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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.29 no.30 São Paulo  2021

https://doi.org/10.37388/CP2021/v29n30ed1 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

O processo de aprendizagem é um processo que se gera na inquietude e que a engendra. A multiplicidade e polivalência dos diversos sistemas que se conjugam na aprendizagem garantem esse estado de inquietude permanente, pois é improvável que todas as ordens intervenientes alcancem igual estado de equilíbrio ao mesmo tempo. SARA PAIN1

Quando começamos a escrever esse editorial, nos remetemos ao ano anterior e às lembranças das inquietudes e angústias diante da pandemia. Nunca pensaria naquela época que ainda estaríamos vivendo esses momentos... Por isso, não há como não se referir a essa pandemia que vitimou mais de 500.00 vidas e que afetou muitas famílias que ainda enfrentam a dor da separação e da impotência diante desse quadro. Com certeza, como educadores teremos muito o que fazer, seja nos consultórios, escolas e mesmo universidades. Mesmo coma chegada das vacinas e da esperança de dias melhores, o desafio de transgredir e encontrar algumas saídas se impõe.

É com esse propósito que esse novo número da revista Construção Psicopedagógica vem para mostrar que não houve paralisia, mas uma intensa busca rumo ao conhecimento. Nunca recebemos tantos artigos como neste ano e publicaremos brevemente mais um número da revista para acolher os diferentes autores, de diversas regiões do nosso país, com o objetivo de destacamos alguns dos estudos referentes à pandemia. Por isso, trazemos como palavras iniciais Sara Pain que nos afirma que é na inquietude que se gera a aprendizagem e a trazemos à vida.

Temos afirmado que a revista "Construção Psicopedagógica" busca contemplar os leitores com um conteúdo atual e sob diferentes olhares. Este número traz, mais do que nunca, uma preocupação com a prática psicopedagógica, trazendo desafios com jogos e contos de fada, uma preocupação com a constituição do sujeito, seja em sala de aula, no consultório, na família ou na universidade...

Começamos o presente número com os relatos de pesquisa. O primeiro deles DESAFIANDO CRIANÇAS A PENSAR: intervenção com jogos por três semestres, escrito por Clarice Kunsch, Maria Thereza C. C. de Souza, Ana Lucia Petty, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Este estudo investigou o terceiro semestre de um programa de intervenções com jogos, visando analisar registros sobre procedimentos e atitudes de crianças do Fundamental I com dificuldades escolares. Através das observações constataram que as atividades deste semestre ampliaram a tomada de consciência e permitiram a estabilização dos procedimentos para jogar e das atitudes, favorecendo a autonomia e a superação das dificuldades anteriores.

Estas conquistas são gradualmente realizadas pelas crianças, cada uma no seu tempo e condição. O benefício é gerado primeiro no contexto das oficinas; contudo, tem um efeito multiplicado para outros âmbitos, principalmente o escolar, além de se ampliar para a vida de modo mais amplo. Todo este processo não é espontâneo, no sentido de a criança conseguir realizá-lo por si mesma, mas é fruto de mediações e intervenções variadas.

A pesquisa ressalta a importância do trabalho com jogos pois

[...] os benefícios de participar do programa de intervenção com jogos são pelo menos cinco: (1) favorecer o desenvolvimento de ações mais focadas para alcançar um objetivo; (2) instigar as crianças com dificuldades escolares a melhorar a capacidade de enfrentar desafios; (3) promover mudanças positivas no uso/emprego das funções executivas; (4) gerar necessidade de se estabelecer ritmo de trabalho compatível com as demandas; e (5) possibilitar a percepção da importância da cooperação e socialização.

O segundo relato de pesquisa CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS contribuições e reflexões, escrito por Marcos Venício Esper, da UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais nos traz uma discussão muito atual e pertinente sobre crianças com deficiência aprenderem uma língua estrangeira. É um tema desafiador porque elas podem apresentar tempos diferentes para elaboração da mensagem e, os receptores - familiares, amigos, escola, profissionais da saúde - devem estar, minimamente, preparados para a decodificação e interpretação, sendo tradutores dos contextos individuais e subjetivos de jovens com deficiência, quando necessário, pois a escola não é importante apenas para a socialização do aluno com deficiência, mas, sobretudo, para a sua constituição como sujeito.

Como em qualquer aspecto do processo de ensino e aprendizagem de um aluno com deficiência, nenhuma solução é única e adequada para todos. Existem muitas histórias de alunos com deficiência que aprenderam uma língua estrangeira de uma maneira ou de outra. A pergunta a se fazer, no entanto, é o que esse "aprender" significa? O que esse aprender pode contribuir e trazer de positivo para a vida do aluno? Os alunos podem se tornar conversadores com sotaques excelentes, mesmo mantendo-se bastante limitados em gramática e linguagem escrita. Outros podem ser leitores muito proficientes de uma língua, enquanto praticamente não conseguem conversar além das frases mais elementares. Outros ainda podem ser bastante proficientes em todas as áreas, mas nunca alcançam um sotaque do idioma nativo no idioma estrangeiro.

Concordamos com o autor sobre a importância do papel do psicopedagogo nessa tarefa de ajudar crianças com deficiência a aprenderem uma língua estrangeira, pois pode através de um estudo mais amplo e profundo identificar possíveis problemas e dificuldades, mas também facilidades e fortalezas no processo de aprendizagem.

No próximo relato trazido por Caio Cesar Gomes e Silvia Maria de Oliveira Pavão, da Universidade Federal de Santa Maria-UFSM, INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NO ENSINO SUPERIOR, tem por objetivo descrever como ocorre o acompanhamento psicopedagógico no Ensino Superior.

A relevância social e científica do estudo, considera que os desafios desta natureza têm se apresentado, pois práticas tradicionais de ensino, não têm garantido o sucesso na aprendizagem e a conclusão do curso superior almejado, e o número de estudantes que concluem o curso superior é aquém dos que ingressam, deflagrando que o índice de evasão, repetência e retenção é expressivo (BRASIL, 2016). Tais prerrogativas, sugerem que os estudantes, em algum momento da sua vida acadêmica, possam ter necessitado de apoio psicopedagógico para superar impeditivos à conclusão do curso superior.

Portanto, um trabalho que evite a reprovação e a evasão, impulsionado a aprendizagem é uma tarefa muito importante dentro da universidade para atender aos alunos que trazem defasagens de aprendizagem. Para tanto, se torna fundamental que

A avaliação de áreas específicas como a escrita, a socialização, a motivação, a compreensão, a atenção, a memória e o estilo cognitivo utilizado na aprendizagem são essenciais para mapear as que devem ser focadas no acompanhamento psicopedagógico (CIASCA, 2003; GUINÉ, 2009).

O ponto de vista trazido por Silvia Aparecida Santos de Carvalho, do Instituto Sedes Sapientiae, OS CONTOS DE FADAS E A PRÁTICA PSICOPEDAGÓGICA: perspectivas de análise em debate discute as possíveis relações entre estudos que se ocuparam com a fecundidade dos contos nas áreas da Psicologia Analítica e da Psicanálise e seu uso no processo de intervenção psicopedagógica.

Estudar sobre contos de fadas é, para além da possibilidade de elaboração teórica, uma oportunidade de acessar momentos significativos vivenciados na infância. Isto porque, em nosso tempo, esses contos, nas versões mais atuais, são destinados às crianças e constituem um material cultural muito rico, ao conferirem significados às experiências infantis, as quais incidem, sem dúvida, na compreensão de mundo que vão organizando no decorrer da vida.

O debate é muito interessante e promissor e a autora apenas nos convida a pensar nessa relação para uma intervenção psicopedagógica mais eficaz.

O artigo A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E SUA HISTÓRIA DE VIDA: ampliando o olhar na prática psicopedagógica, escrito por Ana Celina Aquino Vasconcellos, Cinthia Peixoto Vieira, Danielle Goldsztajn, do Instituto Superior de Educação Pró-Saber - ISEPS tem como objetivo destacar a sessão de anamnese, articulando-a com a metodologia IRDI, idealizada e conduzida pela psicanalista Maria Cristina Kupfer, importante pilar que sustenta a construção da subjetividade da criança, dando sustentação ao diagnóstico psicopedagógico e a reflexão sobre sua história de vida.

É pelo viés da criança que realizamos nossa primeira aproximação por ela ser o sujeito desse diagnóstico. Buscamos primeiramente escutá-la a partir do seu lugar para estabelecer uma relação de confiança ao acolher suas ansiedades frente ao novo, para percebê-la na sua vinculação consigo mesma, com a família e com os objetos e conteúdos de aprendizagem escolar, observando suas defesas, suas condutas de fuga ou enfrentamento diante dos desafios. Também buscamos conhecer seu funcionamento e o desenvolvimento de suas funções lógicas, bem como compreender a função do sintoma, seja ele manifesto ou latente.

As autoras apontam que a tarefa psicopedagógica tem como objetivo tornar os sujeitos seres pensantes, atuantes, construtores e até mesmo, modificadores da sociedade, ao invés de apenas figurantes ou espectadores, isto é, sujeitos de sua própria história.

Tharcila Damasceno, do Instituto Sedes Sapientiae nos traz o artigo As CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO WALLONIANO EM INTERVENÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS que tem por objetivo reunir os principais aspectos do pensamento walloniano acerca do desenvolvimento humano, buscando um diálogo com a prática psicopedagógica.

A autora reforça a importância de se olhar para a criança como um ser concreto, em suas diferentes dimensões. Defende também que a Psicopedagogia deve ter como premissa o acolhimento dos sujeitos e a promoção dos caminhos que favorecem a constituição da pessoa, este ser integral, social e que está submetido aos processos afetivos e cognitivos, sempre pelo intermédio do corpo e da motricidade.

A despeito de uma educação que tende a disciplinar corpos por meio da castração e submissão dos desejos e dos impulsos, Wallon nos oferece através de suas teorias a utopia esperançosa de sermos um todo, sem fragmentações. Esta visão monista dos seres favorece a recuperação e integração de tempos e espaços, materiais e imateriais, corpóreos e incorpóreos, individuais e coletivos. E numa sociedade onde a ditadura do desempenho tende a gerar indivíduos fracassados e depressivos, beber de Wallon é um alento para os educadores que defendem a emancipação dos sujeitos.

O próximo artigo O FAZER ARTETERAPÊUTICO COMO ABORDAGEM DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DESENVOLVIDO COM UMA CRIANÇA AFETADA POR INIBIÇÃO COGNITIVA: um estudo de caso, escrito por Janaína Bueno Bady, de Canoas, no Rio Grande do Sul apresenta o caso clínico de um menino de oito anos com um quadro de inibição cognitiva que com uma adequada intervenção psicopedagógica embasada na Arteterapia, superou o obstáculo que aprisionava sua inteligência.

A autora pretende ressaltar a relação da intervenção psicopedagógica com o fazer arte terapêutico, pois acredita que o trabalho com arte canaliza os impulsos e as emoções inflacionadas e as atitudes compulsivas em projeções, possibilitando a reintegração de todas as dimensões de pessoa.

Libertar o indivíduo da inibição, entendida no sentido freudiano como limitação normal de uma função que não tem necessariamente uma implicação patológica, é tarefa do psicopedagogo (PAÍN, 1991). Para tal, se faz necessário compreender o outro em sua condição integral, percebendo a dimensão do corpo na aprendizagem.

Quando o segredo, o não-dito atrapalha a relação da criança com o conhecimento, quando a criança percebe que é impedida de perguntar, quando o conhecimento da verdade é velado a ela e ela não pode expressar-se surge, então, um obstáculo no nível do desejo impedindo a circulação do saber.

O artigo ESTUDO COMPARATIVO SOBRE A PERCEPÇÃO DA INCLUSÃO ESCOLAR, escrito por Talita Aparecida Costa Alvarenga, Marcel Aêgon Silva, Rafaella Cristina Campos, Leandro Veloso da Faculdade Presbiteriana Gammon, Lavras, Minas Gerais tem como objetivo comparar a percepção da inclusão escolar em uma escola pública e em uma escola privada, ambas localizadas na cidade de Lavras/MG.

O crescimento das ideias inclusivas, assim como a junção da sociedade a elas, prosseguiu incrivelmente por conta do auxílio ao reconhecimento dos direitos da pessoa com deficiência, consequência dos confrontos de diferentes áreas da sociedade. Nas últimas duas décadas, a preservação dos direitos das pessoas com necessidades especiais tem preenchido espaço progressivo no debate e na política, com realce no ano de 2009, em que a aprovação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência criou uma variedade de novas práticas e auxiliou a redimensionar as já existentes (LAPLANE, 2014).

O estudo constatou que, não há resistência por parte de alunos e professores em conviver com a diferença, mas que essa realidade deve ser conduzida por ações educativas e pedagógicas que conduzam uma boa qualidade do convívio social proposto pela escola, pautado no princípio da igualdade.

O último artigo deste número O VÍNCULO E O DESEJO DE CASAIS E AS REPERCUSSÕES NA ADOÇÃO DO FILHO, produzido por Helena Raymundo, da Faculdade Sumaré, é fruto do trabalho com casais inscritos no processo de adoção do Fórum Central de São Paulo Capital e objetiva trazer algumas considerações que nasceram a partir da escuta de narrativas dos pares, que manifestaram diferentes níveis de desejo em relação à adoção de um filho.

Evidenciou-se na teoria o que a prática dos atendimentos já sugeria, que há uma correlação direta entre a escolha dos parceiros, mobilizada pelo universo inconsciente de cada um dos pares, a maneira como se vinculam como casal, como se organizam quanto ao respeito e legitimação dos desejos de cada um, pelo mecanismo da sintonia e validação, muito particularmente quando o desejo se refere a ter ou não um filho, e a configuração do vínculo pais e filho, em especial com um filho adotivo.

Quando há de fato a validação do desejo de ser pai ou mãe por um dos parceiros e o outro for capaz de reconhecer e legitimar este desejo, muito provavelmente este filho será bem-vindo, com chances de efetivar um vínculo positivo e forte com os seus pais.

Agradecemos aos autores que contribuíram com o presente número da revista Construção Psicopedagógica, enriquecendo o fazer psicopedagógico, e convidamos você leitor para dialogar com as diferentes possibilidades do trabalho psicopedagógico, nos seus diversos aspectos e diversas possibilidades interventivas em interface com outros campos, tendo sempre um olhar multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, incorporando a realidade e as mudanças que nela ocorrerem.

Além da gratidão pela companhia na leitura e divulgação de nossa revista, esperamos também a sua contribuição para o próximo número, principalmente se você tiver algo ligado às dificuldades de aprendizagem em tempos de pandemia. Ela é muito importante para nós, pois precisamos refletir sobre estas questões que estão acontecendo e que trarão consequências na aprendizagem, na saúde física e emocional enquanto sujeitos desta história.

Marlene Coelho Alexandroff

Editora Científica

 

 

1 PAIN, Sara - A função da ignorância -Vol. 2 A gênese do inconsciente. Porto Alegre; Artes Médicas, 1987.

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