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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.34 no.35 São Paulo  2024  Epub 24-Jun-2024

https://doi.org/10.37388/cp2024/v34n35a09 

RESENHA

INDISCIPLINA, VIOLÊNCIA E BULLYING: UM DESAFIO PARA OS GESTORES ESCOLARES

Paulo Sérgio de Oliveira Júnior1 

1Especialista em Psicopedagogia pelo Instituto Sedes Sapientiae, licenciado em Letras (USP) e Pedagogia (Uninove) e bacharel em Psicologia (UMC). É Professor de Língua Portuguesa, Psicólogo (CRP 06/161.507) e Psicopedagogo, além de revisor de textos. É membro do Departamento de Psicopedagogia do Instituto Sedes Sapientiae e monitor nas disciplinas de Monografia e Metodologia da Pesquisa Científica, do curso de pós-graduação. É conselheiro do Tear Junguiano - Núcleo de Psicologia Analítica de Mogi das Cruzes e Alto Tietê, exercendo, atualmente, a função de Coordenador Geral. E-mail: paulosgoliveira3882@gmail.com.

GALLO, Márcia. Indisciplina, violência e bullying, : um desafio para os gestores escolares. São Paulo: Nova Literarte, 2019.


“A descoberta do papel de cada ator nesse processo, mesmo com erros e percalços, resultará em ganho para todos e especialmente para a condução da gestão comunidade escolar.”

(Márcia Gallo)

Quando ocorre um trauma e um luto, é necessário tempo para lidar com o sofrimento e a perda que acarretam. É também preciso dar seguimento à vida, encontrando instrumentos que façam com que se suporte o evento, de forma consciente e criativa.

O livro de Márcia Gallo é exemplo desse processo. A autora tem experiência como docente em cursos de graduação, trabalhando temas da área da Educação, como gestão escolar, parceria família-escola, projetos educacionais e formação de professores. Como gestora de uma escola municipal em São Caetano do Sul, presenciou uma cena de violência envolvendo uma professora e um aluno, o qual suicidou-se. O fato a fez refletir sobre o papel do gestor escolar diante de atos não só de violência, mas também de indisciplina e de bullying, tema recorrente em nosso cotidiano escolar, a ponto de haver a Lei n. 13.185, de 06/11/2015, instituindo o Programa de Combate à Intimidação Sistemática.

A obra está dividida em três partes e conta com a apresentação de Nonato Assis de Miranda, docente da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Partindo de uma abordagem histórico-social, Gallo introduz o conceito de “paradigma” e, a partir das reflexões de David Harvey, presentes em Condição pós-moderna, sintetiza os três principais modelos sociais seguidos pela humanidade: o paradigma pré-moderno, em que se buscava explicar a natureza, sem se apartar dela; o paradigma moderno, cuja marca é civilizar a natureza; e o paradigma pós-moderno, cuja marca principal está no seu caráter de de mudança, de multiplicidade, a ponto de redefinir termos como ordem e caos, entendido este último como uma forma de auto-organização de um sistema a partir de uma perturbação social. Isso porque a educadora parte do princípio que a cultura da escola é um reflexo da sociedade em que se encontra.

Desta forma, Gallo destaca o paradigma da pós-modernidade, pelo fato de este requerer, de um gestor, competências múltiplas e diferenciadas, aplicadas no ambiente escolar e identificadas por ela: a perda da racionalidade e da fé no progresso, para aqueles educadores que valorizam métodos tradicionais de ensino; o desencanto e a indiferença, diante de condições negativas e indesejáveis na escola; autonomia, diversidade e descentralização, no empreendedorismo escolar, na variedade de cursos, profissões e na terceirização de serviços escolares; a primazia da estética sobre a ética, no destaque para a indústria da arte e do entretenimento; o multiculturalismo e a aldeia global, com novas ondas de migração e, também, superficialidade nas relações. Nas palavras da autora:

Algumas características (...) podem ser observadas nos acontecimentos e na postura das pessoas no ambiente escolar, levando à necessidade de a escola contemporânea ser mais aberta à participação e à diversidade, preocupando os educadores quanto à valorização excessiva da estética e da comunicação virtual em detrimento da ética e da comunicação presencial. A simultaneidade de acontecimentos em diferentes lugares, beirando ao caos, é uma característica presente na vida das pessoas, nas instituições e nas instâncias econômicas. As múltiplas tarefas que se acumulam tanto para os profissionais quanto para as famílias indicam a necessidade de encontrar critérios que possam escalonar essas tarefas e proporcionar sua resolução da melhor maneira possível. (GALLO, 2019, p. 32)

Na Parte I, “Gestão, indisciplina, violência e bullying”, a educadora brasileira ainda discorre sobre o contexto político, social e econômico que infere na dinâmica escolar. Citando o pensador português Boaventura de Sousa Santos, afirma que há falha na promoção de uma educação com foco na formação profissional, em detrimento da construção da cidadania. Consequentemente, percebe-se um aumento nas ocorrências disciplinares e violência nas escolas.

Para discorrer sobre os conceitos apontados no título desta parte, Gallo situa o leitor em autores que lhe serviram de referência teórica, como é o caso de Miriam Abramovay, socióloga brasileira que organizou um material sobre violência nas escolas, para localizar o termo em seu sentido amplo, representando não só episódios graves, mas também conflitos de toda natureza.

Sobre a gestão escolar na sociedade pós-moderna, a autora entende que a escola, como instituição, tem sua especificidade, no que diz respeito à organização temporal e espacial, bem como à organização de saberes. Desse modo, concordando com o pedagogo Pérez Gómez, ela propõe que um novo modelo de escola seja pensado para que, de fato, corresponda a um espaço em que há cruzamento de culturas, levando, muitas vezes, a tensões, restrições e contrastes. Passando pelos perfis de gestão, chega ao modelo de gestão participativa, melhor aceito pela sociedade pós-moderna que preza pela distribuição do poder. Nesse ponto, o perfil esperado de gestor escolar, segundo a pensadora, deve ser não só o de líder, mas também o de alguém que domina o uso de tecnologias, um ser dinâmico e aberto a parcerias com a comunidade.

A respeito de indisciplina, Gallo retoma os estudos de Julio Groppa Aquino, docente da Universidade de São Paulo (USP) sobre o tema, para pontuar que o termo está ligado a um conjunto de comportamentos considerados graves, por parte dos alunos, porém, os critérios para se avaliar um fenômeno como indisciplina não são explicitados, nem mesmo são o resultado de uma discussão explícita, advinda da própria comunidade escolar. Além disso, há fatores que apontam para a existência de tal fato, como o componente curricular e a didática do docente. O tema é tratado, no livro, de forma aprofundada, apontando para a “razão subjacente à conduta transgressiva” (GALLO, 2019, p. 52). Fazendo-se relações com o ponto de vista sócio-histórico de Vygotsky, a autora confirma a ideia de que todo comportamento, indisciplinado ou não, é aprendido, o que faz com que ambientes de socialização, como família e escola, sejam postos em destaque. Ao citar pesquisas sobre a convivência no ambiente escolar, fica comprovado que é mais eficiente a elaboração conjunta de um código de conduta. Práticas democráticas na escola, como contratos pedagógicos e assembleias de classe, são alternativas para atenuar condutas transgressivas. Gallo, em seu livro, retoma as etapas de consolidação de ambas as práticas, bem como declara que sistemas de ensino ainda têm muito a se aperfeiçoar, visto que, predominantemente, adotam traços de uma gestão tradicional.

Sobre a violência, a autora discute os significados trazidos por dicionários, relacionando-os ao contexto escolar. Em seguida, citando o trabalho de Maria Auxiliadora Elias, apresenta suas categorias. Dada a complexidade do tema, a autora, citando Elias, sugere uma lista de sinais de violência ou de maus-tratos para serem observados, bem como de encaminhamentos a serem adotados. É o caso da aprendizagem de valores e de formas de atitude democrática, ou seja, formas de participação dos alunos junto com os professores. A responsabilização e conscientização também são condutas sugeridas pelas autoras especialistas no tema, fazendo com que a comunidade escolar se aproprie do seu papel de conservar a escola, o prédio físico e a rotina escolar. Nesse processo, práticas como a disciplina restaurativa e justiça restaurativa são incentivadas.

A fim de tratar do bullying, a educadora brasileira resgata o contexto de estudo do tema, bem como a definição do fenômeno. Por meio de pesquisas, são apresentados dados sobre onde e por que ocorre o bullying, suas consequências, principalmente, psicológicas. O cyberbullying, do mesmo modo, é tratado como intimidação sistemática que ocorre por meio da internet e de recursos tecnológicos. Como sugestão de resolução de conflitos relacionados ao bullying, Gallo parte, inicialmente, da conscientização da comunidade escolar para esse fenômeno, bem como capacitação dos profissionais da educação para identificar, aplicar estratégias de intervenção e de prevenção etc. Na opinião da autora, medidas preventivas partem de um trabalho conjunto entre os pais e profissionais, num projeto com vistas à conscientização dos valores humanos.

A Parte II do livro de Márcia Gallo, “A gestão e as vivências traumáticas nas escolas”, discute e trata, de forma prática, as considerações feitas na parte anterior, apresentando a escola municipal, em São Caetano do Sul, da qual a autora foi diretora entre 2009 e 2012. O leitor tem acesso à criação da escola, à mudança de nome e de condição administrativa, bem como às dificuldades que a educadora teve para implantar mecanismos de participação, em decorrência de hábitos autoritários e manipuladores de docentes, da temporalidade do cargo de diretor e da equipe técnico administrativa, e da falta do exercício da participação.

A gestão participativa é aprofundada por meio de uma ampla explanação sobre o perfil deste gestor que, calcada em referências sobre o tema, desdobra-o em cinco expressões: “diretor-gestor”, “diretor-animador”, “diretor-controlador e avaliador da gestão escolar”, “diretor-agente de ligação escola-comunidade” e “diretor-tecnológico”. Para a autora:

A gestão de uma escola necessita da existência dos cinco tipos de perfis, concomitantemente, apresentados de forma a contemplar todas as áreas de atuação do gestor, tratando-se, portanto, de uma visão integradora do trabalho a ser realizado. A cada dia ou ocasião uma dessas áreas se sobrepõe às outras, fazendo externar o perfil mais adequado para o que a urgência solicita. Desenvolver essa função integradora requer reflexão e prática. (GALLO, 2019, p. 141)

Gallo entende que tal modelo ainda está longe da realidade, visto que há um predomínio por um ou outro aspecto do trabalho da gestão, impedindo o desenvolvimento de uma visão integradora do trabalho do gestor.

O episódio envolvendo a escola em que a autora era gestora, em 2011, é narrado com muita delicadeza e apresenta dois planos: há informações no próprio corpo do texto e informações no Anexo do livro, fazendo com que o leitor, se desejar, possa aprofundar não só no perfil da escola, mas também na descrição do fato narrado. É possível identificar todas as etapas realizadas após o acontecimento trágico, demonstrando competência e ponderação da parte da gestora e do sistema público de ensino.

A partir do fato, Gallo elenca sugestões de programas que podem ser trabalhados na escola, como medida preventiva. É o caso do programa “Educar para a paz”, “disciplina restaurativa”, trabalhos para lidar com conflitos, a implantação de contratos pedagógicos e de assembleias de classe etc. Em todos esses programas, há a necessidade de envolver toda a comunidade escolar, fazendo com que todos os atores tornem-se responsáveis pela manutenção de uma ambiente escolar tolerante e ético. A autora reitera que as instituições auxiliares da escola (Associação de Pais e Mestres, Conselho de Escola, Clube de Mães) precisam atuar de forma efetiva, interagindo com o cotidiano escolar e atuando para a consolidação de práticas restaurativas e preventivas, quanto a focos de violência, indisciplina e bullying.

A parte III da obra, “Construindo pontes: a responsabilidade de cada um”, conclui as discussões sobre o tema, propondo alterações no plano estrutural do ensino. É o caso do “currículo do futuro”, ideia de Michael Young para a formação integral do indivíduo, a qual não deve ser somente intelectual, mas também pessoal e social. Gallo ressalta que, no caso do Brasil, é fundamental que as instâncias que tratam da Educação dêem relevância a temas regionais, visto que o país tem dimensões continentais e ampla diversidade cultural.

Sobre o planejamento escolar, a autora destaca a Cultura da Paz como norte para a tomada de decisões, o que se alia a uma gestão mais participativa. A educadora, em seguida, apresenta quatro propostas educacionais que obtiveram êxito no Brasil, apresentando opções de lazer aos estudantes para a redução da violência, como é o caso do “Programa Escola da Família”. O livro se encerra com a retomada das ideias de Paulo Freire acerca da autonomia, uma das marcas da gestão participativa, formada a partir da participação e da responsabilização de todos os grupos e equipes que compõem a dinâmica escolar.

A apresentação de referências teóricas, de dados de pesquisa e de relatos exitosos de experiência torna “Indisciplina, violência e bullying: um desafio para os gestores escolares” leitura obrigatória para todas as pessoas que almejam uma carreira profissional na área da Educação, seja do lado de dentro dos muros da escola, seja do lado de fora. Ler a obra de Márcia Gallo demonstra que a autora não perdeu o encanto pela Educação. Ao contrário: renovou suas forças para apresentar caminhos outros para o ensino, mas repletos de esperança.

REFERÊNCIAS

GALLO, Márcia. Indisciplina, violência e bullying: um desafio para os gestores escolares. São Paulo: Nova Literarte, 2019. [ Links ]

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