Introdução
As intoxicações tecnológicas se referem aos efeitos negativos resultantes do uso excessivo e inadequado das TIC´s (Tecnologias de Informação e Comunicação). Esses efeitos podem ser tanto físicos, como sedentarismo e problemas de postura, quanto psicológicos, como ansiedade, depressão e isolamento social (SILVA et. al., 2015).
Por meio do confinamento, advindo pelas razões da COVID-19, é possível ter as primeiras sensações sobre o impacto das medidas do distanciamento social em relação aos usos das TIC´s. Essas medidas de distanciamento social, tomadas em um contexto de crise e grandes incertezas, podem levar a um aumento geral e exacerbação no uso das tecnologias (ESPER, 2022).
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a pandemia da COVID-19, num intervalo de meses, colocou o mundo diante da pior crise humanitária do planeta, desde a Segunda Guerra Mundial (WHO, 2021). As taxas globais de infecção e a potencial mortalidade resultante da ausência de tratamento e / ou vacinação eficazes causou bilhões de mortes na população mundial. O cuidado com a saúde correra o risco de mergulhar na Idade Média se a população não fizesse sua parte e a infecção não poderia ocorrer na ausência de contato. A única maneira de mitigar esses números foi aplicar o distanciamento social e tomar as precauções padrão tão frequentemente reiteradas pela Saúde Pública: lavar as mãos, evitar tocar no rosto, uso de álcool e distanciamento social (GRECH, 2020).
Entretanto o distanciamento social pode provocar outras problemáticas de ordem psicoemocional, em especial pessoas que gostavam e tinham hábitos de contatos físicos como abraços, apertos de mão, beijos. Essas informações e determinações diante da pandemia geraram instabilidades internas e externas, provocaram mudanças nas relações intrapessoais e interpessoais e, diante da crise pandêmica, o uso das TIC´s demonstrou pontos positivos e favoráveis, como encurtar as distâncias, encontros e reencontros on-line (ESPER, 2022).
Numa outra vertente, sabe-se que é fácil entrar no mundo virtual e por meio das TIC´s é possível criar uma nova “identidade virtual”. Esse ser virtual pode navegar pelo mundo inteiro, conhecer pessoas, lugares etc. e não precisa de se preocupar com a realidade, com problemas de saúde, com atividades físicas etc.
Antes da crise pandêmica, as pessoas estavam mais ocupadas em fazer/produzir muitas coisas a fazer as coisas rotineiras e pertinentes. De repente, a quarentena, o distanciamento social chegou sem pedir permissão, exigindo novos hábitos e novos mergulhos do/no Ser, relembrando de outros aspectos importantes da vida e que foram deixadas de lado no estilo de vida atual. Em tempos de confinamento, o ser humano foi obrigado a (re) pensar em soluções “substitutas” para atividades livres e favoritas. Alguns participaram de reuniões virtuais; outros assistiam a filmes e séries; jogos; compartilhamentos de conteúdos humorísticos, mensagens de ânimo, no WhatsApp, Instagram, Facebook ou TikTok para manter o moral em contenção (ESPER, 2022).
Segundo o estudo de Abreu et al. (2008), sobre tempo de uso das TIC´s, é possível estabelecer uma média de horas/dia para considerar o indivíduo em situação de dependência, que seria de no mínimo 1 hora e meia até 4 a 10 horas ininterruptas, chegando, em média, a 38 horas semanais. Os autores destacam também que as relações virtuais apresentam maior segurança aos seus usuários devido à possibilidade do anonimato, tornando-as menos arriscadas. Assim, o indivíduo que utiliza o mundo virtual parece compartilhar de uma maior experiência de prazer e satisfação de estar conectado em algum aplicativo ou Tic´s do que quando não está conectado (ABREU et al., 2008). Para Koga e Laurenti (2020), essa situação pode se intensificar quando o indivíduo, sucessivamente, aumenta o seu refúgio à virtualidade para se distanciar-se das experiências do mundo real.
As tecnologias podem desempenhar um papel relevante no processo de ensino-aprendizagem, proporcionando diversas vantagens aos educadores e alunos, como corroborado no trabalho de Lopes e Castro (2015).
Reflete-se, portanto, que o aumento do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação possa ter ajudado o processo de ensino-aprendizagem em todos os níveis, mas tem também provocado complexidades nos níveis acadêmicos e psicológicos dos alunos. A partir dessas preocupações, o objetivo deste estudo foi contribuir e refletir teórico-criticamente sobre as concepções das TIC´s, sua presença e impacto na sociedade atual e, no contexto educacional, o papel da psicopedagogia na compreensão/mediação das intoxicações tecnológicas, usando a pesquisa bibliográfica da perspectiva da hermenêutica-dialética.
De Castro et al. (2023) destacam que a diferença central entre a Psicopedagogia Clínica e a Psicopedagogia Institucional está no foco do trabalho. A Psicopedagogia Clínica se concentra no atendimento individualizado a alunos/pessoas com dificuldades de aprendizagem, enquanto a Psicopedagogia Institucional se concentra em aprimorar os processos educacionais em ambientes mais amplos, como escolas e empresas. Ambas as abordagens são relevantes para garantir que o processo de aprendizagem seja eficaz e adaptado.
Metodologia
Trata-se de um estudo teórico reflexivo construído com base na leitura crítica de referências nacionais e internacionais. Um estudo teórico e reflexivo é uma abordagem de pesquisa que se concentra na análise crítica e interpretação de literatura existente, teorias, conceitos e ideias relevantes sobre um determinado tema. Esse tipo de estudo não envolve coleta de dados primários, como experimentos ou entrevistas e por se tratar de um artigo de reflexão, e não uma revisão de literatura, não se delineou especificamente critérios de exclusão e inclusão para a seleção do material bibliográfico. As referências teóricas utilizadas foram indicadas pelos autores, levando em consideração a abordagem acerca do tema, independente do recorte temporal.
As reflexões estabelecidas neste estudo surgem, portanto, como ponderações dos autores acerca das TIC´s e suas concepções, sua presença e impacto na sociedade moderna e, no contexto educacional, o papel da Psicopedagogia Clínica e Psicopedagogia Institucional na compreensão/mediação das intoxicações tecnológicas.
Intoxicação Tecnológica e Psicopedagogia
As intoxicações tecnológicas referem-se aos problemas de saúde e bem-estar causados pelo uso excessivo ou inadequado de tecnologia, como smartphones, tablets , computadores e outros dispositivos eletrônicos. Esses problemas podem incluir vício em tecnologia, falta de sono adequado, isolamento social, ansiedade, depressão, problemas posturais e dificuldades de concentração (ESPER, 2022).
Nesse contexto, a psicopedagogia pode desempenhar um papel importante no apoio às pessoas que sofrem de intoxicações tecnológicas. Segundo Grassi (2009) e Silva et al. (2022), a psicopedagogia é uma área que busca compreender os processos de aprendizagem e desenvolvimento humano, levando em consideração fatores cognitivos, emocionais e sociais.
Ao lidar com intoxicações tecnológicas, a psicopedagogia pode oferecer suporte de variadas maneiras como avaliação e diagnóstico: o psicopedagogo pode observar e avaliar o impacto do uso excessivo de tecnologia na vida de uma pessoa, identificando os problemas relacionados e suas possíveis causas; orientação e aconselhamento a fim de fornecer orientações sobre o uso saudável e equilibrado da tecnologia, ajudando a pessoa a estabelecer limites e hábitos mais saudáveis; desenvolvimento de estratégias para colaborar no que concerne problemas associados às intoxicações tecnológicas, como a gestão do tempo, estabelecimento de rotinas saudáveis e desenvolvimento de habilidades de autorregulação; trabalho em grupo para apoio, nos quais as pessoas que enfrentam intoxicações tecnológicas possam compartilhar experiências, receber suporte mútuo e aprender estratégias eficazes para lidar com os desafios; intervenção familiar com o propósito de envolver a família no processo de apoio, educando os pais sobre os riscos e impactos das intoxicações tecnológicas e oferecendo orientação sobre como promover o uso saudável da tecnologia em casa.
É importante ressaltar que a abordagem da psicopedagogia pode variar dependendo das necessidades individuais de cada pessoa e da gravidade dos problemas relacionados às intoxicações tecnológicas. Em casos mais graves, pode ser necessário encaminhar a pessoa para outros profissionais de saúde, como neuropsicólogos ou psiquiatras, para um tratamento mais assertivo (ESPER, 2021).
A psicopedagogia em tempos de inteligência artificial
Vale salientar que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC´s) e a Inteligência Artificial (IA) são termos relacionados, mas referem-se a conceitos diferentes no campo da tecnologia. As TIC´s englobam um conjunto mais amplo de tecnologias e ferramentas que permitem a gestão, processamento e transmissão de dados, mas não necessariamente se concentram em tarefas inteligentes, as quais referem-se a atividades ou processos que são executados por sistemas ou algoritmos de IA de maneira automatizada e eficiente, imitando certos aspectos da inteligência humana. Essas tarefas envolvem o uso de técnicas de aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, visão computacional e outras abordagens de IA para realizar ações que normalmente requerem algum nível de inteligência ou entendimento. A inteligência artificial é um ramo específico da ciência da computação que visa construir sistemas inteligentes capazes de realizar tarefas complexas. No entanto, é importante lembrar que a inteligência artificial pode ser usada em conjunto com as TIC´s para aprimorar ainda mais a inteligência e a eficiência dos sistemas de informação e comunicação (PARREIRA et al., 2021).
Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tem desempenhado um papel cada vez mais significativo em diversas áreas da sociedade, incluindo a educação. Nesse sentido, a psicopedagogia emerge como uma importante disciplina que busca compreender e intervir no processo de aprendizagem, especialmente em tempos de avanços tecnológicos (JIANG, 2022).
A psicopedagogia tem como foco central a compreensão do processo de aprendizagem. Com a integração cada vez mais presente da IA na educação, torna-se primordial que psicopedagogos tenham conhecimento sobre as características e potencialidades dessas tecnologias, a fim de promover uma utilização adequada e eficaz. Isso inclui investigar como a IA pode auxiliar ou impactar diferentes aspectos do processo de aprendizagem, como o desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais.
Assim é fundamental pensar no desenvolvimento de estratégias educacionais personalizadas, utilizando das vantagens da IA, que possibilita a coleta e análise de grandes quantidades de dados relacionados ao desempenho dos alunos. A partir dessas informações, é possível desenvolver estratégias educacionais personalizadas, que levem em consideração as necessidades e características individuais de cada aluno. Nesse sentido, a psicopedagogia pode desempenhar um papel fundamental ao trabalhar em parceria com a inteligência artificial para garantir que as intervenções sejam adequadas e eficientes.
Nesse sentido, é importante a compreensão das nuances socioemocionais no processo de aprendizagem, pois embora a IA tenha demonstrado avanços notáveis no campo da aprendizagem cognitiva, ainda há desafios significativos na compreensão das nuances socioemocionais envolvidas no processo de aprendizagem. Segundo Borba (2021), a psicopedagogia tem como um de seus pilares compreender e promover a saúde socioemocional dos alunos, que é fundamental para o desenvolvimento pleno do indivíduo. Nesse contexto, a psicopedagogia pode contribuir para a IA incorporar aspectos socioemocionais, a fim de tornar a experiência de aprendizagem mais completa e significativa.
Rodrigues (2021) e De Melo e De Souza (2019), ao refletirem sobre a mediação psicopedagógica entre a tecnologia e o aluno e a escola, afirmam que não podemos negar que a IA e outras tecnologias têm um impacto significativo na vida de toda comunidade escolar, na forma como aprendemos e ensinamos. No entanto, é importante ressaltar que a tecnologia sempre deve ser vista como uma ferramenta, e não como o protagonista do processo educacional.
A psicopedagogia, sobretudo a institucional, pode atuar como mediadora entre a tecnologia e o aluno, garantindo que o uso da inteligência artificial seja orientado por princípios éticos e pedagógicos. Além disso, a psicopedagogia clínica pode auxiliar na reflexão sobre os perigos do uso indiscriminado da IA e promover uma perspectiva crítica em relação às suas limitações.
Reafirmamos que a psicopedagogia pode desempenhar um papel relevante no enfrentamento dessa problemática, contribuindo por meio de conscientização e informação aos estudantes, pais e educadores sobre os efeitos negativos da intoxicação digital e a importância de equilibrar o uso das tecnologias digitais com outras atividades educacionais e recreativas. É fundamental o desenvolvimento de habilidades digitais saudáveis, como o estabelecimento de limites de tempo, a prática de pausas durante o uso de dispositivos eletrônicos e a adoção de estratégias para filtrar informações relevantes.
A psicopedagogia, em uma perspectiva clínica, pode promover também reflexão crítica por meio de incentivo aos estudantes desenvolverem atitudes críticas em relação às informações encontradas no mundo da Internet, colaborando na avaliação da qualidade das fontes, identificação de notícias falsas e busca de conhecimento de maneira consciente e responsável.
É importante também um trabalho colaborativo entre famílias e escolas a fim de criar um ambiente que promova o uso equilibrado das TIC´s, incentivando a participação em atividades não-digitais e promovendo o diálogo sobre a importância do bem-estar emocional e cognitivo.
Uma vez que o psicopedagogo promova o desenvolvimento de competências socioemocionais, auxilia algumas habilidades dos alunos, como o autocontrole, a autorregulação emocional e a resiliência, tão importantes para o enfrentamento dos desafios associados ao uso excessivo da tecnologia.
Impacto das intoxicações tecnológicas na aprendizagem
As TIC´s têm desempenhado um papel cada vez mais significativo no campo da educação, reformulando e ressignificando os processos de ensino-aprendizagem, ou seja, como os alunos aprendem e como os professores ensinam.
Nesse sentido, é inevitável observar os efeitos positivos e negativos, os impactos causados no processo de ensino-aprendizagem, examinando como as TIC´s podem auxiliar na personalização da educação, na promoção do pensamento crítico e na capacitação dos alunos, mas também os desafios que podem apresentar, como exemplo, maior acesso às informações e a distração em sala de aula.
Uma das principais vantagens das TIC´s no processo de ensino-aprendizagem é a oportunidade de personalização. O uso da tecnologia, os programas educacionais adaptáveis permite que os professores atendam às necessidades individuais do aluno, como sublinhado por Roche (2020) que tal personalização permite que o aluno avance em seu ritmo e se concentre em áreas que mais precisam de apoio.
Um outro ponto positivo é o fato das TIC´s se mostrarem grande aliada no desenvolvimento das habilidades do pensamento crítico dos alunos, como afirma Júnior (2023) ao observar que jogos educativos, simulações e interações incentivam os alunos a tomar decisões, estimula a participação ativa no processo de aprendizagem, pois há possibilidade de experimentar diferentes abordagens pedagógicas.
Ainda que existam pontos positivos, é fundamental reconhecer que as TIC´s apresentam desafios no campo da educação. Embora a Internet tenha oferecido um imenso acesso ao conhecimento e recursos pedagógicos, nem todos alunos têm meios adequados para se beneficiarem, o que se torna uma lacuna digital na visão de Hargittai et al. (2019), tendo como resultado o aumento da desigualdade de aprendizagem nos diferentes contextos educacionais do país.
Destaca-se também outro desafio: o uso excessivo das TIC´s provoca intoxicação. Ainda que alguns autores argumentem que o uso das TIC´s em sala de aula pode melhorar a atenção e engajamento (Sarker, 2019), há outros autores que pensam o oposto ao afirmarem que o uso das TIC´s podem promover a distração, prejudicar a capacidade de concentração e provocar dependência (Esper, 2021). Portanto é importante que psicopedagogos colaborem para que os professores e alunos, quanto ao uso das TIC´s, garantam que o processo de ensino-aprendizagem ocorra de maneira positiva e singular.
Considerações Finais
Este estudo trouxe subsídios para aprofundar a compreensão de que o papel da psicopedagogia em tempos de tecnologias de informação e comunicação e inteligência artificial é extremamente relevante, uma vez que a psicopedagogia busca compreender e intervir no processo de aprendizagem. Entende-se que a psicopedagogia pode atuar como ponte entre as tecnologias e o aluno, garantindo um uso ético e eficiente no âmbito educacional. É necessário que psicopedagogos estejam capacitados para utilizar as potencialidades das TIC´s de maneira apropriada, levando em consideração a individualidade dos alunos, suas necessidades socioemocionais e promovendo uma aprendizagem significativa. Portanto, a psicopedagogia pode desempenhar um papel essencial na promoção de uma educação humanizada e adaptada aos avanços tecnológicos, tornando-se uma aliada fundamental na mediação entre tecnologia e ser humano.