uma metodologia que segue conceitos e princípios sócio-interacionistas e construtivistas da aprendizagem.

Palavras-chave: Aprendizagem; mediação; Psicopedagogia; Psicomotricidade.


ABSTRACT

In this article, we present a proposal of activities that, in the basis of the concrete psychomotor experience, with the appropriate pedagogical mediation, gradually favor the symbolic representation and the cognitive generalization of the concepts underlying to the lived activities. We estimate that the domination of the psychomotor functions and the capacity of representation are requirements for the acquisition of the ability of reading and writing. We organize the proposals according to a methodology that follows concepts and principles based on sociointeractionist conception of learning.

Keywords: Learning; Mediation; Psychopedagogy; Psychomotricity.


 

 

Introdução

Este artigo representa o desejo da autora de colaborar na construção de conhecimento em psicopedagogia, a partir de sua área de conhecimento que é a educação física e, mais especificamente, o desenvolvimento psicomotor.

Não é pequena a literatura disponível sobre o tema. Alícia Fernandez, Sara Paín e Dolto já falam da importância do corpo e da corporeidade no desenvolvimento e na aprendizagem da criança. É verdade, também, que elas, em geral, abordam o corpo (no sentido de corporeidade, não de organismo) como produzido pelo mundo simbólico e, consequentemente, tradutor deste mundo simbólico: "... o organismo transversalizado pelo desejo e pela inteligência, conforma uma corporeidade, um corpo que aprende, goza, pensa, sofre ou age." (FERNANDEZ, 1991, p. 57) A corporeidade deve ser interpretada, é um símbolo do sujeito; ao mesmo tempo, é meio de ação e recepção do mundo físico e social, que será entendido, apreendido e transformado por cada um.

Outros autores, como Vítor da Fonseca, concentram-se no desenvolvimento psicomotor e nas possibilidades de sua avaliação e mensuração. Além de buscarem a compreensão neurológica do desenvolvimento das funções psicomotoras, afirmam a sua estreita relação com o desenvolvimento da aprendizagem e mostram, em especial, quais os comprometimentos que estas funções apresentam no desenvolvimento atípico.

Gisele de Campos Oliveira, a partir de outros autores, lista onze possíveis motivos que levam uma criança a não aprender. (OLIVEIRA, 1997, p. 117-8) Entre esses motivos, estão os não verbais, ou seja, as dificuldades psicomotoras, com orientação espacial, lateralidade, orientação temporal, ritmo, reconhecimento das expressões faciais e limitações de percepção social, como parte das deficiências não verbais (p. 124).

Georges Lagrange aponta quatro tipos de carências possíveis que levam a dificuldades de adaptação e aprendizagem: 1) de ordem intelectual; 2) de ordem social; 3) de ordem motora; 4) de ordem psicomotora. (LAGRANGE, 1977, p. 30-2)

Auguste de Meur e Lucie Staes afirmam, logo no início de seu texto (1989, p. 8), que percebem uma clara correlação entre o mau desenvolvimento do esquema corporal e a caligrafia feia, a falta de expressividade na leitura, o gesto atrasado após a palavra e a leitura sem um ritmo. Quando o problema está na lateralidade, os alunos perdem-se na leitura, não seguem a ordem de disposição dos textos da lousa, não se localizam na folha do caderno. Problemas com a percepção espacial levam a confusões entre p e q, b e d, 12 e 21, b e p, n e u, ou e no. Orientação espaço-temporal é uma capacidade fundamental para a ordenação de sílabas, a reconstrução de frases com palavras misturadas e a análise gramatical. Sem organização espacial, o fracasso na matemática é quase certo, como ordenar colunas ou os elementos de um cálculo, combinar formas e visualizar elementos geométricos.

Na realização dessa revisão bibliográfica, percebemos que os diversos autores atribuem uma forte correlação entre a aprendizagem e o desenvolvimento psicomotor.

Partimos de uma visão sócio-interacionista e construtivista da aprendizagem, portanto, não acreditamos num desenvolvimento espontâneo da criança, nem na necessidade dela ser treinada ou adestrada para que possa adquirir a capacidade de executar uma tarefa (no caso, a alfabetização, escrita e leitura). Acreditamos que a aprendizagem é um processo de interação com o meio social e cultural e que, pela mediação com os "outros significativos sociais", a criança vai se apropriando dos bens culturais produzidos, ganhando autonomia para que possa ter o que Alícia Fernandez define como autoria de pensamento.

Assim sendo, não percebemos a psicomotricidade como uma estratégia que reúne uma série de exercícios mecânicos para aquisição de habilidades automatizadas, visando que a criança tenha habilidade para copiar letras bem feitas. Muito mais do que isso, o desenvolvimento das funções psicomotoras, no nível neurológico e motor, permite à criança uma interação com o meio social de tal qualidade, que promove possibilidades de vivências que constroem conhecimento internalizado e, com mediações, são representadas e generalizadas em representações simbólicas.

Entendemos mediação pedagógica, a partir de Vygotsky, como o processo pelo qual o professor procura levar o aluno a construir, em seu psiquismo, funções psicológicas e conteúdos (pensamento verbal, conceitos abstratos, análise, síntese, etc.) que são fruto do desenvolvimento histórico da humanidade. Esse processo envolve a comunicação interpessoal, verbal e não verbal, entre professor e aluno. Como produto da mediação pedagógica e da atividade do aluno, este pode apropriar-se (isto é, tornar próprio de si) do conhecimento sistematizado que a escola busca construir.

Podemos apresentar ainda outra premissa, também vygotskyana, segundo a qual:

o processo de aprendizagem consiste em uma interiorização progressiva de instrumentos mediadores. Por este motivo, deve iniciar-se sempre do exterior, por meio de processos de aprendizagem, que somente mais adiante se transformam em processos de desenvolvimento interno. (POZO, 1998, p. 197)

Assim, não esperamos a "prontidão do desenvolvimento" para oferecer processos de aprendizagem. Procuramos, outrossim, oferecer a aprendizagem com mediações de ferramentas e pessoas, daquilo de que a pessoa é capaz de se apropriar com a ajuda mediada. No domínio concreto, essa experiência ou essa tarefa provoca o desenvolvimento da zona proximal (ou potencial) de aprendizagem, tornando o aluno capaz de internalizar o conhecimento advindo desta vivência e, assim, alcançar o desenvolvimento.

 

Sobre o papel do psicopedagogo

Entendemos que o papel dos psicopedagogos, quando atuam diretamente com os aprendentes, tem uma natureza clínica, independentemente do local e do número de pessoas atendidas, uma vez que envolve a observação com critérios definidos e intervenções que se constituem como situações de observação. Não se limitam a registrar "como a criança está", mas também como reage às atividades propostas, como evolui, como enfrenta as dificuldades, sua inserção escolar, familiar e social, etc. "Compete ao psicopedagogo não somente ater-se à queixa escolar, enquanto sintoma individual, mas contextualizá-la simultaneamente enquanto sintoma social." (RUBINSTEIN et al, 2004)

Segundo Alícia Fernandez:

a palavra 'clínica' refere-se a uma postura, a uma forma de olhar e intervir em psicopedagogia, que supõe ter em conta as determinações inconscientes que participam do processo de aprendizagem e, principalmente, é um modo de intervenção que inclui os participantes no campo de trabalho, dando conta dos fenômenos de transferência e envolvimento. (FERNANDEZ, 1994, p. 19; tradução livre)

A autora conclui que é papel do psicopedagogo "construir espaços subjetivos e objetivos, onde a autoria de pensamento seja possível". Essa atividade se constitui num:

trabalho de desconstrução e construção. Um trabalho envolvente. Desafio este somente possível num espaço lúdico onde as dúvidas podem jogar com as certezas, onde os erros, seus e dos outros, servem como degraus para o crescimento. (FERNANDEZ, 1994, p. 19; tradução livre)

 

Sobre as funções psicomotoras

As funções psicomotoras são adquiridas a partir do amadurecimento neurológico, mas principalmente na vivência social. Iniciam-se pelo fator mais primário: a aquisição e o domínio de um tônus muscular adequado para cada atividade (baixo para dormir, alto para chorar e espernear, médio para mamar), assim como o tônus adequado para cada grupo muscular para nos manter em diferentes posições. A função da equilibração é um processo dependente do tônus que nos mantém em diferentes posições e do amadurecimento do labirinto, que é o nosso equipamento de informação de posição, direção, inclinação e velocidade de deslocamento, giro, mudança de trajeto.

O labirinto afere e o cérebro interpreta e organiza nossas ações motoras. Para entender a delicada função da equilibração basta observarmos alguém que sofra de labirintite. No segmento das funções psicomotoras, sempre interdependentes, temos a lateralização, que muito mais do que a definição da mão dominante é o processo de integração dos dois hemisférios cerebrais, os quais regem cada um o lado oposto do corpo.

Pela experimentação das ações motoras, precisamos descobrir com qual mão segurar o lápis e com qual segurar o papel; com qual perna dar o impulso para um salto, qual será o pé de apoio. Qual braço segura o material escolar, com qual seguro no corrimão do ônibus. Qual pé vai chutar; o outro, como define a posição para o chute. Qual mão vai lançar; como o braço cria a alavanca. Enfim, não é uma questão de dominância, mas de integração inter-hemisférica, em busca de movimentos adequados, harmoniosos e econômicos.

A partir do processo de aquisição dessas funções, da fixação das ações realizadas, da percepção da capacidade de ação do corpo, vamos construindo um registro cada vez mais ampliado sobre nosso corpo, sobre as suas potencialidades, suas capacidades, seus limites, suas similaridades e diferenças com os outros; recebemos as licenças e interdições sociais do que podemos e não podemos fazer com o corpo; aprendemos a nomear cada ação e parte do nosso corpo, e dessa maneira, vamos constituindo, vida afora, a noção do corpo.

Não somos seres que vivem isolados, vivemos num mundo físico e social, portanto, o corpo precisa aprender a mover-se neste mundo, não apenas estar bem consigo mesmo, mas mover-se física e simbolicamente entre os obstáculos e os tempos e ritmos sociais. Essa função recebe o nome de estruturação espaço-temporal e nos habilita a atravessar ruas movimentadas, andar em calçadas esburacadas, dançar ao ritmo de uma música, pular corda, jogar em equipes.

Finalmente, temos as praxias, global e fina, que se definem como ações planejadas em busca de uma finalidade. As globais envolvem grande parte do corpo; já as finas definem-se como ações planejadas e realizadas pelas mãos e dedos. O que diferencia uma praxia de um movimento apenas coordenado é o planejamento realizado pela pessoa, a previsão do efeito de sua ação. Não é um movimento copiado ou realizado sem reflexão.

 

Sobre a natureza da aprendizagem

• O ser humano aprende pela cultura, com os outros humanos, não desabrocha por si só. Portanto, é pela mediação do outro que dá sentido e significado às experiências vivenciadas.

• As vivências concretas permitem a representação mental destas vivências.

• A criança apropria-se do espaço a partir das experiências do seu corpo no espaço.

• As relações do corpo com o espaço são mediadas pela cultura.

• Os mecanismos neurológicos, desenvolvidos a partir da aquisição de capacidades psicomotoras, municiam a criança para uma aprendizagem mais efetiva e menos mecanicista.

• Vivenciar o espaço e o tempo a partir das praxias globais concretas até as mais finas e específicas, por meio do desenho, modelagem, montagens, construções e a escrita, permite que representem a realidade de forma simbólica.

• A linguagem desempenha papel radical nas relações humanas.

 

O papel do ensino

• A transferência e a generalização das representações e aprendizagens adquiridas a partir de uma vivência são possibilitadas pela mediação.

• A intervenção pedagógica não é só transmissão de conteúdos, deveria ser, acima de tudo, criadora de sentidos.

• O ensino deve partir do contexto do aprendente e, com base em seus conhecimentos prévios, ampliá-los em progressão geométrica.

• Os conhecimentos, práticas e habilidades, promovidos pela instituição escolar ou pelo psicopedagogo, devem ter sentido e significado para o aprendente.

 

Reflexões sobre as relações que observamos entre a aprendizagem psicomotora e a capacidade de representação simbólica

Precisamos nos ater sempre a um aspecto muito importante da aprendizagem, quando assumimos um ponto de vista sócio-interacionista e construtivista: ela não se dá automaticamente, mas necessita da mediação social. Na escola, muito especialmente, da mediação pedagógica; o professor é o promotor e o facilitador da aprendizagem. Isso não significa que outras pessoas não colaboram com este processo, como os pais, os colegas, os irmãos, os amigos de brincadeiras, etc.

Evidentemente, pensamos num ambiente escolar promotor do desenvolvimento, mas, infelizmente, esse ambiente também pode ser condicionado por fatores de aprisionamento ou bloqueadores da aprendizagem. A escola como um espaço emancipador, verdadeiramente ensinante, promove a aprendizagem: o bom ensino é aquele do qual há uma boa aprendizagem.

Que o papel da psicopedagogia possa ser de colaboração junto à escola, promovendo a facilitação para a aprendizagem de crianças que, por razões orgânicas, psicológicas e/ou sociais, estão com dificuldades especiais no seu processo de aprendizagem. Nesse cenário, o psicopedagogo não teria de lidar com crianças que não aprendem devido ao fracasso da escola, que não consegue ensinar. No caso específico da relação das experiências psicomotoras e da representação simbólica, preconizamos ainda mais a necessidade da mediação do educador e, especificamente, do psicopedagogo.

Baseamo-nos nas neurociências, que nos mostram que possuímos uma área responsável pelo registro e controle motor, e outras áreas, pela significação e cognição destas experiências, outra área ainda, pela somestesia, que registra as informações da área visual, olfativa, auditiva, sensorial e tátil. Inicialmente, essas informações são dispersas, depois configuram uma imagem completa (por exemplo, o leite, a sensação térmica, o fim da dor [da fome], o rosto da mãe); com a repetição dessa configuração, elas vão se tornando uma só, por associação – a mãe que lhe dá o seio, conforto e saciedade. Esse aprendizado se dá graças à criação de uma rede de sinapses.

Isto se dá mesmo com as ações motoras integradas, que inicialmente são movimentos isolados de músculos e articulações, cada um com um registro cerebral independente. Pela ação repetida tornam-se um movimento harmônico.

Correlacionar às experiências concretas as simbólicas ou representadas, criar estas sinapses, é papel da sociedade, em especial, dos educadores, que colaboram na criação desta correlação, tornando-a explícita, construindo relações por meio das percepções que vão sendo representadas.

Pensemos num exemplo corriqueiro: as crianças vão ter de começar a fazer exercícios usando linhas, círculos e ondas, em folhas com pautas. O professor, preocupado com a percepção das crianças, que até então trabalhavam livres, em papéis sem pauta, leva-as para a quadra e pede que se desloquem de diferentes formas sobre as linhas da quadra. Andar de frente, de lado, saltar, correr em ziguezague de um lado para o outro da linha, tendo inclusive o cuidado de realizar movimentos de deslocamento da esquerda para a direita. De volta à classe, acredita que elas estão automaticamente prontas, graças à experiência psicomotora global, para transferir estes conceitos para o papel.

Esse milagre, porém, não acontece com naturalidade. A transferência da experiência motora global para a movimentação fina precisa ser mediada, trazida para a consciência e, por meio dela, criar uma rede de sinapses que façam a ligação entre o vivenciado por movimentos globais, num espaço tridimensional, e aquilo que será representado com símbolos, na superfície bidimensional da folha.

A escrita não envolve só palavras, que por si só são símbolos que representam a realidade, mas também movimentos que representam movimentos globais, num espaço tridimensional. Um círculo, uma reta, para cima, para baixo, para um e outro lado são conceitos que fazem sentido e existem na experiência do corpo no espaço; no papel eles são a representação desta realidade. As noções de em cima e embaixo, no papel, são bastante complicadas, correspondem ao real se a folha de papel estiver disposta verticalmente, tal qual a lousa. Uma vez sobre a carteira, o "em cima" é "em frente"... Portanto, a transferência para o papel também é mediada socialmente, assim como as noções de perspectiva.

É necessário mostrar à criança o que ela está fazendo, levando-a a perceber a diferença entre correr livre pelo espaço e fazê-lo só em uma linha, chamando atenção para a mudança dessa ação. Quando a criança for utilizar o papel, cabe falar claramente que irá procurar fazer neste o que ela fez na quadra, ou seja, percorrer a linha, ao invés de correr livremente pelo papel. Ainda assim, as crianças compreenderão o que devem fazer, mas executar um movimento fino, conduzir um lápis num papel, é muito mais complexo e exige movimentos controlados de uma única extremidade, enquanto todos os outros movimentos são inibidos.

Com esses cuidados, queremos dizer que a experiência global é muito valiosa, porém exige mediação e a compreensão de que cada movimento é único e precisa ser repetido muitas vezes até que possamos nos apropriar de sua execução fluida e harmoniosa. Não preconizamos a repetição mecânica, mas que usemos várias estratégias, que levem à repetição e fixação de atos motores, sejam eles globais ou finos. Nenhum movimento é uma aquisição simples e natural, mas sim a consequência de uma série de experiências anteriores, que nos dão a facilidade e o prazer da realização.

Nossa preocupação, portanto, é que as atividades que propomos às crianças, que atendemos psicopedagogicamente, não só sejam devidamente contextualizadas, mas que partam também da vivência concreta e que haja sempre atenção à mediação pedagógica. A passagem da praxia global para a fina configura um momento delicado, que exige não apenas habilidade física, mas operações mentais complexas que ordenam a ação motora.

Apresentamos a seguir mais dois conjuntos de atividades que, partindo da vivência psicomotora concreta, exercitam sistematicamente funções psicomotoras. Com a devida mediação pedagógica, favorecem cada vez mais a representação simbólica e a generalização cognitiva dos conceitos subjacentes às atividades vivenciadas, tais como relações espaciais (direcionalidade, relações topológicas, tamanho, etc.) e temporais (ritmo, duração, frequência, alternância, etc.) e conhecimento do próprio corpo (lateralização, controle tônico de sustentação e de ação, posicionamento global e segmentar na realização de tarefas).

Devemos alertar para o fato de que as atividades apresentadas são emblemáticas, portanto, outras tantas permitiriam uma boa observação sistematizada e poderiam ser desenvolvidas em ações simbólicas.

 

Série de Atividades 1

Objetivos: Localização espacial acima, abaixo, à esquerda, à direita, entre, antes, depois. Diferenciação entre linha e círculo. Representação topográfica.

1.a. Brincando com linhas e círculos

Colocar no chão, conjuntos de uma corda estendida e um bambolê; para um grupo de 2 crianças, 1 conjunto; 4 crianças, 2 conjuntos, e assim por diante. Se o número de alunos for ímpar, a psicopedagoga entra na brincadeira, para completar o número par de participantes.

 

 

Os dois objetos serão dispostos de maneira que o bambolê fique de um lado da corda, próximo de uma das pontas da mesma (são quatro posições possíveis em relação ao centro). Deverão ser dispostos num dos lados do espaço e a movimentação se dará no espaço em frente aos objetos.

As crianças correm no espaço livre, ao som de uma música, canto, trovinha, ou ao ritmo de palmas. Quando silenciar, cada um corre para um objeto. Quem foi para a corda deve andar sobre a "trilha", pé ante pé, como "formiguinha", de uma ponta a outra, "sem cair". Quem foi para o bambolê fica dando saltos de sapinho, dentro do "laguinho", enquanto o colega percorrer a corda. Terminado, voltam ao espaço livre, para uma nova rodada. Quando houver quatro duplas, cada par de objeto deverá guardar entre si posições diferentes; quando forem em menor número, o psicopedagogo modifica a posição entre uma rodada e outra. É preciso chamar a atenção das crianças ao fato de que o "laguinho" está em posição diferente em relação à "trilha", em cada uma das formações.

1.b. Colocar palitos de sorvete e tampinhas na mesma posição dos diagramas

O psicopedagogo diz:

• "Vocês lembram da corda reta sobre a qual vocês caminharam? E do bambolê, redondo, dentro do qual vocês ficaram pulando?"

• "Vejam, vamos fazer de conta que estes palitos são as cordas e estas tampinhas são os bambolês."

• O psicopedagogo entrega 3 palitos e 3 tampinhas de cores diferentes (azul, amarela e verde) para cada criança.

• Vejam esta cartela, ela representa um palito e uma tampinha das que eu entreguei para vocês."

• "Vamos montar igual usando 1 palito e a tampinha da mesma cor."

 

 

• "Agora, observem o próximo diagrama (inicialmente, reproduzir as quatro posições vivenciadas, depois aumentar o número de palitos e tampinhas gradativamente), coloquem os seus palitos e tampinhas da mesma maneira."

Os oito diagramas a seguir são ilustrativos e devem ser graduados de acordo com a dificuldade do grupo.

Exemplos de diagramas:

 

 

1.c. "Agora, olhe bem o diagrama e procure memorizar; quando eu esconder o diagrama, procure colocar os seus palitos e tampinhas da mesma maneira." Agora o diagrama é apresentado e logo em seguida, escondido; o aluno reproduz de memória as posições das peças.

1.d. "Agora, eu mostro o diagrama, depois escondo, você monta com os palitos e tampinhas. Agora, olhe bem as posições dos palitos e tampinhas, você vai desenhar no papel bastões e bolinhas coloridas na mesma posição e cor em que estão os seus palitos e tampinhas."

1.e. "Agora, você vai criar um diagrama, com três bastões e três bolinhas coloridas e vai desafiar o colega (ou a mim – o psicopedagogo)."

 

SÉRIE DE ATIVIDADES 2

Objetivos: Seguir um percurso e/ou ordem numérica, percepção do espaço e tempo, ordenação.

2.a. Jogar Amarelinha:

Descrição do jogo:

Seguindo um traçado feito no chão, com linhas formando um conjunto de quadrados numerados, cada criança, na sua vez, deve jogar uma pedra nas casinhas, a começar pela 1. Ela irá pulando alternando um e dois pés, de acordo com o desenho, do "inferno" até o "céu", voltando para o 'inferno". Na ida, não pode pôr o pé na casa em que está a pedrinha. Na volta, antes de chegar à pedrinha, da casa anterior, abaixa e pega a pedrinha (com o apoio de um ou dois pés, dependendo de onde está).

Errando o pulo, pisando numa linha, pisando na casa em que está a pedrinha, ou se na hora de lançar a pedrinha esta cair fora da casa da vez, a criança cede a vez para o próximo colega. Quando for sua vez de novo, segue de onde parou.

2.b. Percurso representado num jogo de tabuleiro. Os vários jogos de tabuleiro seguem a mesma lógica da amarelinha. Nesses jogos, a criança joga um dado, e percorre um número de casas equivalente ao número do dado. Ao longo do percurso, existem algumas casas especiais, que dão sorte (jogar de novo; seguir mais algumas casas) ou azar (perder a próxima vez; andar para trás). Temos vários exemplos destes jogos. No mais simples que conheço, "A corrida dos ursinhos", cada um tem um ursinho de uma cor. Nas faces do dado, estão gravadas as cores dos ursinhos. O ursinho da cor equivalente à que resultar do lance de dados dá um passo à frente. Já um jogo mais complexo é o "Banco Imobiliário".

2.c. A criança deve desenhar um percurso, criando uma paisagem para o caminho, numerando as coisas que se encontram por este percurso. Percorre o caminho com os dedos ou com pequenas bonecas e bonecos, criando uma história.

2.d. Outra forma de seguir um percurso é seguir uma ordem de números, por exemplo, ligar pontos numerados que, no final, formam um desenho.

2.e. Depois, recitar trovas que envolvam números (por exemplo, um, dois, feijão com arroz), ou a música da "galinha do vizinho".

 

Considerações Finais

Consideramos que as propostas oferecidas oferecem uma visão da ideia que queríamos apresentar. Elas são como um princípio de trabalho.

Buscamos apresentar como se dá a aquisição das funções psicomotoras. Depois, foi nossa preocupação buscar a superação de uma tendência que se preocupa em avaliar, medir, diagnosticar a criança que chega com dificuldades, tanto de aprendizagem como motoras.

Quisemos sair deste modelo, construindo uma proposta de intervenção com atividades que, partindo da vivência motora concreta, exercitam sistematicamente funções psicomotoras. Com a devida mediação pedagógica, favorecem progressivamente a representação simbólica e a generalização cognitiva dos conceitos subjacentes às atividades vivenciadas, tais como relações espaciais e temporais e conhecimento do próprio corpo na relação com o meio.

Entendemos que a capacidade de representação, o uso de símbolos gráficos e a linguagem são fundamentos básicos para a possibilidade da aquisição da leitura e da escrita como representação da realidade (não pensamos na escrita mecânica, desprovida de significado).

É importante reafirmar que estes grupos de atividades não são propostos com fins avaliativos. São exemplos emblemáticos de uma proposta de trabalho. A partir dessas ideias, esperamos que cada leitor venha a ter outras tantas e as aplique.

Acreditamos que, na clínica psicopedagógica (seja no consultório, seja institucional), propostas nesta linha atendem ao aprendente em sua corporeidade e cognição como um todo articulado. Quando falamos corporeidade, não nos referimos ao corpo em sua dimensão de organismo, mas a um corpo social, cultural e psicológico. Um corpo inscrito com os signos de seu pertencimento, com as dores de sua família, com as alegrias e tristezas da infância, com os medos e disposições com que sua vontade foi construída, com desejos, afetos e sentimentos, os quais foram ganhando plausibilidade em sua história de vida. Pensamos assim, que não é pouco trabalhar a expressão e a expressividade do corpo, pois é com ele que cada um de nós aprendeu a entender o mundo que nos rodeia. E é com este entendimento que vemos e falamos deste mundo.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Helena Marieta Rath Kolyniak
E-mail: kolyniak@uol.com.br

 

 

*Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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